Um número cabalístico

Não sei se é “cabalístico” mesmo, mas vamos lá: dentro de mais ou menos um mês, assistiremos à passagem de um instante único na história do Universo (como se todos os instantes não fosse únicos, ora bolas; soar como místico e manter o senso crítico funcionando não está dando certo…). Digo isso porque, em agosto, nosso calendário gregoriano atingirá a seguinte configuração número-cronológica:
12h34min56seg 7/8/9.
Onde todos os nove algarismos naturais, pela duração de um segundo, estarão perfeitamente alinhados. O que isso pode significar? O que poderá acontecer?
A profecia mais criativa ganha um emoticon exclusivo — e já aviso que profecias envolvendo senadores e outros próceres da República não serão consideradas criativas! 🙂

Paradoxo de sexta (34)

Pois é, a resposta da advinha da semana passada é “estrela”, mesmo . Às vezes ter leitores inteligentes é meio frustrante…
Nesta semana voltamos a ter paradoxos, e vamos direto a um dos clássicos de Zeno: o da flecha.
Contemple uma flecha em seu voo. A cada instante da trajetória, ela tem uma posição perfeitamente definida (O que e fácil de provar, por exemplo, num rolo de filme de cinema). A cada instante, ela ocupa um espaço exatamente igual ao próprio comprimento. Agora, uma coisa que, a cada instante, tem posição definida e ocupa um espaço igual ao próprio comprimento é o quê? Uma coisa parada.
Logo, a flecha em voo está, na verdade, parada.
(Nota: ainda há debate entre filósofos sobre quais dos paradoxos de Zeno são falsídicos — isto é, dependem de falácias ocultas no enunciado — e quais são verídicos, isto é, evidenciam pontos mal resolvidos do raciocínio humano, falhas legítimas de enunciados científicos, etc. Pessoalmente, creio que todos os quatro são falsídicos, mas você não precisa concordar com isso)

Epidemia e ônibus

Esta vai para os universitários (ou melhor, para os epidemiologistas universitários): de uma semana para cá, os motoristas do ônibus intermunicipal que pego para ir ao trabalho foram instruídos a pedir que os passageiros preencham o formulário de identificação que fica no pé da passagem.
Legalmente, esse formulário só e obrigatório para viagens BEM mais longas que a que faço, mas os caras dizem que é “por causa da gripe suína” — tipo, se alguém do ônibus tiver o vírus, dá pra avisar os outros passageiros e monitorá-los.
Pergunta (1): Isso faz sentido, num momento em que o próprio governo começa a relaxar as medidas de acompanhamento e diagnóstico?
Pergunta (2): Se o preenchimento não é obrigatório por lei, o que fazer com quem se recusar? O brasileiro é um povo meio bovino, então todo mundo preenche, mas os dados ali (nome, endereço, documento, telefone) são basicamente os necessários para se abrir um crediário, o que me leva à…
Pergunta (3): Que tipo de proteção à privacidade do passageiro está sendo oferecida? Explicitamente, garanto que nenhuma;
Pergunta (4); Quem garante que as pessoas estão dando as informações corretas? Dado o exposto em (2), eu simplesmente preencho a parte do número do documento com um trecho qualquer da sequência de Fibonacci, e ninguém tá nem aí (a bem da verdade, a única informação correta que ponho é o número do telefone, que é o que os manés precisam pra me localizar, de qualquer modo).

De Neil Armstrong a Marcos Pontes

O título soa patético? É a intenção. Nesses 40 anos do pouso da Apollo 11 na Lua, seria interessante fazer uma reflexão sobre os (des)caminhos do programa espacial “tripulado” brasileiro.
(E, para evitar qualquer mal entendido que venha a dar origem a um flame war que não seja pertinente ao assunto: aqui não vai nenhuma crítica aos profissionais, cientistas, engenheiros e técnicos que fazem o programa; minha briga é com os policy makers, o pessoal que toma as decisões em alto escalão).
Bom vamos lá: se há algo em que a estratégia de absolvição mútua PT-PSDB — você já viu isso na internet: alguém fala mal do Lula e a resposta é, “Ah, mas o FHC fez (inclua aqui seu ato tucano de pusilanimidade favorito)”; alguém critica os tucanos, e a resposta é “Ah, mas esse Lula é um (inclua aqui seu exemplo de ignorância e falta de tato predileto)” — não funciona, é o cômico vexame do envolvimento brasileiro com a Estação Espacial Internacional (ISS). Trata-se de uma vergonha nacional essencialmente suprapartidária.
Tudo começou, vamos deixar isso bem claro, com o FHC assinando o compromisso de participar da ISS, durante uma visita do Bill Clinton ao Brasil. E terminou com a patética (olha o adjetivo aí de novo) “Missão Centenário” do astronauta Marcos Pontes, que depois de ser selecionado e treinado em Houston, formando-se no topo da classe como astronauta profissional, acabou fazendo um voo com os mesmos meios, a mesma duração, o mesmo preço (não, desculpe: ele teve um desconto de 50%) e o mesmo proveito técnico-científico que os dos turistas espaciais — por conta de um acordo entre o governo Lula e a agência espacial russa.
Atualmente, o Brasil, que foi um dos sócios-fundadores da ISS, sequer é citado nos comunicados à imprensa sobre a estação emitidos pela Nasa. Quem assistiu ao documentário IMAX sobre a estação, que passou em São Paulo, deve ter visto a bandeira brasileira num das escotilhas, mas só porque odocumentário é bem antigo.
O que aconteceu? Basicamente, o Estado brasileiro deu um calote em suas obrigações para com o projeto. Inicialmente comprometido a produzir peças no valor aproximado de R$ 200 milhões, o governo brasileiro pediu revisões para menos desse investimento e, no fim, acabou não entregando nada.
Mal comparando, esse valor, R$ 200 milhões, é o que se perdeu, por exemplo, numa única fraude da Previdência Social em São Bernardo do Campo (SP). Ou o equivalente a pouco mais que a folha de pagamento mensal dos funcionários do Senado Federal.
Dá para discutir de quem foi o erro maior, se de FHC ao assinar um acordo que o Brasil não estava a fim de cumprir, se de Lula, ao insistir em mandar o Marcos Pontes ao espaço de qualquer jeito, ou se da sociedade brasileira, que não valoriza o investimento em ciência (vamos lá, o país tem R$ 200 milhões para gastar ao mês sustentando burocratas numa repartição federal inchada, mas não para investir ao longo de dez anos num programa internacional de cooperação científica e tecnológica? E nem estou discutindo se a ISS seria o programa certo para investir).
Enfim, enquanto a ISS, praticamente completa, prepara-se para começar a fazer ciência a sério e tem sua primeira tripulação amplamente multinacional, com um comandante belga que assume o posto numa grande festa de cooperação e amizade internacional, o Brasil é o moleque irresponsável que fica do lado de fora chupando o dedo.
E a Índia, que não tem nada a ver com isso, envia sondas à Lua.

Minidocumentário sobre o Hubble

Aqui:

O docuimentário trata da “Deep Field Image”, na qual o Hubble, basicamente, atuou como uma mistura de microscópio e máquina do tempo, amplificando o que existe numa área muito estreita do espaço, e indo fundo, captando luz emitida bilhões de anos atrás.

Paradoxo de sexta (33)

O da semana passada foi formulado usando a continuidade entre as espécies de vida na Terra como exemplo, mas ele pode assumir outras formas, como a do paradoxo do careca: se você põe um fio de cabelo na cabeça de um careca, ele continua a ser careca, não se torna um cabeludo. Um careca com dois fios certamente também não é um cabeludo. Nem com três, dez, cem, mil. Mas, e com um milhão? Um bilhão?
Onde está a fronteira entre careca e cabeludo?
A forma clássica desse paradoxo é o Paradoxo do Monte de Areia: um monte de areia menos um grão continua a ser um monte. menos dois, idem. Menos três, claro.
O interessante aqui é que as frases “Um monte de areia menos um grão ainda é um monte” e “um careca com um fio de cabelo ainda é um careca” são verdades auto-evidentes até uma hora em que, pela aplicação reiterada da operação que descrevem, não são mais.
Isso vale também pra macacos e homens, embriões e bebês, crianças e adultos. Ou: o fato de haver uma gradação suave entre dois extremos de uma escala não significa que esses extremos não possam ser essencialmente diferentes — como no caso de cabeludo e careca (ou vivo e morto) que são antônimos que se dissolvem um no outro.
(Uma anedota: durante anos me considerei o “funcionário novo” da empresa em que trabalho, aquele sujeito que não sabe direito quem é chefe de quem, que está sempre pedindo conselhos sobre como o sistema de informática funciona, para quem cada novo dia no serviço era como avançar mais um ou dois graus de latitude dentro de um continente desconhecido. Eis que agora, 13 anos depois, 90% dos caras mais antigos que eu já foram demitidos ou se aposentaram e me vejo ensinando os macetes pra uma garotada que ainda estava sendo alfabetizada quando comecei na firma. Quando foi que a coisa virou? Não faço ideia).
Nesta semana, não teremos paradoxo, mas uma adivinha: o que é que, quanto menos combustível tem, mais quente fica?
Hasta la vista!

Das Marsprojekt

Recebi ontem pelo correio um livro que era um dos meus sonhos de consumo da infância: um exemplar de The Mars Project, a edição americana do opúsculo em que Wernher von Braun apresentava sua visão para a exploração de Marte. O plano original, Das Marsprojekt, havia sido publicado na Alemanha ainda nos anos 30.
Basicamente, Von Braun descreve uma expedição a Marte com 70 tripulantes, na qual 46 ônibus espaciais, lançados à taxa de um a cada dez dias, construiriam em órbita da Terra dez naves que, por sua vez, viajariam para Marte.
Uma vez na órbita de Marte, uma primeira equipe de astronautas pousaria na calota polar do planeta usando uma espécie de asa-delta espacial com esquis, e então teria de se deslocar ate o equador para preparar uma pista de pouso para as demais equipes, que então…
O Marsprojekt é talvez o cenário de ficção científica mais ousado já criado, e Von Braun trata de descrevê-lo no livro de forma fria e direta, acompanhado das equações para mostrar que a coisa toda poderia funcionar.
A partir de uma base tecnológica do tempo da 2ª Guerra Mundial.
Há alguns anos, o quadrinista Warren Ellis escreveu uma minissérie, The Ministry of Space, no qual Von Braun consegue convencer osaliados do pós-guerra a implementar sua visão de exploração espacial na íntegra. É um belo quadrinho, e um jeito e sonhar com os futuros perdidos do pretérito.

Certeza e sujetividade

O Ecce Medicus publicou um postagem bem interessante sobre Mecanismos geradores de Certeza e que, num dado momento, faz a seguinte afirmação:
“Sendo assim, só quem pode avaliar criticamente as certezas é quem as tem”.
O que soa meio estranho. Digo, se eu afirmo que “TENHO certeza DE QUE meu chefe tem olhos na nuca”, meu colega da baia ao lado pode imaginar instantaneamente uma meia dúzia de experimentos para provar que isso é bobagem (ou que é verdade, o que, se confirmado, exigiria o envolvimento do FBI, dos Homens de Preto e do professor Charles Xavier).
A solução para o impasse talvez esteja na estrutura “TENHO certeza DE QUE”. A parte “TENHO” é subjetiva, refere-se a um sentimento do falante, acessível apenas à instrospecção pessoal; o que vem depois do “DE QUE” está aberto ao mundo, é verificável por observadores independentes. Então, talvez seja possível expandir a afirmação do Karl (o blogueiro do Ecce Medicus) da seguinte forma:
“Só quem pode avaliar criticamente a sensação de ter certeza de algo é quem a sente”.
Já a afirmação que a certeza traz sobre um determinado estado de coisas no mundo é criticável e verificável.
Mas, peraí, uma afirmação sobre o estado de espírito de alguém também é uma afirmação sobre um “determinado estado de coisas no mundo”. A mente humana está no mundo, ora bolas.
Aí caímos num daqueles abismos da autorreferência, do tipo “Todos os cretenses são mentirosos, disse um profeta cretense”. Senão, vejamos:
Dizer “TENHO certeza DE QUE” equivale a dizer que “TENHO certeza DE QUE sinto que TENHO certeza DE QUE”. Ou seja, é possível passar o TENHO (subjetivo/introspectivo) para depois do DE QUE (objetivo/verificável). E a operação pode ser iterada quantas vezes se quiser.
Aí, há duas saídas, não excludentes, mas complementares: uma é adotar uma postura mezzo behaviorista e negar que a introspecção seja o juiz final da sensação de certeza — digo, todos desconfiaríamos da sinceridade de um homem que diz ter certeza de que pode voar, mas que se recusa a pular da janela do vigésimo-oitavo andar, ou de um marido que bate impiedosamente na mulher, mas que diz ter certeza de que a ama.
A outra é aceitar que ninguém convence ninguém de nada; cada certeza ou convicção tem um percurso mental único, subjetivo e intransferível, e só o que os fatos e argumentos que nos são apresentados fazem é servir como guias, ou parteiros. Mas o ato do convencimento é estritamente pessoal. Cada um, literalmente, “se convence”.
Então, parece-me possível preservar a validade de criticar externamente as certezas alheias, ao mesmo tempo em que se reconhece o limitado impacto psicológico dessa abordagem. Com a certeza (arrá!) de que “limitado” não é, necessariamente, o mesmo que “nulo”.

Paradoxo de sext (32)

O da semana passada se resolve, creio, simplesmente notando que muitas categorias úteis para uso no dia a dia (como presente, passado e futuro) são exatamente isso, úteis para uso no dia a dia, mas não se prestam a análises lógicas detalhadas. São como os “conceitos primitivos” da geometria (ponto, reta, plano): acessíveis à intuição, bons tijolos, mas que (como tijolos) viram pó quando tentamos ver o que há dentro deles.
Acho que são situações assim que levaram Wittgenstein a concluir que não existem problemas filosóficos, o que há são imperfeições e maus usos da linguagem.
O paradoxo desta semana foi proposto por Richard Dawkins.
Imagine que todas as suas ancestrais do sexo feminino, sua mãe, avó e até a última ancestral comum com os chimpanzés — até a proto-macaca que teve duas filhas, irmãs, uma das quais entrou na linhagem da sua família e a outra cujos descendentes nunca saíram da selva (ou se saíram, foram para o zoo) — estão enfileiradas, numa sequência de quilômetros. Imagine que, numa fila paralela a essa, estejam todas as descendentes do sexo feminino da irmã de sua ancestral comum.
Agora, percorra a fila que leva até você. Veja como cada geração se liga perfeitamente, sem descontinuidade alguma, à anterior. Do humano ao proto-humano e ao proto-macaco, não há nenhuma quebra. Em nenhum momento você vê uma mãe macaca peluda e feia de mãos dadas com uma filha humana e linda. Nem mesmo entre avó e neta há diferença perceptível, nem entre bisavó e bisneta.
Agora, tendo chegado à ancestral comum, avance no tempo pela fileira dos proto-chimpanzé que até a chimpanzé que está na fila paralela, olhando para a sua mãe nos olhos. Elas são primas. De novo, nenhuma descontinuidade.
O “U” evolucionário que liga o ramo humano de sua família ao ramo dos macacos é contínuo e suave, tão sólido quanto o que o liga, digamos, aos primos que não emigraram com sua avó, bisavó ou tataravó ou quem quer que seja que tenha vindo da Itália, do Japão, de Portugal, Alemanha, pelo estreito de Bering, etc.
Então: se não há descontinuidade, se o parentesco que nos liga aos macacos é tão firme quanto o que nos liga à humanidade em geral, como é possível que sejamos espécies essencialmente diferentes?

Belo documentário japonês sobre o planeta Vênus

Narrado e legendado em inglês, antes que alguém fique assustado:

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