Gordo demais para morrer?
Condenado por duplo homicídio, Richard Cooey, 1,7 metro, 121 kg (IMC 41, obesidade mórbida), pediu clemência alegando que é pesado demais para receber o único método de execução autorizado no estado de Ohio, a injeção letal.
A alegação é pitoresca, mas tem base científica: o efeito de drogas sobre o organismo humano costuma ter uma relação com massa corporal (por isso que os gordos demoram mais pra ficar bêbados).
No caso específico do protocolo de execução por injeção letal adotado nos EUA, que se vale de três drogas, a primeira é um anestésico – e se a dose dessa injeção inicial for insuficiente, o resultado final da operação não é nada agradável (bom a morte quase nunca é, mas há modos e modos de sair de cena…).
Não era mais fácil entupir o cara de cheese-bacon-egg-burgers e deixar a natureza seguir seu curso?
É sustentável a sustentabilidade?
Outro dia estava pensando sobre a questão do desenvolvimento sustentável e a promessa de um crescimento econômico que devolva ao ambiente tanto quanto tira, mas eis que me lembrei da Segunda Lei da Termodinâmica. Daí, surgiu a dúvida: sustentabilidade, no limite, não é apenas mais uma tentativa de criar a máquina de moto perpétuo?
Antes que me interpretem mal: este aqui não é mais um daqueles argumentos “desesperacionistas”, do tipo, ok, tudo já foi pra cucuia mesmo, então vamos relaxar e gozar enquanto esperamos o apocalispe, e vai ser ótimo ver aquelas loirinhas nórdicas de biquíni pegando um bronze na Groenlândia. É claro que todo dano à natureza que pudermos evitar, reduzir ou reparar deve ser evitado, reduzido ou reparado, mas: isso nunca vai ser 100% eficiente. Então, mesmo se administrarmos o planeta Terra da forma mais eficiente possível, vai dar pra esticar a corda até quando?
Uma conta de fundo de envelope (que pode muito bem estar obscenamente errada, já que eu tenho o hábito pouco saudável de escorregar nas potências de dez): o fluxo de energia solar na órbita da Terra é de 1,4 kW/m2, sendo que cerca de 10% disso chega à superfície do planeta — o resto é refletido de volta. A área da Terra é de uns 4 x10^12 metros quadrados, então o total de irradiação solar disponível no planeta é da ordem de 6×10^12 kW, ou 6×10^15 J/s.
Um ser humano precisa de umas 2.000 calorias alimentares, ou 8×10^6 J, ao dia. Um dia tem cerca de 90.000 segundos, o que dá uns 90 J/s. Com 6×10^9 seres humanos na Terra, estamos consumindo 54×10^10 J/s, ou, arredondando, 6×10^11. A humanidade consome, então, algo como 0,01% de toda a energia disponível para a vida na Terra, descontando as fontes geotérmicas. E isso só para manter nossos corpos vivos, tirando carros, computadores, geladeiras, DVDs.
Supondo que a população ganhe uma ordem de grandeza a cada 200 anos, estaremos comendo toda a energia solar disponível na Terra em… uns 1000 anos?
Ciência e religião: mistura explosiva
Eu já tinha lido uma biografia do Jack Parsons, o inventor do foguete de combustível sólido e um dos patriarcas do JPL da Nasa, que também era sumo-sacerdote satanista e foi uma espécie de” mestre Jedi” do L. Ron Hubbard (é sério!), mas este cara aqui é ainda mais bizarro: John Murray Spear, pioneiro do espiritualismo, tentou criar um messias mecânico, que alguns historiadores apelidaram de “Frankencristo”.-
Spear foi um defensor dos direitos humanos e da liberdade sexual, isso em meados do século XIX. Ajudou escravos a fugir de seus donos. Tinha tudo para ser lembrado como um grande humanista, mas acabou entrando para a história como um “crackpot”.
O rap do LHC
Sei que o vídeo já desembarcou na blogosfera tupiniquim há algum tempo, mas não posso deixar de fazer um “embed” aqui também… Com vocês, o rap que explica tudo, do Big Bang à matéria escura:
CERN Rap from Will Barras on Vimeo.
(E para não dizerem que não “agreguei valor” à postagem, aqui vai um link para a página do site oficial da autora, a jornalista Kate McAlpine, onde há uma transcrição da letra e arquivos separados para remixagem: https://www.msu.edu/~mcalpin9/lhc_rap/largehadron.html )
Psico-história
Por razões profissionais, estou me metendo a reler a Trilogia da Fundaçãode Isaac Asimov. É curioso ver como alguns aspectos dos livros envelheceram mal – por exemplo, um vasto império galáctico que cimenta planetas inteiros para transformá-los em palácios sem que nenhum ambientalista reclame, ou as idéias realmente toscas quanto ao processamento de informação no futuro distante – mas há uma idéia por trás de tudo que continua instigante: a psico-história. Basicamente, o conceito de uma ciência capaz de descrever os rumos de uma civilização como a teoria cinética dos gases prevê a evolução dos estados do conteúdo de um balão de ar quente.
Nesse aspecto, é possível que Asimov tenha acertado em cheio no alvo: alguns anos atrás, o jornalista britânico Philip Ball ganhou um prêmio de divulgação científica por seu livro Critical Mass, que descreve os esforços de aproximação ente a física e as ciências sociais, ou como diz uma resenha, “investiga tentativas de explicar comportamentos sociais com fórmulas emprestadas da física”.
Não apenas da física, mas da biologia, mais precisamente de modelos matemáticos isnpirados na Teoria da Evolução. O livro de Ball cita bastante o pesquisador Robert Axelrod, autor de vários estudos envolvendo o Dilema do Prisioneiro.
Talvez uma das criações mais originais de Axelrod tenha sido a aplicação de autômatos celulares para o estudo da disseminação de características culturais. Dá para brincar com isso neste applet de Java.
Asimov costumava dizer que, para se tornar previsível, uma civilização precisaria ter um número de indivíduos comparável ao número de moléculas de gás num experimento físico – e, mesmo com a população crescendo do jeito que está, ninguém espera ver um mol de seres humanos à solta por aí no futuro próximo.
Mas será que esse requisito é mesmo verdadeiro? A investigação Philip Ball sugere que não.
‘Confie nos seus instintos’
Ouça seu coração. Confie nos seus instintos. Pense menos, sinta mais. Não confie nas máquinas, confie em sua intuição. Essa é a mensagem “edificante” de três de cada quatro filmes de Hollywood. No final de Guerra nas Estrelas, Luke Skywalker decide desligar o computador de bordo de seu caça X-Wing e fazer o disparo final contra a Estrela da Morte usando apenas “a Força”. Épico. Lindo. Fantástico.
Errado.
Uma edição recente da revista Air & Space, do Instituto Smithsonian, traz uma reportagem sobre desorientação espacial, ou as formas como os bizarros movimentos em 3D dos aviões confundem o senso de equilíbrio humano. Basicamente, um piloto que “confie em seus instintos” sob condições de má visibilidade tende a pôr o avião numa espiral descendente — “the graveyard spiral” é o nome pitoresco.
Dado interessante: a expectativa de vida de um piloto que entre numa nuvem sem estra devidamente treinado para voar só por instrumentos é de 178 segundos. Isso é menos de 3 minutos.
O preço de uma ilusão
Pesquisa divulgada pelaAssociated Pressindica que 57% da população dos Estados Unidos acredita que um milagre pode salvar um paciente terminal, mesmo quando a melhor evidência científica mostra que prosseguir com o tratamento é inútil; e três quartos afirmam que exigir a manutenção do tratamento nessas condições, enquanto se espera que Deus dê uma mãozinha, deve ser um direito das famílias.
A crueldade desse negócio todo é tão grande que desafia a descrição. Primeiro, as pessoas são convencidas, ainda na infância, de que Papai do Céu vai cuidar delas para sempre; depois, a cada prova em contrário, aferram-se às menores migalhas que restam. Quando não há mais migalha nenhuma, inventam novas.
Digo, um Deus hipotético poderia ter evitado o que quer que tenha causado o estado terminal, pra começo de conversa; falhando isso, um milagre, em tese, pode ocorrer a qualquer momento, haja ou não tratamento médico. Qual, afinal, o motivo racional para sustentar tratamentoenquanto se espera um milagre? As duas coisas deveriam sermutuamente excludentes.
Mas o Deus mesquinho que habita a cabeça dessas pessoas é uma espécie de psicopata que gosta demanter suas criaturas em suspense, forçando-as a pagar contas de hospital e a consumir recursos que poderiam ser gastos no salvamento de vidas que realmente podem ser salvas, enquanto esperam que Ele resolva, talvez, derepente, quem sabe, agir — sob pena de um sentimento perpétuo de culpa.
Falando em dissonância congitiva, vejam esta frase do médico católico Michael Sise, ouvido pela AP:
Miracles don’t happen when medical evidence shows death is near.
Agora, um filósofo poderia construir duas ou três carreiras analisando o que isso quer dizer.
Orando contra a inflação
Por que ninguém pensou nisso antes? Um grupo evangélico dos EUA jura que o preço da gasolina caiu — por lá — graças a orações que vem realizando em postos de combustível desde… abril. A onipotência, ao que tudo indica, tarda, mas não falha.
Claro, há tentas coisas erradas nessa estrutura de raciócínio — Desejo ardentemente A por vários meses, A, que depende de uma série de variáveis sazonais e/ou aleatórias acontece, logo foi meu desejar ardentemente que provocou A — que não dá nem para começar a enumerar. Mas é preciso notar que a mesma estrutura dirige a vida de muita gente, se é que as vendas de O Segredo representam algo.
Curioso, de resto, a timidez do pedido do grupo: para quê parar nos preços da gasolina? Por que não pedir por carros movidos a energia solar? Ou teletransporte grátis para todos? Bolas, se o Cara pode, o Cara pode.
O fato, porém, é que uma longa tradição de avaliações científicas da eficácia da oração, de Francis Galton ao recente estudo STEP, sugerem que ou (a) a prece não ajuda em nada a obter o objetivo pelo qual se reza ou (b) acaba atrapalhando.
O pré-sal e a biopirataria
Uma coisa parece não ter nada a ver com a outra mas a mim, ao menos, parece existir uma espécie de fio condutor comum — ideológico, talvez? — que liga a recente onda nacionalisteira em torno das descobertas de petróelo na chamada “camada pré-sal” dos mares brasileiros às recorrentes ondas de pânico sobre biopirataria que assolam a mídia de tempos em tempos.
Basicamente, o conceito de propriedadepor trás de slogans como “o pré-sal é nosso” ou “o cupuaçu é nosso” não parece resistir a uma análise muito detalhada.
O conceito liberal de propriedade dá conta de que toda pessoa é proprietária, primeiro, de si mesma, seus pensamentos e seu corpo; segundo, de tudo o que conquista por meio do trabalho. Assim, uma fruta pendurada em uma árvore no meio da floresta não pertence a ninguém, mas passará a pertencer a quem se der ao trabalho de trepar na árvore para pegá-la.
Generalizando, recursos naturais pertencem a quem se dispuser a despender o esforço necessário para explorá-los.
É claro, óbvio, evidente, que muitos processos de exploração envolvem o que os economistas chamam de “externalização de custos” — coisas como poluir a água e fazer com que o governo (i.e., o contribuinte) arque com o preço do tratamento, ou sujar o ar e fazer com que o sistema de saúde pública (i.e., o contribuinte, de novo) fique com a conta das bronquites e gargantas inflamadas.
Populações e governos devem ser devidamente compensados por isso? Sim. Empresas devem ser docemente constrangidas a minimizar esse tipo de safadeza? Evidente. Mas ficar achando que tudo que a natureza botou neste proverbial Berço Esplêndido “é nosso” e, por isso, ninguém tasca, é burrice. Ou demagogia.
Filosofia experimental: raças humanas
A recente entrevista de Richard Lynn à revista Época, na qual o pesquisador argumenta para diferenças de capacidade intelectual média entre populações humanas, gerou diversos debates, aqui no “pedaço brasileiro” (lusófono?) do ciberespaço sobre o conceito de “raça” dentro da espécie humana.
(Ah, sim: o trabalho de Lynn é polêmico e atrai críticas, não apenas do típico histrionsimo politicamente correto, mas também metodológicas)
O consenso atual entre os biólogos parece ser o de que não faz sentido falar em raças dentro da humanidade, e que o conceito que melhor se aplica é o de “etnia”, este com base cultural, e não genética — ao menos, é o que se depreende deste “stub” da Enciclopéia Britânica.
Mas, afinal, qual o conceito popular de raça? A dúvida me ocorre porque ando lendo algunstrabalhos de filosofia experimental, onde filósofos vão a campo para tentar determinar se as intuições humanas “puras” correspondem aos modelos conceituais da filosofia.
Isso é importante, por exemplo, no campo do Direito, onde as leis são escritas por juristas com conceitos filosóficos em mente, que podem não ter nada a ver com o que esta na cabeça da população em geral – por exemplo, “Intencionalidade” tem um significado filosófico muito mais sofisticado que a noção popular “de propósito”, mas o pessoal no júri talvez não saiba disso.
Então: quando biólogos e antropólogos discutem a idéia de “raça” e concluem que se trata de uma enorme bobagem, será que estão falando da mesma coisa que o pessoal na rua, que leu a entrevista de Época e vai debater o asunto na mesa do bar? Essa distinção também pode ser útil no debate dos critérios para ações afirmativas.
Filosofia experimental geralmente toma a forma de estudos estatísticos feitos a partir de pesquisas de opinião onde se pede que “pessoas comuns” emitam juízos de valor sobre pequenos dilemas morais hipotéticos (exemplo: mesmo advertido de que havia bebido demais e que, se pegasse o carro, poderia acabar matando alguém, um homem diz: “não me importo com isso, só quero chegar logo em casa”; ele pega o carro e, estando bêbado, atropela e mata uma mulher; ele matou a mulher intencionalmente?).
Talvez fosse possível construir algo assim para testar a idéia de “raça” encontrar os limites do conceito no imaginário (conceituário?) popular.