iGEM 2012 Latin America: Nossos Projetos

animação total

Alguns meses a menos de vida para cada um dos dois

Depois de dias no laboratório, noites mal dormidas (vide foto acima), muita teimosia, discussões (construtivas e não construtivas)  e principalmente com um pequeno “salto de fé”, nós conseguimos representar o Brasil na competição internacional de máquinas geneticamente modificadas de 2012 (para saber mais do iGEM, veja esse post e esse outro aqui)!

no bolt

The crew

Antes de falar como foi a experiência, a viagem e tudo mais (próximo post!), vamos falar nesse post sobre o que diabos fomos apresentar lá na Colômbia , como é o julgamento dos projetos e o que nós conseguimos/esperávamos conseguir.

Projetos

Fomos para a competição com dois projetos  (o que pode ser entendido desde como algo “arriscado” ou “ousado”, até a “completamente insano”) que já haviamos comentado no blog bem antes mesmo de colocarmos a “mão na massa” em laboratório. A grande estratégia foi ter um dos projetos bem factível, que nos daria uma maior certeza de resultados positivos, e um projeto mais ambicioso, que nos destacaria entre os demais por sua inovação e criatividade – mas que a chance de dar certo não era lá assim tão boa quanto a do outro projeto.

Levamos para o Jamboree (palavra em inglês que significa algo como “reunião de celebração”) o projeto “Plamídeo Plug’nPlay” – o factível – e o “Rede de Memória Associativa usando Bactérias” – o ambicioso.

Plug’nPlay

Basicamente, o Plasmídeo Plug’nPlay é uma maneira mais espertinha de se pegar um gene qualquer e colocá-lo para ser expresso dentro de uma bactéria. Para quem entende melhor do assunto, ao se explicar o projeto o nome de outros sistemas comerciais podem vir à cabeça – como o método Gateway, TOPO e o In-Fusion – mas a grande ideia é: se você tem um gene que quer clonar (ser expresso em algum ser vivo), basta fazer um PCR dele (milhões de cópias do dito cujo) e seguir o protocolo de transformação, como se os pequenos pedaços de DNA lineares fossem um plasmídeo. O plasmídeo Plug’nPlay (já presente dentro da bactéria) cria uma maquinaria para reconhecer esse produto de PCR e inseri-lo no próprio vetor. A grande vantagem desse método é que não existem certos passos que consomem um tempo desnecessário, como certas reações in vitro presentes nos três métodos citados anteriormente. A E.coli faz tudo isso por você!

Explicação do Plug&Play

Quando já estávamos começando a fazer os experimentos, descobrimos um método lançado recentemente pela empresa GenTarget, o método Eco PCR, que faz EXATAMENTE a mesma coisa: PCR e transformação – dois passos: “Plug” e “Play”. Contudo, existem duas diferenças entre o Plug’nPlay e o Eco:

  • o Plasmídeo Plug’nPlay usa uma recombinase, enquanto o Eco PCR usa recombinação homóloga;
  • o Plug’nPlay é Open Source!

Conseguimos resultados bem legais com esse projeto, mostrando uma prova de conceito que indicava a recombinação do produto de PCR com o Plasmídeo Plug’nPlay! Veja isso na nossa wiki, aqui.

Rede de Memória Associativa

Essa foi a aposta ousada do nosso time. Eufemicamente “ousada”.

Tudo parte de uma pergunta muito provocante: bactérias podem se comportar como neurônios para manter e lembrar uma memória!?

Toda dificuldade em explicar esse projeto está em tentar responder essa pergunta. Há várias “subperguntas” a serem respondidas dentro dessa, como: o que é (pragmaticamente) um neurônio!? O que é uma memória? Como é armazenada? Como se resgata uma memória!?

A memória do nosso cérebro não existe em “um neurônio”, e nem mesmo fica dividida literalmente em pedacinhos dentro de vários neurônios (pode até ser de fato, dependendo de como você interpreta “dividir em pedacinhos”). Ela é “sistêmica”, o que significa que você só consegue alcançar sua memória se todo um grupo de neurônios se comportar de uma maneira específica – ativando e/ou inibindo outros neurônios da rede.

esquema comparação neurônio - pop english
Enfim, essa é a ideia do projeto: fazer populações de bactérias se comportarem como um neurônio, podendo ser “excitadas” ou “inibidas”, e podendo “excitar” ou “inibir” outras populações – igual ao que um neurônio faz com outros neurônios. A(s) memória(s) seria(m) definida(s) quando “programássemos” geneticamente as populações para interagir entre si.

Se tivéssemos conseguido produzir isso completamente, teríamos a base para construir uma rede de comunicação entre as populações de bactérias, que seria análoga a uma rede de comunicação entre neurônios. À partir daí, seria possível criar um sistema que, dado um padrão de estímulo de populações inicial, poderia associar esse estímulo a uma das memórias do padrão de comunicação entre as populações, que já tinham sido “pré-programadas” com a memória.

Complicado né!? E só descrevi bem brevemente a ideia. Imagine ter que apresentar toda essa densidade de conteúdo em menos de 10 min!? E olha que eu nem mencionei o modelo de Hopfield para redes neurais, o aparato que teríamos que testar para ver o sistema funcionando e muito menos como funciona o sistema de Quorum Sensing. Acho que até mesmo Steve Jobs teria dificuldade em vender essa ideia.

Apesar de não termos conseguido finalizar as construções para realizar os experimentos, conseguimos fazer uma modelagem interessante do sistema, que mostra que para dois neurônios, há teoricamente quatro pontos de equilíbrio do sistema, o que indica – pelo menos teoricamente – que há o armazenamento das quatro memórias distintas num sistema simplificado. Na verdade, faltou fazer a análise da estabilidade desses pontos de equilíbrio, mas isso é outra história.

Se tudo o que planejamos desse hipoteticamente certo, poderíamos ter criado a prova de conceito para um sistema de auto-monitoramento de biorreatores, em que quantidades específicas de substâncias seriam mantidas nas devidas proporções através de um sistema de memória associativa que reestabeleceria sempre as concentrações das substâncias em questão, caso haja alguma alteração devido à fatores aleatórios do cultivo. Veja uma explicação melhor do projeto e até onde chegamos através da nossa wiki.

Resultados

Apesar de não termos chegado a resultados com o projeto de Redes, conseguimos “consertar” um BioBrick com erro e mostramos que o Plug’nPlay funciona, por isso conseguimos levar medalha de prata!

Certificado iGEM 2012

Para o incauto viajante, pode parecer claro que isso não é um bom resultado. Afinal “merecíamos ouro!”, “o time é da USP!” (ohh!), “a Unicamp foi melhor antes!”…

Particularmente, eu já esparava que o ouro fosse pouco provável. Não porque somos ruins, mas porque há uma condição necessária para levar o título áureo: a melhoria de novas partes e/ou novos devices (que são novas combinações de BioBricks já existentes). A maioria dos times de sucesso (a.k.a. europeus, norte-americanos e chineses) pesquisa os elementos de DNA desejados na literatura e manda sintetizá-los, o que agiliza muito o processo de redesign de BioBricks e viabiliza construções muito grandes. Não tínhamos verba o suficiente para a síntese, o que dificultava muito a criação de um device novo funcional, que seria construído no projeto de Memória Associativa. É lógico que existem outros fatores envolvidos para ganhar a classificação de medalha de ouro, mas escolhendo um como principal – aquele que, se diferente, poderia mudar bastante coisa – acho que seria esse: síntese de DNA. Infelizmente os devices do Plug’nPlay que construímos não foram considerados como “improvements”, mas apenas como uma caracterização funcional de uma nova parte/design. 🙁

Portanto, para mim, a briga estava mesmo se íamos levar prata ou bronze, porque ainda precisávamos de mais um dado para mostrar com um maior grau de “inequivocidade” que o Plug’nPlay funcionou. Mas parece que conseguimos convencer os juízes. 😀

O que aprendemos

A primeria coisa que aprendi nisso tudo foi: não se mede o desenvolvimento e os resultados de um projeto vendo apenas onde se chegou, mas de onde se saiu e até onde se foi.

O que vale mesmo é o Delta!

O que vale mesmo é o Delta!

Tudo começou no início de 2011, e depois recomeçou no segundo semestre do mesmo ano à partir do zero (pra não dizer à partir do “negativo”). Não tínhamos nada além da vontade de fazer acontecer. Conhecemos pessoas, o grupo cresceu e se fortaleceu, discutimos ideias, firmamos parcerias, criamos projetos,  arrecadamos verbas, aprendemos uma infinidade de coisas como: design, marketing, gestão de pessoas, planejamento, análise de viabilidade de projetos, web design,  programação, resolução de problemas do dia-a-dia em laboratório… Enfim, fizemos muitas coisas que muita gente duvidava no início de tudo – acho que até eu duvidava!

Outras coisa menos subjetivas que aprendemos principalmente através do feedback que recebemos dos juízes – e que podem ajudar futuros times brasileiros do iGEM – foram:

  • Os BioBricks são o foco, o resto do projeto em si é apenas o complemento da caracterização deles.
  • Os projetos que vão além da mera caracterização dos BioBricks são os de mais sucesso – parece contradição com a conclusão anterior, mas não é: experimentos de caracterização e experimentos de funcionalidade de um projeto devem ser complementares; os dois não são sempre necessariamente a mesma coisa.
  • Apresente a apresentação do Jamboree para o maior número de pessoas possível (de preferências professores da área) antes da apresentação fatídica: assim você consegue imaginar todas as perguntas possíveis que podem fazer para seu projeto – na verdade, isso vale para qualquer apresentação importante na sua vida.
  • Na modelagem: vá além de equações diferenciais.
  • Descreva bem os materiais usados e os protocolos na wiki!
  • Seja criativo e tente criar projetos de impacto no “mundo real”.
  • Tente criar uma Human Practice que tenha contato direto com as pessoas, de uma maneira criativa.
  • Foque nos resultados e em como eles foram feitos.
  • Ajude outro time do iGEM.
  • Fiscalize os outros times latinos para falarem INGLÊS e não ESPANHOL  no Jamboree da América Latina(importante!) – haha.
  • Nunca, em hipotese alguma, JAMAIS preencha os documentos de inscrição/submissão de partes com pressa ou sem atenção. Esse ano houve um time mexicano que não medalhou por falhar nesse quesito.

Futuro dos Projetos

Como parte da iniciativa do Clube de Biologia Sintética, queremos estimular a criação de projetos em Biologia Sintética não unicamente para o iGEM, mas para virarem publicações científicas ou empreendimentos mesmo. A competição é uma ótima plataforma para testes piloto de projetos e ideias, principalmente por contar com o acervo dos BioBricks e com a interação da comunidade internacional envolvida na área. Por isso, faz parte do nosso trabalho levar esses projetos além, fazer com que cheguem até ao “produto final”.

O plasmídeo Plug’nPlay ainda está sendo desenvolvido e testado no GaTE Lab visando futuras aplicações comerciais. O projeto de Redes está engavetado até definirmos o projeto do iGEM do ano que vem, mas há grande interesse de darmos continuidade a ele, principalmente por parte do pessoal da modelagem. Estamos com alguns contatos que podem se interessar em criar oportunidades para fazer essa rede de memória associativa com bactérias funcionar – muitos acharam interessantíssimo o nosso projeto no Jamboree, foi muito estimulador.

No próximo post vou falar de como foi a viagem a Bogotá e quais foram as impressões da competição para o único time tupiniquim deste ano. iGEM 2012 Latin America: Estivemos lá!

Enquanto isso, vejam nos comentários aí embaixo se meus comapnheiros concordam comigo sobre esse post (não me deixem no vácuo)! Hahaha! Até!

Microalgas na Biologia Sintética

ResearchBlogging.orgNa penúltima reunião do Clube de Biologia Sintética foi discutido em que pé andam as pesquisas envolvendo microalgas – uma das milagrosas fontes energia sustentável e fixação de CO2 – no contexto da Biologia Sintética. O apresentador da vez, João Molino, com base nos conhecimentos que vem adquirindo no seu doutorado na Farmácia (FCF) aqui na USP, nos deu um review dos trabalhos com microalgas usadas em Biologia Sintética, além de falar um pouco de como as microalgas são incríveis para converter energia solar em bioprodutos e – consequentemente – fixar CO2. Com isso ele sugere no final algumas oportunidades que poderíamos usar para projetos do iGEM do ano que vem.

Vídeo com “Pipotecnica”

Como tivemos problemas envolvendo a transmissão da reunião (que já era feita de maneira precária), resolvemos gravar novamente a apresentação, só que desta vez utilizando uma nova pirotecnia dos vídeos da internet, o Popcornmaker (veja mais sobre ele nessa palestra de 4min no TED). Junto ao vídeo irão aparecer muitos links e informações extras diretamente da wikipédia em inglês (nunca substimem a wikipédia em inglês!), portanto se quiser saber mais sobre alguma informação “ao vivo” durante o vídeo, cheque os links! [clique na imagem abaixo para ir ao vídeo em outra aba]

Anotações Pessoais

Apesar do custo/benefício das pesquisas de microalgas na indústria não ser muito bom – segundo o que o Mateus me contou outro dia – suas características são muito provocativas para serem usadas como solução ecológica para muitos problemas e melhorar bastante processos de produção de bioprodutos já existentes. Ela faz coisas simplesmente incríveis. Como o João mostra no vídeo, ela é campeã na produção de galões/acre de óleo, além de poder viver em ambientes completamente isolados, como em uma garrafa fechada por exemplo – diga aí, qual ser vivo que você encontra no seu dia a dia (sem contar microalgas né…) que consegue viver muito bem e por muito tempo num ambiente completamente fechado e sem ar! Ela também fixa CO2 que é uma beleza, produz hidrogênio (hidrogênio cara!) e ainda pode ser usada como biorremediador (e de fato é naturalmente) para limpar áreas contaminadas!

Além de ser muito interessante biotecnologicamente, as microalgas são um grande gargalo na biologia sintética devido à falta de BioBricks e de elementos de DNA padronizados, como suas sequências terminadoras. O que é bem legal para o Registry of Parts e para o iGEM: partes inéditas! O time do chile do iGEM deste ano foi um dos primeiros a conseguir transformar cianobactérias (“parentes” das microalgas) com sucesso utilizando BioBricks na competição, o que é um bom indício para se trabalhar com microalgas.

O Grande Desafio

Apesar disso tudo, trabalhar com microalgas é algo bem desafiador, muito por causa do item mais valioso que se tem em laboratório: tempo. Um processo inserção de vetor nas células que duraria apenas (no máximo!) 2 dias de trabalhando com E.coli, com nossas amigas verdinhas duraria cerca de uma a duas semanas (se não me engano, segundo o que o João me contou). Para se fazer um projeto desse tipo estaríamos um pouco limitados para o pouco tempo do iGEM, a não ser que nos organizássemos muito bem (ainda estamos trabalhando nesse quesito). Mas o interessante é que aparentemente elas são bem geneticamente estáveis quando se tratando do vetor inserido; pelo o que o João nos contou, algumas microalgas transformadas duram anos com o seu novo pedaço de DNA. O processo de transformação também é aparentemente tranquilo e sem muito mistério.

Seguindo com os nossos objetivos de criar um projeto para o iGEM, muitas ideias surgiram da potencialidade de trabalhar com microalgas. Particularmente, comecei a pensar num sistema em que as microalgas “alimentassem” uns extremófilos, para que eles produzissem um efeito desejado com suas habilidades únicas da natureza – habilidades extremas! Mas discorro sobre isso em futuros posts.

Referência Principal

Durante o vídeo, muitas referências interessantes apareceram com ajuda  do Popcornmaker, mas a referência principal que guiou o overview que o João nos fez é essa aí embaixo:

  • Wang B, Wang J, Zhang W, & Meldrum DR (2012). Application of synthetic biology in cyanobacteria and algae. Frontiers in microbiology, 3 PMID: 23049529

Bactéria Sintética Segundo Craig Venter

Autor: Mira Melke

O Anúncio da criação da bactéria sintética pelo J. Carig Venter Institute  (JCVI) foi há pouco mais de dois anos, em 2010. Na época, cientistas de várias regiões do mundo e de áreas distintas se pronunciaram a respeito do que o Próprio Venter chamou de “A Criação de uma nova vida”. Afirmação extremamente questionável, mas que movimentou a mídia como poucos cientístas conseguiram fazer até hoje. Essa afirmação foi tema do meu trabalho para a disciplina de Filosofia da Biologia e resolvi compartilhá-lo com vocês.

A base do meu trabalho foram dois artigos. O Primeiro deles é o publicado pela Science e pelo grupo do JCVI, intitulado “Creation of a Bacterial Cell Controled by a Chemically Synthesized Genome”. Reporta o design  síntese e organização de um genoma completo de uma bactéria. Esse genoma foi posteriormente transplantado em uma bactéria que teve seu material genético extraído por completo.

O segundo, publicado pela Nature, apenas 7 dias depois, intitulado “Life After the Synthetic Cell” traz a opinião de oito especialistas na área da Biologia Sintética sobre as implicações para a ciência e para a Sociedade da “Célula Sintética” feita pelo JCVI.

Ambos os artigos podem ser encontrados facilmente no pubmed.

Antes de entrarmos propriamente na discussão filosófica, quero apresentar brevemente a proposta do trabalho  e a metodologia utilizada.  Na apresentação, está resumida em apenas um slide, mas quero detalhar um pouco de cada etapa.

Minimização do Material Genético

Essa etapa consistiu em determinar, a partir de dois organismos simples (duas cepas (linkar uma referência explicando a palavra cepa) de Mycoplasma mycoides) com o genoma conhecido.  Muitos anos foram necessários para estabelecer o conjunto de genes que era estritamente necessários para a sobrevivência da bactéria. 100 de 485 genes testados foram considerados dispensáveis quando inibidos um de cada vez.

Design do Genoma

A combinação do resultado da minimização com algumas sequências de controle (watermarks) formou o genoma base para a síntese.  Ele precisava conter apenas os genes essenciais para a  sobrevivência da bactéria, ainda que o papel desses, individualmente,  não tivesse sido elucidado.

O design da sequência foi realizado digitalmente.

Síntese em Quatro etapas

Essa síntese foi, de fato, o grande feito realizado pelo grupo. Eles “montaram” a partir de  partes sintéticas bem pequenas um genoma com 1.08 mega pares de bases.  No primeiro estágio, 10 cassetes de 1080 pb sintetizados (overlapping  synthetic oligonucleotides) foram combinados, formando 109 assemblies de aproximadamente 10kb – setas em azul. Esses, em grupos de 10, foram recombinados para produzir os assemblies com aproximadamente 100 kb – setas em verde. Na etapa final, 11 desses foram combinados para produzir o genoma completo – circulo vermelho. Essas etapas foram realizadas, primeiramente em E.coli, as etapas finais, foram realizadas utilizando leveduras.

Para um melhor entendimento dos processos, recomendo que vá direto ao paper. Algumas leituras auxiliares podem ser necessárias.

Transferência do Genoma

O genoma sintetizado e montado foi transplantado em uma bactéria recipiente (Mycoplasma capricolum) que teve seu material genético totalmente removido. Toda a maquinália celular ( enzimas, organelas,membranas) estava intacta. Dessa forma, os elementos que seriam controlados pelo novo genoma e que atuariam sobre ele estavam presentes. Observe também que o gênero das bactérias (a que serviu como base para o genoma e a que recebeu o material genético sintetizado) é o mesmo. Sendo assim, é esperável que não haja rejeição ao novo material genético e morte da célula.

Após todos esses processos e análise do sucesso do transplante  a “nova” bactéria foi capaz de auto-replicação e apresentou o crescimento logarítmico característico das bactérias. Algumas mutações ocorreram durante o processo, mas essas não alteraram o desempenho da célula. Dessa forma, foram mantidas.

Depois de milhares de replicações celulares, as características da célula, bem como todos os seus componentes celulares eram derivados do novo genoma sintetizado, não guardando nenhuma informação da célula recipiente. Com isso em mente, os cientistas do JCVI afirmaram que de fato, criaram uma célula sintética.

Tal afirmação foi extensamente questionada por boa parte da comunidade científica. Para não alongarmos muito a discussão, aconselho que sigam pela apresentação, e observem as opiniões e divergências sobre o assunto.

Minha opinião também se encontra a apresentação e estou disponível para continuarmos essa conversa pelo comentários, caso se sintam a vontade. Em caso de dúvidas, comente.

Apresentação disponível em: http://prezi.com/veskghxybqgv/nature-entra-na-discussao/

Um Abraço.

Clube de Biologia Sintética 2012

Começaremos novamente nesta quarta feira (15 de agosto) as reuniões do Clube de Biologia Sintética!

Não importa a área: se você se interessar por biotecnologia, pesquisa interdisciplinar, gosta de aprender coisas novas e de resolver desafios, está mais que convidado!

Você de Exatas

No Clube você pode descobrir um novo mundo para “programar”, modelar e resolver problemas utilizando conceitos de engenharia para se fazer o design de sistemas biológicos.
NOTA: Nesse ano colocamos um Físico em um laboratório de Biologia Molecular; foi mais ou menos assim:
[youtube_sc url=”http://www.youtube.com/watch?v=3drspKkfIyE”]

Você de Biológicas

Nas reuniões você pode descobrir que a Biologia pode ser muito mais exata do que você conhece, e a diferença é só de abordagem.

E qual o Objetivo de Tudo Isso!?

Usar criatividade, interdisciplinariedade e empreendedorismo para esboçar um projeto para a competição internacional de máquinas geneticamente modificadas de 2013! E se divertir no processo, é claro!

A ideia é gerar propostas para serem apresentadas nas reuniões à partir de brainstormmings e referências indicadas por qualquer participante do grupo. É uma oportunidade de se aprender a como se iniciar um projeto do zero, planejar experimentos, verificar viabilidades, procurar materiais, custos, buscar financiamento, organizar pessoas, tempo e recursos; ou seja: tudo o que você precisa para se dar bem em qualquer empreendimento.

Já temos um pequeno cronograma ainda com detalhes a definir, mas com temas já escolhidos. Depois disso quem fará as reuniões serão os próprios participantes, convidados a apresentar suas ideias, assuntos interessantes e relevantes de synbio e qualquer outra coisa que se encaixe na reunião.

Nosso projeto para o iGEM 2012 ainda não acabou, mas vamos trazer toda a experiência que estamos acumulando para melhorar ainda mais ano que vem!

Horário: Das 18:30 às 20:00 hrs

Local: Sala “Fava Netto”, do ICB II – USP.

Vamos transmitir a reunião por Livestream. Colocaremos o link no facebook, twitter e aqui no blog quando iniciarmos a transmissão. Fiquem ligados!

Polimerase Por Segundo

ResearchBlogging.orgA Biologia é imprecisa por natureza, e vice versa. Isso é uma grande dificuldade ao se fazer design de sistemas biológicos sintéticos; aquilo que é muito bonito no papel às vezes nunca pode ser feito por motivos obscuros e por excesso de ruído dos sinais do sistema. Não dá pra prever. Na tentativa de deixar dispositivos sintéticos mais previsíveis, a Biologia Sintética tenta padronizar não somente partes biológicas, mas também os sinais que a compõem a dinâmica de seu sistema. Esses sinais são justamente a passagem de informação entre DNA e o fenótipo desejado, mas… como diabos deixar isso mais preciso e medir a velocidade dessa passagem de informação? Como medir “Polimerases Por Segundo”?

Padronização da Transmissão de Informação

Independente do que um aparelho elétrico faça, existem sinais “universais” que pertencem a todos eles: variações na diferença de potencial, na corrente, no campo elétrico e etc. A transmissão de informação entre os dispositivos eletrônicos que compõem esse aparelho são dadas justamente através desses sinais, fazendo todo o sistema elétrico funcionar. Em circuitos genéticos, sinais análogos à corrente elétrica são as taxas de transcrição e tradução, ou mais especificamente, a velocidade com que – respectivamente – uma polimerase e um ribossomo “leêm” seus nucleotídeos. O problema é que esses sinais (as taxas de transcrição e tradução) não são bons como transmissores de sinais. Entenda o porquê:

PoPS e RiPS: Qual é o sentido disso!?

Para que um transmissor de sinal seja bom, ele precisa facilitar com que dispositivos possam ser facilmente combinados em um sistema – além de ser algo “universal”, como foi dito anteriormente. Foi aí então que, usando experiências da engenharia, os biólogos sintéticos cunharam o termo “PoPS” (Polimerase Per Second – Polimerase Por Segundo) e “RiPS” (Ribossome Per Second – Ribossomo Por Segundo). Muitos pesquisadores acham que a criação desses novos termos é como “reinventar a roda”: qual seria a grande diferença entre isso e as clássicas taxas de transcrição e tradução? A diferença é a abrangência da nova medida. Quando se trata de um sítio operador, um RBS, um RNAm e o próprio gene sendo “lido”, não há diferença alguma em se medir uma taxa de transcrição e o “PoPS” ou uma taxa de tradução e o “RiPS”. Mas faz sentido se medir a taxa de transcrição de um sítio terminador por exemplo!? Esse elemento de DNA, que teoricamente não é transcrito (é ele quem justamente para a transcrição), ainda pode eventualmente ter um “leak” e permitir a passagem de uma polimerase. Usar a expressão “… a taxa de transcrição de um sítio terminador …” não faz sentido nenhum, mas acontece. Se usarmos PoPS, que por definição é o número de vezes que uma RNA polimerase passa por um ponto específico de uma molécula de DNA por unidade de tempo, ainda há sentido, pois nessa definição não importa qual a região do DNA a Polimerase passa. É esse tipo de generalidade que permite o fácil uso e novas combinações de dispositivos sintéticos.

Hierarquia de Abstração

Com a criação de sistemas fáceis de se integrar, os engenheiros biológicos podem se beneficiar de métodos largamente praticados em qualquer campo da engenharia, como a hierarquia de abstração. Com isso é mais simples se lidar com a complexidade de sistemas biológicos quando se omite informações desnecessárias. Desse modo (ver imagem abaixo), alguém trabalhando no nível de abstração das partes biológicas não precisa se preocupar com o design e síntese do DNA que usará, do mesmo modo, alguém trabalhando no nível sistêmico precisa pensar em apenas quais dispositivos incluir e como conectá-los para realizar uma função desejada, sem precisar se preocupar com os outros níveis de abstração.

Imagem retirada de: D. Baker, G. Church, J. Collins, D. Endy, J. Jacobson, J. Keasling, P. Modrich, C. Smolke, and R. Weiss. ENGINEERING LIFE: Building a FAB for biology. Scientific American, pages 44–51, June 2006.

Como medir PoPS?

A maioria dos sistemas criados e estudados hoje em dia em Biologia Sintética envolve controle transcricional da atividade genética, o que faz do PoPS a variável mais difundida na área, principalmente pelas pesquisas envolvendo lógica booleana em sistemas genéticos (portanto não é muito comum encontrar “RiPS” em artigos por aí).
Não existe um método direto para se medir PoPS, mas é possível chegar em seu valor indiretamente através de medições de fluorescência de genes reporter. É possível – se você puder encontrar os parâmetros na literatura ou medí-los – encontrar o PoPS de um dispositivo em cinco passos:

Cinco Passos Para o PoPS

1. Ligação de um Gene Repórter como Output

Antes de mais nada, será preciso de um fluorímetro (é claro) e demum espectofotômetro para medir densidade celular. Como exemplo, vamos observar a parte BBa_F2620:

Esse BioBrick tem como “entrada” a substância de quorum sensing 3-oxohexanoil-homoserina lactona e tem como “saída” PoPS. Em presença de 3OC6HSL, o gene que produz o fator de transcrição luxR promove a transcrição de genes após o Lux pR, na parte final do BioBrick BBa_F2620. Para mensurar o quão ativo o luxpR fica, liga-se outro BioBrick no final do dispositivo para mudar o output do sistema colocando-se o BBa_E0240 – a ORF (Open Reading Frame) do GFP (Green Fluorescent Protein):

Assim tem-se uma nova parte, o BioBrick BBa_T9002:

2. Medição da Fluorescência e Absorbância e Subtração do Background

Para medir a fluorescência do GFP e a absorbância da amostra de células, é preciso criar dois controles: um da absorbância (A) e outro da fluorescência (G). O controle da fluorescência será o próprio BBa_T9002 sem ser induzido pela substância de quorum sensing (G_não-induzido), enquanto o controle da absorbância é feita da maneira trivial, verificando somente a absorbância do meio de cultura (A_background). Para se obter os reais valores de Fluorescência induzida por 3OC6HSL e da densidade celular, basta então subtrair esses valores de background com os valores medidos durante a indução pela substância de quorum sensing:

3. Correlação com a Curva Padrão

Com as correções em mãos, outro procedimento trivial a ser feito é encontrar a curva padrão de fluorescência versus GFP e de absorbância versus número de células. Por exemplo, experimentos feitos em laboratório chegaram a essas retas de correlação de valores:

Em que UFC é “Unidade Formadora de Colônia” – o número de células na amostra. E “GFP” seria o número de moléculas de GFP medidas.

4. Interpolar a Curva de GFP versus Tempo Obtida na Medição

A síntese total de GFP por célula (S_célula) é dada pela taxa de produção de GFP total (S_total) dividida pelo número de células (UFC):

Para encontrar a derivada de [GFP] por tempo, basta plotar os dados de GFP obtidos por tempo e interpolar com uma função logística (provavelmente) para obter a equação que melhor descreve a variação de GFP no tempo.

5. Colocar os Valores Nessa Equação Aqui

Depois de determinada a função Scélula, basta colocá-la nessa fórmula e encontrar o PoPS:

Em que:
a = Taxa de maturação do GFP – 1/s
GammaM = Constante de degradação do RNA – 1/s
GammaI = Constante de degradação do GFP imaturo – 1/s
Rô = Constante de síntese proteica por RNAm (RiPS) – [Proteína]/[RNAm].s
PoPS = Polimerase por segundo – [mRNA]/[DNA].s

CUIDADO: Conteúdo Matemático – Prossiga com Cuidado (Ou não…)

Chega-se nessa expressão através de um pequeno sistema de equações diferenciais:

As equações expressam uma dinâmica simplificada de um sistema de transcrição e tradução de uma informação genética. Para chegar na expressão de PoPS, basta substituir a última equação na segunda e isolar M. Com a expressão resultante, basta substituir a variável M na primeira equação e sua derivada em dM/dt.

ATENÇÃO: Aqui acaba o conteúdo matemático. Está tudo bem agora.

E essa é a história de como você pode encontrar o PoPS – essa variável estranha! – no seu próprio laboratório (ou ao menos entender do que se trata). Assim como um circuito elétrico, que pode ser montado da melhor maneira possível e mesmo assim não funcionar por razões obscuras, sistemas biológicos têm muito mais esse problemático costume de não se comportar como esperado. Contudo essa abordagem mais generalista da atividade transcricional de uma célula é uma boa maneira de se tentar enfrentar o grande desafio de se deixar a biologia mais “engenheirável” e mais “precisa”. Não que essa seja a coisa mais fácil do mundo, mas ela nunca será se ninguém tentar. E estamos aos poucos conseguindo.

Referências:

Synbio na terra da Mafalda

Autor: Ivan Lavander, estudante de Ciências Biológicas – USP

Entre os dias 16 e 22 de abril rolou um curso introdutório de biologia sintética, o primeiro desse tipo na America Latina, hosteado pela Universidade de Buenos Aires e financiado pela Organização Europeia de Biologia Molecular (EMBO). Eu fui um dos participantes selecionados, e vou divulgar numa série de posts um pouco do que rolou por lá =)
Esse é um primeiro post sumarizando o curso, e os próximos posts com a sigla [SBAr] se referem ao conteúdo do curso!

Estrutura do Curso – O curso se focou em introduzir os participantes nos principais métodos, estratégias e desafios do synbio. Mesmo nessa fase inicial, algumas idéias e principios já se definem como parte essencial da biologia sintética, incluindo quatro principais tópicos: estratégias bottom-up, top-down, algumas filosofias malucas sobre biobricks e aplicações. Durante o curso, esses tópicos e seus respectivos objetivos foram distribuídos abordados da seguinte forma:

(1)   Da complexidade natural à artificial;

Antes de desenvolver novos circuitos, é preciso se entender a organizaçào e “robustez” dos circuitos naturais. Integrar os dados de bancos de dados, assim como o montante de dados gerados por tecnologias de “high throughput”, que geram quantidades absurdas de dados, possibilitam observar com grande profundidade a dinânica do genoma, transcriptoma, proteoma, metaboloma e suas interações. Como selecionar e aplicar essa montanha de informação originária da natureza e quais métodos devem ser utilizados para otimizar essas redes de informação em circuitos sintéticos?

(2)   Estratégias bottom-up;

Bottom-up, ou “de baixo pra cima”, é a estratégia usado pra construir coisas com legos: usar partes intercambiaveis e bem conhecidas que podem ser utilizadas para se desenvolver sistemas de diferentes complexidades (em contraposição a estratégias top-down, onde mal se conhece o funcionamento do sistema, quanto mais sua complexidade, mas é preciso regula-lo para combater doenças, por exemplo). Esse jeito bottom-up de fazer synbio é uma das areas mais revolucionárias em synbio, trazendo uma nova visão open source de como produzir ciência. Assim, tem-se elevado, através da constante caracterização de novas partes biológicas, a complexidade e potencial de desenvolvimento de novos circuitos biológicos sintéticos pela utilização desses legos biológicos.

(3)   “Life is computation!”;

Modelos físicos teóricos predizem e eu não entendo porra nenhuma com bastante precisão sistemas complexos, e tem ajudado a revelar mecanismos antes inimagináveis de controle de expressão gênica. Esses modelos ajudam a guiar o design de circuitos sintéticos e a otimiza-los.

(4)   Interfaces entre circuitos sintéticos e naturais;

Diferente da estratégia bottom-up, alguns circuitos de interesse são extremamente complexos, dependem de fatores externos ou suas “partes” são pouco conhecidas – pelo menos com quanto as diferentes interações possíveis. Uma estratégia top-down, “de cima pra baixo”, permite regular sistemas biológicas sem que cada parte envolvida tenha sido “reconstruída” ou, no mínimo, seja totalmente conhecida como no caso de biobricks. Seria como desativar, ativar ou modular alguma parte pra ver se continua funcionando ou o que deixa de funcionar. E essa é uma das grandes promessas e revoluções do synbio: usar circuitos sintéticos em interface com circuitos complexos naturais para controlá-los ou modulá-los.

Os participantes 

A organização do curso foi feita pelos professores da Universidade de Buenos Aires Dr. Alejandro Nadra, o Dr. Ignacio Sanchez (o nacho!) e o Dr. Raik Grünberg, da Alemanha, todos advisors do primeiro time argentino do iGEM <http://igem.qb.fcen.uba.ar/site/#page_2/> e que vao ganhar um espaço próprio num futuro post.

Os palestrantes, Dr. Marc Güell, pos doc no Church lab em Harvard, e a Dra. Reshma Shetty, co-fundadora da Ginkgo Bioworks http://ginkgobioworks.com/, uma start up de synbio norte americana, falaram sobre a integração de bancos de dado e otimização de redes naturais para se criar circuitos artificiais. O Dr. Drew Endy (primeiro comentário: imagina um cara com cara de gringo, segundo: dizem por aí que ele é “o próximo steve jobs”) co-fundador da BioBricks Foundation e um dos idealizadores do iGEM, falou sobre estratégias bottom-up e biobricks ohreally?. O Dr. Roman Jerala (o principal advisor do time da Slovenia que ganhou duas vezes o grand award do iGEM) e a Dra Chirstina Smolke (uma das principais pesquisadoras de switches de RNA e professora de bioengenharia em Stanford) falaram sobre modulação de circuitos naturais usando estratégias de top-down (DNA origami, riboswitches, proteínas fusionadas) e o Dr. Thierry Mora e a Dra. Aleksandra Walczak mostrou o que a França tem de melhor, ambos da Ecole Normale Supérieure e do CNRS, falaram sobre modelagem teórica de redes complexas e aspectos teóricos do design de circuitos gênicos.

Mais informações:

http://events.embo.org/12-synthetic-biology/

Entenda a Engenharia Metabólica

ResearchBlogging.orgUma das grandes maravilhas da humanidade – objeto de grande satisfação entre os químicos – é uma tabela que nos diz tudo o que existe no universo, os cerca de 120 elementos que formam tudo aquilo que o ser humano conseguiu perceber. Usando essa mesma ideia, cientistas conseguiram determinar 12 substâncias principais que podem produzir tudo… o que existe dentro de uma célula! Esse é um dos princípios fundamentais da Engenharia Metabólica, entenda o porquê:

Os 12 Precursores Principais

Tudo o que uma célula consome sempre produz compostos que chamamos de “precursores principais”. São esses precursores que podem gerar tudo dentro da célula: desde seu DNA até às membranas celulares. Na bactéria E.coli, por exemplo, existem 12 dessas substâncias principais: Eritrose 4-fosfato, o famoso Acetil CoA,  Frutose 6-fosfato, Glucose 6-fosfato, Alfa-cetoglutarato, Oxaloacetato, Ribose 5-fosfato, Fosfoenolpiruvato, 3-fosfoglicerato, Piruvato (esse carinha é famoso também), Triose-fosfato e Succinil CoA. Isso quer dizer que a grande maioria de todas a milhares de reações dentro da E.coli em algum momento formam e/ou consomem essas substâncias em suas etapas de reação.

Assim, ao melhor estilo dos antigos alquimistas, pesquisadores – em especial FC Neidhardt – dissecaram células de E.coli de modo a determinar a quantidade desses precursores que seria necessária para “construir” uma bactéria (ver infográfico acima):

Ou seja, todos os precusores somados às moléculas para se realizar oxidações (NAD), reduções (NADPH) e fornecer energia (ATP), resultam em 1 mol de “XR”, que é a quantidade de biomassa produzida com esses compostos, ou “1 mol de células” (definida aqui como a quantidade de células em 10^6g). XR seria um arcabouço que abarca todas as proteínas,  lipídeos e  nucleotídeos da célula; por isso não podemos dizer que essa é de fato uma equação química, mas uma “pseudo-equação química”, afinal dá pra ver claramente que as quantidades das substâncias não se conservam em termos estequiométricos – pra falar a verdade, não há nem a representação de elementos, são só siglas.

Enfim, esse é o mais próximo que chegamos do desejo dos alquimistas de obter uma receita para a vida como eles idealizaram, mas apesar de parecer pouco, essa pseudo-reação global de “construção de células” nos permite contabilizar literalmente quais são os recursos que as bactérias têm para produzir coisas que não produzem natualmente, ou seja, nos mostram quais são as cartas em jogo quando se altera um organismo geneticamente. E o nome desse jogo é fluxo, fluxo metabólico.

O Fluxoma

Uma célula é como se fosse uma mini indústria: seus operários são enzimas, a chefia é a informação genética e a matéria prima são os metabólitos externos com o qual se produzem as peças – que são os 12 metabólitos principais – para a linha de montagem: as etapas de reações bioquímicas. Essa pequena empresa é um empreendimento talhado pelo mercado competitivo, ditado pela economia minimizadora de enegia, seguindo a lógica da seleção natural. Igualzinho às empresas de verdade. Mas enfim, a grande pergunta é: o que acontece quando a chefia muda? O que acontece quando modificamos geneticamente um microrganismo? Apenas colocar uma informação genética não natural na “chefia” é o mesmo que colocar um administrador inexperiente no comando de todo um processo produtivo que ele não conhece. É ir contra milhares de anos de seleção natural.

Arte de Pedro Pantai. Visite http://meninodacaixadesapato.blogspot.com.br/

Por exemplo, imagine que a nossa célula é uma fábrica de motos. Depois de muitos anos existindo, decidem colocar uma nova chefia adjunta no comando. O novo chefe adjunto decide colocar uma nova maquinaria e funcionários no chão de fábrica, pois quer ampliar a gama de produtos que a empresa fabrica. A indústria de motos então passa a produzir triciclos; nada mal. O problema é que a nova chefia SÓ faz isso. Ele não comunica os antigos funcionários sobre a nova produção, não compra mais matéria prima e, apesar de desejar que o carro chefe da empresa seja triciclos, não move uma palha para que isso aconteça. Em outras palavras: temos uma fábrica de motos que improvisa na fabricação de triciclos. É aí que entra o engenheiro de produç… Ops, o “engenheiro metabólico”.

O grande problema da nossa indústria de motos é apenas de distribuição das peças, afinal – simplificadamente – a grande diferença do produto antigo para o novo é apenas uma roda. Da mesma maneira, em uma célula a grande diferença entre os componentes que ela já produz para existir (o “XR” da pseudo-reação acima) e as novas substâncias que queremos que ela produza (por modificações genéticas) é apenas uma combinação de quantidades diferentes dos 12 precursores principais que levem às reações de síntese que queremos. Para ter controle dessas reações que levam à XR e/ou ao bioproduto desejado, cria-se o chamado “fluxoma”, a contabilização de todos as taxas de reação (os fluxos) de dentro da célula – da mesma forma que o genoma é a contabilização de toda a informação genética de uma célula.

ATENÇÃO: se a matemática não é sua amiga, tome cuidado com o conteúdo a seguir.

Fluxos Metabólicos

A teoria que se aplica para a determinação desses fluxos baseia-se na simples conservação de masa em um sistema fechado, no caso uma célula ou um compartimento celular fechado com metabólitos; especificando a reversibilidade das reações e quais metabólitos são considerados como internos e externos. A equação geral que descreve a conservação de massa de metabólitos em um sisema de volume definido pode ser escrita como:

Em que C (mol/L) é um vetor da concentração de m metabólitos internos; r ((mol/L)/h) é o vetor do grau de reação, ou seja o fluxo,  de n reações que convertem metabólitos; S é a matriz estequiométrica de dimensões  m x n cujos elementos sij representam o coeficiente estequiométrico do elemento i envolvido na reação j; e μ (1/h) é o grau específico de diluição associado com a mudança no volume de um sistema, o que é muito importante considerar no modelo, pois o graus de diluição afetam diretamente as velocidades de reação. Como em uma célula o grau de diluição é muito baixo quando comparado com os graus de reação, as mudanças de volume no sistema são consideradas negligenciáveis. Temos portanto a equação mais simplificada:

Em um estado estacionário, que é o que se considera na análise de um fluxo metabólico, não há acúmulo de metabólitos, e portanto suas concentrações, bem como a população bacteriana, tornam-se constantes, fazendo com que dC/dt = 0:

A caracterização de reações reversíveis é realizada através da detreminação do sinal de ri, em que ri < 0 delimita a reação ocorrendo no sentido oposto, ri = 0 informa a sua não-ocorrência e ri > 0 indica uma reação ocorrendo no sentido esperado.

Uma outra maneira mais simplista de se entender o mesmo raciocínio, partindo do mesmo princípio de conservação de massa, pode ser:

O que é o mesmo que S.r = 0. Considerando as substâncias envolvidas em várias reações, teremos o mesmo resultado:

OBSERVAÇÃO: Aqui acaba o conteúdo matemático. Pode continuar a ler abaixo, já passou…!

Análise de Vias Metabólicas

Então, como dá pra perceber, tudo se resume a encontrar um sistema de equações – sim, os sisteminhas de equações que você aprende a resolver na escola – que descreva o metabolismo da célula envolvendo os metabólitos principais. É exatamente aqui que entram os dados da pseudo-reação global comentada no início, é ela que define, junto com dados experimentais de consumo de substratos, o conjunto de soluções desse sistema de equações (chamados de “modos elementares”). Os sistemas de equações obtidos por análise das vias metabólicas são sempre indeterminados, uma vez que o número de reações bioquímicas as envolvendo é muito maior que o número de espécies de metabólitos, ou seja: tem-se mais equações que variáveis. A tarefa de programas de análise de vias metabólicas é encontrar possíveis soluções para esse sistema que digam quais são os possíveis fluxos de todas as reações envolvidas, com isso é possível analisar qual modo elementar é o que possui maior rendimento de produção do bioproduto desejado, e portanto quais reações que devem ocorrer no sistema em detrimento de outras.

Por exemplo, vejamos o exemplo da produção de Lisina em Corynebacterium glutamicum. Esse aminoácido é naturalmente produzido em nível basal na célula para manutenção da atividade celular, apenas super-expressando os genes envolvidos nas vias de produção de lisina e nocauteando outros genes que produzem enzimas competidoras (essas são grandes maneiras de se alterar os fluxos metabólicos) da biosíntese de lisina é possível aumentar cerca de 11 vezes a produtividade. Isso pode ser feito sem análise nenhuma. Mas se analisando os fluxos metabólicos (imagem abaixo), vemos que é possível quase dobrar a produção industrial de Lisina à partir da mesma quantidade de glicose. Assim como na analogia entre a indústria e a célula, única diferença foi a distribuição dos fluxos entre os precursores principais da C. Glutamicum, ou seja uma combinação diferente de quantidades dos precursores em diferentes reações.

No caso, um aumento do fluxo metabólico pela via das pentoses (formando Ribulose 5-fosfato) em um processo sem produção de CO2 – realizando o ciclo do glioxilato – aumenta a produção por gerar mais NADPH, necessário na biosíntese de Lisina, e que não é produzida na via “normal” de degradação da glicose (via de Embden-Meyerhoff-Parnas).

O Futuro da Engenharia Metabólica

Muitos dizem que a engenharia metabólica será tão eficiente em otimizar os processos biotecnológicos que substituirá completamente os processos químicos orgânicos no futuro, afinal esse é o grande entrave para termos toda uma indústria baseada em uma bioprodução: os processos químicos são muito mais eficientes. Ter toda a indústria química baseada na produção de materiais por organismos nos daria um mundo mais ecológico e renovável. O grande passo para isso já foi dado com a “synthia“, a bactéria sintética de Craig Venter e seu grupo. O desafio de se fazer engenharia metabólica é justamente o problema que foi eliminado – EDITED: OK, não eliminado, mas amenizado – quando se nocauteou todos os genes não essenciais para a sobrevivência na bactéria produzida por Venter, pois qualquer nova via colocada no microrganismo já estaria quase completamente otimizada, uma vez que não existiriam fluxos “não essenciais” em que a bactéria poderia estar “desperdiçando” energia em vez produzir o bioproduto dos genes com que foi modificada. Assim, como um upgrade da engenharia genética, a engenharia metabólica faz aquilo que torna a Biologia Sintética algo simples e bonito: apenas uma mudança inteligente de como a informação é transmitida; uma mudança de design. No final das contas, mais do que pseudo-realizar os sonhos dos alquimistas, entender os fluxos metabólicos é mudar a maneira como os químicos atuais sonham com o futuro, afinal, porque reinventar como produzir substâncias orgânicas se os próprios organismos podem fazer isso pela gente!? Já está mais do que na hora de reinventarmos nossa indústria.

Referências

Vallino JJ, & Stephanopoulos G (2000). Metabolic flux distributions in Corynebacterium glutamicum during growth and lysine overproduction. Reprinted from Biotechnology and Bioengineering, Vol. 41, Pp 633-646 (1993). Biotechnology and bioengineering, 67 (6), 872-85 PMID: 10699864

Neidhardt, F. C., J. Ingraham, and M. Schaechter. 1990. Physiology of the Bacterial Cell: A Molecular Approach. Sinauer Associates, Sunderland, MA.

A Incrível Sociedade dos Microrganismos


ResearchBlogging.orgÉ bem óbvio que um ser humano não existiria sozinho. Não só porque ele não poderia ser gerado, mas porque dificilmente conseguiria sobreviver. Já reparou na quantidade de pessoas que permitem (e permitiram) que você tivesse o dia de hoje como você tem? Cada parafuso, tecido, metal, tijolo e etc que permite você estudar, trabalhar, andar de automóvel, comer e ler esse texto foram pensados, feitos, montados, transportados e vendidos por alguém. Não é possível portanto tentar entender os humanos, bem como a maneira com que eles se comunicam, isoladamente. É preciso olhá-los sistemicamente, como seres sociais. As bactérias também. É cada vez mais reconhecido que as bactérias não existem como células solitárias, mas são como um “organismo colonizador” que elabora complexos sistemas de comunicação que facilitam a sua adaptação às recorrentes mudanças ambientais. E elas nascem poliglotas. A seleção natural esculpiu em diferentes espécies diversos genes que as permitem se comunicar cooperativamente e repressivamente entre espécies e até mesmo entre reinos (como por exemplo em bactérias patogênicas). Damos à essa comunicação bacteriana o nome de “quorum sensing” (“detecção em quórum” – tradução livre).

Quorum Sensing

O termo “quorum sensing” foi cunhado devido à habilidade dos microorganismos expressarem ou aumentarem a expressão de certos genes quando em grande população, podendo dessa forma monitorar a densidade celular (quantidade de células ao seu redor) antes de manifestar algum fenótipo. Um dos exemplos mais ilustrativos disso é da Dictyostelium discoideum, um protozoário que passa uma das fases do seu ciclo de vida produzindo um corpo multicelular. Tem um vídeo bem legal mostrando a formação de um corpo de frutificação através de várias células individuais de Dictyostelium:

[youtube_sc url=http://www.youtube.com/watch?v=vjRPla0BONA]
Reparem rapidamente em 00:30 min as células se locomovendo em “pulsos”, na direção de um local em que todas estão se agregando (é difícil de perceber!). Esse local inicial é em geral onde um grupo de bactérias encontrou alguma fonte de nutrientes. A “pulsação” da locomoção das bactérias acontece devido à substância de quorum sensing que é difundida pelo espaço vinda das células do local de agregação; um pulso inicial provoca – quando em uma população não muito grande, para ser perceptível – um comportamento oscilatório de resposta das células: quando uma célula recebe um sinal (do tipo “Ei, tem comida aqui!”), ela emite um de volta (como se etivesse gritando “Caramba, tem comida lá!”), que é recebido pelas células que mandaram o sinal incialmente (o que seria um “Ótimo! Estou indo praí!”) e por outras ao seu redor, propagando o sinal. Como a transmissão de informação com as substâncias não é imediata e nem totalmente contínua, observa-se os “pulsos”, que são resultado do “gap” entre enviar e receber informações pela difusão de moléculas.

As diferentes Línguas das bactérias

Tabela com exemplos das diferentes famílias de substâncias de QS, as diferentes "línguas" das bactérias. Imagem modificada de S. Atkinson e P. Williams (2009) e de Y. He e L. Zhang (2008). Referências no final do post.

As “línguas”, ou simplesmente certas coisas que as bactérias querem “dizer” (como “Estou afim de dar uma reproduzida!” ou “Fujam, eles estão vindo!”) são “ditas” através de diferentes tipos de substâncias que os microorganismos produzem. No caso da Dictyostelium ali em cima, a substância é AMP cíclico (é quase um ATP, só que duas vezes menos fosfatado… e cíclico, é claro), mas se tratando de bactérias – que ainda é a principal plataforma de aplicação da Biologia Sintética – existem três tipos principais de substâncias de quorum sensing: as acil-homoserinas lactonas (HSL ou AHL), auto-indutores 2 (AI-2) e pequenos ácidos graxos, chamados de “DSF”s (Diffusible Signal Factor – do inglês: Fator Sinalizador Difusível). Existem ainda outras famílias de substâncias de QS, mas aparentemente menos comuns que essas três principais.

O Mecanismo Gênico

A ativação dos sistemas de QS só ocorre em uma alta densidade celular. Isso permite que se chegue uma concentração limiar de substâncias de QS para expressão de genes. 1, 2 e 3 são os três elementos básicos de DNA para se construir um sistema de QS. Imagem modificada de NA. Whitehead et al (2001), referência no final do post.

Para um microrganismo ganhar a abilidade de “falar em outra língua”, em geral são necessários apenas três elementos de DNA: um gene que gere uma enzima que produza uma substância de QS, outro gene que produza o “receptor” dessa substância – que em geral é um fator de transcrição – e um promotor, no qual o fator de transcrição (após se associar à substância de QS) se liga para controlar a expressão gênica (imagem ao lado).

Se uma bactéria (por exemplo) “fala” a mesma “língua” que suas companheiras de colônia, como ela diferenciaria então um sinal próprio (a própria substância de QS sendo produzida) de um sinal de outras células (substância de QS externa)!? Isso é importante, porque se a bactéria receber o próprio sinal que envia, ela entrará em um processo autocatalítico que resultará em uma contínua auto-ativação da célula independente do sinal das bactérias ao seu redor. Acontece que uma bactéria não produz níveis suficientes de QS para “se ouvir”. Sem o sinal externo, a transcrição de genes pelo sistema de quorum sensing é fraca e insuficiente para iniciar um feedback positivo; apenas em alta densidade celular se consegue alcançar uma concentração crítica de substâncias de QS para estimular a transcrição dos genes que o QS controla.

Quorum Sensing no iGEM

Apesar de não ser um meio de transmissão de informação tão rápido e eficiente como o dos light switches, os sistemas de QS são bastante utilizados em dispositivos sintéticos devido à sua especificidade e falta de “falsos sinais” – afinal, é extremamente fácil estimular não-intencionalmente uma célula sensível à luz. No Registry of Parts existem cerca de 6 sistemas de QS completos, padronizados e disponíveis para construção, todos usando (em geral) diferentes AHLs, usados tanto na ativação e inibição da expressão de genes.

Exemplos de utilização desse sistema de transmissão de informação não faltam no iGEM. Já tratamos no blog de um dos inúmeros projetos do iGEM que utilizam quorum sensing, o da Unicamp de 2009. Em seu projeto, o time brasileiro utilizou sinais de AI-2 como um “sistema de alerta” em bactérias produtoras de bioprodutos em um bioreator. Quando um microrganismo contanimante surgisse (produzindo AI-2), o sistema de QS atuaria para comunicar sua presença a todas as bactérias ao redor do organismo invasor, iniciando gatilhos gênicos para produção de substâncias nocivas ao contaminante, afim de exterminá-lo do bioreator.

Parte do vídeo explicativo do time da Unicamp de 2009. Uma pequena esquematização de como usaram quorum sensing.

Aprender como uma população de microrganismos de comunica é extremamente útil para saber como ela se comporta, e no caso da biologia sintética, muito útil para conseguir controlar esse comportamento para transmitir informações em um dispositivo gênico sintético. Mas é claro que prever todo um comportamento de um sistema biológico não é nada fácil. Como já salientava Asimov, há algo em comum no comportamento de humanos e átomos: ambos são muito previsíveis singularmente, mas praticamente caóticos quando em coletivo. Apesar de mais simples, populações de microrganismos também se comportam assim, o que é uma das razões que tornam o trabalho em laboratório muitas vezes frustante e cansativo. Um guia nesse caos é essa compreensão sistêmica da comunicação entre bactérias (que origina certas resistências a antibióticos inesperadas e outras coisas bizarras), que assim como seres humanos, as torna seres mais sociais do que você possa imaginar.

Referências

  1. Whitehead, N. (2001). Quorum-sensing in Gram-negative bacteria FEMS Microbiology Reviews, 25 (4), 365-404 DOI: 10.1016/S0168-6445(01)00059-6
  2. Atkinson, S., & Williams, P. (2009). Quorum sensing and social networking in the microbial world Journal of The Royal Society Interface, 6 (40), 959-978 DOI: 10.1098/rsif.2009.0203
  3. He YW, & Zhang LH (2008). Quorum sensing and virulence regulation in Xanthomonas campestris. FEMS microbiology reviews, 32 (5), 842-57 PMID: 18557946

 

Um por Todos e Todos por Um! Agradecimentos à Multidão que Faz Acontecer!

Acho que conseguimos fazer algo sensacional. E aparentemente inédito também. Eu já disse em outro post o quão somos todos poderosos com a internet, e foi com esse incrível poder – quase utópico – que conseguimos ser (pelo o que tudo indica) o primeiro projeto de ciência brasileiro a ser financiado com sucesso por crowdfunding, com incríveis 109% financiados.

Até agora não caiu a ficha que conseguimos quase cerca de 6000 reais em um mês e meio. Me lembro do dia em que cheguei no meu apartamento e disse aos meus colegas: “Cara, eu preciso de 2700 dólares nos próximos dois meses!” (antes de me explicar acharam que estava envolvido com algum tipo de máfia de agiotas).
Eu não fazia a mínima ideia de como arrumar esse dinheiro. Parecia impossível. Tínhamos caído em uma grande “sinuca financeira” ao tentar pedir financiamento pela universidade para um projeto que não se encaixa direito em quase nenhum dos programas de apoio que ela oferece. Essa é a sina da inovação: não existe nada pré-definido para aquilo que é novo. Bem, como estávamos fazendo algo novo, porque então não sair do óbvio? Porque esperar sempre apoio das mesmas fontes de financiamento que ditam o que pode e o que não pode ser feito? Foi aí que o Hotta me veio com a intrigante ideia: “Porque vocês não tentam financiamento por esse site aqui?”. Desde então descobri que além de algo chamado crowsourcing, existe algo tão velho quanto o imposto de renda (só que um pouco diferente) chamado crowdfunding, o financiamento pela multidão.

Sem saber a dificuldade de tal tarefa, simplesmente criei uma página de financiamento no RocketHub (o site de crowdfunding que usamos) para um projeto brasileiro de Biologia Sintética. De novo: brasileiro e em algo chamado Biologia Sintética. Como fazer a multidão se interessar por esse projeto dentre vários outros bem mais atrativos envolvendo música, filmes, arte e etc? Estereotipando, éramos um projetinho latinoamericano nerd junto de vários outros gringos, super chamativos e descolados. Eu não sabia em que estava me metendo. Talvez seja por isso que a ficha ainda não caiu depois que tudo deu certo. Você tabém não iria acreditar na quantidade de pessoas que existem aí fora dispostas a apoiar suas ideias.

Seguimos à risca as recomendações que o site dá para conseguir os projetos financiados: entrar em contato primeiro um círculo de pessoas diretamente relacionadas conosco e depois com um círculo de pessoas desconhecidas. O engraçado é que ficou tudo misturado. Ao mesmo tempo que apareciam pessoas totalmente não-relacionadas com qualquer pessoa do grupo, apareciam amigos e parentes dando uma engordada na vaquinha online.

Em cada email que recebia com uma quantia de dinheiro, independente da quantia que fosse, era como um pequeno presente de natal fora de época. Mais do que pessoas dando dinheiro a nós, tínhamos pessoas acreditando no nosso projeto, acreditando em nós. É aquele tipo de coisa que os cartões de crédito nos ensinaram muito bem que não tem preço. É principalmente por isso que por mais que eu escreva, não vou encontrar palavras para agradecer esse apoio de todos deram, seja de amigo, parente, professor, blogueiro, empresa, escritor, entusiasta e parceiro do grupo. Fomos muito além da expectativa mais otimista que tínhamos. Estamos muito mais motivados, felizes e com certeza de toda a responsabilidade que temos agora, que além de representar nosso país na maior competição de Biologia Sintética do mundo, é fazer todos os apoiadores também merecedores (além dos rewards, é claro) do sucesso que tivermos. Mas por enquanto gostaríamos muito de dizer:

Joana Guiro, Tania, Douglas Domingues, Cristiano Breuel, Kathleen Raven, Elias de A. Rodrigues, Renilda Souza, Roseane Souza, Adriana Marcelino Escarabichi, Regivaldo, Bruno Vellutini, Cleandho, Cristina Caldas, Luis Brudna, Daniel Ariano, Bernardo Lemos, Silvério Flora Filho, Alex Gorshkov, Shridhar Jayanthi, Carlos Gustavo, Marcus Nunes, Carlos Hotta, Gilberto, Andrés Ochoa, Blog Blabos de Blebe, Mateus Schriener G. Lopes, Mariana Machado de Paula Albuquerque, Jean Marcel Duvoisin Schmidt, Débora Pimentel, Andre Pimenta Freire, Rafael Calsaverini, Bruno de Medeiros, Integrated DNA Technologies (IDT), Felipe (phi!), Carolina Carrijo, Rafael Tuma Guariento, Fábio Cespedes, Carolina Menezes Silverio, Konrad Förstner, Francisco Camargo (Chico!), Cláudia Chow, Roberto Takata, e o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas…

🙂

Há ainda muito trabalho pela frente e vários outros desafios a serem encarados, mas esse nosso primeiro sucesso tangível já está ganhando repercussão em alguns lugares, como no blog sobre ciência da revista piauí (“De grão em grão“) e no blog do próprio RocketHub (“Brazilian Science Dreams Comes Alive” e “A RocketHub Story: Dreamers Don’t Blink“). Espero que essa moda gringa pegue por aqui, e que ainda possamos ver no Brasil vários projetos científicos criativos mais livres, abertos e possíveis com crowdfunding, sem depender muito dos programas pré-formatados de apoio à pesquisa e desenvolvimento. Afinal, como já disse no nosso vídeo promocial: “Because when you help science, you help everyone!”.

OBS: agora eu tenho uma exclusiva “Wings Badge” no RocketHub! A melhor badge que já ganhei! 😀

Crowdfunding: o “faça você mesmo” do financiamento

O movimento DIY (Do It Yourself) é lindo. É quase uma coisa utópica: você quer fazer alguma coisa? Aprende, vai lá e faz, oras! Basta ter aquela ideia que não te deixa dormir, ficar obcecado por ela, ser um pouco otimista e deixar a preguiça de lado. Perfeito, mas… Onde arrumar a grana para seus planos?

Regras do Jogo

Tudo bem, as coisas não são tão fáceis assim. Vivemos  num mundo capitalista e as regras do jogo te impedem de colocar uma bela ideia em prática se você não tiver dinheiro. O grande problema na maioria das vezes é justamente esse: o capital inicial. Muitas ideias legais e empreendimentos não saem do papel porque o suporte para esse tipo de coisa não é algo trivial de se conseguir e os riscos são altos dependendo do caso. Por exemplo, um dos grandes problemas que enfrentamos para arranjar financiamento para a participação do iGEM foi a falta de apoio público à iniciativas tecnológicas de pequeno porte (talvez seria mais correto chamar de “mini porte”): ou as chamadas de projeto davam dinheiro demais ou não davam dinheiro nenhum. Se fôssemos uma empresa, não nos encaixaríamos em nenhuma categoria de investimento, o que não significaria que a empresa poderia gerar menos ou mais retornos que as de categorias de investimento maiores.

Mas aí você pode perguntar: “Então porque vocês não pediram dinheiro a mais mesmo?”. É porque esse tipo de apoio deve ter todos seus gastos todos justificados, afinal é um investimento! Se seu empreendimento não demanda  coisas o suficiente ele acaba morrendo de fome.

“Toc-Toc”-“Olá senhor, gostaria de investir no meu empreendimento?”

Mas calma lá também, isso não significa que para colocar sua ideia em prática será preciso ser um missionário do empreendedorismo e bater de porta em porta pedindo financiamento… É quase isso.

A diferença é que, se quiser fazer um belo DIY,  terá que bater na porta de fundos de investimento privados. Eles são menos inflexíveis que os fundos públicos (como o BNDES, FINEP e etc) em termos de linhas de financiamento, contudo são um pouco mais sisudos: esses fundos são controlados pelo mercado e o grande objetivo é o retorno do investimento, sem envolver questões sociais e culturais do projeto; a não ser que você encontre um fundo supimpa que se preocupe com isso. Se você conseguir conquistar os empresários, eles deixarão o jogo mais fácil para você colocar seu sonho em prática.

O Nanoempreendedorismo

O movimento DIY não precisa de tanto dinheiro assim para se preocupar com fundos de investimento, a não ser que você queira deixar a brincadeira do “faça você mesmo” mais séria depois. Afinal para fazer um DIY que se preze, os materiais devem ser baratos e fáceis de se encontrar. Só que isso gera um problema semelhante a um empreendimento de “mini porte”: você não vai precisar (provavelmente) e não vai conseguir sozinho 10.000 ou 20.000 dólares; o que você vai precisar para projetos de garagem é da ordem de 500 a 2000 dólares. É pouco provável – devido ao porte do empreendimento – que exista um fundo de investimento que se interesse em apoiar (tudo bem, vai que você consegue!) o seu “faça você mesmo” (apesar desses valores ainda serem uma considerável graninha!). Uma categoria de investimento para “nano-empreendedores” seria mais improvável ainda: além de ser uma grande mistura de hobby com negócios – o que poderia estragar toda a ideia divertida de DIY – os riscos de investimento seriam muito altos (apesar de estar em jogo “pouca” grana).

Crowdfunding: o poder da internet em suas mãos

Como deu para perceber, apesar do dinheiro ser importante, não diria que ele é o limitante para sua ideia (apesar de aumentar pra caramba a sua moral e seu respeito social), seria mais um entrave. O essencial mesmo é conhecer pessoas. Pessoas certas na hora certa principalmente, isso sim é que é difícil. Isso vai economizar muito tempo e sola de sapato. Mas diminuindo ainda mais o tamanho das coisas, pode ser que nem sapatos sejam necessários: apenas uma conexão com a internet já basta (a internet te dá super-poderes). É assim que funciona o Crowdfunding, o “financiamento pela multidão”. É o mesmo modelo que a Wikipedia, a Avaaz e vários programas e aplicativos gratuitos que vivem de doações usam para conseguir existir.

Como sempre, as coisas legais chegam no Brasil depois de já fazerem muito sucesso “lá fora”, mas já existem iniciativas muito legais
como a Crowdfunding Brasil. Contudo, dá para pegar a onda dos gringos através de alguns sites muito legais:

RocketHub

Disponível para usuários de  todo o mundo. Funciona como todos os outros: você cria uma página para as pessoas contribuírem online, estabelece o quanto você precisa para sua ideia e dá um prazo para levantar a grana. Ajudando com diferentes valores existem diferentes categorias de “recompensas” que o contribuidor ganha. O que o RocketHub ganha com tudo isso? 4% de tudo arrecadado, para financiamentos dentro do prazo ou não. Eles recomendam essa correção nos valores antes de realizar a campanha.

Kickstarter

Diferentemente do RocketHub, aqui o negócio é tudo ou nada: consegiu financiar no prazo? O dinheiro é seu. Não conseguiu? É do Kickstarter. É o site de Crowdfunding mais famoso, mas por enquanto não é de acesso mundial.

 

 

IndieGoGo

É bem parecido com o RocketHub: também é uma plataforma mundial e cobra 4% de tudo arrecadado. A única diferença é que se você não conseguir levantar a quantia no prazo, a porcentagem que fica para o site é maior: 9%.

O único site de crowdfunding tupiniquim é o LET’S. Ainda não é tão bombado como os outros, mas com as políticas de divulação do site e do formato de financiamento de crowdfunding, espera-se que no futuro seja uma opção tão boa quanto as estrangeiras. A LET’S sempre fica com 5% do valor arrecadado caso o pagamento seja via Paypal.

Existem muitos projetos impressionantes e interessantíssimos nesses sites, com diferentes graus de ambição. Para nossa iniciativa de participação no iGEM 2012, além de corrermos atrás de financiamentos por patrocínios de empresas, criamos um projeto lá no RocketHub! Até o presente momento conseguimos levantar incríveis 385 dólares (uhul! Estamos ricos!). Sinta-se à vontade para olhar nossas recompensas e contribuir como quiser! Conte para todo mundo também!

Enfim: fica aí a dica. Principalmente se você curte DIY Biology e tem ideias bem legais que quer colocar em prática. Só não vai criar um problema de Biossegurança hein!