Biologia sintética e a computação
Ontem tivemos nossa primeira reunião do Clube Científico de Biologia Sintética para discutir o artigo “Synthetic biology: new engineering rules for an emerging disciplines.” A imagem abaixo resume bastante a abordagem dos autores do Departamento de Engenharia Elétrica Princeton para conduzir a revisão sobre o assunto.
Os autores traçam um paralelo entre a biologia e os computadores, no qual, não apenas se procura explicar a biologia celular utilizando a computação como analogia, mas também, mostra que já foram desenvolvidos componentes biológicos que funcionam como componentes de computadores. São dados exemplos de várias construções biológicas sintéticas que funcionam como componentes elétricos, como inversores (inverters devices), flip-flops (toggle-swicthes), osciladores (oscilators), amplificadores de sinais (transcriptonal cascades modules) e desviadores de sinais (diverter scaffolds). Restando assim, poucos módulos para se construir um microcomputador celular sintético.
Os autores comentam como estes módulos sintéticos e a condição endógena celular influenciam o comportamento um do outro, sendo que qualquer flutuação nos processos da célula hospedeira podem influenciar o módulo e sua reposta (output). Dessa maneira, torna-se necessário combinar técnicas de estimação de parâmetros e técnicas de análises de fluxos metabólicos para entender o contexto celular e os impactos desses módulos na célula. Para explicar isto de uma maneira resumida, a conectividade dos módulos entre si e com a célula não é suficiente para definir a dinâmica de uma rede, é preciso também incluir parâmetros cinéticos e regulatórios (velocidade das reações, feedbacks, efeito de reguladores…) que podem variar sua atividade de acordo com as mudanças realizadas no sistema original. Estes cálculos, porém, são muitos complicados e demandam uma matématica muito avançada. O que demonstra, mais uma vez, a necessidade de equipes multidisciplinares para a formação de grupos de pesquisa em synbio.
O artigo mostra também que células sintéticas estão se tornando cada vez mais fáceis de construir. Não só pela nossa capacidade de manipular os componentes celular, mas pelo aumento da nossa capacidade de sintetizar DNA. Existem porém, desafios e limitações nos tipos de atividades complexas que uma célula independente consegue realizar de uma forma confiável. Assim, uma nova fronteira para a synbio é distribuir redes e módulos sintéticos entre múltiplas células, formando sistemas de comunicações célula-célula, visando aumentar a possibilidade de desenhos e superar a confiança limitada de células sintéticas individuais. Para isso, já estão se desenvolvendo módulos de quorum sensing (mecanismos de comunicação celular) sintéticos que possibilitam a coordenação do comportamento de comunidades microbianas. Verifica-se, portanto, que muitos avanços têm sido realizados para aumentar a complexidade da arquitetura das redes sintéticas.
Este artigo é particularmente interessante porque mostra a visão de engenheiros elétricos do que é a biologia sintética. É importante destacar que existem diferentes visões e abordagens de pesquisa a respeito do que é a biologia sintética e como ela pode ser aplicada, dependendo da especialidade e background do grupo de pesquisa.
Nas próximas reuniões pretendemos abordar tópicos mais específicos da biologia sintética, como a construção de um oscilador sintético, e mostrar diferentes visões da biologia sintética.
Até lá!
Andrianantoandro, E., Basu, S., Karig, D., & Weiss, R. (2006). Synthetic biology: new engineering rules for an emerging discipline Molecular Systems Biology, 2 DOI: 10.1038/msb4100073
iGEM: International Genetically Engineered Machine competition
Olá pessoal,
Sou a Marianna, este é meu terceiro ano da graduação em Ciências Biológicas pela USP – Universidade de São Paulo. Também sou aluna de iniciação científica na área de microbiologia aplicada e biotecnologia, no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
Gostaria de comentar um pouco sobre um evento de Biologia Sintética que acontece anualmente e que é amplamente reconhecido pela comunidade científica: o iGEM.
Os participantes são alunos de graduação, que, orientados por alunos mais experientes, encaram o desafio de compreender, projetar e implementar novos sistemas biológicos sintéticos utilizando partes-padrão de DNA e operá-los em células vivas, com o objetivo de solucionar problemas no mundo (e.g. alimentação, energia, meio ambiente, medicina, processamento de informações), tendo como base princípios de engenharia. O Jamboree, no qual as equipes apresentam seus projetos e resultados, é o maior evento de synbio no mundo, onde os estudantes são premiados com troféus e medalhas em várias categorias. O iGEM teve início em Janeiro de 2003, e em 2004 tinha 5 equipes. Este número vem crescendo, com 130 equipes em 2010. Os estudantes recebem um kit com as melhores partes genéticas disponíveis no início de cada competição e, posteriormente as partes que eles construíram vão para a “coleção de partes”, onde no futuro outros estudantes podem fazer novas construções.
Exemplos de projetos de sucesso incluem:
-Codificação e armazenamento de dados em E. coli (bio-criptografia) (http://2010.igem.org/Team:Hong_Kong-CUHK)
-Resolução do quebra-cabeças Sudoku por E. coli (processamento de informações) (http://2010.igem.org/Team:UT-Tokyo)
-Controle da ordem e sequência de reações em uma via biossintética em particular, de forma a aumentar a velocidade e eficiência da reação (http://2010.igem.org/Team:Slovenia/PROJECT/introduction)
-Descontaminação de áreas com metais pesados (http://2010.igem.org/Team:Peking)
-Sensor de fertilidade do solo, de forma a mapear áreas com concentração de nutrientes, reduzindo malefícios ao meio ambiente e gastos de agricultores (http://2010.igem.org/Team:BCCS-Bristol)
– E. coli produtora de diferentes pigmentos em resposta a diferentes concentrações de um indutor (http://2009.igem.org/Team:Cambridge)
-Construção de promotores sintéticos para permitir monitoramento de várias vias na célula (http://2009.igem.org/Team:Heidelberg)
– Desenvolvimento de uma vacina sintética composta de imunobricks, que estimulam formação de anticorpos (http://2008.igem.org/Team:Slovenia)
Desta forma, é possível perceber que mesmo alunos de graduação, utilizando técnicas aparentemente simples de biologia sintética, podem produzir resultados incríveis e extremamente aplicáveis.
Regeneração de colunas Miniprep Qiagen
Eu sempre achei um desperdício enorme jogar fora as colunas presentes nos kits comerciais. Até que no ano passado, baseado em um protocolo simples e barato de Siddappa NP, publicado em 2007 na revista Biotechniques começamos a regenerar as colunas de extração de plasmídeo Miniprep Qiagen. Basicamente, as colunas são tratadas com 1 M de HCl durante a noite, lavadas repetidamente com água e reequilibradas com tampão EB ou TE.
Os autores do artigo estavam preocupados com a contaminação de DNA antigo nas colunas regeneradas e utilizaram RT-PCR e ensaios de transfecção para demonstrar que existe zero de contaminação nas colunas reutilizadas. Eles também demonstraram que a exposição prolongada a 1M de HCl não afeta a capacidade de ligação de DNA. Talvez seja apenas o prazer de usar uma coluna reutilizada, mas eu tenho a impressão que as colunas regeneradas funcionam melhor que as novas. Li em algum lugar que este protocolo funciona muito também para os Midi e MaxiPrep também.
O kit da Miniprep Qiagen com 50 reações custa cerca de R$350,00, dessa maneira, cada extração de plasmídeo custa cerca de 7 reais (contando apenas o custo de kit, sem contar eppendorfs, centrífuga, luz,…). Já utilizamos colunas regeneradas 5 vezes e queremos chegar até 10 regenerações, assim, poderemos realizar 50o extrações plasmidiais a cerca de R$o,35. Muito mais justo. O problema, agora, será a quantidade de buffers que você vai precisar. Mas não se preocupe, no final do artigo você vai encontrar os protocolos de tampões que podem ser utilizados no lugar dos comerciais (que acho que ainda podem ser otimizados).
Se alguém tiver outros protocolos para fazer render a verba, por favor, me avise!
Protocolo de regeneração das colunas de extração de DNA plasmidial:
1. Colocar em uma solução a 1N HCl por um dia (1 L para 100 colunas). Importante deixar as colunas imersas na solução sem bolhas dentro da coluna (costumo sonicar por 5 min para retirar bolhas de ar);
2. Lavar repetidamente (4 – 5 vezes) as colunas com H2O destilada autoclavada.
3. Deixar secar a 37°C por 24h (acima desta temperatura as colunas estragam). Selar em plásticos e anotar no saco quantas vezes aquela coluna já foi utilizada. Manter em local seco.
4. Antes de utilizar, reequilibrar a coluna com 50 µL de TE a 42oC. Eu sempre faço a eluição do DNA a 42oC para aumentar o rendimento.
Soluções do kit Qiagen:
Buffer N3: 4.2 M Guanidina-HCl, 0.9 M potassium acetato, pH 4.8
PS: já tentei o tampão de acetato de potássio do Birnborim (lise alcalina) mas não funcionou muito bem.
Buffer P1: 50mM Tris HCl pH, 10mM EDTA, 100µg/ml de RNase
Buffer P2: 200mM NaOH, 1% de SDS
Buffer PE: 10mM Tris HCl pH 7,5, 80% etanol, 100 mM NaCl
PS: a concentração do sal me parece ser fundamental para uma boa eluição, eu tentei várias concentrações e com 100 mM obtive os melhores resultados.
Buffer EB (TE): 10 mM Tris-Cl, 1 mM EDTA, pH 8.0
Para mais detalhes, consulte o site do autor.
BioBricks: fabricação de pequenos fragmentos de DNA
Este protocolo é utilizado para a fabricação de BioBricks pequenos, como promotores ou sítios de ligação do ribossomo (RBS). Para isso, utiliza o anelamento e extensão dos primers para criar um pequeno fragmento de DNA (~ 100 bp) utilizando Taq polimerase de alta fidelidade. O fragmento de DNA pode ser imediatamente utilizado em uma reação de clonagem utilizando TOPO-TA. Caso se deseje realizar uma etapa de digestão do fragmento de DNA, uma etapa de purificação de produto de PCR é necessária.
Materiais:
– Dois primers que se sobrepõe por ~20 bp.
Primer 1: 5′ ———————————– 3′
Primer 2: 3′ ———————————– 5′
– Mix para PCR Taq alta fidelidade
Método
1. Diluir os dois oligos a uma concentração de 25 μM utilizando H2O. Para primers maiores que 50-60 bp podem ocorrer problemas como erros e deleções, por isso, pode valer a pena incluir uma etapa de purificação extra PAGE (Invitrogen).
2. Misturar os reagentes em um tubo estéril de 0.6 mL:
- 9 μL PCR supermix
- 0.5 μL primer 1
- 0.5 μL primer 2
3. A reação de anelamento e extensão dos primers ocorrem no termociclador segundo o seguinte protocolo:
- 94°C por 5 mins
- 94°C por 30 seconds
- 55°C por 30 seconds (ou qualquer outra temperatura de anelamento)
- 72°C por 30 seconds
- Repita os passos 2-4 por 2-3 ciclos
- 72°C por 5 mins
4. Utilize 1μL de produto de PCR fresco (feito no mesmo dia) numa reação de clonagem com TOPO TA cloning.
Para desenhar um BioBrick por esse método não se esqueça de colocar o prefixo e sufixo dos BioBricks nos primers. Pronto, já descrevemos os protocolos para desenhar e montar um circuito sintético com promotores, RBS e genes.
Boa sorte e qualquer dúvida, por favor, pergunte!
Referências
Stemmer WP, Crameri A, Ha KD, Brennan TM, and Heyneker HL. Single-step assembly of a gene and entire plasmid from large numbers of oligodeoxyribonucleotides. Gene 1995 Oct 16; 164(1) 49-53. pmid:7590320. PubMed HubMed PubGet [Stemmer-Gene-1995].
http://openwetware.org/wiki/Knight:Annealing_and_primer_extension_with_Taq_polymerase
BioBricks: fabricação de uma parte padrão.
Até agora comentamos sobre a possibilidade de juntar diferentes componentes utilizando o padrão técnico de montagem dos BioBricks. Mas neste post vou comentar sobre a fabricação de uma parte padrão. No futuro, eu pretendo comentar sobre a síntese de DNA sintético, mas agora vou explicar como montar um BioBrick utilizando o método de PCR. O aparelho para realizar um PCR, o termociclador, está presente na maioria dos laboratórios de biologia molecular, e hoje se apresenta como uma ferramenta básica para este tipo de atividade. Existem centenas de livros e sites na Internet que podem te familiarizar com a técnica. Primeiramente, um BioBrick pode ser construído via PCR se existe algum molde de DNA do qual o BioBrick possa ser amplificado (por ex., um gene de alguma bactéria) ou se a parte é pequena o suficiente que possa ser criada através do alinhamento e extensão do primer (iniciador). Nos dois casos é necessário adicionar na extremidade 5′ dos primers as sequências referentes aos sítios das enzimas de restrição presentes nos BioBricks, os sufixos e prefixos (ver post anterior).
A construção de BioBricks contendo sequências codificadoras de proteínas requer um sufixo e um prefixo um pouco mais especializados por duas razões:
1. o prefixo é alterado para garantir o espaçamento entre o sítio de ligação do ribossomo e o códon ATG de início.
2. BioBricks que codificam proteínas possuem, por padronização, dois códons de sequência TAA de parada.
Ao construir os primers, basicamente, é necessário “copiar e colar” a seguinte sequência de 31 bp no fim 5′ no seu primer upstream (ou iniciador universal) desenhado para o seu fragmento de DNA de interesse:
5′ —> 3′
GTT TCT TCG AAT TCG CGG CCG CTT CTA G ATG…
start codon (no caso de um gene)
E “copiar e colar” os seguintes 35 bp no fim 5′ do seu primer downstream (iniciador reverso):
5′ —> 3′
GTT TCT TCC TGC AGC GGC CGC TAC TAG TA TTA TAA….
duplo stop codon!
A estas sequências deve-se somar aproximadamente 20 bp de sequência de primer relativa a região codificadora. Para este tipo de clonagem se utiliza uma Taq polimerase com alta fidelidade e um kit de clonagem TOPO-TA cloning.
Claro que todas as outras precauções para se desenhar um primer ainda são válidas, como a verificação de sítios de restrição nas sequências. Para mais detalhes, veja o protocolo disponibilizado para a fabricação de BioBricks.
BioBricks: juntando as peças
No post anterior comentei sobre os BioBricks, que são as partes padrão da biologia sintética adotada pelo iGEM e pelos pesquisadores envolvidos nessa comunidade. Nada mais são que fragmentos de DNA (codificadores para um gene, promotor, regulador…) que possuem extremidades iguais. Essas extremidades apresentam enzimas de restrição que facilitam a clonagem de outros fragmentos de DNA em paralelo (ver Figura), gerando componentes com as mesmas extremidades.
Prefixo Fragmento de DNA Sufixo
Com essa construção é possível inserir um fragmento de DNA anterior (na região chamada prefixo) ao seu inserto clonado ou posterior ao seu inserto clonado (na região chamada de sufixo). Para clonar um prefixo, por ex, o seu componente tem que ser digerido com EcoRI e XbaI e o prefixo digerido com EcoRI e SpeI. Ao ligarem-se os componentes (com uma enzima Ligase) ocorre a ligação dos sítios EcoRI e dos sítios XbaI e SpeI, que possuem extremidades compatíveis para a ligação, como mostrado na figura abaixo:
Este processo recria os sítios EcoRI e XbaI no começo do componente e cria um sítio não-digerível misturado de SpeI/XbaI no final da junção (entre os fragmentos de DNA). O componente continua a carregar os sítios SpeI e PstI no componente original na extremidade sufixo. Dessa maneira, é possível juntar dois BioBricks e um componente que mantêm o mesmo padrão de montagem.
Para mais detalhes consulte referência deste post escrita por Tom Knight, um dos idealizadores dos BioBricks: Idempotent Vector Design for Standard Assembly of Biobricks.
BioBricks: as partes biológicas padrão da biologia sintética.
Um objetivo subjacente da biologia sintética é tornar o processo de engenharia de sistemas biológicos mais fácil. Dentro desse processo, tem-se procurado desenvolver e definir partes biológicas padrão, para garantir que as peças biológicas produzidas possam ser montadas com facilidade e trocadas entre os biólogos sintéticos pelo mundo de uma forma unificada e organizada. Assim, as partes biológicas padrão são sequências de ácidos nucléicos que codificam para uma função biológica que foram refinadas para se adequar a algum padrão técnico de montagem definido. Nesse sentido, um paralelo interessante pode ser feito com um circuito elétrico, em que os seus componentes (ex. diodo, resistência, interruptores, tomadas,…) precisam ter o mesmo tipo de conexão para poderem ser montados na sua casa, apesar de serem produzidos por fabricantes diferentes.
O padrão técnico de composição física de montagem de peças biológicas que tem ganhado mais adeptos na comunidade de biologia sintética são os BioBricks, ou Biotijolos em português, desenvolvido pelo MIT. A inovação principal dos BioBricks é a padronização do modo de montagem dessas partes padrão: de maneira que a montagem de dois BioBricks resulta em um objeto que também é um BioBrick e pode ser combinado com qualquer outro BioBrick (ver mais detalhes na Figura).
Utilizando apenas 2 pares de enzimas, pode-se montar diferentes componentes em paralelo (DNA assembly) gerando extremidades que ainda podem receber outros componentes. Dessa maneira, pode-se juntar genes, reguladores de transcrição e tradução, promotores e qualquer outra peça biológica, para formar novos circuitos biológicos.
Aulas de Introdução à Biologia Sintética do MIT
O MIT é pioneiro no campo da Biologia Sintética, foi a primeira universidade a criar o curso de Biological Engineering ou Bioengenharia, especializado em Synbio. Uma ótima notícia é que esta incrível universidade, através do MIT Opencourseware, disponibiliza gratuitamente cursos, palestras e aulas para qualquer um. Segue o link para quatro aulas de Introdução a Bioengenharia que podem ser vistas no YouTube. Esse curso infelizmente não está completo, mas muitos outros estão completos, como o Introduction for Computer Science and Programming.
Andrew Hessel introduz Biologia Sintética
Andrew Hessel, pesquisador do iGEM, introduz a Biologia Sintética na Conferência de Biotecnologia e Bioinformática de 2009 fazendo um interessante paralelo entre computação e biologia.
“Células são processadores de informações e o DNA é a linguagem de programação.”
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=niQ0kkgPxJk&feature=player_embedded]