Paradoxo de sexta (22)

Oi, gente! O da semana passada se resolve, como bem notou um dos comentaristas, notando-se que os eventos encadeados — os voos bem-sucedidos do piloto — são independentes, o que invalida a soma direta das probabilidades.
Refazendo o exemplo da moeda: de fato, a chance de uma moeda dar cara OU coroa num único lance e 50%+50% = 100%, já que são eventos mutuamente excludentes. Agora, qual a chance de a moeda dar cara no primeiro lance OU no segundo? É óbvio que essa probabilidade não é de 100% — existe a possibilidade se tirar duas coroas.
Quando se quer calcular a probabilidade de um evento ocorrer em uma oportunidade OU outra, sendo que uma é independente da outra, a fórmula é 1- [p(~N)], onde “p(~N)” é a probabilidade de o evento não acontecer em nenhuma delas. Assim, por exemplo, qual a chance de se obter pelo menos uma cara em dois lances de moeda? É 1-p(Duas coras consecutivas), ou p(2Coroas), pra simplificar. Esse P(2Coroas) é 50%x50%, ou 25%. Logo, a chance de pelo menos uma cara é 75%.
Isso também explica o suposto paradoxo da loteria: a chance de uma pessoa ganhar duas vezes na loteria é maior ou menor do que a de ela ganhar uma vez só? A resposta é que a chance de ele ganhar a segunda vez é exatamente a mesma de ganhar a primeira, mas a chance de ganhar ambas é a multiplicação das chances — digamos, 0,0001×0,0001, da mesma forma que a chance de se tirar cara em cada lance de moeda é 50%, mas a chance de duas caras consecutivas é 25%.
O desta semana é o paradoxo da gravata.
É assim: dois homens ganham gravatas de suas mulheres no Dia dos Pais e, depois de tomar umas e outras, começam a discutir sobre quem tem a gravata mais cara. Conversa vai, conversa vem, decidem fazer uma aposta: cada um vai perguntar à mulher quanto a gravata custou, e quem tiver ganho a mais cara vai dá-la a quem ganhou a mais barata.
Um dos homens raciocina assim: se eu perder, perco só o valor da minha gravata. Se eu ganhar, ganho o valor da minha gravata, mais “x”. Logo, só tenho a ganhar com essa aposta.
O outro homem raciocina exatamente da mesma forma, e ambos estão satisfeitíssimos com a aposta.
Mas, espere um pouco: é impossível haver uma aposta onde os dois lados ganham. Apostas, por definição, não são win-win situations. O que está acontecendo aqui?

Ressurreição

Como esta é a semana da páscoa cristã, cai bem uma rápida análise do alegado fenômeno da ressurreição de Jesus. A ressurreição é um ponto especialmente saliente — e delicado — na teologia cristã em geral (e católica, em particular) porque, ao contrário de diversos outros eventos “maravilhosos” narrados na Bíblia (como a serpente falante do Paraíso), ela não se presta a uma reinterpretação alegórica: como diz Paulo em uma de suas epístolas, ou a ressurreição ocorreu de fato, ou o cristianismo não se sustenta.
Nesse aspecto, é importante destacar que ressurreição aqui, significa ressurreição mesmo, voltar da morte: explicações naturalistas (o despertar de um coma ou uma lenta recuperação da saúde) ou evasões (como na versão islâmica da história, na qual Jesus fugiu e uma imagem ilusória ficou na cruz) não se aplicam.
Claro, todo mundo é livre para aceitar a narrativa da ressurreição como artigo de fé, ou continuar acreditando apenas porque foi algo que lhe contaram no catecismo e em que não se teve tempo de pensar depois. Mas, pra quem quer pensar, cabe a questão: qual a evidência?
Há os testemunhos, presentes no novo testamento — e . Isso já é um pouco suspeito, mais ou menos como se, daqui a 2000 anos, a única fonte de informação sobre o governo Lula fossem press-releases assinados pela assessoria do Planalto. Nenhum historiador digno do nome levaria essa fonte ao pé da letra.
E agora, como esse relato aparece no novo testamento? Pouca gente sabe, mas os textos mais antigos dessa parte da Bíblia não são os evangelhos, mas as epístolas e os atos dos apóstolos. E tudo ali foi escrito décadas após a morte de Jesus. No caso específico da ressurreição, a mais antiga menção do Cristo ressuscitado é de Paulo, justamente o apóstolo que não havia encontrado Jesus em vida. A narrativa de Paulo fala em aparições, e não fica claro se ele se refere a um homem ressuscitado de carne e osso ou a uma visão mística, como as visões de Maria que algumas pessoas alegam receber até hoje.
Os evangelhos também não ajudam muito: o mais antigo de todos (e, portanto, mais próximo aos eventos) o de Marcos, sequer apresenta a figura do Cristo ressuscitado; o texto original de Marcos termina com a tumba vazia, e as mulheres que tinham ido visitar o túmulo fugindo, aterrorizadas, depois de vê-lo aberto e abandonado.
Esse é um final um tanto chocante, e provavelmente por isso os versículos seguintes foram incluídos mais tarde (existem duas “continuações alternativas”, e o chamado “final longo”, composto pelos versos 9 a 20 do capítulo 16, provavelmente data do século 2 EC).
Os outros dois textos que, com Marcos, compõem os chamados evangelhos sinópticos — Lucas e Mateus — apresentam relatos inconsistentes entre si do que teria ocorrido após a ressurreição. Mateus embeleza um pouco mais a narrativa, falando em terremoto, na presença de um anjo e uma ordem das autoridades para que fosse espalhado um boato de que o corpo havia sido roubado. Lucas é mais elaborado ainda, acrescentando mais novos incidentes. A tendência de contar o conto aumentando um ponto é mantida em João.
O último capítulo atribuído ao autor de João é o 20. Mesmo esse texto é estranho e dá a impressão de ter sido editado por terceiros — por exemplo, Pedro parece entrar na tumba vazia duas vezes. Além disso, há toda uma narrativa do encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos no Mar da Galileia, o capítulo 21, chamado epílogo de João, que estudiosos acreditam que não foi escrito pelo autor do restante do texto, tratando-se de uma adição posterior.
A narrativa da ressurreição nos evangelhos, enfim, tem todas as marcas de uma lenda em marcha — começa como uma mera insinuação um mistério em aberto (a tumba vazia de Marcos) e cresce até virar, literalmente, uma história de pescador (Jesus ressuscitado ajudando os apóstolos a pescar na Galileia). Já a narrativa de Paulo assemelha-se mais a um êxtase místico, o que é um fenômeno psicológico, não um milagre.
Claro, nada disso prova que a ressurreição não ocorreu. Mas, até aí, também não existe prova de que Maomé não foi levado, fisicamente, de Meca a Jerusalém pelo anjo Gabriel, como afirmam alguns biógrafos.

O fetiche da certeza

De quantas coisas você tem certeza? Digo, certeza mesmo, certeza matemática, certeza do mesmo tipo da que garante que existem infinitos números primos, ou de que, dada uma fileira de copos com um nível de água diferente em cada um, é sempre possível organizá-la do mais cheio para o mais vazio, ou vice-versa?
Não é preciso pensar muito para concluir que há pouquíssimas certezas desse tipo disponíveis, no dia a dia, para a mente humana — a menos que você seja um matemático profissional. Por exemplo, qual o grau de certeza que você pode ter de que está lendo este blog? Você pode estar sonhando com ele, por exemplo. Aliás, quanta certeza você pode ter de que você mesmo existe?
O fato de que existem muito poucos dados que são rigorosamente, logicamente demonstráveis na experiência humana provocou três reações exacerbadas distintas ao longo da história da filosofia: primeiro foi o chamado ceticismo clássico: é impossível haver conhecimento, logo duvide de tudo indiscriminadamente. A segunda, de Descartes, postula a existência de Deus como uma espécie de fiador da realidade tal como apreendida pelos sentidos, o que reduz toda pretensão de conhecimento a um ato de fé. A terceira é o que eu chamaria de postura New Age: se eu não tenho certeza e você não tem certeza, então estamos todos certos, a “minha verdade” não é melhor que a “sua verdade” e então vamos relaxar e levar a vida numa boa.
O problema com as reações exacerbadas é que elas são, ao fim e ao cabo, inoperantes (ou inoperáveis). Você não vai durar muito, por exemplo, se sempre que for atravessar a rua você duvidar da materialidade do caminhão que vem descendo a ladeira. A jogada cartesiana, por sua vez, é arbitrária demais, e a postura New Age não só destrói qualquer possibilidade de avanço do conhecimento (que depende do descarte de hipóteses erradas — algo que não existe nessa visão de mundo) e de discurso coerente.
Mas essas são as soluções exacerbadas. Existe uma solução moderada?
Sim: proporcionar a convicção à evidência. Isso não costuma pegar bem — muitas pessoas tendem a confundir a capacidade de uma pessoa de defender uma crença com firmeza com força de caráter ou, como diz o ditado, eu sou perseverante, você é teimoso, ele é um cabeça-dura — mas acaba sendo a única saída para a armadilha da “certeza absoluta” que, se exigida continuamente só pode gerar uma de duas respostas honestas: o vale-tudo ou o não-vale-nada.
Alguém poderia ficar em dúvida sobre como esse tipo de proporcionamento da convicção poderia ser usado numa base cotidiana. Afinal, como uma convicão parcial pode levar à ação?
Um guia interessante é a noção de graus de prova usada pelo judiciário nos EUA (não sei como é no Brasil… maldita cultura colonizada). Basicamente, a coisa vai de “há evidência de que”, “a evidência sugere que”, “a evidência preponderantemente indica que” e até “a evidência prova acima da dúvida razoável”.
Você não vai condenar um sujeito à morte por algo aquém de prova acima da dúvida razoável, mas “há evidência de que” pode muito bem justificar uma multa de trânsito.
Esse tipo de proporcionalidade pode parecer paralisante para o processo de tomada de decisões, mas não é. Paralisante é esperar a certeza inatingível e então agir com convicção mal embasada (porque apoiada numa certeza falsa) ou agir por palpite, porque é impossível saber o que seria melhor.

Paradoxo de sexta (21)

O da semana passada foi executado rapidamente: como vários comentaristas notaram, a expectativa de vida é uma média que computa várias “oportunidades” de morte que ocorrem ao longo dos anos, e quem “perde” as oportunidades da juventude (ter diarreia quando bebê, ser baleado fazendo serviço de olheiro para o narcotráfico aos 12 anos, estourar-se num racha de automóveis aos 16, por exemplo) ganha “anos extras”.
Hoje vou com mais um paradoxo da probabilidade. Uma regrinha prática muito útil do cálculo de probabilidades diz que basta substituir a conjunção “e” por um sinal de multiplicação e a conjunção “ou” por um sinal de adição para ter a expressão aritmética de uma probabilidade.
Por exemplo, qual a probabilidade de um lance de moeda dar cara ou coroa?
Fazendo as substituições:
p(Cara): 50%.
p(Coroa) 50%.
Ou: +
Assim: 50% + 50% = 100%. Claro: uma vez lançada, a moda dará cara OU coroa, 100% das vezes.
Agora: imagine, por exemplo, uma guerra onde cada piloto de avião que parte numa missão de bombardeio tem 80% de chance de voltar vivo para a base. A chance dele ser abatido, portanto, é de 20% em cada missão. Pela regra acima, a chance dele ser abatido, depois de uma série de missões, é de 20% (1o. voo) OU 20% (2o voo) OU 20%… fazendo a conta, dá para ver que é garantido que, se durar até lá, no quinto voo ele será morto, inevitavelmente, porque 20+20+20+20+20 + 100.
No entanto, muitos pilotos fazem seis, sete, até 20 voos sem sofrer danos ou ferimentos graves. Na verdade, a taxa de perda se aproxima de 90% só lá por volta do décimo voo. Como é possível?

Categorias

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM