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Do gelo à biodiversidade – Snowball Earth

Os períodos de glaciações pelos quais a Terra passou que são mais famosos aos olhos da população, graças a filmes bem populares, são as que ocorreram durante o Quaternário, as chamadas “Eras do Gelo”. Neste cenário, podemos exemplificar a megafauna que reinava, como os mamutes e preguiças gigantes. Todo mundo deve imaginar que nesses períodos, onde a temperatura diminuía consideravelmente e o gelo cobria extensas áreas do globo, deveria ter efeitos devastadores para a vida no planeta. E de fato tinha, pois a oferta de alimentos e refúgios diminuía, assim como a luminosidade e calor nos oceanos e continentes. De um modo geral, a produtividade primária era consideravelmente prejudicada. Mas eventos como essas glaciações foram cruciais para grandes passos na evolução e diversificação da vida em um certo período da história da Terra. E este período foi há aproximadamente 540 milhões de anos atrás, que marca o fim do Pré-Cambriano, onde a vida era dominada por microrganismos e restrita aos oceanos.

Sabe-se que antes do período Cambriano (540 milhões de anos atrás), a vida surgiu de forma unicelular e permaneceu relativamente simples até ocorrer a chamada Explosão da Vida Cambriana, na qual houve uma verdadeira multiplicação e diversificação da vida multicelular, inclusive o surgimento de partes duras como exo e endoesqueletos. Mas o que poderia ter sido o gatilho para essa repentina (do ponto de vista do tempo geológico) diversidade da vida? E o que isso tem haver com as glaciações?

Figura 1: Snowball Earth (Terra Bola de Neve) – perspectiva artística de como a Terra ficou coberta por gelo no Pré-Cambriano. Fonte: desconhecido.
Figura 1: Snowball Earth (Terra Bola de Neve) – perspectiva artística de como a Terra ficou coberta por gelo no Pré-Cambriano. Fonte: desconhecido.

Bom, para responder a estas perguntas, precisamos primeiro nos atentar a duas evidências curiosas desse intervalo de tempo (Pré-Cambriano – Cambriano). A primeira delas são depósitos de tilitos encontrados em diversos locais do mundo. Essas rochas são relativas à deposição por ação de geleiras, e são datadas de 800 a 600 milhões de anos, ou seja, pertencem ao final do Pré-Cambriano. Seriam evidências de glaciações que ocorreram neste período. Há algumas teorias que apontam que as causas dessas glaciações no Pré-Cambriano teriam sido geradas pelo aumento do sequestro de carbono da atmosfera por maior fixação de CO2 pelo solo no supercontinente Rodínia, o que diminuiu o efeito estufa da Terra, tendo como consequência a diminuição da temperatura. Com isto, houve uma expansão das calotas polares e, consequentemente, um aumento no albedo (quando os raios solares refletem ao atingem a superfície da Terra). Esta intensificação do albedo teria aumentado mais ainda a expansão das calotas polares, que atingiram latitudes próximas ao Equador, dando o significado literal para a expressão Snowball Earth (Terra Bola de Neve).

A segunda evidência consiste de camadas de carbonatos (rochas que se formam a temperaturas mais quentes e muitas vezes são associadas à precipitação orgânica), encontradas depositadas logo acima das camadas de tilitos (depositadas em ambientes de geleiras). O fato curioso é que isto representaria uma mudança brusca de significados paleoambientais: de um ambiente glacial a um ambiente quente em um intervalo muito curto de tempo. O que poderia explicar essa sucessão de depósitos inusitada é que, por mais que a Terra estivesse coberta por gelo, o movimento dos continentes continuava. Sendo assim, o rifteamento do supercontinente Rodínia ocasionou intensa atividade vulcânica, o que aumentou as concentrações de CO2 na atmosfera, gerando novamente um efeito estufa, o qual auxiliou no derretimento das geleiras.

Figura 2: reconstituição paleoartística do que seria a Fauna de Ediacara. Vitrine do Smithsonian Museum, Washington, DC.
Figura 2: reconstituição paleoartística do que seria a Fauna de Ediacara. Vitrine do Smithsonian Museum, Washington, DC.

Entendendo esta história toda, podemos agora tratar da explosão da vida ocorrida no Cambriano. Como dito anteriormente, um período glacial não é tão favorável à manutenção da vida na Terra, ainda mais os tipos de vida reinantes nos mares do Pré-Cambriano, que eram menos complexas. Não só a temperatura diminuiu, mas também a luminosidade nos oceanos devido ao recobrimento pelo gelo. Com isto, a vida ficou restrita a porções de refúgio, como fontes hidrotermais, zonas de rifteamento e lugares onde a espessura do gelo que recobria as águas era menor. As formas de vida que não resistiram a esta mudança ambiental extrema morreram e acabaram enriquecendo as águas dos oceanos com matéria orgânica. Quando a temperatura da Terra voltou a subir, houve condições para a proliferação da vida novamente, de maneira mais intensa e muito mais diversificada. Hipóteses que defendem o aumento da oxigenação nos mares sustentam que isto pode ter sido um dos gatilhos para eventos evolutivos que deram origem a toda aquela diversidade.

Enfim, com tantas hipóteses e incertezas acerca da teoria do Snowball Earth, que até hoje é muito controversa, não se pode negar que houve benefícios para a vida na Terra após este período. Desta explosão de vida que ocorreu no Cambriano é que teve origem os ancestrais de diversos filos que conhecemos hoje, que fazem parte da grande biodiversidade do nosso planeta.

Figura 3: Explosão da vida cambriana. Fonte: Burgess Shale Fauna, de Carel Brest van Kempen, 1989.
Figura 3: Explosão da vida cambriana. Fonte: Burgess Shale Fauna, de Carel Brest van Kempen, 1989.

O Hadeano – primórdios do nosso planeta

Perspectiva artística da Terra no Hadeano.
Perspectiva artística da Terra no Hadeano.

Se contássemos a história do planeta Terra num diário, em detalhes, provavelmente não haveria papel ou armazenamento digital suficiente para guardar tanta informação. Talvez se resumíssemos bastante, e dividíssemos em etapas os principais acontecimentos desde o “nascimento” do nosso planeta, a tarefa ficaria mais viável. Uma maneira que o ser humano inventou para se visualizar melhor o que seria a história do nosso planeta é a chamada Escala do Tempo Geológico, a qual divide e classifica com nomes e idades os principais eventos do planeta desde a sua formação há aproximadamente 4,6 bilhões de anos atrás (Ga).

Digamos que o primeiro capítulo desse enorme diário seria como se faltassem muitas informações e, portanto, seria escrito com base em poucas evidências palpáveis e muitas suposições. Isto porque nos primórdios do nosso planeta, ainda quando a superfície não estava suficientemente consolidada, tudo parecia um grande mar de lava incandescente, com a constante “destruição” das rochas que eram formadas. A este verdadeiro inferno que reinava, deu-se o nome de Hadeano (do deus grego Hades, o deus do mundo inferior). Os éons são as maiores divisões do tempo geológico, nos quais são alocadas as eras. O Hadeano, por ser um momento muito obscuro da história do planeta, não é considerado oficialmente um éon, e tampouco contém eras oficiais na escala do tempo geológico, apesar de serem sugeridas subdivisões.

No princípio, a Terra era extremamente quente devido ao processo de acreção planetária. Formou-se um núcleo pesado e denso de ferro, o núcleo da Terra, e ao redor uma massa de material menos denso e rico em silicatos, como um mar de magma. O material que ficou entre o núcleo e a superfície gerou o manto. O magma que se esfriava na superfície dava origem à crosta, que ainda não era muito bem estabelecida, principalmente devido ao intenso vulcanismo e bombardeio de meteoritos e asteróides. Apesar de o Sol, que neste tempo também estava em seus primórdios, não ter a capacidade de aquecer a Terra, o efeito estufa gerado pela atividade vulcânica no planeta era muito intenso. Os registros mais antigos datam de 4,28 Ga, de rochas que foram encontradas na baía de Hudson, ao norte de Quebec, no Canadá [1]; e de 4,4 Ga, de zircões encontrados na Austrália [2].

Zircão de 4,4 Ga.
Zircão de 4,4 Ga.

O Hadeano engloba desde a formação da Terra, há 4,6 Ga, até mais ou menos 3,8 Ga, ou seja, engloba cerca de 800 milhões de anos (Ma). Então, por 800 Ma, podemos dizer que a Terra era impossível de ser habitada por seres vivos que conhecemos hoje. Até mesmo porque, além da superfície inconsolidada, explosões vulcânicas constantes e temperaturas extremamente altas, o bombardeio de corpos celestes errantes que atingiam a superfície da Terra era muito mais intenso, e muitas vezes estes corpos tinham o tamanho de quilômetros de diâmetro. Estes, ao atingirem a Terra, destruíam tudo com o impacto e liberava-se enormes quantidades de energia. Portanto, era muito difícil se preservar registros, tanto rochosos, quanto mais ainda de alguma possível molécula orgânica que poderia ter se formado. Pouco material foi preservado deste momento da história da Terra.

Mas nem tudo tinha somente um significado devastador. Além de a Terra estar, naquele momento, em processo de evolução e consolidação de sua superfície, os impactos que sofria tiveram um importante papel na diferenciação e retrabalhamento de sua crosta e manto superior [3]. Além do mais, foi no Hadeano que se formou a nossa atmosfera (com uma composição diferente, rica em gases como enxofre, amônio e metano, e ausência de oxigênio) e os primeiros mares pela precipitação de moléculas de água produzidas por atividade vulcânica após a diminuição da frequência dos impactos dos meteoritos e asteróides, quando enfim começa a contar o próximo éon, o Arqueano.

Referências:

[1] O’Neil1, J. , Richard W. Carlson, R.W., Francis, D., Stevenson, R.K. 2008. Neodymium-142 Evidence for Hadean Mafic Crust. Science, v.321, pp. 1828-1831.DOI: 10.1126/science.1161925

[2]Bowring, S. 2014. Early Earth: Closing the gap. Nature Geoscience, 7, 169–170. DOI:10.1038/ngeo2100

[3]Fairchild, T.R. 2000. A Terra: Passado, Presente e Futuro. In: TEIXEIRA, W.; FAIRCHILD, T.R.; TOLEDO, M.C.; TAIOLI, F. ed. Decifrando a Terra (capítulo 23). São Paulo, Oficina de Textos. p.493-516.

 

 

A distância que agora nos separa foi outrora irrelevante…

20160902_200334Vou aproveitar o fato de estar participando de um congresso em outro continente (sim, escrevo este post diretamente da África!) para falar um pouco dos motivos que me levaram a participar deste evento, e que, em minha opinião, são bastante importantes na compreensão das relações que paleontólogos e geólogos estão acostumados a trabalhar no dia-a-dia.

Reconstrução do globo para o período Ordoviciano. A estrela marca o sul geográfico.
Reconstrução do globo para o período Ordoviciano. A estrela marca o sul geográfico.

A Table Mountain, atualmente, ponto turístico de alto relevância para quem visita a cidade do Cabo, na África do Sul, tem esse nome basicamente pelo seu formato (de mesa); e apesar de, hoje, ser um lugar em que é preciso subir cerca de 1.100 metros acima do nível do mar para atingir o seu topo (e caminhar sobre ele), há cerca de 460 M.a. (milhões de anos atrás) era uma bacia sendo preenchida por sedimentos sucessivamente marinhos e deltaicos/fluviais. Esta bacia era imensa e abrangia o Brasil também. Não havia, neste tempo, o oceano Atlântico entre a África e a América do Sul (!). E ambos os continentes (junto com a Índia, Antártica e Austrália) formavam um único continente austral, o Gondwana.

Table Mountain, Cidade do Cabo, África do Sul
Table Mountain, Cidade do Cabo, África do Sul

Isso tudo também significa que não é a primeira vez que eu vejo essas rochas na minha vida… apesar de ser a primeira vez que visito a África. Você está conseguindo seguir meu raciocínio? As mesmas rochas que temos em Table Mountain também estão atualmente expostas no Brasil! Não é o máximo?

 

Vim pra cá para, além de participar de um evento, conhecer as rochas e fósseis que ocorrem por aqui. Apesar de serem as mesmas com as quais trabalho no Brasil, as variações ocorrem e tentar compreender estas variações e suas causas, fazem parte de meu trabalho como pesquisadora.

Quais são, então, as relações que mencionei no primeiro parágrafo?

  • tempo profundo,
  • mudanças (paleo)ambientais,
  • tectônica de placas/deriva continental

Voltar ao passado e imaginar os ambientes de deposição dos sedimentos que formam estas (atuais) rochas… estas são algumas das formas de estudo de um geocientista.

 

No meu próximo texto vou falar sobre a contingência do registro fossilífero… mas nas próximas semanas teremos mais posts da Profa. Frésia e da doutoranda Flávia, não deixem de acompanhar; toda terça, um novo paleopost.

Fósseis mais próximos de nós, ou seja, do estado de São Paulo: de 1.700 M.a. até 250 M.a.

A minha intenção é realizar um relato sobre a variedade fóssil do nosso entorno. Assim, vou primeiro fazer um resumo bem geral acerca dos milhões de anos de biodiversidade que ocorrem ao nosso redor para depois ir detalhando essas ocorrências. Então lá vou eu…

Os registros fósseis de vida no nosso planeta datam de aproximadamente 3500 milhões de anos (M.a.**) atrás, ou da forma resumida 3,5 giga anos (G.a.*). Desde então os organismos deixaram registro da sua evolução e interação com o meio físico, dito abiótico. Essas evidências fósseis, conhecidas como registro fossilífero, são mais abundantes do que se pode imaginar.

No Estado de São Paulo, o registro fossilífero se inicia com evidências de um dos ecossistemas, mas antigos, os estromatólitos (ver post da Flávia) de Itapeva, que representam comunidades de procariontes (seres vivos formados por uma única célula que não possui núcleo) que se desenvolveram sob uma atmosfera com baixa concentração do oxigênio, ou redutora, e que habitavam o mar que cobria o estado por volta de 1.700 e 850 Ma.

Muitos milhões de anos depois encontramos fósseis da Era Paleozoica, na qual aconteceu a explosão em diversidade dos seres com mais de uma célula, devido ao incremento do oxigênio na atmosfera, e a geografia era muito diferente da atual, assim como o clima.

Figura 1. Folhas associadas às florestas riparias do início do Permiano no Município de Tietê.
Figura 1. Folhas associadas às florestas riparias do início do Permiano no Município de Tietê.

A Era Paleozoica é dividida em seis períodos dos quais temos fósseis nos dois últimos, que são conhecidos como Carbonífero e Permiano. Contudo, nosso planeta era ainda muito diferente do atual. Começando pela distribuição dos continentes que eram concentrados em dois grandes blocos: um ao norte, denominado de Laurasia; e outro ao sul, o Gondwana. Neste último se encontrava a América do Sul unida à África, junto com a Austrália, a Nova Zelândia, a Antártica, a Índia e Madagascar. Os registros fósseis do Carbonífero e do Permiano que temos no estado podem ser também encontrados em outras localidades do Gondwana e estão relacionados a um extenso período glacial e às mudanças climáticas derivadas do aquecimento posterior.

Figura 2. Lenho de gimnosperma, final do Permiano no Município de Conchas.
Figura 2. Lenho de gimnosperma, final do Permiano no Município de Conchas.

O registro fóssil do Carbonífero é caracterizado por abundantes fósseis pertencentes a vários tipos de vegetação que moravam sob um clima terrivelmente frio (p.ex. Salto, Campinas, Monte Mor), enquanto que o do Permiano, pelo registro de uma variada vegetação (figuras 1 e 2) conhecida como Flora de Glossopteris (p.ex. Taguaí, Piracicaba, Saltinho). Com relação à fauna, também podemos conhecer dos moluscos, artrópodes e vertebrados (p.ex. Rio Claro, Saltinho) que habitavam o mar que na época banhava as praias do estado. Por enquanto, vou deixar por aqui. No próximo texto vem os últimos 250 M.a. e mais fósseis.

* Giga ano, ou bilhões de anos

** Milhões de anos atrás

Texto produzido por Frésia R.S. Branco

Microbialitos – fósseis mais persistentes

Os fósseis são importantes ferramentas para se entender o passado da Terra e a evolução da vida nela. Chamam a atenção por muitas vezes serem bonitos, por apresentarem formatos e espécies não mais existentes que causam curiosidade e aguçam o interesse de pessoas de todas as idades. Porém, nem todos os fósseis são visíveis ou mostram claramente um organismo preservado. Os seres vivos são capazes de deixar seu registro de uma maneira indireta, como se fosse uma assinatura escrito: “passei por aqui”.  Fósseis como estes são chamados de icnofósseis (icno = marca) e podem ser um produto do metabolismo de algum organismo (cocô e xixi, por exemplo), pegadas, bioconstruções, etc.

Figura 1 – Estromatólito de Vazante/MG, Brasil. Este exemplar possui cerca de 1,2 bilhões de anos.
Figura 1 – Estromatólito de Vazante/MG, Brasil. Este exemplar possui cerca de 1,2 bilhões de anos.

Os microrganismos foram os primeiros seres a conseguirem deixar no registro geológico sua marca. Desde os primórdios da vida na Terra, eles foram capazes de deixar bioconstruções chamadas de microbialitos. Estes são formados através do aglutinamento de grãos de sedimento, como areia, na substância mucilaginosa secretada pelas bactérias, o EPS (substância extracelular polimérica), e pela indução da precipitação de carbonato de cálcio devido ao metabolismo delas. Descomplicando um pouquinho, é como se as bactérias construíssem estruturas que mais tarde litificam (viram rocha!). Com o passar do tempo, os microrganismos que ali viviam deixam de existir, ficando somente o registro de sua atividade metabólica, os microbialitos.

Figura 2 – Estromatólitos gigantes de Santa Rosa de Viterbo/SP, Brasil.
Figura 2 – Estromatólitos gigantes de Santa Rosa de Viterbo/SP, Brasil.

Um microbialito pode ser desde um simples biofilme preservado em um substrato (as chamadas MISS – estruturas sedimentares microbialmente induzidas); esteiras microbianas, que são comunidades de microrganismos diferentes vivendo em associação; ou bioconstruções chamadas estromatólitos (figura 1), que podem alcançar até mais de dois metros de altura (figura 2).

Os microbialitos são importantes por diversas razões, além do pioneirismo em questão de registro fossilífero. Eles são excelentes reservatórios de petróleo (vide o petróleo das camadas do Pré-Sal, que estão alojados em estromatólitos), fornecem informações a respeito do ambiente em que foram formados e podem até serem associados ao que se espera encontrar como sinais de vida fora da Terra, como as estruturas “suspeitas” registradas pela sonda Curiosity, em Marte (figura 3), muito semelhantes às MISS observadas em variados lugares da Terra (Noffke, 2015). Salvo a sua diminuição em abundância a partir de 540 milhões de anos atrás, quando os organismos multicelulares encontraram em seus microrganismos formadores uma fonte de alimento, os microbialitos abrangem um grande intervalo no tempo geológico, extendendo sua existência mesmo após todos os eventos de extinção, estando presentes até os dias de hoje.

Figura 3: Comparação de estruturas encontradas em Marte com MISS da Terra.
Figura 3: Comparação de estruturas encontradas em Marte com MISS da Terra.

Referências

Noffke, N. 2015. Ancient Sedimentary Structures in the <3.7 Ga Gillespie Lake Member, Mars, That Resemble Macroscopic Morphology, Spatial Associations, and Temporal Succession in Terrestrial Microbialites. Astrobiology, 15(2): 169-192.

 

Réptil permiano

Quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?

Este é o primeiro posto deste blog. É também o meu primeiro post em um projeto de extensão, com objetivo de divulgar, difundir e discutir sobre Ciências, Geociências e Paleontologia.

Como uma feliz coincidência este blog surge quase um ano após a divulgação do resultado que me fez entrar para o corpo de docentes da UNICAMP. E quase seis meses após a primeira “palestra” que assisti, já como docente, dentro da Instituição. Uma apresentação que está muito relacionada ao blog, a minha ideia sobre o papel da ciência e também sobre o papel de um professor universitário, na minha visão.

A palestra a que me refiro era sobre o livro “A utilidade do inútil, um manifesto” do professor e filósofo italiano Nuccio Ordine. Por coincidência eu já havia ouvido falar do livro, e já estava interessada quando soube que ele ministraria a aula magna de abertura da UFRGS, este ano. Senti orgulho por ter sido aluna da UFRGS (onde fiz toda a minha pós-graduação) na ocasião. E foi por pura contingência que acabei descobrindo que no mesmo dia da aula Magna, o prof. Nuccio viria à Unicamp para falar sobre seu livro. E apesar da chuva, estávamos, eu e mais umas 40-50 pessoas, ansiosos por ouvi-lo. Com maestria, o professor Nuccio foi capaz de transmitir sua paixão sobre arte, cultura e, em especial para mim, sobre as ciências puras, aquelas que não tem aplicação direta, ou que tenham como produto imediato uma aplicação ou o lucro. A paleontologia é uma ciência pura. Quando usada para prospecção de petróleo e gás natural tem a sua aplicação. No entanto, grande parte dos estudos paleontológicos no Brasil e no mundo, são puros.

“A única coisa que não se pode ser comprada é o saber” diz Nuccio quando fala sobre sua produção.

Qual o motivo para se estudar algo que não dá lucro? Por que alguém teria interesse em saber sobre paleontologia? Perguntas comuns para quem resolveu viver estudando paleonto, em meio a uma sociedade que está tomada pela lógica utilitarista. A discussão apresentada pelo prof. Nuccio trata também de justiça, solidariedade, tolerância, direito à crítica e até mesmo de amor. Mas a sua relação com as ciências não aplicadas e também com as artes é inquestionável: o conhecimento, e não o lucro, é a base para uma sociedade que valoriza a cultura, a igualdade e a ética; ele constrói os nossos valores.

Acredito que todos os profissionais que trabalham com ciências puras têm em si um grande amor e dedicação pelo que fazem. Alguns conseguem extrapolar esta extrema reverência pelo conhecimento para além dos termos científicos e se transformam em grandes divulgadores de ciências, tais como Carl Sagan, S.J. Gould, Neil de Grasse Tyson… a maioria, porém (como eu) vivem da ciência e realizam a difusão do seu conhecimento para pessoas de sua própria área; constroem o que o filósofo da ciência, Thomas Kuhn, considera “ciência normal”. Divulgando ciência ou não, criando dados dentro de paradigmas ou derrubando-os, as ciências puras, a paleontologia e a paixão por se fazer o que se gosta andam lado-a-lado. A construção do conhecimento, a descoberta do novo, a explicação de fatos cotidianos ou raríssimos está no âmago dos estudos científicos. É como quando fazemos algo pela primeira vez. A repetição é algo monótono. Tente experimentar pequenos hábitos diferenciados e perceba o quão prazeroso é aprender algo novo, conhecer alguém diferente, criar algo único, e que te simplifique a vida. A ciência está aí para isso. E é a paixão por ela e seus desdobramentos que me move.

Sejam bem-vindos ao Paleomundo. Toda semana teremos um post diferente. Conheça mais sobre os colaboradores do blog na aba “colaboradores”.

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