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Uma historia de amor, magia e …. mineração!

Para Maria José, minha Martine de Bertereau

Martine de Bertereau e Jean de Chastelet são um dos casais mais interessantes da história da mineração. Jean e Martine, O barão e a baronesa de Beau-Soleil, trabalharam dezenas de anos lado a lado na função de descobrir e explorar jazidas minerais.  Neste caminho, juntando alquimia, magia, acusações de bruxaria e um sólido casamento, construíram uma obra das mais originais da história da mineração moderna.

As mulheres também tinham papeis importantes na ciência alquímica. esta imagem mostra uma alquimista preparando suas experiências da “Grande Arte”

Jean de Chastelet, Barão de Beau-Soleil, nasceu em 1578 em Brabant, nos Países Baixos espanhóis. Hoje, Bélgica. Não se sabe onde estudou. Contudo, seus conhecimentos o levaram para a mineração.  Com 22 anos, Jean de Chastelet foi chamado para trabalhar na França pelo superintendente de Minas, para trabalhar como mineralogista, alquimista e “mineiro”. Mineiro, na linguagem da época, seria algo próximo do atual engenheiro de minas.

MARTINE E JEAN

Em 1610, ele se casa com Martine de Bertereau, moça culta e educada, que vinha de uma antiga família de mineradores. No entanto, não se conhece muitos detalhes de sua familia.  A própria Martine escreveu anos depois que  a ciência das minas era “hereditária na família“. De toda forma, Martine falava diversas línguas, era fluente em latim e sabia os rudimentos de hebraico. Tinham também sólidos conhecimentos de alquimia, química, metalurgia, geometria, hidráulica e outras ciências.

O casal vai trabalhar sob a proteção do rei Henrique IV, rei liberal e patrono das artes e das ciências, inclusive da alquimia. No entanto, com a morte do rei logo a seguir, Jean e Martine perdem seu emprego. Apesar de tudo, isso não os tirou da mineração: nos 16 anos seguintes, eles passam viajando e conhecendo as mais diversas minas da Europa. Há evidências que teriam também trabalhado nas famosas minas de Potosi, na atual Bolívia, então as maiores minas de prata do mundo.

Em 1626, o casal volta à França. Nesta época, o barão e a baronesa de Beau-Soleil foram comissionados para ordenar as áreas de mineração francesas, as quais haviam sido negligenciadas por anos. Eles tinham que localizar minas antigas, prospectar novos depósitos e reavaliar as condições das minas em funcionamento. Era uma tarefa grande. No entanto, o barão e a baronesa tinham certeza de um ganho financeiro muito grande. Nestes anos, segundo suas contas, eles haviam gasto cerca de 300 mil libras no trabalho.

ACUSAÇÕES DE BRUXARIA

No entanto, um episódio muito desagradável ocorreu na vida da família Beau-Soleil na pequena cidade francesa de Morlaix, na Bretanha. Corria o ano de 1627. Um bailio, antigo oficial de Justiça provincial, invadiu os alojamentos do casal, que estava fora em viagem. Nos alojamentos, o bailio encontrou pedras preciosas, amostras de minerais, instrumentos de prospecção e refino de metais, livros sobre fundição e alquimia, cadernos e papeis de todos os tipos. Parecia evidente: o estranho casal praticava as mais estranhas feitiçarias.

Uma acusação de bruxaria nesta época era muito séria. Apesar do magistrado de Rennes, que julgou o caso, ter absolvido o casal, os bens confiscados pelo bailio nunca retornaram a seus antigos donos. Assustados, Jean e Martine fugiram e se refugiaram na Áustria, onde Jean foi nomeado conselheiro das minas da Hungria pelo imperador Ferdinando II.

O PEDIDO AO CARDEAL

Pouco tempo depois, no entanto, procurando reaver o dinheiro investido, Jean e Martine retornaram à França. Em 1632, Martine de Bertereau escreveu “Declaração verdadeira ao rei e aos cavalheiros do conselho sobre os ricos e estimados tesouros recentemente descobertos no reino da França”. Nesta publicação, que era uma mistura de relatório e solicitação de reembolso, Martine descreve as minas descobertas ou trabalhadas pelo casal Beau-Soleil na França até então. A estratégia tem sucesso, e Jean recebe a patente de inspetor geral das minas da França.

No entanto, as condições financeiras não melhoraram. Em 1640, Martine de Bertereau escreveu uma nova carta. Não ao Rei, mas ao todo poderoso Cardeal Richelieu. Nesta carta, publicada com o título de La Restauration de Pluton (A restituição de Plutão), Martine de Bertereau descreve novamente diversos depósitos minerais, suas técnicas de pesquisa e exploração. Também, é, claro, pede o retorno do dinheiro investido pelo casal no trabalho.

O cardeal Richelieu, a grande sombra dos reis franceses; ele mandou Jean e Martine para a prisão em 1642, de onde não mais retornariam

Desta vez, não funcionou. O cardeal Richelieu mandou prender Jean e Martine, sob o pretexto de que o casal praticava astrologia quiromancia e leitura de horóscopos. Jean acabou morrendo na terrível Bastilha em 1645. Martine e sua filha, aprisionadas na prisão de Vincennes, desapareceram sem deixar traços.

A RESTITUIÇÃO DE PLUTÃO

A Restituição de Plutão é um curso de mineração. Nele, Martine de bertereau dá uma longa lista de depósitos metais como prata, chumbo, ouro, ferro, cobre. Dá também uma lista de outras substâncias importantes, como pigmentos minerais, pedras de moinho, carvão, rochas ornamentais e pedras preciosas. Durante muito tempo, as informações contidas nos escritos de Martine foram muito valiosas na descoberta de bens minerais.

Cartas astrologicas para encontrar metais; Martine de Bertereau encontrou diversas minas com esta técnica.

Para Martine de Bertereau, existiam diversas regras que deveriam ser seguidas para se achar um deposito mineral. Cavar, para ela, era a menos importante. Mais do que só cavar a terra, era necessário observar as plantas, o gosto da água, os vapores emitidos pelas montanhas. E, também, o uso de instrumentos.

Entre estes instrumentos estavam as varas divinatórias para encontrar metais. Estas varas, sete no total, uma para cada tipo de planeta. Para a astrologia, cada planeta estava relacionado com um metal. Assim, o ouro estava relacionado ao sol, a prata a lua, marte ao mercúrio, e assim por diante.

AS CIÊNCIAS DA MINERAÇÃO

Entre as ciências relacionadas com os trabalhos mineiros, Martine relaciona a astrologia, a arquitetura, a geometria e a aritmética, a hidráulica, o direito, a medicina, a lapidaria (a atual petrografia), a botânica e a química. Contudo, para desespero dos que hoje bradam contra as Humanidades, Martine recomenda as Letras, o Direito e a Teologia entre os conhecimentos uteis para a boa prática da mineração.

Que ciência era essa que Martine e Jean praticavam? Certamente, a arte das minas. Neste tempo, conhecimentos que hoje desprezamos como inúteis, bobagens ou pseudociência eram os conhecimentos necessários. Causa mais espanto, talvez, a presença da alquimia e da astrologia.

Os métodos de pesquisa de minerais seguiam os preceitos da alquimia e da astrologia, alem da procura dos sinais da natureza. ilustração do De Re metellica (1556) de Georgius Agricola (1494 – 1555)

No entanto, para os mineiros da época, os espantos eram maiores. Martine trata também da presença de duendes nas minas, “pequenos seres vestidos como os trabalhadores” que podiam ser vistos nos subterrâneos. Entretanto, Padre Kircher, de quem já falamos aqui, confirmava a presença destes seres em seus livros. Essa era uma ciência ainda cheia de sobrenatural e de magia, tão típica do platonismo da Renascença.

Entretanto, essa estranha reunião de saberes nos faz pensar em como serão os trabalhos mineiros (se é que haverão minas) daqui a cem anos. Quais serão as ciências utilizadas? Quais serão as ciências descartadas? E quais as desprezadas? Fica aqui a dica para uma interessante conversa de bar…

UM CASAL AFINADO

Por outro lado, tudo nos leva a crer que Martine e Jean trabalhavam juntos, lado a lado. Esse é um espanto num mundo mineiro moderno que ainda acha que as mulheres “dão azar” nas galerias subterrâneas. E um bom exemplo a ser seguido.

A parceria era tal que cada um tinha seu papel. Martine, certamente, era a erudita do casal, a que escrevia e estudava. E que escrevia os livros. Jean era provavelmente o executivo, o que estava em campo. Entretanto, isso era admirável. Por um lado, o trabalho conjunto e igual de Jean e Martine, num mundo em que as acusações de bruxaria e feitiçaria eram comuns e naturais, causa-nos um espanto ainda maior. Acusações que lhes foram feitas e que lhes custaram a morte nas masmorras do ancien regime.

A VIDA PÓSTUMA DE MARTINE DE BERTEREAU

Segundo a historiadora Martina Kolb Ebert, a vida póstuma de Martine de Bertereau foi ainda mais agitada que sua atribulada existência terrena. Durante o Iluminismo, ela foi considerada meramente uma charlatã e aventureira. Por outro lado, durante a industrialização francesa no seculo XIX ela foi considerada uma heroína, uma economista visionaria. Da mesma forma, para os nacionalistas românticos, Martine de Bertereau era uma legítima heroína nacional.

Hoje, os trabalhos que se ocupam dela e de sua vida põe em relevo seu papel de heroína feminista, mulher cientista, “a primeira geóloga da França”. É o que vem a nossa mente quando lemos sobre ela. Impossível, para nossa moderna mentalidade, não pensar nisso. no entanto, precisamos saber mais sobre Martine de Bertereau, alem dos estereótipos e das lendas.

Numa época em que ciência e magia eram uma coisa só, Martine de Bertereau foi uma sábia notável . Também foi mãe de pelo menos três filhos. E, como companheira e colega de trabalho de Jean de Chastelet, foi incansável na busca pelo sucesso material do casal. A junção de amor, magia e mineração foi um traço inseparável dos dois.

Que estranho. E que notável.

PARA SABER MAIS:

Kölbl-Ebert, Martina. “How to find water: the state of the art in the early seventeenth century, deduced from writings of Martine de Bertereau (1632 and 1640).” Earth Sciences History 28, no. 2 (2009): 204-218.

Findlen, Paula. “Histoire des femmes de science en France. Du Moyen Age à la Révolution.” (2005): 518-520.

O sólido dentro do sólido: Nicolau Steno, o cientista que virou santo

Nicolau Steno
Retrato de Nicolau Steno, pintado em Florença

Nicolau Steno foi um dos homenageados no Congresso Internacional de Geologia de 2004, realizado em Firenze. Lá, os cientistas inauguraram uma placa, onde faziam menção às suas imorredouras contribuições para a Mineralogia, a Paleontologia e a Estratigrafia. Boa parte delas havia sido realizada no tempo que que Nicolau Steno morou ali, na Toscana.

No entanto, alguns anos antes, em 1988, o Papa João Paulo II o proclamou como “bem-aventurado Nicolau Steno”. Sabemos que, quando morreu, Nicolau Steno era um bispo católico, que trabalhava no norte da Alemanha. Seus últimos anos lhe deram aura de Santo. E quase santo ele é. Hoje ele é um Beato e a festa litúrgica em seu nome ocorre no dia de sua morte, em 5 de dezembro.

Quem era, afinal, Nicolau Steno? O cientista ou o beato?

NIELS STENSEN, O SOBREVIVENTE

Nicolau Steno é uma latinização de seu nome dinamarquês, Niels Stensen. O pequeno Niels nasceu e foi batizado em Copenhagen em 1638. Era o filho do ourives que prestava serviços para o rei Cristiano IV da Dinamarca. O pequeno Niels, que era muito doente a ponto de não poder brincar com as outras crianças, cresceu numa família fervorosamente luterana. Na falta dos brinquedos, brincava com os objetos de ourives de seu pai.

O pequeno Niels, no entanto, era mais forte do que se supunha. Na escola que frequentou, mais de duzentas crianças morreram entre 1654-1655 por causa de uma peste. Contudo, Niels Stensen sobreviveu. E tomou interesse por estudar os corpos humanos. Seu interesse era a Anatomia.

A Anatomia era uma febre (!) na época. Aulas de Anatomia eram disputadas ferozmente pelos acadêmicos. Tudo fervilhava de curiosidade de conhecer melhor o corpo humano.  Aos 19 anos, Niels Stensen entrou para a universidade de Copenhagen, para estudar medicina. Em seus estudos acadêmicos, revelou-se um promissor anatomista. E Copenhagen começou a ficar pequena para seu talento.

NICOLAU STENO, ANATOMISTA

A partir daí, Niels Stensen passou a viajar. E nunca mais parou. Inicialmente, esteve em várias cidades da Europa, estudando anatomia. Em Amsterdam estudou com Gerard Blasius, que estava estudando o sistema linfático. Da mesma forma, em Amsterdam, Stensen também conheceu o filosofo e polidor de lentes Baruch de Spinoza. O que será que eles devem ter conversado?

O jovem estudante Niels Stensen era apaixonado pela filosofia de René Descartes. No entanto, mais tarde, ele renegou a teoria cartesiana. Muito cedo, Steno percebeu algumas contradições na obra do mestre. Descartes, por exemplo, afirmou que a glândula pineal era a sede da alma humana. Steno, com base em suas observações, mostrou que Descartes estava errado.

Steno descobriu, entre outras coisas, que existe um duto que leva saliva até a boca, os dutos parotídeos ou dutos de steno. Por outro lado, Steno descobriu também que o coração era um músculo. E que os cálculos eram pedras que se formam por acúmulo nos órgãos. Descobertas notáveis, por certo.

O CARTESIANO ANTI-DESCARTES

Um a um, Steno acabou por desmentir diversos postulados anatômicos de Descartes. Com o tempo, tornou-se violentamente anti-cartesiano, negando qualquer relação de suas descobertas com o pensamento do filosofo francês. Não obstante, com o perdão do trocadilho, pode-se dizer que Steno não descartou Descartes.

Efetivamente, ao apreciar a obra de Steno, percebe-se o quão cartesiano ele era.  Quando se vê o mundo de idéias construído por Steno, o que se vê é um universo mecanicista, tipicamente cartesiano. Por outro lado, neste universo stenoniano,  a matéria sólida e particulada se movimentava segundo leis físicas determinadas, como um grande mecanismo.  Logo, tudo se movia no universo de Steno de acordo com a filosofia de Descartes.

A “REPÚBLICA DAS LETRAS”

Em suas viagens Steno acabou por conhecer o seu conterrâneo Ole Borch, importante anatomista da época e um sábio relacionado com as Academias de Ciência que então surgiam. Esse movimento de acadêmicos de vários países em constante comunicação formaram o que se chamou de “República das Letras“.  Era o embrião do moderno sistema de academias e periódicos científicos que se formava. Não por acaso, muitos periódicos modernos ainda ostentam em seu nome a palavra “Letter“. Pois não eram mais que isso: cartas enviadas para as diferentes associações cientificas, que eram lidas nas sessões ordinárias destas academias e discutidas por seus membros.

Todavia, uma vez que Ole Borch, como membro destacado da Republica das Letras,  tinha muitas ligações com a Royal Society de Londres. Foi através de Borch que Steno teve contato com a teoria atomística de Robert Boyle. Esta foi outra das grandes inspirações de Steno. Por meio da leitura de Boyle e sua obra, Steno começa a se interessar por uma Ciência que ainda não existia, a Geologia. Foi neste ponto de sua carreira que ele foi convidado por Ferdinando II, Grão-Duque da Toscana, a ser o anatomista da corte. Em Firenze, sua vida iria mudar. De novo.

Lá, Nicolau Steno vai desfrutar do ambiente da Corte e, principalmente, dos sábios reunidos na “Academia Del Cimento“. Essa academia, fundada pelos Médici, reunia alguns dos mais importantes pensadores italianos da época. Steno torna-se amigo de Marcello Malpigui, Vicenzo Viviani, Francesco Redi, entre outros.

 PEDRAS EM FORMA DE LÍNGUA

Em 1666, um tubarão foi pescado na costa de Livorno. A cabeça deste tubarão foi enviada à Firenze para que Steno pudesse disseca-lo. Steno notou que os dentes do tubarão eram muito parecidos com as glossopetras. Estas glossopetras, as “Línguas de pedra”, eram fósseis muito comuns no mediterrâneo. Eram conhecidas desde os tempos romanos. Havia muito tempo que Outros sábios haviam reivindicado que as glossopetras eram dentes de tubarão. Entre eles, destaca-se Fábio Colonna. no entanto, a pericia anatômica de steno foi muito importante para que estes objetos fossem reconhecidos como restos de animais, ou no sentido moderno, fósseis.

tubarão glossopetras
Cabeça de tubarão estudada por Steno e as glossopetras

Em seguida, Nicolau Steno, de anatomista, passou a naturalista. Fez diversas viagens pela Toscana, onde juntou material para escrever sua grande obra. Aparentemente,  essa obra seria muito grande. Tão grande que Steno começou a escrever o principio, ou o “pródromo”. E assim surgiu uma das grandes obras da Ciência moderna.

PRÓDROMO DE UM SOLIDO CONTIDO EM OUTRO SOLIDO

No Pródromo, Steno procura explicar que haviam varias formas distintas de sólidos contidos nas rochas. Alguns destes sólidos eram fragmentos que eram depositados junto com as rochas, como os fósseis. Um sólido dentro de um solido. Assim ele justificava a existência de diversos materiais parecidos com organismos vivos encontrados nas rochas. como , por exemplo, as glossópetras.

Por outro lado , haviam substancias que cresciam no interior das rochas, os cristais. Steno propôs que os cristais de uma mesma especie teriam o mesmo ângulo entre as faces. E que os cristais poderiam crescer dentro das rochas. Um sólido, um outro sólido, dentro de outro solido. Com esta proposição, a moderna mineralogia começa a existir.

Além disso, Steno também propôs uma evolução geológica para as rochas da região da Toscana. Segundo se pode ler no pródromo, as rochas sofriam erosões internas, com intensos abatimentos de blocos. estes blocos abatidos eram ocupados por outras rochas, mais novas e assim por diante. Com isso, ele explicou diversas sucessões estratigráficas, alem de enunciar o principio de superposição de camadas que hoje leva o seu nome.

Steno
Assim Steno explicou os ciclos sedimentares que ele observou nos arredores de Firenze
PADRE STENO ? BISPO STENO?

No entanto, uma outra mudança se operava com Nicolau Steno. Influenciado por seus amigos da academia Del Cimento, Steno acabou por se converter ao catolicismo em 1671. Mais do que isso: praticamente abandonou seus estudos de Anatomia e Geologia e passou a dedicar-se aos estudos teológicos. Assim, em 1675 ordenou-se padre católico e em 1677, bispo.

Nicolau Steno, vestido como Bispo Católico

Movido pela religiosidade, no entanto, Steno devotou cada vez mais tempo para sua fé. Sua energia e seu entusiasmo o levaram a ser evangelizador católico no norte da Alemanha, uma terra ferrenhamente protestante. E foi isso que Steno foi em seus últimos anos de vida. Desta forma, andando de cidade em cidade, tentando converter as pessoas ao catolicismo romano, Steno empregou todas as suas forças. Adquiriu fama de santo.

UM MÁRTIR CATÓLICO

Steno trabalhou inicialmente em Hanover, onde conheceu Leibniz, de quem se tornou amigo. Depois, foi para a cidade de Schwerin. Lá, em meio hostil, Steno trabalhou incansavelmente. Contudo, sua saúde começou a fraquejar. Muito doente, acamado, Steno morreu em 5 de dezembro de 1686 cercado por seus paroquianos.

Sua fama de evangelizador foi intensa. Desta forma, o caráter de sua conversão do luteranismo para o catolicismo de um sábio destes porte o transformou num herói católico. por conta de um processo de beatificação que durou mais de 50 anos recolhendo provas, Steno foi beatificado pelo para João Paulo II em 1988.

BEATO  OU CIENTISTA?

A vida de Nicolau Steno, entretanto, nos deu mostras do intenso ambiente intelectual do

seculo XVII. Como filosofo natural (a palavra cientista ainda não existia), Steno fez algumas afirmações interessantes e duradouras. Contudo, haviam ainda um grande caminho pela frente. Nada do que disse ou escreveu mudou instantaneamente a historia da Ciência ou da humanidade. Por um lado, muitos filósofos naturais continuaram a obra de Steno, e foram elaborando as bases da nova Ciência que só foi surgir, afinal, no seculo XIX, a Geologia.

Por outro lado, Steno e sua conversão, sua vida de Beato, foram exemplos para muitas pessoas que tinham preocupações religiosas. Não foi à toa que seu processo de beatificação foi levado a efeito no século XX, um século tão esmagadoramente dominado pela Ciência. Como que para provar para nós todos que mesmo um grande cientista pode ter preocupações de natureza religiosa.

Sem dúvida, o método cartesiano do experimento e da dúvida foi o grande marco na vida de Steno. A dúvida fez com que ele fosse cada vez mais rigoroso em suas observações e seus experimentos, do lado cientifico. Entretanto, do lado religioso, a dúvida fez com ele ele perdesse sua fé e se iniciasse numa outra, numa fé nova. E isso não é trivial.

Santo ou cientista, contraditório e paradoxal, Nicolau Steno foi um baita ser humano.

para saber mais:

Yamada, T., 2009. Hooke–Steno relations reconsidered: Reassessing the roles of  Ole Borch and Robert Boyle. The revolution in geology from the renaissance to the enlightenment203, p.107.

Vai, G.B., 2009. The Scientific Revolution and Nicholas Steno’s twofold conversion. The Revolution in Geology from the Renaissance to the Enlightenment203, p.187.

Fósseis e fotografia… fale-me o que você sabe sobre

Fotografia e fósseis. Tem relação?

CLICK! e pronto, temos uma imagem digital gravada no celular. As resoluções variam de aparelho para aparelho (o tamanho do sensor faz muita diferença!); a maioria das pessoas nem pensa mais em imprimir as imagens para montar um álbum físico. Muitos jovens nunca tiveram que esperar para ter seu filme de 36 poses revelado. O mundo digital nos rodeia, não é? mas isso nem sempre foi assim…

Imaginem a revolução que foi, lá pelo final do séc. XVIII, quando a fotografia (o processo era chamado na época de daguerreotipia) foi inventada.

(PAUSA)

Vamos lá, pegue seu celular e abra seu álbum de fotos. Você fotografa o quê? Acredito que a maioria de nós fotografe momentos que consideramos importantes. Que desejamos que sejam guardados por mais tempo. Possivelmente para contarmos uma história, mesmo que seja só para nós mesmos.

(RETORNO)

O surgimento da fotografia não foi diferente. Seu uso e aplicação, na época, teve muita relação com a possibilidade de reproduzirmos a natureza que nos rodeia, de modo fiel. Em comentário sobre a obra de Talbot, primeiro fotógrafo a publicar um livro com fotografias, o artigo traz que …“a fotografia de Talbot nos possibilita legar às gerações futuras a luz do sol do passado” (Hacking, 2012).

A luz do sol do passado! Filosófico, não?

História, passado, (re)produção da natureza. Só eu pensei em fósseis?

É claro que, hoje, a fotografia possui muitas vertentes e nem sempre é exatamente, ou tem como este fim, o retrato da realidade (na arte, por exemplo, isso nem sempre é verdadeiro). Mas imaginem que quando ela foi criada as pessoas se viram maravilhadas com os seguintes fatos:

– ter coleções de museus guardadas em imagens, e que estas poderiam ser trocadas entre diferentes centros de pesquisa, com fins científicos e de divulgação;

– ter acesso a estas imagens sem o risco de estragar os exemplares originais de amostras de qualquer coisa que fosse, sendo um cientista ou não.

Isso é basicamente o que estamos vendo hoje com a revolução das impressoras 3D, não é? Possibilidades imensas de divulgação de acervos de fósseis ou artefatos humanos, por exemplo, antes restritos aos salões dos mais renomados museus, e aos olhos de poucos estudiosos. Hoje não basta mais ter duas dimensões. Agora precisamos ter 3 e sair imprimindo por aí (hehe…). Mas os objetivos são os mesmos!

Sim, fotografia e fósseis andam juntos desde o início dos tempos, ambos contando sua própria história, (re)produzindo a natureza e maravilhando a todos nós!

 

Referência

Hacking, J. Tudo sobre fotografia. Editora Sextante, Rio de Janeiro, 2012.

HISTÓRIA DO PETRÓLEO NO BRASIL

Capa do Livro “o petróleo no Brasil: Exploração, Capacitação Técnica e Ensino de Geociências (1864-1968)”

A história do petróleo no Brasil ganha mais um capitulo. Já não era sem tempo, uma vez que a importância e a atualidade do tema assim o exigia. Assim, para se entender a Historia do Petróleo no Brasil, é interessante entender alguns aspectos essenciais. Uma característica marcante da busca por petróleo foi a insistência num caminho nacional.

No entanto, a maioria dos textos sobre o assunto abordam a história do petróleo a partir de pontos de vista políticos ou econômicos. Explorar o petróleo no Brasil sempre foi, é claro, achar óleo. Mas, também, significou formar recursos humanos. E foi a busca pelo Petróleo que forjou a comunidade Geocientífica brasileira.

UMA OBRA BEM VINDA

Por todos estes motivos, é de extrema importância para a história do petróleo no Brasil o recente livro da pesquisadora Drielli Peyerl. Intitula-se “O Petróleo no Brasil: exploração, capacitação técnica e ensino de Geociências (1864 – 1968) (mais informações aqui). Trata-se de uma produção acadêmica com um tema interessante e uma linguagem acessível, o que não é pouco.

Este livro foi um doutorado defendido no programa de Ensino e História de Ciências da Terra (UNICAMP). Orientada pela Prof.ª Dr.ª Sílvia Figueiroa, Drielli fez sua busca em arquivos do Brasil, do México e dos Estados Unidos. Um dos arquivos mais interessantes, entretanto, estava perto.

Foi o arquivo da Coleção Frederico Waldemar Lange, depositada na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Neste arquivo  Drielli fez seu mestrado, intitulado “A trajetória do paleontólogo Frederico Waldemar Lange (1911-1988) e a História das Geociências” (2010), orientada pelo paleontólogo Elvio Bosetti (para ver mais, clique aqui). Além de Lange, surge nesta pesquisa um personagem também muito interessante, o geólogo Americano Walter Link (1902-1982). Falaremos dele mais adiante.

Uma História do Petroleo

O primeiro capítulo do livro de Drielli, intitulado “Surge o Petróleo”, trata do início da pesquisa de petróleo no Brasil. Com o uso de diversas fontes históricas, Drielli consegue chegar até 1864, quando é publicado o decreto que cita pela primeira vez a palavra petróleo na legislação brasileira.

A partir de então, a autora mostra como o petróleo vai se tornando cada vez mais importante na discussão nacional. A partir deste início um tanto tímido, o tema petróleo retorna à legislação na transição do Império para a República. Contudo, no início, as iniciativas de busca pelo petróleo são de particulares. Entretanto, a partir dos anos 1920, o governo brasileiro começa a participar mais ativamente da pesquisa de petróleo em todo o território nacional.

O primeiro poço de Petróleo perfurado no Brasil (Bofete, SP)
O Conselho Nacional do Petróleo

No entanto, somente no final dos anos 1930, já no Estado Novo, é que o tema passa a um novo patamar, coma criação do Conselho nacional do Petróleo (CNP). É este conselho que passa a dirigir a pesquisa, até a primeira ocorrência na Bahia em 1939. Descoberto o petróleo, havia uma grande dúvida: como explora-lo?

No segundo capítulo, denominado “A Formação do Know-How (1938-1961)” Drielli trata da questão da contratação de técnicos estrangeiros para este serviço, o que não era visto com bons olhos no Brasil da época. A exploração deveria ser feita  pelo estado, como defendiam os nacionalistas? Ou pelas empresas estrangeiras com controle a partir do estado, como defendiam os liberais?

Foi um debate importante, tendo como pano de fundo a campanha “O Petróleo É Nosso”, que culminou, em 1953, com a criação da Petrobras. Desta forma, no final deste segundo capitulo, são utilizadas diversas fontes dos arquivos de Lange, mostrando contudo alguns aspectos interessante sobre como estava se dando a exploração de petróleo nos anos 50 e 60.

Walter Link e a Petrobrás

Aqui surge a figura de Walter Link, geólogo norte americano, chefe de Exploração da Petrobras de 1955 a 1961. Trata-se de um dos personagens-chave da História do petróleo no Brasil.  Mr Link redigiu, em 1961, um relatório bastante detalhado, onde fala das dificuldades de encontrar o petróleo brasileiro em terra.

Link sugere, com base nos conhecimentos da época, que se deveria tentar buscar petróleo no mar. Contudo, as críticas ao Relatório Link foram muito grandes. Sobretudo as esquerdas eram as maiores adversárias do geólogo norte-americano. Sem compreender a dimensão do problema, acusavam Mr Link de derrotista, ou de atender interesses estrangeiros (mais informações aqui).

Como se sabe, foi seguindo as pistas deixadas por Link que a Petrobras foi ao mar e descobriu sua verdadeira vocação. Contudo,  isso é outra história.

O geólogo norte americano -Walter Link (1902-1982), Diretor de Exploração da Petrobras (1955-1961)
Surge a Petrobrás

O terceiro capítulo, intitulado “Aperfeiçoamento, Profissionalização e o Ensino de Geociências (1955-1968) ” trata das primeiras tentativas de formação de técnicos brasileiros. Inicialmente, foi a partir dos diversos cursos de formação de técnicos do petróleo, como o Setor de Supervisão do Aperfeiçoamento Técnico (SSAT), da criação do Centro de Aperfeiçoamento de Pesquisas do Petróleo (CENAP, atual CENPES), assim como os diversos cursos de formação de engenheiros e técnicos de petróleo. Em 1957, surge a Campanha de formação de Geólogos (CAGE). Assim, a partir da CAGE, é que surgem os primeiros cursos de geologia no Brasil.

O livro busca entender as principais políticas do país em relação a um bem tão decisivo e importante como o petróleo. Inicialmente, a pesquisa e exploração surge nas mãos de particulares. Depois, é o estado que promove a busca pelo petróleo, contra toda esperança. Entretanto, os indícios geológicos de ocorrência de petróleo no Brasil nesta época eram os mais escassos possíveis.

O Petróleo é nosso?

No entanto, também é importante ver como é o petróleo que tem a capacidade de mobilizar a sociedade. É no surgimento de novas instituições cientificas e tecnológicas que foi gestada a atual comunidade geológica brasileira. A geologia brasileira surge deste estado de permanente atração e repulsão entre a comunidade geológica e a Petrobras. Todos nós surgimos deste processo, a partir da segunda metade do século XX.

Entender a história do petróleo no Brasil através do texto de Drielli Peyerl é uma fascinante jornada para compreendermos os percursos e os percalços das Geociências em nosso país.

Leitura obrigatória.

Mais leituras a partir desta:

PEYERL, DrielliFIGUEIRÔA, Silvia F. de M. . ‘Black Gold’: Discussions on the origin, exploratory techniques, and uses of petroleum in Brazil. Oil-Industry History, v. 17, p. 98-109, 2016.

PEYERL, DrielliFIGUEIRÔA, Silvia F. de M. . ‘A Petrobras prepara seu pessoal técnico’ – 1950 – 1970. Brazilian Geographical Journal, v. 3, p. 363-374-374, 2012.

 

Sobre dragões e fósseis

Como amante da paleontologia e, mais recentemente, praticante e apreciadora de wushu, a inspiração deste post surgiu como um desafio de tentar relacionar os dois temas de alguma forma. Me parece que alguns mitos são criados a partir de “verdades”…distorcidas, ou, com um toque de imaginação, digamos assim.

Dragão do quadrinho Zen pencils

Na arte marcial que conhecemos por “kung fu”, aqui no ocidente, existem diversos estilos de luta. Norte e Sul da China são conhecidos por estilos diferentes. O estilo do dragão é um estilo imitativo do Sul; neste, os movimentos devem ser compreendidos, internalizados (em contraposição, o adversário do dragão é o tigre e seu estilo é fundamentado em movimentos de força e memorização). Como o dragão, para os chineses, simboliza a água e a terra, no kung fu suas ações combinam força e leveza em movimentos que unem opostos, como: circular/reto, ou para cima/para baixo, por exemplo.

O dragão é uma figura comum na mitologia chinesa, desempenhando vários papéis como regular as chuvas, proteger os deuses (e o imperador), e ser a fonte da verdadeira sabedoria e da boa sorte. É, portanto, considerado um animal auspicioso, não malévolo. Por isso são extremamente comuns na arquitetura e ornamentação da antiga China. Não é à toa também que, por mais de uma vez na história, imperadores chineses regularam o uso das imagens de dragão em suas sedas e outros ornamentos, para que somente eles pudessem usá-las e, assim, demonstrar sua potência.

História “Never give up!” do quadrinho Zen Pencils

Apesar de ser um estilo imitativo no kung fu, nós todos sabemos que dragões (i.e., répteis serpentiformes voadores que cospem fogo) nunca existiram. Neste caso, a “imitação” vem das histórias e lendas passadas de geração em geração, sobre os supostos movimentos destes animais. Se, por um lado, a forma como se mexiam vem da imaginação das pessoas, de outro, a figura do animal em si tem uma origem interessante. Fósseis de dinossauros, ou de outros grandes répteis serpentiformes, ou até mesmo fósseis de baleias são, provavelmente, a fonte de inspiração para os mitos dos dragões (assim como de outros animais, lendas e deuses que existem mundo afora). Imagine os antigos chineses encontrando ossos de grandes proporções, com a forma de um lagarto, espalhados pelo chão… e mais, ossos duros como pedras! Na breve pesquisa que fiz para escrever este post eu li (aqui) que o fato de os ossos serem feitos de pedra (resultado do processo de fossilização) provavelmente levou as pessoas a pensar que era um animal que cuspia fogo, pois seus ossos resistiam a ele! Interessante, não?

Os mais antigos adornos chineses contendo imagens de dragões datam de cerca de 4700-2900 a.C. (Cultura Hongshan). Então é bem provável que antes disso os fósseis de grandes animais já tivessem sido descobertos naquela região do mundo. Naquela época não se tinha o conhecimento científico que temos hoje sobre fósseis e fossilização, extinções e da vastidão do tempo geológico, e estes restos eram interpretados como restos recentes de animais fantásticos, ou seja, como os dragões; hoje chamamos a eles de dinossauros (e afins).

Se você sabe mais sobre os diferentes estilos de wushu, sobre paleontologia, sobre dragões, ou simplesmente gostou do post, deixe-nos um comentário!!

Veja aqui um documentário sobre a relação entre dragões e dinossauros.
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