Popularidade do Lula cai, Dilma come poeira…
Saiu ontem a nova rodada de pesquisas CNT/Sensus, que indica uma queda na popularidade do presidente Lula e dificuldades para os planos eleitorais da ministra Dilma Roussef.
Mas este é um blog de ciência, não de política – na maior parte das vezes, ao menos – então, por que diabo estou falando nisso? Basicamente, porque pesquisas de opinião pública são um instrumento científico, e é interessante entender melhor o que elas significam. Para isso, é preciso ter uma noção do que significam a margem de erro, o nível de confiança e a própria pesquisa.
No Brasil, a mídia raramente divulga o intervalo de confiança das pesquisas de opinião. Talvez seja para não confundir. Já nos EUA é comum ver coisas como “margem de erro de 3%, 19 de 20”. O “19 de 20” significa que o intervalo de confiança é 95%. Afinal, o que essas coisas querem dizer?
Bom, primeiro, a pesquisa: uma pesquisa de opinião pública, se bem executada (não vale, por exemplo, criar perguntas que já vêm com a resposta embutida, ou entrevistar só gente que concorda com você), é um retrato da opinião da população visada no momento em que a pesquisa é feita. Ela não prevê o resultado das eleições; apenas diz o que as pessoas estão pensando naquele momento.
A margem de erro é a variação esperada entre o resultado da pesquisa feita por amostragem (no nosso caso, ouvindo apenas alguns milhares de pessoas, em vez de milhões de eleitores) e o de uma outra pesquisa, hipotética, que tivesse realmente ouvido todo mundo.
Quando a CNT/Sensus diz que sua margem é de 3%, o que ela está dizendo é que, se tivesse entrevistado todos os eleitores brasileiros (em vez de apenas 2 mil) o resultado estaria dentro de uma margem de 3 pontos percentuais do obtido na pesquisa realmente feita.
E aí aparece a questão do intervalo de confiança. Digo, com que grau de segurança pode-se afirmar uma coisa dessas? Que uma pesquisa de 100% da população, que não foi feita, teria um resultado dentro de determinada margem?
Nas pesquisas americanas, essa questão é respondida pela expressão “19 de 20”: com isso, estão dizendo que, se a pesquisa fosse repetida 20 vezes, em 19 delas (ou, em 95% dos casos) o resultado ficaria a, no máximo, 3 pontos percentuais de distância do que seria apurado se ouvíssemos todas as pessoas. Em outras palavras, há uma chance em 20 de que o resultado da pesquisa esteja fora da margem de 3 pontos, por puro azar.
Não chega a surpreender, portanto, que é o intervalo de confiança desejado que determina o cálculo da margem de erro. E é uma conta extremamente simples: para um intervalo de confiança de 95% (ou “19 de 20”) basta dividir 98 pela raiz quadrada do total de pessoas entrevistadas. Para a pesquisa CNT/Sensus, o resultado é 2,19%. Mas eles anunciaram a margem de erro de 3%! Arredondaram quase um ponto percentual para cima?
Ou isso, ou talvez estejam trabalhando com um intervalo de confiança maior. Digamos, de 99 em 100 — isto é, espera-se que, de cada 100 repetições, 99 caiam dentro da margem. Para calcular a margem de erro nesse intervalo, basta dividir 129 pela raiz quadrada do total de entrevistados. Isso dá 2,88%, uma aproximação muito melhor de 3%.
(Checando o site da CNT, encontrei o relatório completo da pesquisa, que realmente indica um intervalo de confiança de 95%, não 99%. Isso pode ser um arredondamento cauteloso para cima, ou algum tipo de correção necessária por conta da forma como foi selecionada a amostra; as contas com 98 e 129 só valem para as chamadas amostras aleatórias simples).
E se um dia a Pátria amada precisar da macacada…
Hoje é 7 de Setembro, então acho que cabe um pequeno parêntese cívico nesta esteira de blogagem científico-matemática. Em breve, de volta à programação normal.
O que eu gostaria de mencionar nesta data é algo que vem me preocupando muito já há um bocado de tempo — a crescente influência religiosa na vida pública. Para ficar num exemplo mais recente (e, até certo ponto, inócuo) cito a cerimônia grotesca em que Lula sancionou a Lei do Dia da Marcha pra Jesus.
Existem, claro, sinais ainda mais preocupantes, como a aprovação na Câmara do tratado com o Vaticano, ou até mesmo a interferências diretas do dogma religioso na execução de políticas públicas, como a lei aprovada no município de Jundiaí (SP) — e sancionada sob pressão direta e escrutínio do bispo católico local — proibindo a distribuição de um certo tipo de anticoncepcional pela rede de saúde pública.
Esse é um problema recorrente com religiões e foi o que me fez virar, depois de anos de ateísmo de foro íntimo, o que alguém poderia chamar de um ateu “estridente”, ou “militante”: a incapacidade estrutural que os credos têm de se manterem, educadamente, dentro de seus respectivos cercadinhos.
Se a sua religião diz que a mulher foi criada para parir um pivete por ano até a morte ou a menopausa, o que vier primeiro; que aceitar órgãos doados é canibalismo, que é melhor ficar paralítico a aceitar células-tronco; que pintar retratos de gente morta lá se vão séculos é blasfêmia, problema seu e de quem concorda com você. Mas tente impor isso a quem não concorda, e aí a coisa se complica.
Todo credo é a favor da tolerância, do diálogo e da liberdade quando está por baixo, mas ponha uma religião numa posição de proximidade com o poder — seja o papado na Europa medieval, o islã em boa parte do Oriente Médio hoje, o budismo no Tibete pré-China ou o bispo católico na sua cidade — e veja só o que acontece.
Nesse aspecto, religiões são muito parecidas com movimentos políticos extremistas, como o nazismo ou o comunismo. Para esse tipo de ideologia, a liberdade não é um valor fundamental, mas meramente tático. Ou: a verdadeira liberdade é a liberdade de concordar comigo; você só vai ser livre depois de se ajoelhar neste altar aqui.
Políticos, claro, são animais adaptáveis e já notaram que é fácil angariar votos como voluntário servindo cachorro-quente na quermesse de Santo Antônio (ou dando testemunho de fé na rádio pirata do pastor) e depois fazer o que quiser com o mandato, oincelando uma ou duas concessões piedosas entre emendas espúrias ao orçamento e pizzas em CPIs.
Não que eu creia que isso vá durar muito tempo — eleitores são criaturas pavlovianas, e tendem a ficar espertos depois de apanhar o bastante.
Mas a questão é, quanto tempo é “não muito tempo”? E até onde o apetite pelo voto fácil pode levar as “concessões piedosas”? Que tipo de dano poderá ser causado até que a tendência se reverta? O risco de uma teocratização do debate público nacional, na campanha de 2010, é real, imediato e inquietante.
Religião é algo que se aceita, lei é algo que se impõe. Como já disse alguém, afirmar que “X está na lei” equivale a dizer que “o governo pode, legitimamente, mandar homens armados atrás de você para coagi-lo a fazer X”.
Melhor não misturar as duas coisas, certo? Este é o meu voto de 7 de Setembro. Fecha parêntese.
(PS) Coincidência e, claro, a Mega-Sena
Depois de fazer a postagem de quinta-feira passada (vamos lá, não seja tímido, é só ler um pouco mais abaixo nesta mesma coluna) ocorreu-em a ideia de aplicar a fórmula ao total de jogos possíveis da Mega-Sena (50.063.860) e ver, afinal, quantas apostas são necessárias para que a chance de que dois apostadores tenham escolhido as mesmas dezenas seja maior que 50%. O resultado é surpreendentemente baixo: 8.349,19. Ou 8.350, pra arredondar.
Paradoxo de sexta (42)
Nos comentários sobre o da semana passada, o Paradoxo de Braess, surgiu a ideia de que ele nasce do fato de que cada pessoa tende a buscar o que é melhor para si mesma, sem pensar na coletividade. Isso é parte da solução, mas a explicação global é mais complexa, já que envolve o Equilíbrio de Nash (é, aquele Nash). Um Equilíbrio de Nash é uma situação onde nenhum participante de um jogo é capaz de melhorar seu resultado sozinho.
Meu exemplo favorito é o do trânsito em São Paulo: suponha que você, um cidadão dotado de espírito público e ecológico, decida passar a deixar o carro em casa e a ir de ônibus para o trabalho todos os dias. O que acontece?
Há uma boa chance de que a sua qualidade de vida e a de outras pessoas piore muito — já que sua presença no ônibus vai aumentar a lotação para todos os que estão lá — e a qualidade de vida do restante a população não melhore nada (afinal, um mísero carro a menos não vai acabar com o congestionamento, e nem limpar o ar da cidade).
No caso do Paradoxo de Braess, é isso o que acontece: fechar a rua pode ser, eventualmente, o único jeito de melhorar o trânsito porque isso força uma mudança coordenada e coletiva, que é a única coisa capaz de quebrar o equilíbrio.
(Deixo ao leitor a sugestão de refletir sobre o que o fato de existirem equilíbrios de Nash diz a respeito da mão invisível do liberalismo laissez-faire e da necessidade, ou conveniência, da ação do Estado na economia.)
Em termos do jogo de futebol, onde podemos tratar os jogadores como “ruas” que a bola pega para chegar ao gol — sei que parece mais natural tratar os jogadores como os nós da rede, mas o modelo que apresento, onde os nós são posições do campo e os jogadores, as arestas, também faz sentido e permite algumas simulações úteis — o artilheiro do time pode se tornar uma “via congestionada”, criando um Equilíbrio de Nash em campo. Sacá-lo do time pode forçar a equipe a encontrar vias alternativas.
O desta semana é o Paradoxo do Cérebro de Boltzmann (nada a ver com o Cérebro de Donovan, romance de ficção científica de Curt Siodmak, que também é o autor da história em que se baseia o novo filme de Lobisomem com Benicio Del Toro…).
Boltzmann, no caso, é o cara da entropia termodinâmica. Você sabe: num sistema fechado, a energia tende a dissipar-se em formas inúteis, as temperaturas tendem à uniformidade e, cedo ou tarde, todos morreremos de tédio.
À constatação de que, estatisticamente, o universo tende à uniformidade desordenada, soma-se a constatação de que no universo existem estruturas altamente organizadas — os cérebros (ou seus análogos) das formas de vida inteligentes. E a essas duas constatações, acrescenta-se uma outra: cérebros surgiram tarde na história do universo. É como se, num sistema de passou bilhões de anos rolando ladeira abaixo, movendo-se na direção da desordem, de repente alguma coisa desse um enorme salto para cima.
Nada, nas leis da terdodinâmica, proíbe o surgimento espontâneo e pontual de ordem: com uma infinidade de partículas flutuando à vontade por aí, é praticamente inevitável que uma ou duas de vez em quando se juntem num padrão interessante — um triângulo, um quadrado, uma rosa, um cérebro.
É aí que entra o paradoxo: É infinitamente mais provável que um único cérebro surja espontaneamente do caos termodinâmico, repleto de memórias e sensações falsas, do que bilhões de cérebros capazes de interações reais. Ou: O Universo que observo é extremamente mais complexo que o que seria necessário para justificar a existência de minha mente.
Será, então, que só eu (ou você?) existo, e todo o resto é ilusão do caos termodinâmico? cartas para a redação.
A fórmula da coincidência
Eu me lembro que certa vez fiquei muito surpreso ao saber que uma então colega de trabalho, que ainda por cima cobria a mesma área que eu, fazia aniversário exatamente no mesmo dia (embora fosse quase dez anos mais nova, mas esse é um fato deprimente que prefiro deixar para trás…).
Mas, afinal, qual a probabilidade disso acontecer? Na minha família há uma série de coincidências curiosas: eu e um tio fazemos aniversário quase no mesmo dia, e meu pai, minha irmã e meu sobrinho aniversariam, todos, num intervalo de uma semana. Com 365.25 dias no ano, é de se esperar que o destino fosse mais criativo que isso… certo?
O fato, no entanto, é que essas coincidências são bem comuns.
Começando pelo começo: a chance de duas pessoas, num mesmo grupo de “n” membros, não terem o mesmo aniversário é de (364/365)x(363/365)x(362/365)… com “n” frações na série. Fazendo 1 menos essa conta, tem-se a chance de duas pessoas partilharem a mesma data. Quando “n” chega a 23, o resultado supera 0,5.
Isto é: em qualquer grupo com 23 pessoas ou maior, há mais de 50% de chance de que pelo menos duas tenham o mesmo dia de aniversário.
Com semanas, basta substituir a fração inicial por (51/52) e prosseguir da mesma forma, subtraindo 1 do numerador a cada iteração. Com meses, é só começar com (11/12), e assim por diante.
Na verdade, existe uma fórmula geral que dá uma boa aproximação para esse processo trabalhoso: o número de pessoas que é necessário juntar para haver uma chance de pelo menos 50% de que dois desses indivíduos partilhem uma determinada característica em comum é de aproximadamente 1,18*[SQR(x)], com “x” sendo o total de diferentes opções para a característica em jogo (365 dias para fazer aniversário, 12 meses, 52 semanas, 450 ex-namorados, ou o que você quiser).
Fazendo a conta com 365, o resultado é 22,58, não muito longe da resposta correta, 23.
Com 12 no lugar de “n”, o resultado é 4,08. Isso significa que, num grupo de 4 ou 5 pessoas, a chance de que pelo menos duas tenham nascido num intervalo de 30 dias uma da outra – o que pode significar, por exemplo, que nasceram no mesmo mês, ou que partilham o mesmo signo zodiacal – é superior a 50%.
Então, da próxima vez que você for a uma convenção de Star Trek e descobrir que aquela menina linda de minissaia e orelhas pontudas de látex também é de Touro, não ache que isso prova que todos os taurinos são nerds. A fórmula das coincidências pode explicar isso muito melhor que a astrologia jamais pôde.
Saúde, beleza e nota de rodapé
É provável que os visitantes do ScienceBlogs Brasil já tenham notado que, de vez em quando, pintam por aqui uns anúncios meio malucos, tipo mapa astral, logosofia ou oração de São Seiláquem para amarrar o amor. Eu nem reclamo muito, já que, dado o título específico deste meu blog, o efeito global é o de uma certa ironia involuntária.
Alguém desavisado poderia achar — eu acho — que se trata apenas de um robô burro, que busca palavras-chave e gruda anúncio de medalhinha da Virgem em qualquer lugar onde a palavra Bíblia apareça mais de duas vezes ao mês, mesmo que seja o blog de um infiel contumaz, onde o Bom Livro só entra para dar mau exemplo.
Mas, se é um robô burro, ele é pelo menos tão burro quanto os promotores de charlatanices “soft” em geral, das que prometem beleza, juventude e quilos a menos sem esforço e a preços módicos. Ou fui só eu que notei que revistas de saúde, mesmo as de conteúdo mais sério, são verdadeiros ímãs de propaganda duvidosa?
Como jornalista, entendo perfeitamente a angústia do dono da editora, que para manter a publicação independente (isto é, sem depender dos favores do governo ou de uma ou duas grandes empresas) às vezes tem de abrir espaço para publicidade duvidosa, e também conheço a voracidade dos contatos publicitários, que se deixados na rua sem guia e focinheira são capazes de vender até o espaço do selinho do editorial principal do Estadão e botar lá um anúncio colorido de casa de massagem.
Mas quando o assunto são revistas de nicho — de saúde, beleza, atividade física, artesanato, etc. — a coisa fica ainda mais complicada porque é difícil imaginar um anunciante que também não seja, ao menos potencialmente, alvo de reportagem. É o problema de se fazer jornalismo de “mundo pequeno”: se o principal anunciante do jornal de Capirópolis do Norte é o dono da imobiliária Tranbik, cursilhista, é preciso muito estômago para dar a notícia de que o filho dele, padre Renivelson Tranbik Júnior, foi preso com o nariz cheio de cocaína e acompanhado de três coroinhas num motel.
Mas, só pra variar, divago. O que eu queria comentar são duas notas de rodapé que encontrei em anúncios de um número recente de uma revista chique de saúde feminina — um de um creme para a pele com duas fórmulas, “diurna” e “noturna”, e outro de uma fórmula emagrecedora. No do creme, as letrinhas miúdas informam:
Baseado em estudo de percepção das consumidoras. Realizado com o creme diurno.
Isso porque o slogan principal do anúncio diz: 84% das mulheres viram uma melhora instantânea na textura e radiância da pele.. Eu deixo aqui um link para o Dicionário do Cético, ligando ao verbete desvio para a confirmação, e a frase imortal de Ben Franklin: “Não há maiores mentirosos no mundo que os charlatões — exceto por suas vítimas”, como pistas para o fato de que a opinião de 84% de um grupo de mulheres sobre as quais nada sabemos, obtida sem controle algum, e que só usaram 50% do produto não vale, numa estimativa generosa, bulhufas.
(Aliás, o que será que aconteceu com as outras 16%? Tremo só de pensar)
O segundo anúncio é de um composto emagrecedor, formado, até onde consegui entender, por suplementos alimentares (chá verde no meio, como sempre) e que traz, de novo em letras miúdas:
O Ministério da Saúde adverte: não existem evidências científicas comprovadas de que este alimento previna, trate ou cure doenças.
Fora o abismo epistemológico aberto pela expressão “evidências científicas comprovadas” — como assim? — o que a advertência realmente quer dizer é, “ninguém sabe se essa gororoba pela qual estamos cobrando os olhos da sua cara realmente funciona. Provavelmente, não”.
A se elogiar, a presença das notas (supondo que alguém interessado nos produtos vá mesmo lê-las e, lendo-as, leve-as a sério). Imagino que a Vigilância Sanitária esteja apertando o cerco a esse tipo de produto, que flerta com o folclore e com a alimentação, insinuando-se — sem jamais se definir — como remédio.
Nos EUA, essas coisas — produtos que têm cara de remédio, cheiro de remédio, fazem promessas de remédio mas que, na letra miúda, se definem como” alimentos” e, assim, escapam da fiscalização mais rigorosa e dos critérios de prova científica impostos aos remédios — já são um problema sério.
E não vejo muita saída: digo, se formos exigir que as autoridades sanitárias apertem de vez a fiscalização sobre os alimentos, logo, logo feijoada e caipirinha só poderão ser vendidas com tarja preta e apreensão de receita. E quem quer isso?
Ainda a Mega-Sena…
Uma coisa divertida a respeito da internet são as ferramentas que a gente acha por aí. Por exemplo, depois de baixar toda a série histórica da Mega-Sena para o meu computador (a Caixa oferece um formato HTML, não Excel, vá lá saber por quê), fiquei pensando, bolas, como tratar esses dados?
Bom, eis que descobrir este fantástico Descriptive Statistics Calculator, e resolvi aplicá-lo a dois conjuntos de dados da loteria: número de ganhadores por concurso e prêmio pago, também por concurso. Tive de cortar parte dos dados (o calculador só aceita até 1024 entradas, e a Mega já tem mais de 1100 jogos), mas fiz isso eliminando alguns valores aleatoriamente.
O que obtive?
Bom: o número médio de ganhadores por concurso é de 0,29, o que indica um grande número de sorteios sem ganhador (os “acumulados”). Na verdade, esse resultado mostra que a sena, historicamente, vem sendo ganha uma vez a cada três ou quatro sorteios, em média.
Quanto aos prêmios, o prêmio médio da sena é de R$ 2 milhões. Essa média é alta assim mesmo levando-se em conta que dois de cada três concursos não pagam nada — um provável efeito do fato de o prêmio acumulado ser transmitido para o concurso seguinte.
A chance de alguém acertar a sena jogando seis números continua a ser, claro, menos de uma em 50 milhões. A planilha da Caixa não diz quantos apostadores há em cada concurso, infelizmente, mas o fato de serem necessários de três a quatro concursos para a sena sair sugere que haja algo como 15 milhões de jogadores da Mega-Sena, ou 8% da população brasileira.
Claro, esse número ignora os jogos com mais de 6 dezenas, os bolões, etc, mas imagino que ele não esteja muito longe da realidade e tenhamos de 4% a 12% dos brasileiros fazendo sua fezinha, dependendo da época e do prêmio oferecido.
(Adendo: esta nota da Folha Online de 2007 sugere que o movimento médio da Mega-Sena envolve 7 milhões de apostas, ou algo perto de 4% da população brasileira atual — de novo, ignorando-se os bolões).
Paradoxo de sexta (41)
Bom, o da semana passada – que chamei de Paradoxo dos Povos Primitivos – representa, como foi notado nos comentários, um falso dilema, ao menos na esfera lógico-teórica: na interação entre duas culturas, deve haver outra opção que não a assimilação ou o isolamento. É concebível, por exemplo, uma coevolução, na qual ambas se influenciam e estimulam, mas sem que cada uma perca efetivamente seu “sabor” característico.
Mas confesso que continuo na dúvida quanto à aplicabilidade prática da coevolução quando o desnível tecnológico e/ou populacional entre as culturas é muito grande, e mesmo quando o contato é cheio de boas intenções. Digo, as grandes culturas do Oriente – Índia, China, Japão – certamente existem em coevolução com a Ocidental, mas como seria possível coevoluir com uma cultura neolítica, hoje, sem esmagá-la, ainda que só por acidente? E, se a coevolução é impossível, por motivos práticos, o paradoxo se reinstala.
Quanto ao hipotético contato alienígena – com a humanidade na ponta “primitiva” da equação -, se a opção fosse entre assimilação ou isolamento, eu sou totalmente pela assimilação (que nenhum Borg ouça isso…)
Mas hoje é dia de coisa nova. Vamos ao Paradoxo de Braess.
Este paradoxo tem um enunciado enganadoramente simples: ele diz que há situações em que reduzir as rotas disponíveis numa rede – onde “rotas” podem ser, por exemplo, ruas numa rede rodoviária, ou jogadores num time de basquete ou de futebol (onde os atletas são abstraídos como as rotas por onde a bola passa) – pode de fato melhorar o tráfego (ou, no caso esportivo, aumentar o número de gols).
Em termos práticos, isso significa que um time com 10 pode jogar melhor que com 11; que a interdição de uma rua em meio a um congestionamento pode fazer o trânsito fluir melhor. E não se trata de papo furado: em 1990, o fechamento da Rua 42 em Nova York fez o trânsito melhorar tanto, mas tanto, que a coisa até rendeu reportagem do New York Times.
Como é possível?
Método infalível para nunca perder na Mega-Sena
Folheando outro dia uma dessas revistas femininas de R$ 1,99, encontrei um catálogo de livros de venda pelo correio que, em meio a ofertas vibrantes e de alto valor sociológico-cultural, como Faça a Sua Macumbinha, Amarre o Amor com os Orixás e O Grande Livro Negro Capa de Aço de São Cipriano (aliás, aqui cabe um mea culpa: vivo tirando sarro de pregadores evangélicos, dizendo que Senhor Jesus cura câncer e dá casa própria, mas não ensina português; pois é, não é só o Cordeiro que se detém na barreira da gramática; o Orixá também), havia o Manual da Mega Sena e as Apostilas da Lotomania.
Pelo que deu pra entender da descrição dos livros que aparece no catálogo (não, não comprei nenhum: isso, só com verba da Fapesp), eles trazem análises e tabelas de frequência de números sorteados, e tiram algumas conclusões esotéricas do fato. Mas, quais conclusões poderiam ser essas?
Bom, digamos que determinadas dezenas apareçam com mais frequência do que outras na série histórica de Mega-Sena (que acumula mais de 1.000 sorteios já realizados). E daí?
Isso pode dar margem a duas interpretações: (a) os números “repetidos demais” são uma aberração probabilística, e portanto em breve devem parar de ser sorteados (para manter a média), logo não se deve jogar neles; ou (b) as bolinhas usadas no sorteio não são todas exatamente iguais — algumas talvez sejam uns poucos miligramas mais pesadas que as outras — e esse efeito aparece na repetição dos números, logo deve-se jogar neles.
(Adendo: como o João Carlos notou nos comentários, as bolas realmente usadas na Mega-Sena são trocadas a cada cinco concursos, o que, em tese, evitaria qualquer espécie de favorecimento consistente a uma dezena específica ao longo de uma série comprida de sorteios. Mas a troca não garante, apenas torna improvável um viés nos resultados finais de longo prazo. E até aí, a Mega-Sena em si já é um negócio improvável pra burro, mesmo…)
Agora, quando o mesmo dado — uma flutuação na frequência esperada das dezenas — sugere dois cursos de ação mutuamente excludentes, é óbvio que alguma coisa está errada. O melhor a fazer é observar um número suficientemente grande de sorteios e ver qual o fenômeno que se confirma — digamos, sequências de sorteios onde determinadas dezenas aparecem muito, seguidas por sequências onde não aparecem, o que sugeriria flutuação estatística com regressão para a média; ou o surgimento, consistente, de dezenas que aparecem quase sempre.
(Apostar contando com a regressão para a média é um método conhecido como Martingale, e tem a contraindicação de que, geralmente, o apostador vai à bancarrota antes que a regressão ocorra)
Afinal, qual a probabilidade de uma dezena qualquer, das 60 presentes no cartão, estar entre as seis sorteadas?
Curiosamente, ela é até alta: 30%. Isso quer dizer que, a cada três ou quatro apostas que você fizer, na média em pelo menos uma delas você deve acertar pelo menos uma dezena. É por isso que o governo não paga nada para quem acerta um número só. É fácil demais.
Sabendo que a Mega-Sena já realizou mais de mil sorteios, qual a chance de um número já ter sido sorteado? Isso é 1 menos chance de ele nunca ter sido sorteado, que é 0,7 elevado à milésima potência. Minha calculadora simplesmente se recusa a fazer a conta: pra ela, a subtração dá exatamete 1, ou 100%.
Ou seja, se houver alguma dezena que ainda não saiu, a bolinha dela provavelmente está cheia de hélio e fica flutuando em direção ao alto da gaiola. Evite jogar nesse número.
E quanto a repetições? Um conceito muito usado por cientistas é o da significância estatística: basicamente, quando os resultados de um experimento têm uma probabilidade menor de 5% de terem acontecido por acaso, aceita-se que, em princípio, pode haver um efeito real ali. Muita gente defende que essa marca da significância baixe para 1%, mas ficando nos 5%: quantas vezes uma dezena teria de ter saído, ao longo de mil concursos, para podermos concluir que ela realmente é favorecida?
Bom, cada dezena tem uma chance de cerca de 50% de ter aparecido mais que 300 vezes, mas apenas 5% (4,5%, na verdade) de ter aparecido 325 vezes ou mais. Então, aí está: se você achar um número da Mega-Sena que saiu mais de 325 vezes em mil concursos, isso é cientificamente significativo: há uma chance de que ele seja favorecido por alguma peculiaridade física da bolinha onde está estampado.
(Para confirmar isso é preciso reproduzir o experimento, o que envolveria esperar mais mil concursos e ver se a tendência se mantém. Para quem não está com pressa…)
Claro, isso ajuda a escolher uma dezena; ficam faltando cinco. Além do quê, continua em aberto a questão de quando o número favorecido vai mesmo sair: se a chance dele aparecer for de, digamos, 32%, sobre os 30% dos demais, pode ser necessária uma longa sequência de apostas para que se possa tirar proveito do fato.
Então, qual o método infalível para nunca perder na Mega-Sena? Não jogar.
Homeopatia faz mal para a África
Respondendo a um apelo de médicos africanos assustados com o aumento da oferta de tratamentos homeopáticos para doenças que assombram o continente – como malária, tuberculose, diarreia e aids – a OMS finalmente saiu de seu coma politicamente correto e emitiu comunicados condenando o uso da técnica “alternativa” para o tratamento dessas doenças.
Há um longo texto a respeito no site da BBC, do qual ofereço estes excertos:
Dr Mario Raviglione, director of the Stop TB department at the WHO, said: “Our evidence-based WHO TB treatment/management guidelines, as well as the International Standards of Tuberculosis Care do not recommend use of homeopathy.”
Dr. Mario Raviglione, diretor do departamento Pare a Tuberculose da OMS, disse: nossas recomeddações de tratamento e controle baseados em evidências da tuberculose, bem como os Padrões Internacionais de Tratamento da Tuberculose, não recomendam o uso da homeopatia.
Outro:
“Homeopathy does not focus on the treatment and prevention of dehydration – in total contradiction with the scientific basis and our recommendations for the management of diarrhoea.”
Homeopatia não focaliza no trtamento e prevenção da desidratação – em total contradição com a base científica e nossas recomendações para o controle da diarreia.
.
Resta saber o que o príncipe Charles vai achar dessas chocantes revelações…