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O QUE É UM FÓSSIL?

Você sabe o que é um fóssil?

Se nos perguntassem hoje o que significa a palavra fóssil, a resposta seria mais do que óbvia. Contudo, uma rápida olhadinha no Google e logo saberemos, por meio de diversos sites, que fósseis são restos ou vestígios de organismos vivos, que foram preservados no interior dos sedimentos e das rochas. Entretanto, os cinemas, filmes de aventura como “Jurassic Park” ou animações como “A Era do Gelo” sempre nos colocam em contato direto com essas fantásticas criaturas que viveram tempos atrás. Lojas de brinquedo nos oferecem fósseis para colorir, para montar, para pregar na parede. Existe inclusive uma rede de lojas com este nome, que vende “relógios e estilo de vida”. Assim, os fósseis estão em nossas mentes, em nossas casas e em nossas vidas tão naturalmente que nos fazem pensar que foi sempre assim.

Na verdade, se fosse perguntado aos sábios do passado, eles sequer iriam entender nossa pergunta. Contudo, não faria nenhum sentido para eles essa história de fóssil, de organismo extinto, nada disso. Por outro lado, nem mesmo o nome “fóssil” faria sentido. O que hoje chamamos de fóssil era chamado de “rochas com forma de animais”, “madeiras petrificadas”, ou qualquer outra coisa. Mesmo a palavra fóssil teria outro significado, significando coisa escavada, desenterrada. É essa a acepção do latim “fossile”. No século XVI, por exemplo, qualquer coisa desencavada da terra, como rochas e minerais, seriam “fósseis”.

O médico Georg Bauer (1494-1555), também conhecido pelo nome latinizado de Georgius Agrícola, era de fato um dos maiores especialistas de seu tempo em assuntos do reino mineral.  Agrícola viveu na rica província mineira da Saxônia, e escreveu vários livros sobre rochas minerais. Aliás, um estes livros, publicado em 1546, chamava-se justamente “De Nature Fossilium”, que poderíamos traduzir como “Da Natureza das Rochas e Minerais”. As coleções de materiais que ele denomina fósseis contém “pedras, terras, gemas, betume, âmbar”. As “rochas com forma de animais e de plantas”, como se dizia nesta época, eram somente mais um item destes materiais. Eram, entretanto, objeto de mera curiosidade.

Antes ainda, na Idade Média, vamos encontrar usos diversos para os fósseis. Algumas igrejas, como a Igreja de São Pedro em Linkeliholt, na Inglaterra, por exemplo, foi decorada com fósseis de equinoides (veja a figura abaixo).  Por outro lado, os fósseis tinham também uma função decorativa, devido ao seu formato regular e simétrico. Desta forma, desde o neolítico até tempos históricos, foram encontrados jazigos humanos de diversas idades, onde os fósseis estão junto com os cadáveres ali enterrados. Isto pode sugerir que foram usados como objetos rituais e mágicos ou talismãs.

Pórtico da igreja de São Pedro em Linkeliholt, Inglaterra, decorada com 25 fósseis de equinodermos; (ver aqui)

Tumba de mulher e criança da idade do Bronze em Dunstable Towns, Inglaterra, circundada por fósseis de equinoides. Desenho de Reginald Smith, 1894. ( Ver aqui)

 

 

 

Falando em usos religiosos dos fósseis, vale a pena comentar, entretanto, alguns exemplos. Primeiramente, podemos citar os amonitas, moluscos que viveram desde o Devoniano até o Cretáceo. Para começar, estes moluscos devem seu nome a seu formato elegantemente espiralado, assemelhando-se a chifres das cabras. Por causa desta semelhança, segundo Plínio o velho, o nome amonitas se deve à sua denominação como “os cornos de Amon”, o deus egípcio que tinha chifre de cabra. Na Índia, alguns fósseis de amonitas, como o Meekoceras varaha, encontrado no Triássico do Himalaia Central, é tido como um dos Chakras de Vishnu. Aliás, varaha, o nome da espécie, é um dos avatars de Vishnu na Mitologia do Hinduismo. Alias, Carolina Zabini também discutiu muito bem em outro post deste blog a origem dos dragões e a paleontologia (ver aqui).

O Chakra de Vishnu e o amonite como objeto religioso na Índia; ( ver aqui )

Como isso tudo mudou? Como chegamos até aqui? A moderna concepção de “fóssil” como restos de organismos é bastante recente, de meados do século XVIII. Por outro lado, esta mudança no conceito de fóssil e a compreensão dos fosseis como organismos e não como curiosidades ou talismãs está no discurso de fundação das ciências naturais modernas. Isso não é pouco.

Figurinhas carimbadas da História da Ciência tiveram um papel decisivo nesse debate, como Steno, Palissy, Cuvier e outros. Mas não só. Mesmo anônimos colecionadores e vendedores de fósseis tiveram um papel importante. Por exemplo,  a britânica Mary Anning (1799-1847), foi uma das mais respeitadas colecionadoras de fósseis do século XIX. Por outro lado, um humilde topógrafo inglês, William Smith (1769-1839), reconheceu a distribuição dos fosseis nas camadas ao longo dos canais construídos na Inglaterra no século XVIII para o transporte de carvão. Como resultado, criou as bases da estratigrafia moderna.

Em conclusão, Essas são algumas peças do debate sobre os fósseis que veremos por aqui. Os fósseis dizem muito também sobre nós, e não só os fósseis de hominídeos. De onde viemos? Para onde vamos? Esses pálidos restos escondidos nas pedras têm muito a nos contar, enquanto esperamos pelo próximo meteoro.

 

Para saber mais:

Chandrasekharam, D. (2007). Geo-mythology of India. Geological Society, London, Special Publications273(1), 29-37.

McNamara, K. J. (2007). Shepherds’ crowns, fairy loaves and thunderstones: the mythology of fossil echinoids in England. Geological Society, London, Special Publications273(1), 279-294.

Georg Agricola. (1955). De Natura Fossilium (Textbook of Mineralogy): Translated from the First Latin Ed. of 1546 by Mark Chance Bandy and Jean A. Bandy for the Mineralogical Society of America (No. 63). Geological Society of America, pc1955.

Coincidências (milagres??) paleontológicos: as preservações excepcionais

Qual a probabilidade de você conversar com alguém sobre algo que você não sabe muito bem e, no dia seguinte, abrir um livro e encontrar exatamente aquele assunto? Ou então, de você ir a um sebo e encontrar à venda um livro que um parente distante seu havia adquirido há anos atrás? Talvez estes pequenos exemplos não sejam reconhecidos como milagres. Na verdade, eu prefiro pensar em coincidência mesmo. Mas de uma probabilidade infinitesimalmente pequena.

Eu já falei em posts anteriores que o processo de preservação e também o da descoberta de um fóssil é um evento raro. Mas tem alguns casos que são surpreendentes, e é sobre um deles que vou escrever hoje; envolve a descoberta de um nodossauro de 110 M.a. na região de Alberta, Canadá.

Localização da cidade onde uma descoberta incrível ocorreu.

A história, que foi divulgada em vários sites, conta que um operador de máquinas de uma mina em Fort McMurray, trabalhava na retirada das rochas arenosas impregnadas com óleo (trabalho este que exercia há 12 anos pelo menos), quando se deparou com algo distinto, muito mais duro que as rochas do entorno. Em seu cotidiano de trabalho era comum encontrar troncos petrificados, mas nunca havia se deparado com um… resto de dinossauro. Resto de dinossauro! E a história não termina por aí. Não era apenas um conjunto de ossos de dinossauro, como a maioria dos registros de vertebrados que ouvimos falar…

O animal completo (isto é, todas as suas partes) deveria estar contido naquela rocha, e isso, por si só já é raro no registro. Mas o mais incrível desta história é que não são somente os ossos que ficaram preservados. As impressões da pele, escamas, osteodermas, ossos, e, possivelmente, até sua última refeição, estão ali! E ainda: sua forma original está mantida, ele não está intensamente deformado e achatado.

Apesar de ter sido encontrado em 2011, até hoje os estudos com o espécime continuam. Durante a retirada do fóssil do local em que foi encontrado, somente se conseguiu resgatar a sua porção mais frontal, do focinho até o quadril, e um outro bloco, com a cauda. Foram necessárias cerca de 7.000 horas de trabalho em laboratório para preparar o crânio e a cauda para estudo. Esta preparação consiste basicamente na retirada de rocha do entorno do fóssil. O torso do animal ainda está em preparação. O bloco que o contém pesa cerca de 15 toneladas. Hoje ele está depositado na coleção do Museu Real de Ontário (ROM). Seu nome científico é Zuul crurivastator.

Este é o fóssil mais bem preservado de nodossauro  já descoberto. Este é Zuul crurivastator. Foto da National Geographic

Todo o contexto geológico em que ele foi encontrado é também muito interessante. O animal que, em vida, era terrestre e herbívoro, foi encontrado em sedimentos que registram o fundo de um antigo mar. Acredita-se que seu corpo tenha sido carregado, inflado, boiando e em decomposição parcial, por um rio, e quando a carcaça liberou seus gases internos (produtos da decomposição), ela já estava em mar aberto, onde mergulhou para as profundezas, foi soterrada, e ali permaneceu para ser encontrada em 2011.

Zuul, um monstro do filme Caça-fantasmas

De acordo com o Museu Real de Ontário os nodosauros são dinos pertencentes à infraordem Ankylosauria e eram vertebrados terrestres com 4 patas, corpos achatados, longos e recobertos por uma armadura óssea. Sua cauda apresentava espinhos, e, por vezes, uma clava em sua extremidade. Quando em vida devia chegar aos 6 metros de comprimento e pesar cerca de 2,5 toneladas. Foi o fato de apresentar narinas largas e 4 chifres no crânio (atrás e embaixo dos olhos), que levou à classificação em um novo gênero, o Zuul. Este nome, aliás, remete a um monstro do filme dos Caça-fantasmas! Há! Não posso deixar de fazer referência a um post anterior do blog (este aqui). Já falamos que é possível que restos de fósseis de grandes tamanhos tenham dado origem às lendas dos dragões, não é mesmo? Vejam, no caso de Zuul, o monstro do filme, isto é, a criação humana para uma história de ficção científica, é anterior à própria descoberta do fóssil. Como pessoas influenciadas pelo seu contexto histórico e social, os cientistas envolvidos na taxonomia do fóssil de Alberta homenagearam a ficção! Não é legal?

Vocês acham eles parecidos? à esquerda a reconstrução artística do fóssil Zuul, à direita, Zuul, do filme Caça-fantasmas. Fonte: The guardian.

 

Veja a publicação científica desta descoberta aqui.

Você pode ver as imagens e a matéria que inspirou este post abaixo:

http://www.nationalgeographic.com/magazine/2017/06/dinosaur-nodosaur-fossil-discovery/

https://www.scientificamerican.com/article/new-dinosaur-resembles-ghostbusters-monster-zuul/

 

Fonte das imagens:

https://www.theguardian.com/science/2017/may/10/meet-zuul-destroyer-of-shins-the-75m-year-old-ghostbuster-dinosaur

http://www.nationalgeographic.com/magazine/2017/06/dinosaur-nodosaur-fossil-discovery/

Grandes Extinções: um dia da caça, outro do caçador

 

Algumas das mas famosas vitimas das extinções, trilobitas, ammoide, nautiloide reto e bivalve.

Extinção é para sempre, como casar pela igreja … mas no último caso, os interessados combinam a hora, dia, mês e ano. Mas no caso das extinções, o processo precisa da conjunção de vários fatores e os principais envolvidos … bom… não estão assim muito felizes!

O que define uma extinção em massa? Pelo geral, o desaparecimento de pelo menos 50% das espécies continentais e marinhas conhecidas, deve se tratar de um evento cosmopolita e pode acontecer somente num pulso ou em vários estágios. Nós estamos aqui graças à última das extinções em massa, que aconteceu há 66 Ma e os nichos diurnos ficaram disponíveis aos mamíferos até então mais restritos à noite.

Nos últimos 540 Ma da história da vida no nosso planeta acredita-se, por enquanto, que aconteceram pelo menos cinco extinções em massa e 15 intervalos de extinções menores. Então extinções não são fatos isolados na história da vida! As cinco maiores aconteceram, da mais antiga à mais recente, na seguinte ordem:

– próxima do limite entre os períodos Ordoviciano-Siluriano (443 Ma). Nesse evento, segundo evidências do registro fóssil, desapareceram 85% da fauna marinha (ainda não existia vida nos continentes) especialmente invertebrados (trilobitas, graptozoários, braquiópodes, moluscos, etc.);

– final do período Devoniano (359 Ma). Aqui, 75% da vida desaparece, incluindo formas de vida marinhas e continentais;

– limite entre as eras Paleozoica e Mesozoica ou extinção do Permiano-Triássico (240 Ma). Também conhecida como mãe de todas as extinções, pois com ela 95% de todas das formas de vida desaparecem (entre eles muitos invertebrados como corais, crinoides, além de vegetais etc.). Contudo, o evento foi menos severo para os tetrápodes e como consequência os amniotas virão se tornar dominantes;

– próxima do limite Triássico- Jurássico. Acredita-se que foram vários pulsos de extinções que transcorrem durante 18 Ma;

– e por fim, o último grande evento de extinção aconteceu no limite entre as eras Mesozoica e Cenozoica, mais conhecido como extinção do Cretáceo-Paleógeno. Neste evento 70% da vida se extinguiu.

O que produz um evento de extinções em massa? Existem várias causas, entre elas vulcanismo, impacto de asteroides, mudanças climáticas drásticas, deriva continental, anoxia (falta de oxigênio) generalizada nos mares, ou todas elas juntas. Como atuam essas causas? Podemos tomar como exemplo a extinção do Cretáceo-Paleógeno, que teve como causa culminante a queda de um asteroide. Pelas evidências, quando o asteroide atingiu o planeta foi liberada uma energia equivalente a 10 bilhões de bombas como a de Hiroshima. O local da queda é hoje conhecido como a cratera de Chicxulub e fica no golfo de Yucatan, México. A cratera tem aproximadamente 200 km de diâmetro e uma profundidade de 30 km, pelo que se calcula que o asteroide teria ao redor de 15 km de diâmetro. Hoje em dia, a cratera na sua maior parte se encontra emersa e recoberta por mais de 600 m de sedimentos. A porção que se encontra em terra está recoberta por rocha calcária, mas seu contorno ainda pode ser devidamente traçado.

No final do Cretáceo o local da queda era ocupado por um mar pouco profundo e quente, rico em recifes de corais, no qual ocorria a deposição de evaporitos como o gesso – gipsita, Ca(SO4) – rico em sulfeto. Como consequência da queda, as águas desse mar foram vaporizadas e em consequência, toneladas de enxofre foram para a atmosfera, propiciando chuva ácida ao redor do planeta. Como se fosse pouco, com a liberação de semelhantes quantidades de energia também surgiram grandes ondas (tsunamis), cujos registros são atualmente encontrados em locais distantes como a costa da Venezuela. Além do impacto desse asteroide, o final do Cretáceo também foi marcado por intensas erupções vulcânicas na Índia as quais se calcula que tenham liberado de 100 a 1.000 bilhões de toneladas de cinzas, que perduraram de 100 a 1.000 anos na atmosfera superior. Também a separação entre a África e a América do Sul trouxe a abertura do oceano Atlântico Sul teve como consequência a queda no nível dos mares e, por consequência, uma mudança nas correntes oceânicas com a queda das temperaturas. Assim, a soma desses fatores “favoreceu” a extinção em massa.

No evento do Pint of Science

Minha palestra no evento Pint of Science – Campinas no dia 16/05/2017 foi relativa a esse tema. Obrigada por me convidar foi ótimo.

DAS CINZAS E DOS FÓSSEIS


http://orsm.com.br

No inverno aqui em Campinas, em geral seco, com bastante frequência ocorrem incêndios. Nessas ocasiões as casas, carros, etc. que estão perto ou que passam do lado do incêndio na estrada ficam cobertos daqueles fragmentos de plantas que vêm voando no vento, aqueles carvõezinhos. Pois esses fragmentos podem fossilizar e quiçá serem os únicos testemunhos da vegetação.

Uma das melhores evidências das mais antigas flores fósseis pertencem ao que restou de um incêndio da floresta, que no início do período Cretáceo (a uns 110 milhões de anos no passado, ou simplesmente Ma.) existia em Portugal.

De forma geral os fósseis vegetais produzidos por incêndios recebem o nome de carvões de queimada, ou charcoals em inglês. Eles são compostos por 60-90% de carbono e são conservados no registro fóssil por serem praticamente inertes. Neles há uma excelente preservação da morfologia e anatomia, muitas vezes até nível celular.

Este tipo de fossilização é tão antigo como o são as plantas na superfície do planeta, cujos registros mais antigos datam de uns 400 Ma. (Siluriano) ou um pouco mais… Isto indica que antes da vida povoar os continentes não existiam incêndios, talvez porque não houvesse nada para ser queimado. Contudo, evidências desses primeiros incêndios são encontradas em rochas de todos os continentes, o que indica que o processo de conquista do meio seco pela vida foi um evento que aconteceu por toda a superfície do planeta.

Os carvões de queimada ou charcoals, podem ser observados a olho nu ou no microscópio e a sua presença em grande quantidade está relacionada com os períodos do tempo geológicos com maior porcentagem de O2 na atmosfera que hoje em dia. como ocorreu durante os períodos Permiano (~298 a 252 Ma.) e Cretáceo (145 a 66 Ma.). Mas o que acontece para aumentar a concentração de O2 na atmosfera? Bom, se trata de momentos muito mais quentes que hoje e sem a presença de gelo nos polos. Assim, o nível relativo dos mares é mais alto, e como consequência os continentes possuem extensos mares interiores e rasos onde há uma enorme proliferação de recifes muito ricos em vida. Aqui no Brasil, durante o Cretáceo, o Nordeste era um enorme mar raso, após a separação entre a África e a América do Sul. Nesses mares interiores, por serem também quentes e com pouca circulação, ocorre a deposição maciça de carbonato de cálcio (CaCO2) e de matéria orgânica e, por conseguinte, o sequestro do C na crosta terrestre, elevando a concentração de O2 na atmosfera.

Fragmento de charcoal, visto em microscópio eletrônico de varredura. 1. Escala = 1mm; 2. Escala F= 500 µm.; 3. Escala = 50 µm; 4. 200 µm.

Voltando aos incêndios, com taxas de O2 elevadas, é muito mais fácil que a vegetação pegue fogo por ação de raios, vulcões, meteoros, etc. ou mesmo por combustão espontânea com mais oxigênio para oxidar a matéria orgânica pela queima. Os registros de incêndios, ou neste caso de paleoincêndios, são encontrados em rochas sedimentares ou, mais raramente, em rochas ígneas associadas a erupções vulcânicas. Os fragmentos de carvão de queimada são depositados tanto no continente como também nos mares, neste caso envolvendo o transporte dos fragmentos de charcoals pelo vento ou pela água, pois os carvões podem flutuar facilmente durante alguns dias até ficarem encharcados de água e afundar, possivelmente longe do local do incêndio e até mesmo no fundo do mar.

Estudos realizados em depósitos quaternários (2 Ma. até hoje) utilizam os registros dos paleoincêndios como evidências de mudanças climáticas e para caracterizar a presença de biomas com o Cerrado, que está intimamente associado com a presença do fogo. Nos estudos do Quaternário, a presença de charcoals é muitas vezes associada com climas mais secos que o atual ou até mesmo com a ação humana a partir dos últimos 10.000 anos. Outra grande vantagem nos estudos quaternários na utilização dos charcoals é a possibilidade de realizar, por meio deles, datações absolutas muito precisas utilizando o isótopo radiativo do carbono o C 14 o qual possui uma meia vida de 60.000 anos, bem como de estabelecer por meio do estudo de isótopos estáveis de C o tipo de vegetação que deu origem aos charcoals, indicando se tratava de uma vegetação mais aberta ou de uma floresta.

Assim, da próxima vez que passar perto de um incêndio ou encontrar uns carvões no campo, imagine as possibilidades que eles oferecem para um dia poder reconhecer ou reconstruir a paisagem atual.

 

 

Incêndio florestal, imagine a quantidade de charcoals sendo produzidos. http://www.meilogunotizie.net

As joias do Universo

No último dia 22 de Fevereiro, a agência espacial norte-americana NASA divulgou uma notícia que movimentou a comunidade científica e o mundo todo. Foi anunciada a descoberta de um sistema planetário composto de sete planetas orbitando uma estrela anã-vermelha. A estrela, com apenas cerca de 8% da massa de nosso Sol, já havia sido registrada anteriormente e foi batizada em referencia ao Telescópio TRAPPIST (que por sua vez recebeu este nome em homenagem aos monges católicos trapistas, uma ordem comum na Bélgica e na Holanda e famosa por suas deliciosas cervejas). Os sete planetas do Sistema TRAPPIST (planetas “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, “g” e “h”) possuem órbitas pequenas, tamanhos similares aos da Terra e possivelmente são rochosos. Os planetas “e”, “f” e “g” encontram-se em uma distância que pode indicar a existência de água no estado líquido. A NASA tem planos de investigar sinais de atmosfera nestes planetas e se podem realmente possuir água líquida.

O Sistema TRAPPIST (www.nasa.gov)

Tal descoberta é realmente algo extraordinário, mas devemos ser cautelosos com as notícias que já se espalharam pelas mídias, em especial pela rede mundial de computadores, e que muitas vezes não estão embasadas em fatos concretos, mas na imaginação e nos anseios pessoais de seus autores. Não é verdade que a NASA descobriu um sistema planetário que possua vida, nem mesmo foi relatada a existência de água no estado líquido, mas a simples possibilidade de existência deste composto primordial já empolga muitas das pessoas que acreditam que a vida animal complexa que habita a Terra também esteja espalhada pelo Universo. Há, no entanto, uma corrente oposta e me lembrei da mesma com todo o frenesi causado pelo Sistema TRAPPIST. Há cientistas que defendem a hipótese da “Terra Rara”, segundo a qual a vida microbiana simples pode estar difundida pelo Universo, mas a vida animal complexa é muito rara. Ainda quando estava na graduação tive a oportunidade de ler o best-seller do paleontólogo Peter D. Ward e do astrobiólogo Donald Browlee (ambos norte-americanos): “Rare Earth: Why Complex Life Is Uncommon in the Universe” e que me deixou fascinado! Embora muitas pessoas se excitem com a ideia de vida complexa extraterrestre, a possibilidade de sermos um evento de tamanha singularidade como apresentado pela hipótese da Terra Rara me parece muito mais excitante!

Capa do livro “Rare Earth: Why Complex Life is Uncommon in the Universe”, de Peter D. Ward e Donald Browlee (2000)

Enquanto a vida simples microbiana é adaptada às mais adversas condições, como temperaturas extremas de ambientes polares e de ambientes próximos a vulcões, a vida animal complexa é mais restrita e sua existência depende de muitas singularidades que tornam o nosso “pálido ponto azul” (como apelidado pelo grande astrônomo e divulgador da ciência, Carl Sagan) tão raro! Para que a vida animal complexa pudesse surgir em nosso planeta foram necessários bilhões de anos de história geológica, cerca de 3,8 bilhões ou mais. Segundo a hipótese da Terra Rara, planetas mais jovens não possuiriam idade suficiente para que a vida pudesse surgir e evoluir para formas tão complexas como ocorreu na Terra. Além do tempo de existência dos planetas, há inúmeras outras condições para abrigarem seres complexos, como os que estão lendo este texto.

É necessário que o planeta não esteja situado na zona central de sua galáxia, pois no centro das galáxias é maior a probabilidade de que ocorram impactos com asteroides e cometas, que podem extinguir a vida. É necessário que o planeta mantenha parte de seu calor primordial, o suficiente para que exista a força capaz de mover seus continentes. Não fosse a tectônica de placas em nossa Terra rara, não haveria continentes-ilha, palco do isolamento geográfico que levou às inúmeras especiações e a diversificação da vida complexa. É necessário que o planeta tenha uma órbita estável e quase circular. Planetas com órbitas erráticas ou que não apresentem órbitas próximas de serem circulares não teriam condições climáticas que suportassem a vida complexa como conhecemos, pois ora estariam muito próximos de sua estrela, ora estariam muito distantes. É necessário que a própria estrela seja estável, sem muitas flutuações na energia liberada. E mesmo em um sistema planetário com uma estrela relativamente estável, pode ocorrer a liberação de energia em excesso, o que faz necessário um campo magnético protegendo o planeta.  Mesmo na presença de todas estas condições, é ainda importante a existência de um planeta vizinho de muita massa e que com seu poderoso campo gravitacional atraia qualquer bólido errante, protegendo o planeta, como faz Júpiter em relação à Terra. Muitos podem pensar que a hipótese da Terra Rara falhe ao não considerar que a vida em outros planetas possa ser diferente da que aqui ocorre (composta de outras macromoléculas essenciais) e que tenha outras exigências para progredir de formas simples a formas complexas. No entanto, a única forma de vida conhecida é a que existe em nosso planeta, e o que definimos como vida está restrito a ela.

A descoberta do Sistema TRAPPIST é uma boa nova e merece toda a empolgação da comunidade científica e de todas as pessoas que são apaixonadas por ciência, mas não creio que estamos próximos de encontrar vida complexa. Podemos sim ter esperança de que exista água no estado líquido, em especial na zona que abriga os planetas “e”, “f” e “g”, e que os planetas sejam realmente rochosos e que possuam atmosferas similares às da Terra, e que abriguem, talvez, vida microbiana, vida mais simples. Mas a vida complexa parece ser rara no Universo! Nós temos a sorte de viver em um planeta que a abriga e que ainda registra nas rochas, através dos fósseis, a história de sua evolução. A Terra é rara, toda sua diversidade de organismos complexos é rara e o registro fóssil é ainda mais raro. As joias do Universo podem estar mais próximas de nós do que pensamos.

A Terra, nosso pálido ponto azul, vista de Saturno e fotografada pela sonda Cassini em 2013. Uma das joias do Universo! (www.science.nasa.gov)

O Carnaval dos microbichos

Faz um tempo que a cada carnaval fico com vontade de ir para Veneza (Itália) e utilizar uma máscara decorada e inspirada nos foraminíferos. Eles são microfósseis, pois estima-se que hoje em dia existam ao redor de 8.000 espécies, mas a grande maioria delas dificilmente alcança mais de 1mm. Pela sistemática, eles são protistas eucariontes cosmopolitas, na sua maioria marinhos, e pertencem ao Filo Granuloreticulosa, possuindo uma célula só e são aparentados com as amebas. Os foraminíferos em vida possuem pseudópodes (ou falsos pés) que os auxiliam em muitas funções como na fixação, flutuação, alimentação, respiração, coleta, etc.
Os foraminíferos secretam uma carapaça ou esqueleto externo, que recebe o nome de testa, que em muitos casos é composta por carbonato de cálcio na forma de cristais de calcita. A testa é preservada facilmente no registro sedimentar, principalmente marinho, sem precisar passar por um processo de fossilização. O formato das testas, ou seja, a sua morfologia externa é francamente espetacular e sumamente variada.

Foraminífero  belamente ornamentado (http://www.foraminifera.eu)

A enorme quantidade de testas de foraminíferos depositadas no fundo dos mares e oceanos, as famosas vazas de foraminíferos, fazem desse filo de protozoas um dos grupos de fósseis mais abundantes do registro fossilífero do nosso planeta nos últimos 500 milhões de anos. Na verdade, são bem menos famosos que os dinossauros e muito mais bem-sucedidos. Quem não ouviu falar das pirâmides do Egito, umas das sete maravilhas do mundo antigo? Pois bem, elas foram construídas com blocos de pedra calcaria formada pela deposição de foraminíferos ou vazas de foraminíferos.

As vazas de foraminíferos são mundialmente estudadas em testemunhos recuperados de perfurações que alcançam centenas de metros de profundidade. Esses registros ordenados são precisos e preciosos na hora de realizar correlações entre camadas de diferentes locais no planeta, datar camadas, calcular – por meio de isótopos estáveis de Oxigênio – a temperatura das águas na qual foi segregada a testa, ou seja, ter acesso a paleotemperaturas de épocas passadas, etc.

A imagem pertence a um mesmo foraminífero planctônico, a diferencia esta na presença de espinhos em um e sem os espinhos no outro (http://www.foraminifera.eu)

Pois bem, as testas dos foraminíferos, como já falei, são super-bonitas e ornamentadas e dependendo da forma como o seu dono habite o ambiente marinho são denominadas como planctônicos, se pertencem a indivíduos que vivem flutuando perto da superfície, ou bentônicos, se vivem no fundo. Nesse segundo caso, podem viver colados a outros organismos ou enterrados entre os grãos de areia. Claro que também a sua distribuição nos mares vai ser regida por parâmetros como temperatura, salinidade, nível de oxigênio, disponibilidade de alimento, etc.

Entre os grupos de foraminíferos que possuem testa de calcário, temos os de testa aglutinante ou Textulariina, os porcelânicos ou Miliolina, os de testa hialina ou Rotaliina e um grupo extinto há mais de 250 milhões de anos conhecido como de testa microgranular ou Fusilinina. A forma como os cristais de calcita se organizam para formar a testa confere ao protozoa diferentes propriedades para e xplorar o seu habitat, ou seja, viver em lugares variados.

Aspecto da testa aglutinante (http://www.foraminifera.eu)

Entre os grupos de hoje, os foraminíferos aglutinantes secretam um tipo de cimento e com auxílio dos pseudópodos (lembrando que são parecidos com as amebas) colhem diminutos fragmentos de conchas ou grãos de areia e rochas do fundo, que vão colando no cimento e com isso construindo a testa. Na maioria dos casos a testa possui um furo na ponta, para saída dos pseudópodes. Com esse tipo de testa os aglutinantes exploram locais com pouca disponibilidade de carbonato dissolvido na água, como a foz de rios ou mesmo as profundezas dos oceanos, abaixo dos 2.000 metros de profundidade.

Exemplares com testa porcelânica (http://www.marine.usf.edu)

Os foraminíferos com testa porcelânica segregam cristais de calcita que são depositados em todas direções, isto é, sem uma ordem definida, formando uma testa muito robusta e habitam o fundo de todos dos mares e em todas as latitudes.

Os foraminíferos hialinos constroem as suas testas depositando os cristais de calcita de forma ordenada, então as suas testas são transparentes e finamente perfuradas. Pelas perfurações emergem os pseudópodes que auxiliam na flutuação, sendo esse grupo o que reúne todas as espécies de foraminíferos planctônicos, embora também existam muitas formas bentônicas.

Fomaníniferos planctônicos de testa hialina (http://www.foraminifera.eu)

As testas podem, independente de como foram construídas, ser ornamentadas ou lisas, ter uma ou muitas câmaras dispostas em uma ou muitas fileiras, em linha ou enroladas, etc. etc. Então, com essa diversidade e com 500 milhões de anos de história não vai ser difícil eu fazer a minha máscara, as de todo um bloco ou mesmo as de todos os foliões com motivos de foraminíferos diferentes….

Como um tronco ou um osso vira pedra?

Quem já não se deparou com uma pedra (rocha) que um dia formou parte de um dinossauro ou era a rama mais alta de uma árvore? Visitando um museu ou mesmo no campo?

Pois bem o processo que converte os restos orgânicos (vegetais, animais, bacterianos, etc.) em fósseis como estes é denominado de permineralização e ocorre de forma mais ou menos rápida, claro sempre pensando no tempo geológico. O processo se inicia imediatamente após a queda do resto num ambiente de deposição de sedimentos (córrego, rio, lago, mar…) ou durante o soterramento num desses locais. O que acontece em geral, é que uma solução rica em sílica ou cálcio consegue preencher os espaços vazios entre as células, poros e no interior das células. Com o passar do tempo, a perda de água promovida pelo soterramento induz a formação de cristais de quartzo, no caso de uma solução rica em sílica ou calcita, no caso do cálcio. Esses cristais possuem tamanhos diminutos, da ordem de poucos micrometros (1/1000 de um milímetro), que preservam a anatomia original inclusive das células, e por ser muito estáveis no caso da sílica, permitem a manutenção dos fósseis por muitos milhões de anos. Esse processo de fossilização pode levar 50.000 anos ou menos o que, convenhamos, é quase nada no tempo geológico.

Tronco de conífera da Formação Teresina (260 milhões de anos) permineralizado por sílica. A. Corte longitudinal mostrando traqueides; B. Detalhe de um traqueide, notar os cristais de quartzo que formam a estrutura.

Além da pemineralização por sílica ou carbonato de cálcio, outros minerais como a pirita (sulfeto de ferro) podem permineralizar estruturas orgânicas. Até mesmo a formação de gelo pelo congelamento da água dentro dos tecidos orgânicos, pode ser considerada uma permineralização, logicamente que bem menos estável, pois o fóssil apodrecerá após o descongelamento, como é o caso dos mamutes que frequentemente são encontrados na Sibéria.

No Brasil, temos abundantes sítios com fósseis permineralizados, inclusive alguns com o registro de extensas florestas que existiram há mais de 250 milhões de anos, como a do Monumento Natural das Árvores Fossilizadas do Tocantins (MNAFTO), em Bielândia, distrito de Filadélfia, que possui uma extensão de mais de 32.000 hectares ou as florestas fósseis de Mata e de São Padro do Sul no Rio Grande do Sul, um pouco mais jovenzinhas, ou mesmo os registros do interior de São Paulo, que representam as florestas que habitavam as planícies de rios ou próximas à costa em climas quentes e secos. No geral eram compostas por árvores aparentadas com as araucárias, podocarpos, pinheiros e também por samambaias de grande porte e cavalinhas, com certeza sem plantas com flores. Nelas estão preservados troncos com tamanhos que alcançam os 30 metros de comprimento e 1 metro de diâmetro e, menos frequente, folhas. Aliás, a diversidade é fóssil é grande, o que faltam são pesquisadores para estudar tanto material.

Caule de samambaia permineralizado por sílica coletado na MNAPTO

Por último, o processo de permineralização foi o que permitiu a preservação das evidências de vida mais antigas que se conhecem na Terra, com cerca de 3465 milhões de anos, que chegaram até os nosso dias e tem sido interpretados como filamentos de colônias de bactérias fotossintetizantes conhecidas como cianobactérias… Então a permineralizacão é um processo que permite tanto a conservação dos maiores registros fósseis em tamanho como dos menores… é só ter as condições necessárias e o tempo…

ONDE VER FÓSSEIS PAULISTAS?

Nos textos anteriores comentei acerca dos registros fósseis no estado de São Paulo começando pelos mais antigos que datam de volta de 1.700 a 850 Ma. até os mais recentes que habitaram a uns 10.000 anos atrás. Nos paleontólogos que estudamos esses registros e todos os dias vemos fosseis na nossa frente sabemos onde encontrar eles. Mas quem nunca viu um e somente os conhece pelos filmes ou por fotografias, onde pode ter acesso a esse mundo fascinante. Então vamos lá, para ver fósseis é possível, visitar vários museus no Estado de São Paulo, aqui incluo uma lista com muitos deles.

 

Na cidade de São Paulo

MUSEU GEOLÓGICO VALDEMAR LEFÈVRE, MUGEO

Endereço: Av. Francisco Matarazzo, 455, Parque da Água Branca – Perdizes, CEP 05001-300 – São Paulo – SP

Horário de Funcionamento: terça a domingo, das 9h00 às 17h00.

Site: mugeo.sp.gov.br

 

MUSEU DE GEOCIÊNCIAS DO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Endereço: Rua do Lago, 562 – Cidade Universitária, CEP. 05508 – 080, São Paulo, SP Horário de Funcionamento: segundas a sextas das 08h às 12h e 13h30 às 17h. Sábados.

Site: http://www.igc.usp.br/museu/home.php

 

MUSEU DE ZOOLOGIA – MZUSP

Endereço: Avenida Nazaré, 481 – Ipiranga, CEP: 04263-000, São Paulo – SP

Horário de Funcionamento: quartas a domingos das 10h ás 17h (entrada até as 16h30)

Site: www.mz.usp.br

 

No interior do estado

– Rio Claro

Museu de Paleontologia e Estratigrafia Prof. Dr. Paulo Milton Barbosa Landim

Endereço: CP 199, Av. 24 A, 1515 – Bela Vista, CEP. 13506-900, Rio Claro – SP

Horário de Funcionamento: segundas a sextas das 8:00 as 17:00

Site: www.rc.unesp.br/museupaleonto/

 

– Marília

MUSEU DE PALEONTOLOGIA DE MARÍLIA

Endereço: Avenida Sampaio Vidal Centro Cultural de Marília 245, Centro, CEP. 17500-020, Marília, SP

Horário de Funcionamento: segunda a sexta-feira, das 8h às 13h.

Site: http://www.marilia.sp.gov.br/prefeitura/museu-de-paleontologia

 

– São Carlos

MUSEU DA CIÊNCIA PROF. MÁRIO TOLENTINO

Endereço: Pça Coronel Salles São Carlos, SP

Horário de Funcionamento: terças às sextas das 8h00 às 17h30.

Site: museudaciencia.blogspot.com.br/

 

– Monte Alto

MUSEU DE PALEONTOLOGIA PROF. ANTONIO CELSO ARRUDA CAMPOS

Endereço: R. Quinze de Maio, s/n – Centro, CEP. 15910-000, Monte Alto – SP

Horário de Funcionamento: Em reforma

Site: Em reforma

 

– Taubaté

MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL DE TAUBATÉ – MHNT

Endereço: R. Juvenal Dias de Carvalho, 111 – Jardim do Sol, CEP. 12070-640, Taubaté – SP

Horário de Funcionamento: terças a domingos, das 09:30 às 17 horas, feriados de quinta a domingo

Site: www.museuhistorianatural.com

Quando a tragédia vira registro

Who has dressed you in strange clothes of sand?
Who has taken you far from my land?
Who has said that my sayings were wrong?
And who will say that I stayed much too long?
Clothes of sand have covered your face
Given you meaning, taken my place
Some make your way on down to sea
Something has taken you so far from me
Does it now seem worth all the color of skies?
To see the earth through painted eyes
To look through panes of shaded glass
See the stains of winter’s grass
Can you now return to from where you came?
Try to burn your changing name
Or with silver spoons and colored light
Will you worship moons in winter’s night?
Clothes of sand have covered your face
Given you meaning but taken my place
So make your way on down to the sea
Something has taken you so far from me

Clothes of sand, Nick Drake

 

De modo geral, o destino final das partículas sedimentares é o fundo de uma bacia sedimentar, que pode ser o fundo do mar, por exemplo… E neste processo lento e incessante cada ciclo de soerguimento transforma essas partículas e as coloca novamente para o “reinício” do ciclo. O ciclo mencionado aqui é o das rochas, que forma não só as sedimentares mas também ígneas (magmáticas, do magma dos vulcões) e metamórficas (transformadas por grandes pressões e temperaturas). A música de Nick Drake acima fala um pouco sobre este ciclo, você percebeu? 😆 (É uma das poucas músicas com conteúdo de geologia que conheço… )É este ciclo um dos grandes responsáveis pelas mudanças geográficas/geomorfológicas que vemos na Terra e que não ocorrem em Marte nem na Lua, por exemplo; a Lua de Dante Alighieri (1265-1321) é a igualzinha a que você vê hoje.

Voltando ao ciclo… são também partes dele (junto com a tectônica de placas e outros processos geológicos) que levam a grandes tragédias humanas. Terremotos têm seus mais antigos registros em documentos chineses (1177 a.C.)*, avisos sobre o perigo de tsunamis no Japão tem pelo menos 600 anos **, e atividades vulcânicas intensas já deixaram suas marcas por diversas vezes na história humana (veja no link as maiores tragédias associadas a esses eventos) ***.

Os fósseis, isto é, restos ou vestígios de vida ou de sua atividade, com mais de 11.000 anos, têm sua origem ligada ao ciclo das rochas. Em especial, as rochas sedimentares são as que normalmente contêm os fósseis. Isso porque o resto de um organismo também é transportado e depositado como uma partícula sedimentar. É um pedaço de vida que se une aos processos de formação da rocha sedimentar que, ao longo do tempo geológico se transforma em rocha. Em outros posts já comentamos que o tempo geológico é bastante distinto do tempo que percebemos como humanos. A pergunta que estamos tratando hoje é se todo resto ou vestígio de vida fica preservado… será??  Os fósseis que encontramos são na verdade a exceção à regra. A maioria dos organismos se decompõe; além disso, a formação do registro fossilífero é episódica. Grandes eventos como enchentes, tsunamis, vulcanismos, desmoronamentos é que preservam. Se pensarmos na história recente de desastres naturais no Brasil podemos dizer que há grandes chances da tragédia do Rio Doce (2015) e dos deslizamentos no interior do Rio de Janeiro (2011) formarem um registro fossilífero daqui a pelo menos 11.000 anos. Na nossa escala de tempo esses eventos são incomuns, mas na escala do tempo geológico eles ocorrem (não com periodicidade, mas com frequência); e por envolverem grandes áreas, enormes quantidades de sedimentos e pouco tempo, têm maiores chances de preservar. Enfim, são registros de eventos catastróficos que perfazem a maior parte do material de estudo dos paleontólogos e também dos geólogos que trabalham com rochas sedimentares.

Preciso salientar aqui que a ocupação desordenada da margem de rios e encostas, e no caso do Rio Doce, a represa de sedimentos, são ações antrópicas, e o homem é a primeira espécie a alterar o ambiente em larga escala. O que quero dizer é que os registros que temos são resultado de eventos naturais, e o registro fóssil do futuro será bem diferente. Vamos torcer para que existam paleontólogos até lá…!

 

Visite os links abaixo para maiores dados nas atividades geológicas citadas.

*http://pubs.usgs.gov/gip/earthq1/history.html

**http://historyofgeology.fieldofscience.com/2011/03/historic-tsunamis-in-japan.html

*** http://volcano.oregonstate.edu/deadliest-eruption

Escute aqui a música de Nick Drake na versão de Renato Russo

 

Mais próximo dos dias de hoje: como chegamos até aqui e quem ficou pelo caminho

Como os registros da Era Cenozoica, são bem mais novos, seus fósseis são abundantes e, em muitos casos, muito bem preservados. Antes de continuar vou fazer uma pausa para comentar que a Era Cenozoica é dividida em três períodos: Paleogeno, Neogeno e Quaternário. Estes períodos, por sua vez, são divididos em épocas, distribuídas da seguinte forma: Paleoceno, Eoceno e Oligoceno pertencem aos Paleogeno. O Neogeno, é formado pelo Mioceno e pelo Plioceno, e por último o Quaternário é dividido em Pleistoceno e Holoceno onde estamos há uns 10.000 anos.

Bacia de Taubaté, 1 e 2 são pólens de gimnospermas.
Figura 1- Bacia de Taubaté, 1 e 2 são pólens de gimnospermas.

Retomando o fio do registro fóssil no estado de São Paulo, como tinha adiantado no final do último texto, com a extinção em massa acontecida no final do Cretáceo e as mudanças na paleogeografia do nosso planeta, houve oportunidade para a renovação tanto da flora como da fauna ao redor do mundo. Estas mudanças foram influenciadas pela presença de regimes climáticos mais úmidos e quentes, que permitiram a distribuição de florestas, dominadas por angiospermas pelas regiões subtropicais (localizadas depois 23º de latitude norte e sul) e até no continente Antártico, que foi durante milhões de anos coberto por densas florestas até que, a partir do Mioceno, paulatinamente, o clima começou a mudar, ficando mais seco e frio, o que conduziria às grandes glaciações do Quaternário.

Os registros fósseis do Paleogeno e do início do Neogeno no estado apresentam florestas formadas por famílias de angiospermas (p.ex. leguminosas, gramíneas), de gimnospermas (Podocarpaceae) e samambaias, que existem ainda hoje, embora os gêneros e espécies possam ser diferentes dos atuais. As rochas sedimentares que contém os fósseis deste tempo foram depositadas dentro de um sistema de lagos distribuídas na margem atlântica que se estendia desde o sul do estado do Rio de Janeiro (Niterói) até o Paraná (Curitiba), e que hoje compreende, entre outras, as bacias de Taubaté (SP), Resende (RJ), Volta Redonda (RJ) e Itaboraí (RJ).

O conjunto e diversidade da vida preservada dentro da bacia de Taubaté (Oligoceno-Mioceno) é considerado como o mais rico desse tempo no Brasil. Os afloramentos onde os fósseis vêm sendo coletados desde mediados do século passado localizam-se, principalmente, nas pedreiras de argila da cidade de Taubaté. Na bacia são encontrados abundantes fósseis de folhas, sementes, polens (Figura 1), esporos, etc. A análise do conjunto dos vegetais preservados indica que no local estava presente uma mata subtropical úmida. Junto aos vegetais também encontramos registros de insetos, peixes (Figura 2), anfíbios, tartarugas, serpentes, jacarés, aves, mamíferos, além de evidências da sua atividade metabólica (icnofósseis) como excrementos, pegadas, galhas, etc. Os osteítes (peixes ósseos) são os vertebrados mais abundantes, contudo os mamíferos são de longe o grupo mais diversificado em espécies, entre os que deixaram registros fósseis. Dentre os mamíferos encontramos marsupiais identificados a partir de dentes e ossos das patas (tarsais), quirópteros (morcegos), além de dentes e mandíbulas de roedores.

Figura 2 - Osteite, Teleósteo muito abundante na Bacia de Taubaté. 1- Vista geral; 2, 3, 4, e 5 - microfotgorafias obtidas em Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV); 2- Costelas; 3- Pirita framboidal associada à preservação dos tecidos; 4 e 5- Escama.
Figura 2 – Osteite, Teleósteo muito abundante na Bacia de Taubaté. 1- Vista geral; 2, 3, 4, e 5 – microfotgorafias obtidas em Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV); 2- Costelas; 3- Pirita framboidal associada à preservação dos tecidos; 4 e 5- Escama.

Outros grupos de mamíferos que a partir deste momento se tornaram mais frequentes e que integraram a megafauna sul americana também foram coletados nas rochas sedimentares da bacia de Taubaté. Assim, por exemplo, encontramos os cingulata (tatus), com fósseis das suas características placas dérmicas que compõem a suas carapaças. Os Liptotermos formam parte desse grupo, embora hoje estejam extintos, e que reúnem um grupo de ungulados herbívoros que experimentaram uma extraordinária diversificação durante a Era Cenozoica. Além destes, temos também registros dos Astrapotheria, Nothoungulata e Pyrotheria, todos hoje extintos.

Por fim, os registros paulistas do Neogeno são representados por camadas sedimentares que contém conjuntos de microfósseis vegetais (polens) e que a partir deste momento (Mioceno) mostram evidências da deterioração climática relacionada ao início da glaciação no continente antártico. Esta tendência, que levará ao resfriamento geral do planeta, se manifesta nos conjuntos polínicos com o surgimento, diversificação e aumento da porcentagem de pólens de gimnospermas e algumas angiospermas (p.ex. Drimys).

No próximo capítulo, falarei acerca dos acontecimentos do Quaternário que merecem um texto à parte por causa da sua importância para a distribuição da vida como hoje a conhecemos.