Anos Dourados? Dourados pra quem?
Uma idéia muito comum, principalmente nestes tempos de transição no calendário, é a de que no passado tudo era melhor. Para além da visita do Papai Noel, quando confrontadas com um balanço anual cheio de mensalões e renans, e com a perspectiva de IOFs e big brothers pela frente, muitas pessoas se enchem de saudade dos Anos Dourados — geralmente, da época das novelas de época.
Mas aquilo era melhor, mesmo? Até a descoberta dos antibióticos, há menos de 100 anos, a chance de uma pessoa passar dos 40 era a mesma que alguém tem, hoje, de passar dos 70. Há menos de 200 anos, escravidão era coisa normal.
Outro exemplo: Carlos V (1500-1558), rei da Espanha e imperador romano, um dos homens mais poderosos de todos os tempos – além de boa parte da Europa, dominava a maior parte das Américas – tinha gota. A doença o transformou num inválido, incapaz até de andar, e o levou a abdicar em 1556.
Também tenho gota. Mas tomo meu remédio, controlo a dieta e, graças a isso, sou capaz de desfrutar de longas caminhadas. Enfim, eu, que só sou rei para a minha gata siamesa (e olhe lá), vivo melhor do que o mestre e senhor de dois continentes vivia, 500 anos atrás.
O presente não é perfeito e o futuro preocupa, mas imitar o passado não vai resolver nada. Afinal, bandidos e políticos corruptos sempre houve: até novela de época tem vilão.
Curas alternativas
Em uma postagem anterior sobre homeopatia, eu havia prometido aprofundar um pouco a questão de por que processos “terapêuticos” inúteis muitas vezes parecem surtir efeito. Bom, chegou a hora de cumprir a promessa.
Na base do engano está, além do efeito placebo (discutido na mesma postagem linkada acima), uma falácia lógica conhecida — para quem quiser usar o latim a fim de fazer amigos e influenciar pessoas — como “post hoc, ergo proter hoc”, ou, “depois daquilo, logo por causa daquilo”. Tipo, 100% das pessoas que morrem atropeladas beberam um copo de água, pelo menos, nas 24 horas anteriores ao atropelamento. Logo…
Quando se trata de saúde, a falácia surge ao atribuir-se a cura (ou alívio de sintomas) ao tratamento, sem verificar outras explicações possíveis ou analisar evidências em contrário. Um caso clássico é o do médico americano Benjamin Rush, um dos Pais da Pátria dos EUA, que no século XVIII tentou tratar uma epidemia de febre amarela com purgantes à base de mercúrio.
Esse remédio era, claro, um veneno (embora não se soubesse disso na época), mas o fato de que algumas pessoas conseguiam sobreviver à febre — e ao envenenamento — convenceu o Dr. Rush de que seu tratamento era eficaz. A verdade, no entanto, é de que as pessoas “curadas” por ele provavelmente teriam sarado mais cedo sem seu remédio, e muitos dos pacientes que ele perdeu talvez tivessem sobrevivido, se fosem poupados do purgante.
Em linhas gerais, quando uma pessoa sara ou melhora depois de receber tratamento, essa melhora pode ter sido provocada por:
- Uma causa externa não-relacionada ao tratamento (repouso, mudança de dieta, etc.)
- Uma causa interna não- relacionada ao tratamento (reação espontânea das defesas do organismo, auto-limitação do agente causador)
- Efeito placebo
- O tratamento pode ter funcionado
Para afirmar que o tratamento realmente funcionou, é preciso eliminar logicamente todas as demais alternativas. Os protocolos científicos da Medicina foram criados exatamente para fazer isso — e não para enriquecer a indústria farmacêutica alopática ou para impor um “imperialismo metodológico etnocêntrico”, como querem muitos dos defensores das práticas ditas “alternativas” ou “complementares”.
Outra lição a tirar do caso do Dr. Rush é o sistema de dois pesos e duas medidas usado quando se discutem práticas médicas alternativas: basicamente, se o paciente sara, é porque o tratamento funciona; se não, é porque o tratamento começou tarde demais, ou não foi radical o suficiente (para ficar no mesmo exemplo, além do purgente, o Dr. Rush recomendava sangrias). Se houver algum tipo de “energia” ou “milagre” na jogada, pode-se, ainda, acusar o paciente de falta de fé…
Mas isso — culpar a “espiritualidade” da vítima pela doença — será assunto para outra postagem.
“E se sua mãe tivesse feito aborto?”
Como o argumento escroto é um parente próximo da idéia cretina, resolvi abrir espaço para um dos truques retóricos mais sujos de todos os tempos, que geralmente surge na boca dos adversários da legalização do aborto (ou, melhor dizendo, do direito da mulher de interromper a gravidez) quando a conversa começa a esquentar.
Por ser grosseira, a questão que dá título a essa postagem tende a transformar o debate em uma troca de impropérios, mas não precisaria ser assim. Vamos analisar friamente a questão:
“E se sua mãe tivesse feito aborto?”
Bom, se ela tivesse feito eu não estaria aqui e esta conversa não estaria acontecendo, o que torna o exercício todo meio fútil. Então talvez o melhor fosse reformular a questão da seguinte forma:
“E se sua mãe tivesse desejado fazer um aborto?”
O que, na boca de um padre condescendente ou de um debatedor histriônico, sugere que cada pessoa viva, hoje, deveria se sentir profundamente grata pelo fato de a interrupção da gravidez ser considerada ilegal e, em muitos círculos, imoral.
Mas, espere aí. Se isso fosse verdade, então nossos nascimentos teriam ocorrido não por amor, mas por medo da polícia, do inferno ou de ambos. Ser grato pelo complexo legal-cultural que instila esse medo, em detrimento da liberdade da mulher – de nossas mães! -, tem nome: egoísmo descarado.
“Risco de morte”
Durante séculos, escritores e falantes da língua portuguesa, dos clássicos aos mundanos, usaram a bela expressão “risco de vida” para se referir a situações que põem a vida em – isso mesmo – risco. De uma hora para outra, algum jornalista decidiu que o que é bom para José de Alencar não presta para as redações modernas, e inventou o hediondo “risco de morte” (mais feio que isso, só “estadunidense”…).
O argumento é de que “risco de vida” dá a impressão de que o fulano de quem se fala está em “risco de viver”. Bom, só tem essa impressão quem nunca ouviu ou leu o português em toda a vida, e é totalmente alheio às tradições da língua.
Alguém poderia redargüir que a tradição, nesse caso, desafia a lógica, e a lógica é mais importante.
Mas esse é um argumento que tem uma base falsa — de que a língua deve ser perfeitamente, explicitamente, lógica em cada uma de suas expressões e estruturas. Trata-se de uma falácia óbvia. Se fosse levada a sério, morreriam todas as figuras de linguagem.
De resto, os defensores dessa logicidade total deveriam, por coerência, parar de usar expressões como “não tinha ninguém” ou “ninguém fez nada”. Mais dia menos dia, então, veremos algo assim no noticiário político: “O pronunciamento do presidentre do Senado foi ouvido por ninguém no plenário”.
Astrologia
Deixando de lado as objeções astronômicas clássicas à astrologia — que o zodíaco é composto por 13 constelações, não 12; que a precessão dos equinócios faz com que o movimento aparente do Sol pela esfera celeste não coincida mais com as datas astrológicas; e um monte de outras, todas igualmente válidas e igualmente sólidas — o importante é dizer, da forma mais clara e objetiva possível, que astrologia não funciona. Simples assim. Trata-se de um fato científico, tão sólido quanto o da Terra girar em torno do Sol ou as plantas fazerem fotossíntese.
Como todos os demais fatos científicos, este foi confirmado, checado e re-checado em uma série de estudos.
A tabela acima mostra o resultado combinado de 54 estudos, envolvendo um total de 742 astrólogos, nos quais os astrólogos tentaram associar mapas astrais a seus devidos donos. O resultado não foi melhor do que teria sido se eles simplesmente tirassem cara-ou-coroa na hora de fazer a ligação entre carta e pessoa.
A tabela abaixo é ainda pior: ela mostra a proporção em que mais de 500 astrólogos, envolvidos em 28 estudos, concordaram na interpretação de mapas astrais — mais ou menos como seria mostrar um mesmo raio-X a vários médicos diferentes e ver se todos chegam ao mesmo diagnóstico.
Resultado? De novo, o mesmo se os astrólogos tivessem decidido concordar ou discordar jogando uma moeda para o alto. Era de se esperar que os praticantes de uma forma de “sabedoria milenar” conseguissem, pelo menos, chegar a um acordo, depois de tanto tempo!
Ah, sim: a fonte das tabelas é este artigo científico, que pode ser encontrado neste website.
O fato, no entanto, é que a astrologia parece funcionar para muita gente. O fenômeno, no entanto, é meramente psicológico: a astrologia tem uma linguagem peculiar, que é extremamente vaga mas consegue parecer direta e específica. Eu mesmo tive uma boa dose disso na minha adolescência, quando acreditei nesse negócio — ei, ninguém nasce sabendo, certo? — e um mapa astral, feito com um horário de nascimento errado, disse que meu ascendente era gêmeos.
Li a descrição e ela pareceu correta, adequada, reveladora. Tempos depois, descobri que meu ascendente era touro e, adivinhe só?, a descrição (outra descrição) também se mostrou correta, adequada, reveladora…
Este é o chamado “Efeito Forer”, ou “Efeito Barnum”. Por exemplo, frases do tipo “você é uma pessoa ponderada, mas é perigoso provocá-la além do seu limite” ou “Você trabalha duro mas tende a se acomodar um pouco em certas situações, e por isso tem um potencial ainda inexplorado” ou ainda “sua vida amorosa teve momentos de tensão no último ano” parecem conter informação individualizada e, até, valiosa — mas, na verdade, aplicam-se a praticamente qualquer um.
Somando-se a isso há o fato de que astrólogos que prestam consultas pessoalmente muitas vezes são pessoas de grande sensibilidade — inteligentes, capazes de avaliar os medos e angústias de quem as consulta com uma boa chance de sucesso — e, portanto, aptas a oferecer bons conselhos e razoável apoio psicológico. Mas, se fazem isso, não é por causa da astrologia, mas a despeito dela: não fazem nada que um bom amigo ou um ouvinte atento e interessado não poderia fazer, e certamente oferecem muito menos que um psicólogo profissional.
Faça-você-mesmo sua previsão 2008
O jeito mais fácil de aparecer na mídia nesta época, onde as pautas de jornais, revistas e TVs são marcadas por pouco assunto, pouca imaginação e nenhum senso crítico, é fazendo previsões para o ano que se inicia. Algumas pessoas podem se sentir intimidadas com a idéia, mas o fato é que lançar vaticínios não requer prática nem, tampouco, habilidade. Basta seguir algumas regrinhas, a saber:
1. Seja óbvio. Praticamente todo ano morre pelo menos um membro da Academia Brasileira de Letras, ocorre um grande desastre natural, o desempenho do governo (qualquer governo e em qualquer esfera, seja municipal, estadual, federal) é medíocre. Vá nessa.
2. Seja genérico. Se você disser que uma grande dama da televisão brasileira poderá ter problemas de saúde, isso vale tanto se a Fernanda Montenegro quebrar uma unha quanto se a Hebe Camargo pegar gripe.
3. Use sempre o “poderá”: ele é sua a saída de emergência.
4. Use os indicadores econômicos. Se os juros estão em queda e a o PIB crescendo, preveja mais empregos. Do contrário, preveja recessão. Se falhar, e daí? Não é culpa sua. Até o Guido Mantega acredita nessas coisas.
5. Fuja dos fatos. Se você disser que vai chover amanhã, existe o risco de sua profecia ser desmentida pela Mãe Natureza. Agora, se você disser que a humanidade passará por uma transformação espiritual, isso não só soa melhor, como é tão vago que não há fato que possa desmenti-lo.
6. Preveja muito. Não importa se 999 das suas previsões forem furos n’água. Basta uma que dê certo para fazer de você uma celebridade.
Homeopatia
Existem, basicamente, duas coisas erradas com a homeopatia:
- Ela não tem a menor base científica; e
- Ela não funciona.
Explicando uma de cada vez:
A falta de base científica da prática homeopática já foi detalhada em diversos artigos, sendo um dos melhores este aqui. Mas, resumindo, o que ocorre é o seguinte: medicamentos homeopáticos são soluções extremamente diluídas de substâncias que causam o sintoma a ser combatido; tão diluídas, na verdade, que nem uma molécula do princípio ativo permanece em solução. Isso mesmo: a coisa é tão dissolvida, tão dissolvida, que o que fica no vidrinho é apenas água.
Assim, além da lógica absurda do “semelhante cura semelhante” — que validaria, por exemplo, usar cafeína para curar insônia — as produções homeopáticas contêm apenas material inerte. Há diversas tentativas de contornar esse problema, por exemplo, com a afirmação de que a água guarda a “memória” do que foi dissolvido nela, mas essas teorias nunca foram comprovadas.
Claro, isso é apenas um impedimento teórico: o fato de não podermos explicar algo não é prova de que esse algo não funciona. De repente a homeopatia tem virtudes evidentes que a ciência atual é incapaz de explicar… Certo?
Essa possibilidade, no entanto, já foi investigada em diversos estudos e nenhum dos realmente sérios jamais encontrou, na homeopatia, um efeito maior que o chamado “efeito placebo”, que é o que acontece quando uma pessoa se sente melhor apenas porque acredita que está sendo tratada. Esse efeito é tão potente que testes de remédios rotineiramente descontam até 30% dos resultados positivos por conta dele.
Há alguns estudos que parecem indicar que a homeopatia funciona, mas eles geralmente indicam efeitos pequenos, que podem ser causados por coincidências, e não passam pelo teste de ouro da ciência — a reprodutibilidade: cientistas independentes dificilmente conseguem comprová-los.
Então, por que muita gente — incluindo os homeopatas — acredita que homeopatia funciona? Isso tem a ver com o processo natural de cura do organismo e com a tendência que as pessoas têm de atribuir efeitos a causas que podem não estar relacionadas a eles, algo que merecerá um post à parte um dia desses.
Deus
Já que este é um blogue sobre idéias cretinas, vamos começar com a maior de todas — o teísmo. Esta postagem certamente não tentará exaurir os argumentos contra a existência de Deus, já que isso é tarefa para livros inteiros (fortemente recomendados: “Miracle of Theism” e “The Case Against God”), mas tentará apresentar, rapidamente, uma “rationale” para que se possa considerar essa suposta existência uma idéia cretina.
Antes de mais nada, vamos reconhecer que “Deus” é uma palavra pra lá de elástica: é possível, provável até, que dois crentes de um mesmo credo não consigam concordar quanto aos detalhes daquilo em que, de fato, acreditam. Para simplificar, vou assumir três conjuntos de definição:
- Deus como metáfora: coisas do tipo “Deus é amor”, “Deus é a esperança no coração dos homens”, “Deus é o instinto para fazer o bem”. Pessoalmente, prefiro dizer que amor é amor, esperança é esperança, propensão para o bem é propensão para o bem, e ponto. Ninguém precisa da palavrinha “Deus” aqui.
- Deus como o Universo: é o que chamo de Deus de Spinoza-Einstein, dois pensadores que viam na totalidade do cosmo, ou no conjunto das leis da ciência, ou na coerência dessas leis, algo para chamar de Deus. Ok, eu poderia chamar as leis da ciência de Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, e daí? Esse Deus também não me diz respeito.
- Deus como o criador, causa primeira, sustentáculo e administrador do Universo, onipotente, onipresente, onisciente, infintamente bom, fonte da ética e da moral, salvador e juiz da humanidade, digno de respeito, veneração e adoração: este cara é a idéia cretina. Ou, expandindo o raciocínio: ele ou não existe, ou é irrelevante.
A questão fundamental, claro, é de evidência. Digo, quem afirma que o Universo foi criado por uma inteligência onipotente e infinitamente bondosa (“onibenevolente” parece ser a palavra) deve ter evidências, sinais de onipotência de onibenevolência para mostrar, como Sherlock Holmes ao apontar um suspeito.
Mas a evidência que temos no mundo não é de benevolência, muito pelo contrário: temos o que os filósofos chamam de “evidência do mal” (os teólogos chamam de “problema do mal”, porque para eles é um problema). Se Deus é infinitamente bom e infinitamente poderoso e criou e atua no mundo, então temos de concluir que tsunamis, a aids, o câncer, o terremoto que atingiu Minas Gerais e matou uma menininha, isso tudo sem falar no sofrimento sem fim do mundo animal — a dor das fêmeas no parto, a fome que leva o predador a matar a presa, o medo e a dor da presa, as doenças, parasitoses e tudo mais — são atos de bondade.
Claro, essa conclusão perverte o próprio sentido da palavra “bondade”. Ser “bom” vira uma outra coisa. Nessa acepção, até um torturador pode ser “bom”: ele castiga o corpo para salvar a alma. Esta é, creio, a intuição sinistra por trás de inquisições e homens-bomba.
Uma réplica possível é de que a bondade de Deus está para além da nossa compreensão. Que ele é bom, mas de um jeito que não estamos preparados para entender. Pondo de lado a questão de por que o onipotente não nos fez um pouco mais espertos (o que poderia fazer — onipotência, ahn?), isso gera um novo problema: falar de Deus passa a ser impossível se as palavras, aplicadas a ele, assumem um significado que não é o delas mesmas. Um sentido novo, misterioso.
Deus passa a ser incognoscível. Mas tudo que nos toca pode ser conhecido, se não completamente, ao menos na extensão e duração do contato, do toque em si. Se não podemos saber nada de Deus, então ele não tem como nos tocar; é como se não existisse. Veredicto: Se existe e é “bom”, Deus é irrelevante.
E quanto à onipotência? E se Deus não for bom, mas existir e for o Criador Todo-Poderoso? De novo: qual a evidência da ação de um ente onipotente no Universo? Há quem cite a adaptação cuidadosa das formas de vida a seus nichos como prova de design, de um plano. Será que nunca ocorreu a essas pessoa que adaptação é um sinal de limitação? Digo, aves são aerodinâmicas, peixes são hidrodinâmicos, as formas algongadas adaptadas ao deslocamento em seus meios respectivos.
Mas se fossem produto de um criador onipotente, por que os peixes não seriam cubos e as aves, esferas? O engenheiro que cria um projeto é obrigado a levar em consideração limitações de material, energia e as leis da Física, daí a necessidade de design. Repetindo: o design é necessário apenas porque o engenheiro não tem recursos infinitos a seu dispor e precisa se curvar às leis na Natureza.
Por qual motivo, então, as criações de um ser onipotente precisariam de design?
Veredicto: A idáeia de um criador onipontente é uma idéia cretina.
Ah, um P.S. sobre a questão da causa primeira — a noção de que o Universo precisa ter sido causado por algo ou alguém, para evitar uma rergressão infinita de causas. Antes de mais nada, note-se que não há como ligar logicamente a “causa primeira” a um ser onipotente, onipresente, bom, fonte da obrigação moral, digno de adoração, etc., etc. Em segundo lugar: qual o problema com regressões infinitas? Terceiro: se regressões infinitas realmente são um problema e tudo precisa mesmo de uma causa, então quem “causou” Deus?
Pessoas merecem respeito; idéias, não
Este blog tem um título provocador que foi escolhido com o propósito de chamar atenção para um fato: ele tratará de idéias, não de pessoas. E idéias estão aí para ser espancadas, ridicularizadas, desmontadas, negadas e, por que não, defendidas. Se você vai se sentir ofendido porque uma de suas idéias preferidas — seja a superioridade da religião cristã, do socialismo científico ou da cerveja belga — poderá ser reduzida a pó de traque em algum momento, problema seu. Ninguém mandou entrar aqui.
A civilização humana evolui pelo choque de idéias. De uns tempos para cá virou moda achar que algumas idéias, políticas e religiosas principalmente, deveriam ser postas acima da crítica, em nome da boa convivência entre partidos, credos, povos, culturas, o escambau; que, no fim das contas, ninguém está “mais certo” do que ninguém.
Bullshit, digo eu. Correr o risco de ver suas crenças reduzidas a escombros é parte do preço de ser adulto. Se não estiver pronto para isso, volte para a barra da saia da mamãe. E se eu digo que a Terra é quadradada e você diz que ela é redonda, é óbvio que um de nós está “mais certo” que o outro.
Por fim: o fato de você (ou eu, ou qualquer outra pessoa) acreditar numa idéia demonstravelmente cretina não é demérito pessoal algum. Como o historiador Michael Shermer já explicou em seu ensaio “Why Smart People Believe Weird Things”, os mecanismos da crença são variados e têm um jeito de se infiltrar por baixo do radar do senso crítico. Continuar a acreditar depois da demonstração inequívoca da cretinice pode ser um problema ético, como argumentou o filósofo e matemático William Clifford, mas aí é com você.
Neste blog, vamos explorar o potencial e nível de cretinice de diversas idéias correntes. Entre em paz, e de livre e espontânea vontade…