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O BIFE DETETIVE E O REFOGADO LAVOISIER

Lavoisier no bandejão

Quando eu escuto falar de Lavoisier, imediatamente lembro do refogadinho de legumes do bandejão. Sim, lá em priscas eras, no século XX, costumávamos dizer que o tal refogadinho, em geral servido nos jantares do bandeco, eram o reaproveitamento das sobras do dia. Logo, eram a mais perfeito tradução do “nada se perde, nada se cria, tudo se transforma” que havíamos aprendido nos bancos escolares. Em geral, o tal “Refogado Lavoisier” era servido juntamente com o sempre presente “Bife Detetive” – duro, frio e com nervos de aço.

No entanto, o que sabemos de Lavoisier?

Retrato de Antoine-Laurent Lavoisier (1743 – 1794)

Quando pensamos nele para além do refogado do bandeco, o significado de Lavoisier é mais difícil, retirado a fórceps da memória. Por exemplo, Lavoisier negou a noção de “flogisto”, uma noção meio primitiva e esquisita sobre a composição das substâncias. Com isso, estabeleceu as bases da Química Moderna. Descobriu o oxigênio? Foi guilhotinado durante o período do terror na Revolução Francesa?

Em resumo: conhecemos pouco de Lavoisier.

 

 

O “Pai” da Quimica?

A discussão como o ele venceu o debate sobre o flogisto é interessante. Vez ou outra, esta narrativa vem com uma afirmação de que Lavoisier trouxe racionalidade para um debate obscuro e primitivo. Apesar de ser parcialmente verdade, esta afirmação traz um pouco a noção de uma ciência que trazia a Luz contra as Trevas.

Na verdade, a discussão sobre o flogisto foi um debate entre dois paradigmas importantes do século XVIII. Entretanto, nenhum dos lados era “irracional” ou obscuro. Lavoisier tem culpas (e responsabilidades) pela Química Moderna, mas ele não foi o “Pai” da Química, como muitos tentam entender.

Da mesma forma, Lavoisier também fez inúmeras proposição de temas e discussões que não tiveram vida longa no arcabouço da Química. Muitos de seus trabalhos e idéias também foram abandonadas por obsoletos.

Da mesma forma, a sua execução em 20 Floreal Ano II da Revolução (8 de maio de 1794) é tida por alguns como uma prova de que a Revolução Francesa era anticientífica. É um debate posterior, dos séculos XIX e XX, durante o qual diferentes correntes políticas disputaram o significado da Revolução Francesa. Lavoisier, entretanto, foi executado menos por ser um cientista, e mais por ter sido um funcionário do Antigo Regime, cumprindo o odiado papel de coletor de impostos.

Entretanto, Lavoisier foi isso, nada disso e muito mais.

A infância e a juventude de Lavoisier

Antoine-Laurent de Lavoisier nasceu em Paris em 26 de agosto de 1743. Pertencia a uma família rica, que fazia parte da chamada noblesse de robe (em português nobreza de toga). A nobreza de toga eram grupos de funcionários do governo francês do Antigos Regime, que ocupavam cargos na administração ou na justiça. Não eram nobres, mas sim burgueses enriquecidos, que eram acolhidos pelos governantes na administração do Estado.

Por outro lado, sua mãe, Émilie Punctis, era filha de uma abastada família de açougueiros parisienses. Os Lavoisier não eram parisienses, mas sim da pequena Villiers-Cotterets, distante cinquenta milhas a noroeste de Paris. O pai de Antoine, Jean-Antoine Lavoisier, embora de família enriquecida, era um forasteiro em Paris.  Na época, as relações familiares eram tudo. Foi graças aos esforços do um tio, que Jean Antoine alcançou o cargo de procurador do parlamento.

Émilie Punctis morreu quando o pequeno Antoine tinha cinco anos. Com a herança recebida da mãe, o menino se tornou uma pessoa rica. Com isso, dedicou-se a estudar: estudou no College des Quatre Nations, também conhecido como Colégio Mazarin, em Paris. Finalizados seus estudos iniciais, Lavoisier primeiro estudou leis, como seu pai. Ingressou  na ordem na Ordem dos Advogado com a idade de vinte e um anos. No entanto, não tinha a menor intenção de seguir a carreira, embora soubesse da importância do título de advogado na sociedade de seu tempo.

Todavia, seu interesse estava noutro lugar. Seu desejo não estava na carreira de advogado de seu pai, mas sim numa carreira na ciência. E aqui o jovem Antoine inicia sua carreira para se tornar um ícone da ciência moderna. E nome de Refogado.

(continua)

 

Fazer Ciência no Brasil: a que será que se destina?

Fazer Ciência no Brasil nunca foi fácil.

No entanto, sem Ciência o Brasil não existiria. Como pensar o país que temos e queremos sem Ciência?

CIENCIA E DESCOBRIMENTO
Jean (ou Nicole) D`Oresme, provando, no seculo XII,que a Terra era redonda…

Sem os avanços tecnológicos do fim da Idade Média, por exemplo, a expansão europeia não aconteceria. Com a introdução da bússola e da pólvora (invenções chinesas) e sem o avanço técnico da navegação jamais Cabral aportaria aqui.

E não só isso: sem os grandes cartógrafos e matemáticos, como Jean de Oresme e outros, Colombo não saberia que a terra era redonda. Ficaria lá na sua Gênova natal dando milho aos pombos(aliás, nem milho, porque o milho é americano..). O mundo jamais poderia ser cartografado, como o fez Mercator.

CIÊNCIA E COLONIZAÇÃO
Os métodos de pesquisa de minerais seguiam os preceitos da alquimia e da astrologia, alem da procura dos sinais da natureza. ilustração do De Re metellica (1556) de Georgius Agricola (1494 – 1555)

Os avanços da maquinaria durante o Renascimento é que permitiram a instalação dos primeiros engenhos de cana que fizeram a riqueza nos primeiros anos de Brasil. Sem os conhecimentos técnicos de mineração, tanto europeus quanto indígenas, as jazidas de ouro e prata das Américas jamais teriam sido riquezas.  Para isso foram importantes o conhecimento de pessoas como Georgius Agricola, Martine de BertereauBartolomeu de Medina, entre outros.

No século XIX os solos de São Paulo foram exaustivamente pesquisados para melhor acolher as lavouras de café. A Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, liderada por Orville Derby pesquisou exaustivamente os rios e cachoeiras paulistas para determinar seu potencial para a produção de energia elétrica. Ciência para alavancar a agricultura e a indústria.

CIÊNCIA E DESENVOLVIMENTO

Inúmeras pesquisas foram feitas para achar carvão mineral no Brasil. Nosso carvão era (ainda é) pouco e ruim. É o que temos para hoje. Mas isso não é culpa de Wagoner, Francisco de Paula Guimarães e outros que o pesquisaram. Nosso ferro foi trabalhado com carvão vegetal, com custos ambientais muito maiores e com eficiência menor. Graças aos esforços de homens com Varnhagen, Bloem, e Mursa  no século XIX, temos uma produção siderúrgica respeitável.

No século XX o Brasil se industrializou. Para isso foi necessário construir estradas, ferrovias, melhorar os portos. Nossa engenharia foi convocada e deu conta do recado. Ainda falta muito a se fazer, mas não é por culpa da Ciência ou da Técnica.

SER CIENTISTA NO BRASIL
Orville Derby, ainda moço, quando veio ao Brasil pela primeira vez; depois, comandaria a Comissão Geografia e Geologia que desbravou e fez o reconhecimento cientifico do interior paulista requerido pela pujante cafeicultura.

O cientista brasileiro sempre foi um ser bizarro e raro. Na Colônia e no Império, os poucos que entre nós haviam estavam sempre sobrecarregados. Além de seu trabalho de pesquisar, estudar e ensinar, também tinham que cuidar dos serviços públicos, do governo e até da aplicação das leis.

Além de ser um Filósofo Natural importante na Minas Gerais dos Setecentos, Simão Sardinha foi encarregado também de prender o célebre facínora Cabeça de ferro (dá pra colocar isso no Lattes?). Desviados de sua atividade científica para os necessários labores do país que então se fazia temos nomes ilustres, como José Bonifácio e o Barão de Capanema, entre tantos outros.

UMA CIÊNCIA NACIONAL?

Ao longo do século XX esta Comunidade Cientifica brasileira cresceu e se especializou. Somos um grupo importante da Ciência Mundial. Mas fazer Ciência no Brasil não é fácil. Temos os nossos problemas, as nossas deficiências. Mas estamos aí, trabalhando duro, fazendo muito com pouco, fazendo Ciência e formando gente qualificada.

Uma Ciência Nacional, pensando os interesses do Brasil foi responsável, entre outras coisas, pela erradicação das doenças tropicais no século XX, com Vital Brasil e Oswaldo Cruz, Carlos Chagas . A ciência no Brasil sempre foi, ao contrario do que se pensa,  uma Ciência aplicada, de resultados. Nossa realidade nunca nos permitiu torres de marfim.

Contudo, temos as maiores safras agrícolas do mundo, conquistando solos que seriam impensáveis há poucos anos, por causa de nossa pesquisa agropecuária, com destaque para a Embrapa. No início do século XX, por outro lado,  conseguimos alcançar as jazidas de petróleo em grande profundidade, graças aos esforços dos geólogos da Petrobrás, liderados por Guilherme Estrella.

FAZER CIÊNCIA NO BRASIL

A Ciência Brasileira contribuiu enormemente para que o país crescesse tivesse o destaque que teve. Alguém vai dizer que termos uma ciência pobre, subdesenvolvida. Claro que é. É possível uma ciência desenvolvida num país subdesenvolvido?

Ao contrário, todo país que se desenvolveu e se tornou um país dinâmico e complexo o fez porque tinha a sua ciência. Vejam a Alemanha e os Estados Unidos no século XIX. TAmbem são exemplos notaveis  o Japão e os demais países asiáticos no presente. Basta olhar mais de perto estas sociedades para ver se algum deles prescindiu de uma ciência forte. Vejam a China, a Coréia.  Em cada um haviam cientistas. Foram comunidades que plantaram e protegeram a planta tenra e frágil da ciência, para depois colher os frutos da grande arvore que ela depois se transformaria.

UM SALTO PARA TRÁS

No entanto, em anos recentes a Ciência Brasileira estava para dar um salto para frente. Além de crescer, aumentar seu impacto. Estávamos conseguindo nos impor no cenário mundial. Entretanto, vieram os cortes nas verbas de pesquisa. Estamos retrocedendo. A planta da Ciência Brasileira precisa de água para voltar a crescer.

Contudo, mais preocupante que isso são os discursos que dizem que não precisamos de Ciência no Brasil. Que fazemos ciência inútil. Por certo, alguns desses ignorantes devem ainda achar, contra todos os sábios medievais, que a terra é plana. Só pode ser isso. Ou que as espécies não se transformam e mudam. Ou que os continentes não se movem.

EXISTE?

Pior, alguns ignorantes dizem que não existe Ciência no Brasil. Entretanto, dizem por dizer, como sempre, levianamente a falar de suas pós-verdades. É uma gente que vira as costas para o futuro, ignorando uma pujante comunidade cientifica

que vai, aos trancos e barrancos fazendo seu papel, contra tudo e contra todos.

Nunca foi fácil fazer ciência no Brasil.

Mas pensem no que seria um país sem ciência.

 

PS – Daí porque é necessário Historia da Ciência: entender que construir uma Ciência Nacional leva seculos de esforço e luta contra as trevas e a ignorância ; essa luta não acaba nunca…. 

Mulher, Paleontóloga. Entrevista com a Profa. Frésia

Primeiro post do ano e uma homenagem dupla!!  Dia 7 de março é o dia do paleontólogo e dia 8 é o dia da mulher. Nada melhor que conhecer melhor a carreira da Paleontóloga Dra. Frésia Soledad Ricardi Torres Branco, professora Livre-docente do Instituto de Geociências Unicamp.

A professora Fresia atua na UNICAMP desde 1998 e já formou cerca de 22 estudantes entre mestrado e doutorado. É chilena e fez mestrado e doutorado com paleobotânica, na USP. Mora no Brasil desde então…

Atualmente a professora está pesquisando na Universidade de Cardiff, País de Gales; então fizemos nossa entrevista via chat. Abaixo você confere nossa conversa.

Frésia: Qual a sua pergunta “número um”?

Carolina: Como foi que você decidiu ser paleontóloga?

Frésia: Eu escrevi um post acerca disso. Ele se chama “Meu primeiro fóssil, o pai de todos”; mas, resumidamente, foi meu pai que me deu de presente um nódulo do Cretáceo da Colômbia com um amonita dentro.

Carolina: ah sim, aquele sobre o amonita…

Frésia: Isso com o amonita, é um molde externo. Aí eu gostei e decidi ser paleontóloga. Isso foi quando eu tinha uns 16 anos. Tenho ele em casa até hoje. Trouxe da Venezuela para o Brasil. Aliás ele foi da Colômbia para Venezuela e depois para o Brasil.

Carolina: É um fóssil viajado!

 Frésia: Isso mesmo, viajou pelos Cretáceos da América do Sul!

Carolina: depois que ganhou ele, já sabia como se tornar paleontóloga? seus pais sabiam?

Frésia: Não tinha a menor ideia. Aí meu pai me falou que devia ser estudando geologia. Mas não tinha geologia não universidade de Merida, onde morávamos. Minha mãe ficou brava pois teria que ir embora para outra cidade para estudar; como ela não queria isso, me aconselhou a estudar geografia. Aí eu prestei para geografia.

Carolina: então você morou com eles na graduação?

Frésia: Claro. Nunca que eu iria morar longe de casa com 17 anos na Venezuela, e menos ainda em Caracas. Caracas eles tenham um pouco de medo, pois não era como o Chile.

Carolina: Entendi. E no seu curso de geografia, tinha sedimentologia e paleonto?

Frésia em sua infância

Frésia: Não tinha. Mas então quando eu estava no quarto ano abriu a geologia como graduação. Eu cursei paleo, sedimento, estrati, tectônica, geo histórica, campo 1 , e geo geral na geologia. Mas aí queria me formar … Pois já estava há 6 anos na graduação… E peguei umas greves grandes de professores também

Carolina: Ah certo. Tinha muitas mulheres cursando geografia ou geologia com você?

Frésia: Geografia tinha, mas geologia tenha umas 5 só. Quase todos eram homens. Foi aí que conheci o professor de paleo que me convidou a trabalhar com ele. O Dr Oscar Odrenan.

Carolina: Você sentiu algum tipo de preconceito por ser mulher ali?

Frésia: Não era legal. Fui muito paparicada. Enfim, não senti na graduação, não. O Dr. Odrenan era especialista em mamíferos da Argentina. Mas trabalha como geólogo de campo na Venezuela e dava aula de Paleo. Aí ele me deu a escolher o que eu preferia invertebrados, plantas etc…

Carolina: Ele que te incentivou para ficar na carreira acadêmica?

Frésia: Ele sim. E os meus pais, que eram professores universitários. Bom, aí eu escolhi as plantas porque podia ter ajuda dos meus amigos da Botânica. O Dr. Odrenan me passou um tema com uma flora do Mioceno.

Carolina: Seus pais eram botânicos, é isso mesmo?

Frésia: Isso eles eram botânicos e eu tinha muitos amigos lá da minha idade, entre os alunos dele. Então eu foi estudar botânica por uns 2 anos fiz vários cursos por lá.

Carolina: E depois, foi logo que decidiu vir pro Brasil?

Frésia: Não. Eu conheci um palinólogo holandês. Ele me convidou a ir para Amsterdam e fazer doutorado com ele com a minhas folhas fósseis do Mioceno. Mas não dava para eu ir fazer porque não tinha mestrado nem publicações. Ele me falou para eu fazer um mestrado e depois ir para Amsterdam com ele e saí procurando um mestrado para mim. Mas não deu certo, em curto prazo. Em seguida eu fui para um congresso de botânica Sul Americano em Havana. Lá eu vi uma palestra do Dr. Oscar Rosler, da USP. Gostei dele e da palestra e perguntei se ele poderia me orientar no mestrado. Ele topou. Ai o Dr. Odrenan me passou uns fósseis de plantas do Permiano. Então fui para o Brasil com 100 kg de fósseis do Permiano da Venezuela para fazer mestrado na USP.

Campo no Ceará, 2017.

Carolina: Nossa, como você trouxe isso para cá? de avião?

Frésia: Ah sim, eram 2 malas, e 6 caixas de amostras. Mas quase não paguei excesso de bagagem porque era para fazer um estudo. Tudo foi registrado na alfandega, levou umas 2 horas…

Carolina: ah, então foi mais tranquilo do que eu pensei.

Frésia: Bom, aí tinha pensado ir para Holanda quando acabasse o meu mestrado. Mas no segundo ano do mestrado conheci o Fábio (atual esposo) e acabei ficando no Brasil. Enfim a gente casou, e o Fábio não quis ir a morar na Venezuela. Entçao fiquei pra fazer o doutorado na USP. Estudei a mina de Carvão de Figueira-PR.

Carolina: Foi um desafio vir pra cá? estudar no Brasil?

Frésia: Foi, quando eu vim para SP nunca antes tinha visto nenhuma fotografia da USP, e nem falava português. Foi uma aventura total.

Carolina: Mas chegou a pensar em voltar pra casa em algum momento? Desisitir?

Frésia: Meus pais tinham me enviado uma passagem de ida e volta de um mês, para o caso de eu não gostar. Eu não tinha que dar conta do recado. Mas se voltasse, iria voltar para casa e ficar na mesma, vendo a vida passar pela janela. Enfim, não foi muito fácil. Mas sobrevivi.

Carolina: Mas a paleo sempre foi sua paixão?

Frésia: Ah sim. Cada vez que olho um fóssil na lupa, sinto que estou fazendo o que mais gosto, e que não trocaria por nada.

Carolina: O que mais te fascina na sua carreira?

Frésia: Poder descobrir como era essa evidência, onde morava, como morava… deixar voa a imaginação com base nas evidências que você tem. Ir no campo e coletar as amostras. As possibilidades de conhecer coisas novas e pessoas diferentes.

Carolina: Tudo isso supera as dificuldades né?

Frésia: Claro. Já imaginou trabalhar a vida toda no mesmo lugar?

Carolina: Você diria que foram o amonita, seus pais e seu primeiro orientador que te inspiraram?

Frésia: Penso que sim, mas você tem que ter sua própria curiosidade, a sua inquietude interna por ir além. Se não todos os nossos alunos da paleo seriam paleontólogos. Seu olho tem que brilhar quando vê um fóssil novo.

Carolina: Certo! Quais são, em sua opinião, as maiores dificuldades de se trabalhar com paleontologia?

Frésia: Na verdade para mim a parte mais difícil começou depois que me tornei professora. Eu dava umas palestras como aula e depois em 2000 abriu o concurso que passei, para trabalhar por 12 h. Aí passou para 20 h. Mas eu era a que mais dava aula no IG.

Carolina: Era difícil porque eram muitas aulas?

Frésia: Não a parte mais complicada é que quando você é doutoranda você tem muitos amigos e os professores são amigos. Mas depois que você é doutor e tem emprego, já não é mais aluno; então se torna colega ou concorrente. Aí a coisa fica muito tensa. Pois as pessoas não sabem ter colegas. E aí começam a ficar estranhos. E mesmo pessoas que você gostava antes, passam a brigar com você. E você vai ficando sozinho se quiser ser livre e pensar como quiser e pesquisar como quiser e quando quiser. E não tem nada a ver com ser homem ou mulher. Mas a gente sobrevive e vai para frente. Depois tem seus colegas. Que fazem a coisa certa, no tema certo, no mundo certo. E você não. Porque não é tudo mundo que é igual, nem tem a mesma história, nem a mesma cabeça. Então a parte mais difícil é quando você se torna um profissional.

Carolina: e tem que mostrar que também é uma cabeça pensante, né? se impor, de alguma forma…

Frésia: Mas com o tempo e depois que chora por um pouco… cansa de tudo isso e vai em frente. E continua a fazer o que você mais gosta, olhar os fósseis né?

Carolina: e você já formou muitos alunos, não é mesmo?     isso não é gratificante?

Frésia: É muito legal mas demora um pouquinho. Depois flui mais fácil…e você vai aprendendo com eles também a respeitar os seus futuros colegas, pois um dia eles terminam e são doutores. Você não vai querer fazer igual que as pessoas que você acha que estão erradas. Penso que tem que somar e multiplicar. Nem sempre você vai ser a dona da verdade ou não vai ter dúvidas.

Carolina: Sim, acho que isso faz parte do nosso desenvolvimento como professoras também né?

Frésia: Como dizia meu pai, tem que dar um jeito e encontrar seu nicho ecológico. Ah claro, e o tempo passa e um dia fazem 15 anos que você é professor, 20 anos que defendeu o doutorado, e quase 30 que saiu da graduação ….tic tac para tudo…

Carolina: E pra finalizar… qual sua opinião sobre o presente e o futuro das pesquisas cientificas no Brasil?

Frésia: Bom é só que todos temos que fazer o nosso melhor para sair adiante. Tentar fazer o melhor com o que você tem e construir para um futuro. Mas sempre há uma saída ..temos que aprender com o registro fossilífero.

Carolina: aprender com os fósseis?

Frésia: Sim, veja o registro desde o Arqueano que tem extinção, variações climáticas, meteoros, etc etc e a vida sempre acha um caminho para seguir. Às vezes um grupinho de bichos …se salva e vai para frente. Claro se você tem o potencial para descobrir um. Ele não vem de graça no seu colo. Aliás nada vem.

Carolina: Entendi. “sempre há um caminho” mesmo.

Frésia: Não precisa ser super valente, é só dar um passinho.

Carolina: Agradeço muito você ter compartilhado conosco uma parte de sua história! Parabéns por todo o sucesso e feliz dia da paleontóloga!