Quem nunca trouxe para casa uma pedra bonita no bolso que atire a primeira pedra.
O hábito de “catar pedrinhas” é tão antigo quanto a humanidade. Nossos ancestrais adoravam carregar pedras bonitas que encontravam pelos motivos os mais diversos: por que era bonita, por que tinha uma forma familiar, por que tinha uma forma estranha…o fato é que as pedras nos atraem.
Entretanto, se as “pedrinhas” tiverem um formato conhecido, parecendo um animal ou planta, melhor ainda. Desta forma, ficamos ainda mas fascinados por elas. Ficamos olhando, sentindo na mão suas texturas, seus formatos, vendo seus brilhos conforme as olhamos contra a luz. Por vezes, levamos a rocha ou o mineral ou o fóssil para o quarto, colocamos na prateleira. Ao acordar, olhamos novamente fascinados. No entanto, isso não vai ficar por aí.
Uma nova coleção tem início.
As coleções de fósseis
Com o tempo, o hábito de colecionar estes objetos fascinantes foi se tornando cada vez mais sofisticado. Por outro lado, as coleções foram ficando cada vez maiores e mais volumosas. Não cabiam mais em simples gavetas e prateleiras. Ao final do século XVI o sábio italiano Ulisse Aldrovandi (1522-1605) foi o curador de uma destas grandes coleções, que então envolviam espécies animais, vegetais e minerais.
Em síntese, Aldrovandi tinha uma grande coleção de Historia Natural. Tinha animais, vegetais e “o reino mineral”, envolvendo o que hoje chamamos de rochas, minerais e fósseis. As gavetas nas quais guardava os espécimes não eram como hoje, separados por tipos de rochas, por minerais e por fósseis. Era tudo misturado, mesmo porque não se tinham claros os processos pelos quais uma rocha se formava.
Naquele tempo, tais coleções eram chamadas de “coleções de fósseis”. O conceito de fóssil durante o Renascimento era muito diferente do conceito moderno, conforme já tratamos aqui. A palavra fóssil vem do latim “fodere”, que significa escavar. Fóssil era tudo que pudéssemos escavar, retirar da terra. Tudo que era retirado da terra era fóssil. Solo, pedra, mineral, rocha, fóssil (no sentido moderno).
O Museum Mettalicum
Assim, Aldrovandi publicou um catálogo de sua exposição de fósseis. O catalogo era tão imenso, o “Museum Metallicum” (folheie suas páginas aqui), que só foi terminado muitos anos depois da morte de Aldrovandi, em 1648, por seu discípulo Batholomeu Ambrosinus. Nele, Aldrovandi e Ambrosinus mandaram fazer xilogravuras detalhadas, mostrando as espécies de sua coleção.
Em primeiro lugar, através de seu estudo, podemos ter uma ideia da concepção de mundo de Aldrovandi. Por outro lado, os critérios utilizados na sua coleção baseavam-se, como os de hoje, na visão de mundo do colecionador. Para nós, alguns destes critérios podem parecer estranhos ou mesmo não-científicos. No entanto, sabemos que Aldrovandi, se não era um moderno cientista – essa palavra só foi inventada dois séculos depois, no século XIX – era um sábio, um Filósofo Natural dos mais importantes.
Aldrovandi e a Geologia
Foi Aldrovandi, inclusive, quem inventou a palavra “geologia”, num livro que publicou em 1603. Em sua definição, geologia seria o estudo de objetos aflorantes e enterrados– os fósseis. O uso mais recente da palavra geologia, próximo do que utilizamos hoje, foi utilizada a partir do final do seculo XVIII.
Em síntese, o conceito de rochas e minerais mudou. Minerais são substâncias orgânicas ou inorgânicas naturais, com composição química definida e propriedades físicas que refletem a sua estrutura interna. Desta forma, um cristal de halita (sal gema ou sal de cozinha) tem as mesmas propriedades que as moléculas de NaCl. Por outro lado, rochas são definidas como agregados de minerais.
Fósseis, no sentido moderno, são restos ou marcas de organismos preservados por inúmeros processos de litificação. Alguns processos foram discutidos aqui no blog, tanto pela professora Frésia quanto pela professora Carolina. para uma discussão mais abrangente veja aqui.
Dinossauros no IG?
Nesta semana abriu uma exposição sobre dinossauros no Instituto de Geociências da Unicamp. Chama-se “Dinossauros (?) no IG” e vai até setembro no saguão principal de nosso novo prédio, na rua Carlos Gomes, 250, no campus de Barão Geraldo em Campinas.
A exposição tem a Curadoria da professora Carolina Zabini, nossa companheira de blog. Carolina, que é bióloga de formação e paleontóloga de carreira e coração e blogueira nas horas vagas(!), montou uma exposição muito interessante, que discute vários aspectos destes ainda estranhos monstros.
Desta forma, com uma linguagem ágil e muitas caricaturas engraçadas, feitas de maneira competente pelo Claudinei Fernandes de Oliveira, ela aborda diversos aspectos dos dinossauros: seus hábitos, seus diferentes tipos, as suas linhagens evolutivas. Tudo isso é contado pelas caricaturas e por miniaturas muito realistas e bem-feitas, construídas pelo prof. Luiz Anelli, do IG-USP.
Os Dinossauros no espelho humano
Por fim, uma das partes mais interessantes, ao menos para mim, é a parte em que são apresentadas miniaturas de dinossauros mais antigas (!), feitas nos anos 60. Elas mostram seres reptilianos grotescos e bizarros, como quando eu era menino aprendi que eram os grandes dinossauros . Contudo, de lá para cá, aprendemos também que eles podiam ser coloridos, e que muitos deles usavam penas!
Sim, nossa concepção de dinossauros muda conforme nossa visão deles, que muda com os avanços da ciência. Da mesma forma, muda também com nossa visão de nós mesmos. Nos inícios da paleontologia, no século XIX, os dinossauros eram representados como grandes e ferozes bestas. De lá até o “Baby” de Família Dinossauro, muita coisa mudou. Mudaram os dinossauros e mudamos nós.
Desta forma, vimos que as coleções de fosseis mudaram muito, de A à Z. De Aldrovandi a Zabini. No início, eram meros catálogos, separando os espécimes segundo critérios os mais diversos. Hoje, as exposições tem conceito, linguagem e são cuidadosamente construídas para públicos específicos.
No entanto, uma coisa não mudou: nosso estranho e esquisito hábito de colecionar objetos do mundo natural.
PARA SABER MAIS:
Duroselle-Melish, C., & Lines, D. A. (2015). The library of Ulisse Aldrovandi († 1605): acquiring and organizing books in sixteenth-century Bologna. The Library, 16(2), 133-161.
Ogilvie, B. W. (2008). The science of describing: Natural history in Renaissance Europe. University of Chicago Press.