Idéias Cretinas entra na avenida e pede passagem…
Olá a todos!
Esta é a minha primeira postagem original aqui nos Lablogatórios; este blog existiu por quase um ano no blogspot, até que fui convidado a trazê-lo para cá, convite que fiquei muito honrado em aceitar. Acho justo avisar que Idéias Cretinas não é um blog de ciência típico (se é que existe esse animal, o “blog de ciência típico”); assuntos delicados como política e religião farão aparições – e, se você prestou atenção no cabeçalho desta página, deve ter notado o título “Idéias Cretinas” associado à Suma Teológica de Tomás de Aquino. Considere isso aviso suficiente.
Para não ficar me repetindo, copio abaxo o “Manifesto Idéias Cretinas”, que lançou a versão anterior do blog em 2007. Bem-vindo e boa leitura…
Este blog tem um título provocador que foi escolhido com o propósito de chamar atenção para um fato: ele tratará de idéias, não de pessoas. E idéias estão aí para ser espancadas, ridicularizadas, desmontadas, negadas e, por que não, defendidas. Se você vai se sentir ofendido porque uma de suas idéias preferidas — seja a superioridade da religião cristã, do socialismo científico ou da cerveja belga — poderá ser reduzida a pó de traque em algum momento, problema seu. Ninguém mandou entrar aqui.
A civilização humana evolui pelo choque de idéias. De uns tempos para cá virou moda achar que algumas idéias, políticas e religiosas principalmente, deveriam ser postas acima da crítica, em nome da boa convivência entre partidos, credos, povos, culturas, o escambau; que, no fim das contas, ninguém está “mais certo” do que ninguém.
Bullshit, digo eu. Correr o risco de ver suas crenças reduzidas a escombros é parte do preço de ser adulto. Se não estiver pronto para isso, volte para a barra da saia da mamãe. E se eu digo que a Terra é quadradada e você diz que ela é redonda, é óbvio que um de nós está “mais certo” que o outro.
Por fim: o fato de você (ou eu, ou qualquer outra pessoa) acreditar numa idéia demonstravelmente cretina não é demérito pessoal algum. Como o historiador Michael Shermer já explicou em seu ensaio “Why Smart People Believe Weird Things”, os mecanismos da crença são variados e têm um jeito de se infiltrar por baixo do radar do senso crítico. Continuar a acreditar depois da demonstração inequívoca da cretinice pode ser um problema ético, como argumentou o filósofo e matemático William Clifford, mas aí é com você.
Neste blog, vamos explorar o potencial e nível de cretinice de diversas idéias correntes. Entre em paz, e de livre e espontânea vontade…
8/8/8
O Fantástico de ontem à noite — desculpe, até eu assisto uns pedaços desse negócio às vezes, principalmente quando os seriados da TV a cabo são todos repetidos demais — cometeu uma peça de numerologia a respeito do dia 8/8/8 que merece ser analisada sob, ao menos, dois ângulos.
(Para quem não sabe como a superstição “funciona”, vamos lá: os numerólogos atribuem a cada letra do alfabeto um número, geralmente seguindo o famoso “código secreto do pré-primário”: A=1; B=2; C=3, e assim por diante. Aí, pegam nomes de pessoas, países, empresas, etc., traduzem-nos de acordo com o código e somam os algarismos obitidos entre si, até chegar a um só dígito. Esse resultado teria significado místico. Exemplo: Idéias Cretinas é 9+4+5+9+3+18+5+20+9+14+1+19. Agora, onde está acalculadora… ? Ah: 116, ou 1+1+6 = 2+6 = 8. Então “8” é o número místico deste blog. Pelo que falaram no Fantástico, trata-se do número da honestidade e da veracidade. Arrá!).
Bom, a “reportagem” da Globo mostrava algumas crianças nascidas em 8/8/8 com vários oitos em suas vidas — o número do quarto em que as mães ficaram internadas (512, 5+1+2 = 8), a hora exata do nascimento (7h56 = 7+5+6=18) e assim por diante. Causa de espanto e admiração. Certo?
Nem tanto. Chegamos, agora, aos dois ângulos quem mencionei lá em cima.
O primeiro é o artificialismo das produções para televisão. Quem não trabalha com comunicação quase nunca se dá conta, mas toda reportagem para TV é produto de uma pré-produção exaustiva: antes de deslocar uma equipe composta de profissionais especialiazdos e equipamentos caríssimos para algum lugar, as empresas querem ter o máximo de certeza de que terão algo a apresentar ao final do processo.
Resumindo: tudo que você vê na TV geralmente é fruto de uma preparação que teve início, via telefone e internet, horas ou mesmo dias antes de o repórter ir a campo. Exceções, claro, são as coberturas (ao menos, as coberturas iniciais) de grandes desastres ou outros desenvolvimentos inesperados; mas essas, geralmente, começam com um cinegrafista amador, um vídeo de celular ou uma câmera de segurança.
Daí, as crianças cheias de oitos apresentadas na reportagem não foram simplesmente “encontradas”: foram ativamente caçadas, procuradas e selecionadas. Com uma preparação assim, a lei dos grandes números sempre trabalha a favor do que se quer mostrar, por mais estapafúrdio que seja.
O segundo ângulo é que o fato de uma seqüência de números de um dígito se reduzir a “8”, quando somada pelo sistema dos numerólogos é, de fato, bem grande.
Se a tabela que rabisquei no guardanapo do café da manhã estiver correta, há 45 maneiras de somar dois dígitos — dois dígitos parece ser um bom caso-teste, já que toda seqüência numerológica, não importa o tamanho inicial, cedo ou tarde se reduz à soma de dois algarismos — de forma que o resultado tenha apenas um dígito (desprezei o caso 0+0 = 0, já que não existe uma “letra zero” para os numerólogos, e os casos onde o zero seria o primeiro dígito, como 0+1, 0+2, etc).
Dessas 45 maneirias, 8, ou cerca de 17%, geram “8” como resultado. O único dígito com mais “modos de construção”, por assim dizer, é o 9, com 9/45, ou 20%. O dígito 7 tem 15% e o 1, pobrezinho, com apenas um modo de formação (1+0), tem meros 2%.
Ou seja: o esforço de produção nem precisou ser tão esforçado assim, já que as coincidências de oitos estão entre as mais prováveis criadas pelo próprio método numerológico. Pode acreditar: é o que diz o blog da honestidade e veracidade, regido pelo número 8.
Imperialismo epistemológico
Ouvi a expressão do título desta postagem anos atrás, durante um debate sobre o valor da homeopatia. Ela estava, não surpreendentemente, na boca do homeopata, que argumentava que sua prática fracassava nos testes científicos simplesmente porque não era certo tentra impor os padrões da medicina “tradicional” à técnica “alternativa”.
A idéia de que podem existir diferentes epistemologias — isso é grego para “como separar crenças falsas de crenças verdadeiras e justificadas” — é comum. Intuições epistêmicas, isto é, o conjunto de instintos que leva as pessoas a classificar algumas crenças como “conhecimento” e outras como “palpite”, de fato variam entre culturas, e até de pessoa para pessoa.
O fato óbvio, no entanto, é que se duas pessoas (ou culturas, ou povos) têm opiniões opostas quanto à natureza epistêmica de uma mesma afirmação — mesmo depois de controladas variáveis como sutilezas semânticas, flexibilidade interpretativa, contexto — então pelo menos uma das duas está errada.
Como já bem notou o filósofo Paul Boghossian, toda alegação de conhecimento, não importa se seja feita por um astrofísico de Cambridge, pelo papa ou pelo grande xamã doz zulus (os zulus têm xamãs?), parte de três “elementos primitivos” comuns a toda a humanidade: observação, dedução, indução.
Mesmo um mulá que acredita que o Alcorão é a fonte suprema da Verdade se vale de observação (para ver o que está escrito) indução (para poder afirmar que a mesma sura não vai afirmar uma coisa diferente daqui a meia-hora) e dedução (para aplicar os princípios do livro de forma coerente ao mundo real).
Assim, a “epistemologia imperialista” do método científico é a mesma epistemologia primitiva comum a todo exemplar do animal humano, só que aplicada, sem restrições e de forma aberta, ao conjunto geral dos fenômenos do universo, e não a um único livro, às entranhas de um pássaro ou às “provas” de Hahnemann, o santo-padroeiro dos homeopatas.
Marjoe
Nos anos 70, um documentário, Marjoe, ganhor o Oscar mostrando como uma criança, Marjoe Gortner, foi transformada em um pastor evangélico por pais ambiciosos e como os mesmos truques que fizeram do garoto uma espécie de Mozart da picaretagem continuavam a funcionar, mesmo com a fraude exposta. O filme meio que caiu em esquecimento, mas há uma boa seleção de trechos no YouTube (dois deles abaixo).
Uma lição importante disso é ver como a mensagem tem de ser adaptada aos preconceitos e superstições prevalentes no público-alvo — Marjoe falava a linguagem dos caipiras americanos (“Howdy, let’s get de devil two black eyes!”). Isso provavelmente explica a adoção, no Brasil, de termos como “encosto” e “descrrego” por certos cultos.
Aqui, Marjoe explica como a coisa funciona:
Aqui, alguns excertos de sua carreira como menino prodígio do pentecostalismo:
O verdadeiro valor da Mega Sena
Quando a Mega Sena acumula, o número de apostas sobe. Isso faz sentido: basicamente, mais pessoas passam a acreditar que a relação custo/benefício (no caso, o preço da aposta vesus o prêmio potencial) torna-se aceitável.
Intuições pessoais a parte, é possível calcular, com precisão matemática, o momento em que apostar na Mega Sena passa a ser um “bom negócio”: isso ocorre quando o prêmio em jogo, multiplicado pela probabilidade de ganhar, supera o custo da aposta.
Na Mega Sena do último sábado, por exemplo, o prêmio acumulado era de R$ 52 milhões; o custo da aposta, R$ 1,25; a probabilidade de se fazer a sena, cerca de 1/50 milhões. Fazendo as contas, o preço justo de uma aposta seria R$ 1,03. Quem apostou pagou R$ 0,22 a mais do que a oportunidade valia.
Mais do que valia a oportunidade de se ganhar sozinho, aliás: e não há garantias de que isso venha a acontecer. O prêmio de sábado, por exemplo, foi dividido entre dois apostadores.
Existe, claro, achance de se fazer uma quadra ou uma quina, então talvez valesse a pena levar em conta esse dado ao calcular o preço justo da aposta. A quina do último sábado pagou R$ 18 mil, para uma probabilidade de 1/154 mil; a quadra, R$ 251, para uma probalididade de 1/2 mil. A sena, como foi dividida em dois apostadores, ficou em R$ 26 milhões.
Passando os números pelo moedor, o valor real de um bilhete da Mega Sena acumulada que correu no sábado é de (1/50 milhões)x(R$ 26 milhões)+(1/154 mil)x(R$ 18 mil)+(1/2 mil)x(R$ 251). Isso dá R$ 0,75, para um bilhete com seis dezenas do concurso 990 (se tentarem lhe vender um, não pague mais do que isso).
O prêmio justo que um apostador racional deveria esperar acumular antes de comprar um bilhete da Mega Sena – supondo que se vá ganhar a bolada sozinho – teria de ser da ordem de R$ 90 milhões.
Agradecendo à sorte
Os estágios do laicismo
A questão da laicidade do Estado vem causando controvérsia recentemente, não só pela questão das células-tronco aqui no Brasil, como por declarações recentes do papa e, até, reflexos na eleição presidencial americana.
Mas, afinal, onde está o problema? Junto com o voto universal e a liberdade de expressão, o laicismo do Estado é um dos pilares da democracia moderna. Então, para quê tantas queixas?
Parafraseando Wittgenstein, o problema lavez esteja numa questão de linguagem — o meu “laicismo” pode não ser o seu. Para tentar clarificar a questão, proponho uma “escala de laicismo”, meio inspirada na Escala Kardashev de civilizações extraterrestres:
Laicismo Tipo I
O Estado não impõe ostensivamente religião a ninguém. Essa é a forma mais restrita, e provavelmente é a que está em prática em todo o mundo hoje, incluisive nas teocracias, no sentido de que policiais armados não invadem as casas das pessoas no Irã (ou no Vaticano) para forçar os cidadãos a se ajoelhar diante do Alcorão (ou da Bíblia). Mesmo esse grau “consensual” de laicidade, no entanto, é uma conquista relativamente recente.
Laicismo Tipo II
O Estado não faz distinções de natureza religiosa entre os cidadãos — o que equivale a dizer que o Estado não impõe, veladamente, a religião a ninguém. Afinal, mesmo que homens armados não forcem ninguém a se ajoelhar diante de livros sagrados, se quem não se ajoelha for considerado inelegível ou impedido de prestar testemunho, o efeito pode ser o mesmo. Este é o grau que já aparece ausente nas teocracias: é preciso ser católico para compor a Guarda Suíça do Vaticano, e é preciso ser um aiatolá para fazer partre do Conselho Supremo do Irã.
Laicismo Tipo III
O Estado não impõe comportamentos de natureza fundamentalmente religiosa a seus cidadãos. Este parece ser um grau comum às democracias ocidentais — onde ninguém é forçado, por lei, a andar de burca, a deixar crescer a barba, a usar turbante — mas, no Brasil, por exemplo, a lei obriga a observação de feriados religiosos e pune comportamentos como destruir imagens religiosas em público (como no caso do malfadado “chute na santa“). Aqui há espaço para polêmica: a proibição do aborto e do casamento gay, por exemplo, é fundamentalmente religiosa? Se for, trata-se de mais uma prova de que o Brasil, e parte razoável do mundo ocidental, falha em atingir esse nível de laicismo.
Laicismo Tipo IV
Valores, metas e princípios de natureza religiosa tornam-se irrelevantes para o debate de políticas públicas. Este grau, mais extremo, simplesmente nega, ao fenômeno cultural da religião, um lugar na arena das decisões de Estado. Se uma pessoa ou grupo quiser que suas idéias sejam levadas em consideração, ele/ela deve formulá-las em termos seculares, com base em evidências e argumentos lógicos que estejam embasados em premissas de aceitação comum, e não particulares de sua religião ou apoiadas em fé.
E então:
Minha impressão é de que as pessoas que se incomodam com o “avanço do laicismo” na verdade se sentem inconformadas com os tipos III e IV, e aceitam os tipos I e II como “males menores”, já que impõem barreiras ao surgimento de teocracias favorecendo a religião dos outros.
Mas, afinal, o que há de errado nos tipos III e IV? O tipo III apenas define uma dimensão de liberdade — quem não é judeu ortodoxo pode trabalhar aos sábados, mulheres não-muçulmanas não precisam usar véu. O tipo IV pode soar meio sacrílego (religião, irrelevante?), mas ele simplesmente pede que os religiosos tentem argumentar para além do princípio de autoridade, o que os católicos até tentaram fazer, um pouco, no caso das células-tronco.
No fim, quanto mais radical o laicismo, maior a liberdade do indivíduo: liberdade da violência religiosa direta (tipo I), liberdade da violência religiosa institucional (tipo II), liberdade para agir segundo a própria consciência (tipo III), liberdade para discutir, criticar, debater e cobrar argumentos (tipo IV).
A pergunta, então, deixa de ser quem se incomoda com o laicismo e passa a ser: quem se incomoda com a liberdade?
Esporte e violência
Continuando em minha busca de esclarecimento sobre a relação (se alguma) entre prática esportiva e “caráter” (outra coisa de que preciso é de uma boa definição de caráter…) encontrei esta simpática página na internet, do Center for Sport Policy and Conduct , da Universidade de Indiana (EUA).
Muitos dos links encontrados na página já não funcionam mais, porém. No entanto, descobri um site governamental na Austrália sobre assédio sexual na prática esportiva — ainda não é exatamente o tema de foco aqui, mas não deixa de ser curioso que a preocupação tenha assumido esse tipo de destaque. E por que na Austrália?
Marte & Marte
Taí: parece que o ambiente de Marte já foi amigável para a vida como a conhecemos, mais ou menos na mesma época em que a vida começava na Terra. Óquei, ainda não é a bactéria marciana em pessoa (ou em fóssil), mas dá o que pensar.
O engraçado é que a notícia surge bem no momento em que descubro as aventuras de Eric John Stark, uma espécie de mistura de Tarzan com Conan, o Bárbaro, mas que atuava num sistema solar pré-corrida espacial, com beduínos em Marte, selvas em Vênus e todo o resto. Há uma ressonância emocional curiosa entre o Marte de Stark e o Marte real — mesmo equivocada na ciênca, esteticamente a autora de Stark, Leigh Brackett, acertou em cheio: trata-se de um mundo seco, impiedoso, frio, mas cheio de paisagens impressionantes.
Os bárbaros, dinossauros e as princesas de tanga fazem falta, mas e daí? Não se pode ter tudo…
Aliás, a biografia de Brackett diz que, nos anos 70, ela teve de mudar o cenário das aventuras de Stark para um planeta extra-solar, já que o velho sistema solar das aventuras originais tinha se tornado “inaceitável” para os editores, por conta das descobertas científicas da época.
O que a mim, ao menos, parece uma pena: e daí que o Marte de Stark não é o Marte do mundo real? Aventura é aventura, ciência é ciência. Misturar os dois é uma opção perfeitamente válida (e gera obras magníficas como, por exemplo, os romances de Greg Egan), mas não devia ser obrigatório.
Teste de astrologia
As análises de audiência deste blog indicam que a minha postagem sobre astrologia é uma das mais populares, então resolvi faturar um pouco mais em cima do tema, sem muito esforço. Daí, com vocês, James Randi: