E viva a Dinamarca!

Merece aplauso a notícia de que os principais jornais dinamarqueses republicaram um cartum de Maomé, em resposta à descoberta um um plano para assassinar o autor do desenho. É bom ver que ainda há animais vertebrados no mundo ocidental, apesar de tudo.

Comentei, numa postagem anterior, que é errado imaginar que uma religião (ou, vá lá, uma cultura) tenha direitos.

Explicitando um pouco o argumento: todo “direito” dado a uma cultura só pode ser exercido contra os indivíduos que fazem parte dela — o direito dos aborígenes siberianos de acreditar que o canto de um passarinho cura dor de dente, digamos, só pode ser pereservado mantendo-se boa parte dessa população aborígene com sérios problemas odontológicos — ou contra seus críticos, externos ou internos; o que caracteriza censura.

Expandindo um pouco o lema deste blog: pessoas têm direitos; culturas, não.

Observando Marte

Deixando o obscurantismo um pouco de lado, só para variar:

A Universidade do Arizona criou um sistema online com todas as imagens de Marte já dipsonibilizadas ao público, desde os tempos das sondas Viking. O site é este aqui: http://global-data.mars.asu.edu/ .

A imagem acima veio de lá e é, se não me engano, Olympus Mons, o maior vulcão do sistema solar. Foi feita pela minha xará Moc – no caso, Mars Orbiter Camera.

Back to the Middle Ages…

O inferno é um lugar real e não está vazio, diz Bento XVI, melando uma tentativa de João Paulo II de sofisticar um pouco o conceito. O pontífice falecido afirmara que inforno era uma “condição” e não um “lugar”.

Nem vou comentar a facilidade com que teólogos em geral trafegam entre a metáfora eo sentido literal das palavras, numa contínua de prestidigitação retórica que lhes permite afirmar qualquer coisa e seu posto e não serem acusados de contradição.

Às vezes isso parece uma mistura de desonestidade intelectual com covardia pura e simples (teólogos que faziam afirmações categóricas, como Santo Agostinho, que negava, com base nas Escrituras, a possibilidade de haver vida humana no lado da Terra oposto à Palestina, saíram de moda por razões óbvias) mas dizem-me que , na verdade, o discurso teológico contemporâneo é feito de sutilezas que escapam a espíritos mesquinhos como o meu.

Que seja…

Cartões corporativos do governo

Óquei, óquei, sei que política não é o assunto principal deste blog, mas não dá para deixar de comentar a idéia, que circulou no governo, de acabar com o acesso dos ministros aos cartões de crédito cujas despesas são debitadas no erário.

Questão: não seria mais fácil nomear ministros honestos?

Sharia britânica

Mal o mês começou, eis o Prêmio Idéia Cretina de fevereiro: a adoção de partes da sharia, ou lei tradicional islâmica, para resolução de disputas entre muçulmanos no Reino Unido — proposta, nada mais e nada menos, pelo arcebispo de Canterbury, Rowan Williams.

O arcebispo, que ficou famoso (ou infame) no mundo não-anglicano ao meter os pés pelas mãos para tentar explicar como um “deus bom” poderia ter permitido o grande tsunami de 2004 na Ásia, se apressou em dizer que não está sugerindo uma importação de normas como a lapidação de adúlteras ou a flagelação de homossexuais, mas apenas que cidadãos britânicos de origem islâmica possam resolver seus problemas de acordo com normas (para eles) tradicionais.

Agora, é fato que nada, obviamente, impede que dois muçulmanos que tenham uma pendenga entre si decidam, de comum acordo, arbitrar a diferença pela sharia em vez de procurar os tribunais (a menos, claro, que a solução envolva uma violação da lei do Estado); então, o que Williams está propondo, exatamente? Que muçulmanos sejam impedidos de recorrer aos tribunais seculares, caso uma dsputa seja arbitrada pelo emir/mulá/ancião/ulemá/whatever?

A coisa toda soa como mais um ataque racista disfarçado de multiculturalismo: vamos deixar os bárbaros cuidar das coisas deles lá do jeito deles, e pronto.

Mas há algo ainda mais insidioso na proposta: a idéia de que religiões têm direitos. De que a comunidade islâmica (anglicana, católica, budista, tc.) teria o direito de impor suas normas a indivíduos que tenham nascido dentro dela. De que, de algum modo, a religião é proprietária legítima dos filhos e filhas de seus fiéis.

Depois da fé, má-fé

Já postei anteriormente sobre a Campanha da Fraternidade deste ano, mas não dá para deixar de notar a má-fé com que a igreja tenta disfarçar uma posição dogmática doutrinária sua — e que, portanto, não caberia num debate de políticas públicas de nenhum outro lugar além do Vaticano — em uma questão “científica” e “jurídica”.

Citando o cardeal d. Odilo Scherer: “A inviolabilidade da vida humana é definida pela Constituição brasileira e pela Organização das Nações Unidas”. Ou, mais adiante: falando sobre pesquisas com células-tronco embrionárias, d. Odilo argumenta que, “sendo um ser humano, o embrião não pode ser sacrificado, porque a vida humana não é um bem utilizável”.

Afirmações do tipo, claro, cometem a clássica falácia de petitio principii: assume como já estabelecido um fato que ainda é preciso provar. No caso, que (a) o direito humano à vida se aplica a bolotas micrscópicas de células sem sentimento ou consciência e (b) que esse direito, caso exista nessas condições, se sobrepõe à liberdade da mulher (caso do aborto) e/ou à saúde das pessoas que poderiam se beneficiar com as pesquisas de células-tronco .

Essas duas posições são altamente problemáticas, no entanto, e ao fingir que os problemas não existem, a hierarquia católica age com ampla desonestidade intelectual. Alguns desses problemas eu já discuti em postagens anteriores, como esta.

Para que não achem que estou muito auto-referenciado hoje, menciono outros problemas que são levantados por Richard Dawkins em O Capelão do Diabo. Por exemplo, o fato de que a placenta é um clone do embrião — logo deveria ter os mesmos “direitos” dele — e de que culturas de células cancerosas humanas mantidas em laboratório seriam, pela definição pseudo-científica católica, “seres humanos” também.

Em seu ótimo livro Dúvida – uma história, Jennifer Michael Hetch nota que a idéia de que a crença, ou mais precisamente, a – a crença a despeito de, ou contra a, evidência e a razão – é uma virtude salvadora é uma invenção cristã, que surge nos Evangelhos (aliás, assim como a idéia de uma eternidade de sofrimento no inferno: dizem que Jesus era um sujeito manso e compreensivo, mas uma leitura atenta das Escrituras sugere mais um tipo bipolar).

Entre os pagãos politeístas, sustenta o argumento de Hetch, o que se esperava dos fiéis era obediência ao ritual: fazer determinadas propiciações em determindas épocas e do modo correto. Já entre os henoteístas hebreus o importante era a obediência à Lei — você podia não acreditar em YHWH, desde que não tomasse seu santo nome em vão, não comesse porco ou moluscos e tivesse a genitália aparada de modo conveniente.

Para mim, só essa inovação filosófica — transformar crença numa virtude suprema, no núcleo da vida religiosa e na chave-mestra da salvação — é um desastre que assoma por cima de todos os supostos benefícios que se costumam atribuir ao cristianismo.

Não só por se tratar de uma fonte de tortura mental (acreditar nisso ou naquilo, afinal, não é um ato de vontade), mas porque a transformação da fé cega em virtude tem o efeito simétrico de converter o senso crítico em vício.

E é daí que nasceram, não só os fanatismos religiosos de ontem e de hoje, mas também os messianismos seculares de Pol Pot, Mao, Guevara e outros.

Carnaval em Marte

A imagem abaixo foi feita pela sonda MRO, na Nasa, em 28 de janeiro, cortesia do blog da Planetary Society:
É bom saber que alguém, neste sistema solar, parece estar se divertindo com alguma coisa…

Lá vem campanha da fraternidade…

Depois do carnaval virá o massacre de mídia da nova Campanha da Fraternidade da CNBB. Desta vez, com o tema “Escolhe, pois, a vida”, a hierarquia católica brasileira volta suas baterias contra o direito ao aborto, a reprodução assistida e as pesquisas com células-tronco embrionárias.

A teologia tem um longo histórico de achar que dá para redefinir a realidade redefinindo termos (o dogma da transubstanciação é um caso clássico). Veremos isso novamente agora, com a defesa da idéia de que pessoas devem morrer para que embriões de 150 células possam ser “salvos” sendo chamada, na cara dura, de “Defesa da Vida”. Ei, uma mulher até já foi canonizada por preferir a morte ao borto.

Uma manobra muito usada por quem se opõe ao direito da mulher de interromper a gravidez, aliás, é omitir as palavras “direito a” da formulação do problema.

Assim, quem é a favor do direito de a gestante optar pelo aborto vira “a favor do aborto” (ou “abortista”), expressão que evoca a imagem de um psicopata que chuta grávidas na barriga e solta gargalhadas sinistras.

Caricatura grosseira que oculta parte importante da questão: a autonomia da mulher.

Algum tempo atrás, foi derrubada no Brasil norma que tornava automática a doação de órgãos. Mesmo sabendo que a recusa em doar poderia levar à morte de uma criança ou de um adulto – indiscutivelmente uma pessoa, ao contrário do embrião, cujo status ainda é alvo de disputas filosóficas – considerou-se que cada um é dono do próprio corpo.

Ao manter o aborto proibido em lei, o que se faz é negar às mulheres vivas uma escolha que, no fim, até os mortos têm.

Pois a questão é de escolha. Como diz um slogan feminista britânico: “Escolhi ter meu filho, mas foi bom ter podido escolher”.

Viradouro e o Holocausto


A idéia de pôr na avenida um carro algórico sobre o Holocausto dos judeus pelos nazistas é de uma insensibilidade e de um mau-gosto hediondos.

Mas, pior ainda, é a idéia de proibir essa exibição por via judicial.

Explico: trata-se, ao fim e ao cabo, da censura de uma obra de arte. Trata-se de usar o poder do Estado para impor a sensibilidade e o conceito de bom-gosto de uma parte da população a outra.

Existem muitas outras formas de condenar uma obra de arte — pode-se atacá-la, criticá-la, ignorá-la, expô-la pelo que de fato é (ou pelo que o crítico acredita que de fato seja).

Mas, proibi-la?

Quem procurou o Judiciário para embargar o carro alegórico parece ter se esquecido de que a liberdade de expressão tem um preço, que é a tolerância com a pornografia, o ofensivo e o de mau-gosto, ou concluiu que não está disposto a pagá-lo.

Seja o que for, é um caso clássico de plantar vento na esperança de que não se venha a colher tempestades no futuro.

A ver veremos.

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