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O MUSEU, VOCÊ E EU

UMA TRAGEDIA ANUNCIADA

Todos estão chocados e boquiabertos com a tragédia do Museu Nacional. O incêndio, que durou somente algumas horas, destruiu um patrimônio que levou mais de 200 anos para ser juntado. Em termos do valor que se perdeu, como muitos disseram, não há como calcular. É como se perdêssemos a maior parte de nossa memória de uma vez, de maneira irrecuperável. Podemos usar os fragmentos, podemos começar tudo de novo a juntar mais memória. Mas a que se perdeu, se perdeu.

As chamas consumindo o valiosíssimo acervo do Museu Nacional no Rio

Outros ficam chocados com as condições do Museu. Soubemos, pela imprensa, que o Museu Nacional estava sem recursos. Estava sem condições de sobreviver, o que fazia de maneira precária. Só faltava, mesmo, um acidente para acontecer a tragédia. E e tragédia veio, em sua forma mais cruel, na forma de um incêndio. O incêndio do Museu Nacional é, sem sombra de dúvida, somente mais uma das tragédias anunciadas de nossa cultura.

OUTROS INCÊNDIOS

Outros ainda lembram de incêndios recentes que destruíram parte significativa de nosso patrimônio cultural: Museu da Língua Portuguesa (2015), Instituto Butantan (2010), Memorial da América Latina (2013) e Cinemateca (2016). Sem contar o incêndio do MAM em 1978, que destruiu boa parte de um acervo riquíssimo.

Os incêndios são fenômenos aleatórios. O que define nossa resiliência a eles é nossa capacidade de enfrenta-los. O mesmo fogo, num museu com estrutura, não passaria de uma queimadura leve, dessas vermelhidões de sol na pele. No entanto, nosso descaso e falta de preparo fazem com que qualquer fagulha cause uma tragédia de grandes proporções,

POR QUE OS MUSEUS PEGAM FOGO?

Segundo os especialistas, acidentes nestas instituições tem como causa deficiência orçamentária, infraestrutura precária e equipes de trabalho especializada com numero abaixo do numero ideal. Nossas instituições de uma forma ou de outra, sempre tem um ou mais desses problemas. Na Unicamp, só para dar um exemplo, tivemos, uma grande discussão recente sobre estes temas. Embora algumas soluções provisórias tenham sido alcançadas, a maior parte delas continua sem solução.

Mas o que me deixa mais triste não é a aparente falta de visão dos governantes, O que me deixa mais triste é saber que a falta de visão dos governantes reflete um quadro ainda mais sombrio: vivemos numa sociedade inculta e que não vê um valor na cultura. Por isso, nossos museus são poucos, precários e vazios.

O INCÊNDIO E A REVOLTA

A nossa população não cobra dos governantes cuidado com a memória. Os motivos são os mais diversos, e é claro que a falta de cultura não é um projeto dos explorados, mas dos exploradores. Mas é importante salientar que somos sim, por ação ou omissão, um povo que, por falta de cultura, não se importa em fazer dela um valor. Este círculo vicioso faz com que nossa rica cultura se perca, se esvazie, se deteriore. Ou se queime.

A pesquisadora Aparecida Vilaça escreveu que, ao ver o esqueleto do museu destruído pelas chamas, ela viu a imagem de alguém se imolando, ou seja, alguém que coloca fogo no próprio corpo em protesto. Uma revolta por tantos anos de maus tratos e descaso. As imagens que circularam eram cruéis, mostrando as cenas de desolação causadas pelo fogo.

Quem sabe se a imolação do Museu Nacional faça com que nossa visão sobre os museus, os institutos de pesquisa e arte sejam mais valorizados. Que as pessoas tenham por hábito visitar Museus, Exposições e Centros de Cultura. E que esse hábito possa fazer com que a população cobre de nossos governantes o respeito que nossa Cultura merece.

OS POLÍTICOS NÃO TEM VISÃO?

Vi também que poucos candidatos à presidência tem um programa de cultura. Existem candidatos que afirmaram que a tragédia “agride a identidade nacional” e disse também que “é dever resgatar o compromisso de zelar permanentemente” pela preservação do patrimônio. Mas, quando foi governo, este mesmo candidato deixou estas instituições à míngua.

Outro candidato ainda, quer relegar a Cultura ao status de Secretaria em seu governo. Não se pode acusar este candidato, aliás bem posicionado nas pesquisas, de incoerente. Em seu programa, realmente, ele não faz qualquer referência à Cultura. Na certa, se alguém falar a ele sobre Cultura, ele puxa o revólver…

A TRAGEDIA DA NOSSA CULTURA

Estes políticos dizem essas leviandades porque nós os autorizamos. Nós não nos importamos, sejamos francos. Nós não valorizamos a nossa própria cultura. Por isso, pense sobre o que você e eu estamos fazendo com a Cultura em nosso país. Pense no quanto você defende isso como uma política, como uma ação efetiva. E pense o quanto nós cobramos de nossos governantes ações efetivas a este respeito. E faça. Façamos.

Da mesma forma, vá a museus, visite exposições. Participe de atividades de crowfunding cultural. Valorize quem trabalha com a Cultura. Valorize-se.

Ou queime, inapelavelmente, como todos nós brasileiros nos queimamos, nas chamas da Quinta da Boa Vista.

Não há segunda chance para um povo sem memória.

Coleções de Fósseis de A a Z (de Aldrovandi à Zabini)

Quem nunca trouxe para casa uma pedra bonita no bolso que atire a primeira pedra.

Museu do Palazzo Poggi, Bolonha, mostrando a coleção de História Natural montada por Ulisse Aldrovandi

O hábito de “catar pedrinhas” é tão antigo quanto a humanidade. Nossos ancestrais adoravam carregar pedras bonitas que encontravam pelos motivos os mais diversos: por que era bonita, por que tinha uma forma familiar, por que tinha uma forma estranha…o fato é que as pedras nos atraem.

Entretanto, se as “pedrinhas” tiverem um formato conhecido, parecendo um animal ou planta, melhor ainda. Desta forma, ficamos ainda mas fascinados por elas. Ficamos olhando, sentindo na mão suas texturas, seus formatos, vendo seus brilhos conforme as olhamos contra a luz. Por vezes, levamos a rocha ou o mineral ou o fóssil para o quarto, colocamos na prateleira. Ao acordar, olhamos novamente fascinados. No entanto, isso não vai ficar por aí.

Uma nova coleção tem início.

As coleções de fósseis

Com o tempo, o hábito de colecionar estes objetos fascinantes foi se tornando cada vez mais sofisticado. Por outro lado, as coleções foram ficando cada vez maiores e mais volumosas. Não cabiam mais em simples gavetas e prateleiras. Ao final do século XVI o sábio italiano Ulisse Aldrovandi (1522-1605) foi o curador de uma destas grandes coleções, que então envolviam espécies animais, vegetais e minerais.

o Filosofo Natural Ulisse Aldrovandi (1522-1605), o criador da palavra Geologia e um dos maiores Sábios de seu tempo.

Em síntese, Aldrovandi tinha uma grande coleção de Historia Natural. Tinha animais, vegetais e “o reino mineral”, envolvendo o que hoje chamamos de rochas, minerais e fósseis. As gavetas nas quais guardava os espécimes não eram como hoje, separados por tipos de rochas, por minerais e por fósseis. Era tudo misturado, mesmo porque não se tinham claros os processos pelos quais uma rocha se formava.

Naquele tempo, tais coleções eram chamadas de “coleções de fósseis”. O conceito de fóssil durante o Renascimento era muito diferente do conceito moderno, conforme já tratamos aqui. A palavra fóssil vem do latim “fodere”, que significa escavar. Fóssil era tudo que pudéssemos escavar, retirar da terra. Tudo que era retirado da terra era fóssil. Solo, pedra, mineral, rocha, fóssil (no sentido moderno).

O Museum Mettalicum

Assim, Aldrovandi publicou um catálogo de sua exposição de fósseis. O catalogo era tão imenso, o “Museum Metallicum” (folheie suas páginas aqui), que só foi terminado muitos anos depois da morte de Aldrovandi, em 1648, por seu discípulo Batholomeu Ambrosinus. Nele, Aldrovandi e Ambrosinus mandaram fazer xilogravuras detalhadas, mostrando as espécies de sua coleção.

Frontispício do grande catalogo Museum Metalicum, elaborado por Ulisse Aldrovandi e seu discípulo Ambrosinus.

Em primeiro lugar, através de seu estudo, podemos ter uma ideia da concepção de mundo de Aldrovandi. Por outro lado, os critérios utilizados na sua coleção baseavam-se, como os de hoje, na visão de mundo do colecionador. Para nós, alguns destes critérios podem parecer estranhos ou mesmo não-científicos. No entanto, sabemos que Aldrovandi, se não era um moderno cientista – essa palavra só foi inventada dois séculos depois, no século XIX – era um sábio, um Filósofo Natural dos mais importantes.

Aldrovandi e a Geologia

Foi Aldrovandi, inclusive, quem inventou a palavra “geologia”, num livro que publicou em 1603. Em sua definição, geologia seria o estudo de objetos aflorantes e enterrados– os fósseis. O uso mais recente da palavra geologia, próximo do que utilizamos hoje, foi utilizada a partir do final do seculo XVIII.

Em síntese, o conceito de rochas e minerais mudou. Minerais são substâncias orgânicas ou inorgânicas naturais, com composição química definida e propriedades físicas que refletem a sua estrutura interna. Desta forma, um cristal de halita (sal gema ou sal de cozinha) tem as mesmas propriedades que as moléculas de NaCl. Por outro lado, rochas são definidas como agregados de minerais.

Cristais de Halita, ou sal gema, ou sal de cozinha. Os cristais refletem a estruturação das moléculas de NaCl presentes em sua composição.

Fósseis, no sentido moderno, são restos ou marcas  de organismos preservados por inúmeros processos de litificação. Alguns processos foram discutidos aqui no blog, tanto pela professora Frésia quanto pela professora Carolina. para uma discussão mais abrangente veja aqui.

Dinossauros no IG?

Nesta semana abriu uma exposição sobre dinossauros no Instituto de Geociências da Unicamp. Chama-se “Dinossauros (?) no IG” e vai até setembro no saguão principal de nosso novo prédio, na rua Carlos Gomes, 250, no campus de Barão Geraldo em Campinas.

A exposição tem a Curadoria da professora Carolina Zabini, nossa companheira de blog. Carolina, que é bióloga de formação e paleontóloga de carreira e coração e blogueira nas horas vagas(!), montou uma exposição muito interessante, que discute vários aspectos destes ainda estranhos monstros.

Detalhe da Exposição Dinossauros no IG, montada por Carolina Zabini

Desta forma, com uma linguagem ágil e muitas caricaturas engraçadas, feitas de maneira competente pelo Claudinei Fernandes de Oliveira, ela aborda diversos aspectos dos dinossauros: seus hábitos, seus diferentes tipos, as suas linhagens evolutivas. Tudo isso é contado pelas caricaturas e por miniaturas muito realistas e bem-feitas, construídas pelo prof. Luiz Anelli, do IG-USP.

Os Dinossauros no espelho humano

Por fim, uma das partes mais interessantes, ao menos para mim, é a parte em que são apresentadas miniaturas de dinossauros mais antigas (!), feitas nos anos 60. Elas mostram seres reptilianos grotescos e bizarros, como quando eu era menino aprendi que eram os grandes dinossauros . Contudo, de lá para cá, aprendemos também que eles podiam ser coloridos, e que muitos deles usavam penas!

Sim, nossa concepção de dinossauros muda conforme nossa visão deles, que muda com os avanços da ciência. Da mesma forma,  muda também com nossa visão de nós mesmos. Nos inícios da paleontologia, no século XIX, os dinossauros eram representados como grandes e ferozes bestas. De lá até o “Baby” de Família Dinossauro, muita coisa mudou. Mudaram os dinossauros e mudamos nós.

Um monstruoso Pteranodon em réplica dos anos 60; a foto, também monstruosa, é deste blogueiro…

Desta forma, vimos que as coleções de fosseis mudaram muito, de A à Z. De Aldrovandi a Zabini. No início, eram meros catálogos, separando os espécimes segundo critérios os mais diversos. Hoje, as exposições tem conceito, linguagem e são cuidadosamente construídas para públicos específicos.

No entanto, uma coisa não mudou: nosso estranho e esquisito hábito de colecionar objetos do mundo natural.

PARA SABER MAIS:

Duroselle-Melish, C., & Lines, D. A. (2015). The library of Ulisse Aldrovandi († 1605): acquiring and organizing books in sixteenth-century Bologna. The Library16(2), 133-161.

Ogilvie, B. W. (2008). The science of describing: Natural history in Renaissance Europe. University of Chicago Press.