O olhar de Michelangelo e a divulgação de ciência

“David, de Michelangelo”
Aí entra a divulgação científica bem feita, como agente transformador da sociedade por facilitar o acesso do público ao conhecimento gerado pela ciência. É como esculpir o bloco de mármore, para que todos possam admirar o David escondido nele. Isso abre caminho para que as pessoas exerçam sua cidadania científica (sim, esse termo existe!), ao inseri-las nos debates que, em última instância, definem as políticas de ciência e tecnologia de um país.
Cidadania científica: É a capacidade para participar das decisões públicas que envolvem assuntos relacionados a ciência e tecnologia. Não podemos esquecer que a ciência está inserida num contexto social, e a percepção pública sobre temas científicos e tecnológicos pode tanto impulsioná-los quanto derrubá-los completamente.
Os cientistas (ainda!) são atores tímidos desse processo. Historicamente, a ciência sempre foi algo hermético, para poucos iniciados. Dividi-la com as pessoas “comuns” não era visto com bons olhos pelos pares acadêmicos. Ainda bem que essa concepção está mudando – rapida e radicalmente. Além de iniciativas de estímulo do próprio governo à comunicação científica visando o público leigo, uma nova ferramenta surgiu para simplificar as coisas e aproximar cientistas e leigos: o weblog. É sobre isso e otras cositas mas que falarei amanhã, na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, em Tapes/RS, na palestra “Divulgação científica através de novas mídias: esculpindo textos, formando opiniões”, para uma das turmas de Gestão Ambiental.
(Michelangelo di Ludovico Buonarroti Simoni, 1475-1564)
Dispersando: podcast de estréia do ScienceBlogs Brasil
O Igor já deu o anúncio no 42.
Eis o link: Dispersando Podcast Vol.1. Enjoy!
Espaço Aberto Ciência & Tecnologia: uma batida e uma assoprada
A matéria inicia com o jornalista fazendo a seguinte comparação: quem consome cigarros está ciente dos riscos associados a eles, mas quem consome alimentos nanotecnológicos não está. Eu entendo aonde o jornalista quer chegar com essa comparação, mas não posso deixar de apontar o quão infeliz ela foi. Sim, infeliz porque acaba dando margem para extrapolações e conclusões falaciosas, do tipo “cigarro e alimentos nanotecnológicos são tóxicos e perigosos, a diferença é que no primeiro caso quem consome sabe disso”.
Ora, se tem algo que me incomoda é quando o assunto nanotecnologia é abordado na mídia com tons alarmistas e como algo único, estanque e homogêneo. Já foi anteriormente discutido aqui neste blog que o universo de nanopartículas para uso biológico é vasto e diversificado, e que seus efeitos (benéficos e maléficos) no organismo e no ambiente estão intrinsecamente relacionados com sua composição, formato, tamanho e características de superfície. É excessivamente simplista e até contraproducente juntar tudo no mesmo balaio de gatos, pois isso não esclarece o assunto e estimula a criação de preconceitos difíceis de serem quebrados.
Como mencionei que assopraria depois de bater, não posso deixar de apontar que o tom foi mudando no decorrer da reportagem. Essa questão da complexidade e diversidade de nanomateriais e seus efeitos acabou sendo abordada pelos entrevistados de forma bastante clara e razoável. Andrew Maynard é físico, diretor do University of Michigan Risk Science Center e ex-conselheiro chefe de ciências do PEN (Project on Emerging Nanotechnologies) – além de blogueiro e tuiteiro. Em sua entrevista para a reportagem da Globo News, Maynard mencionou que, embora a ciência esteja no caminho certo, ainda há um grande grau de incerteza quanto aos riscos de tecnologias emergentes. Ele está certo. Mas isso não quer dizer que produtos nanotecnológicos sejam necessariamente inseguros, de acordo com o próprio Maynard. William Waissmann, cientista da Fiocruz também entrevistado pela equipe de reportagem, afirmou que a nanotecnologia “é um mundo novo do ponto de vista toxicológico”. Um exemplo mencionado na reportagem foi a prata que, na sua forma macroscópica, não oferece grandes riscos. No entanto, nanopartículas de prata vem sendo usadas nos mais diversos produtos ao redor do mundo, de potes plásticos para armazenar comida a máquinas de lavar roupas (e sua presença, às vezes, é completamente desnecessária). A redução do tamanho da prata à escala nanométrica muda suas propriedades. Isso pode causar que riscos toxicológicos e ambientais? Em que situações vale a pena utilizá-la? Tais perguntas são fundamentais, e para respondê-las, urgem pesquisas de impacto toxicológico e ambiental dos produtos contendo nanotecnologia, em especial daqueles com nanopartículas ditas insolúveis. Nesse sentido, faço coro com Maynard. A nanotoxicologia é uma área que precisa de expansão-relâmpago.
A regulamentação dos nanoprodutos também ainda é incerta. De acordo com Maynard, não existe lei que exija que o consumidor seja informado de que há materiais nanotecnológicos no produto consumido. É fundamental dar ao consumidor o direito de escolher e, dessa forma, exercer sua cidadania. E para isso, ele precisa não só saber o que um produto contém. Ele precisa estar (bem) informado a respeito da nanotecnologia, suas vantagens, seus riscos e suas complexidades. Durante sua entrevista, Waissmann comentou sobre um estudo americano curioso que aponta que o público se baseia menos em informações científicas e mais em seu contexto cultural para construir opiniões. Eu torço sinceramente para que você, leitor, conte por aí sobre informações científicas que vem aprendendo a respeito da nanotecnologia a partir de fontes REALMENTE confiáveis. Mas não conte apenas para um amigo ou dois. Conte a um bando de gente, incluindo pai, mãe, tia, avó, primo, vizinho. Quem sabe assim, nosso contexto cultural mude um pouquinho, e sejamos uma nação menos assombrada pelos demônios.
P.S.: Dessa vez, o pessoal da Globo lembrou de mencionar pesquisas brasileiras de excelência na área, tais como a língua eletrônica e a nanopelícula à base de proteína de milho para ajudar a conservar frutas, ambas ligadas à Embrapa Instrumentação Agropecuária (São Carlos, SP). A reportagem também usou imagens da Nanoarte criada pela equipe do prof. Élson Longo (UNESP), made in Brazil e internacionalmente reconhecida! Quanto a esse aspecto, mais que uma assoprada da blogueira, fica a apreciação da telespectadora – e a expectativa de que a lembrança se repita nas próximas.
(nano-) Casulos de Dragão

Tailândia, Indonésia, Filipinas, Coréia do Sul, Vietnã, China. Por alguma razão que não sei explicar muito bem, se me perguntassem que país eu gostaria de conhecer primeiro (ainda não tive a oportunidade de sair do Brasil), citaria um destes países asiáticos, sem pestanejar. Talvez o mais fascinante de todos seja a China. Na província de Yunnan, sudoeste da China (perto de Laos e Vietnã), é fabricado um tipo muito peculiar de chá que, ironicamente, faz muito mais sucesso no seu vizinho Japão – cujos nativos são notórios pelo bom-gosto estético. Esse chá é preparado da seguinte maneira: ainda úmidas, as folhas de Camellia sinensis (nome científico do chá) são arranjadas como uma bola, contendo uma flor dentro de si. Após passar pelo processo de secagem, oxidação e cozimento, o resultado é uma espécie de casulo que, quando submerso em água fervente, expande-se lentamente simulando o desabrochar de uma flor. Durante esse processo, que pode levar de 1 a 10 minutos, substâncias presentes no casulo difundem para a água, que se converte no delicioso chá. Devido ao seu formato, essas bolas de chá são conhecidas na China como Casulos de Dragão.
Legal, né? Sabia que temos algo parecido ao Casulo de Dragão no nano(bio)mundo?
Não, não é delírio de uma mente insana. Para explicar essa improvável similaridade, permita-me um parênteses. Já ouviu falar em óxido nítrico? Ele é um gás produzido naturalmente pelo corpo, capaz de aumentar a resposta imunológica contra infecções, estimular a cura de feridas e aumentar o fluxo de sangue através da dilatação das veias. O problema do óxido nítrico é que ele é um gás com vida curta no organismo. Para tirar o máximo proveito dele, o ideal seria construir um dispositivo capaz de armazená-lo e de liberá-lo num ponto desejado do organismo aos poucos, para um efeito mais duradouro.
Aí é que entram os “nano-casulos de dragão”.* Pesquisadores do Albert Einstein College of Medicine (New York, USA) desenvolveram nanopartículas capazes de carregar óxido nítrico e liberá-lo de uma maneira que lembra as famosas bolas de chá chinesas. Quando aplicadas na pele, essas nanopartículas absorvem água, incham e começam a liberar o óxido nítrico de forma sustentada no local desejado.
E os resultados são muito promissores! Por quatro dias, ratos com abscessos causados por bactérias resistentes a antibióticos foram tratados com nanopartículas contendo óxido nítrico, nanopartículas “vazias” (sem óxido nítrico) ou placebo. Apenas o grupo de ratos tratados com nanopartículas contendo óxido nítrico apresentou melhora significativa dos abscessos – ou seja, eles ficaram livres da infecção e suas feridas cicatrizaram.**
Além de ser uma futura possibilidade de tratamento para infecções de bactérias resistentes a antibióticos (hoje o único tratamento nesses casos consiste em drenagem cirúrgica), as nanopartículas contendo óxido nítrico também poderiam ser utilizadas como tratamento tópico para disfunção erétil, já que óxido nítrico aumenta o fluxo sanguíneo dos tecidos. Será que o famoso azulzinho está com os dias contados?
P.S. (sempre tem um…):
* Embora as nanopartículas inchem tal qual um casulo de dragão em contato com a água, o termo “nano-casulos de dragão”, esse sim, saiu da mente insana desta blogueira e, em nenhum momento, foi sugerido pelos autores do estudo.
**É importante salientar que este é um estudo feito em animais, ainda há um longo caminho para algo assim chegar ao mercado e estar disponível para a população.
Fonte:
Han G, Martinez LR, Mihu MR, Friedman AJ, Friedman JM, & Nosanchuk JD (2009). Nitric oxide releasing nanoparticles are therapeutic for Staphylococcus aureus abscesses in a murine model of infection. PloS one, 4 (11) PMID: 19915659
Research Blogging Awards 2010

Bala Mágica e Brontossauros (parabéns, Carlos Hotta!) são eleitos os melhores blogs do ano redigidos em português que tratam de ciência revisada por pares, ganhando o prêmio Research Blogging Awards, promovido pelo Seed Media Group. Na primeira etapa, qualquer pessoa cadastrada no Research Blogging poderia indicar blogs para a final. Os indicados foram selecionados por um júri e o vencedor seria selecionado através de votação e divulgado hoje.
Imagine a minha surpresa há cinco minutos da redação deste post ao saber desse resultado… não só pela importância do prêmio, mas especialmente pela qualidade dos demais blogs indicados: Evolucionismo, Química Viva, Psiquiatria e Toxicodependencia, Ecce Medicus, Psiquiatria e Sociedade (visite-os, vale a pena).
Sinto-me extremamente honrada. Obrigada \o/
P.S.: O Takata promoveu uma votação popular paralela, não-oficial, no Gene Repórter. Fiquei muito feliz com a lembrança que recebi dos seus leitores, Takata!
A menor Enterprise do mundo (até agora…)
Realmente, essa versão em miniatura da Enterprise NCC-1701D de Star Trek tem 8,8 micrometros de comprimento (quase nove mil vezes maior que 1 nanometro). Mesmo que não esteja na escala nano, a Enterprise da imagem (que é cerca de seis vezes menor que a espessura de um fio de cabelo) é pequena o suficiente para que o papel da força de gravidade não seja mais tão significativo como é para nós, que estamos na escala macro. Na escala micrométrica, o que conta mesmo são as forças de van der Waals – responsáveis, por exemplo, pela capacidade de lagartas e insetos andarem pelas paredes. As forças de van der Waals também são responsáveis pelo “grude” de muitos adesivos sintéticos, como a nossa velha conhecida cola branca, dos trabalhos escolares.
Essas imagens do mundo-tão-pequeno-que-nossos-olhos-não-vêem dá margem a vôos da imaginação… @k_psicum acha que a Enterprise em miniatura poderia ser também uma nano-tomada. Eu acho que poderia ser também o banco de um monociclo. E você, o que acha?
Feiúra, beleza e gratidão
Se eu tivesse nascido algumas gerações atrás, participar do mundo acadêmico seria um sonho praticamente impossível de ser realizado. Por isso, nesse Dia Internacional da Mulher, eu gostaria de agradecer àquelas mulheres que, direta ou indiretamente, contribuíram para que eu e tantas outras pudéssemos trilhar esse caminho, sejam elas famosas e reconhecidas como Marie Curie, injustiçadas (ainda!) como Rosalind Franklin, brasileiras de coração como Johanna Döbereiner ou aquelas tantas anônimas ao redor do mundo que fazem a diferença onde estão. Entre elas, Denise Sain Poletto, minha mãe, que me ensinou que mulheres são tão capazes quanto homens (nunca acredite quando disserem o contrário para você). Porque, como já citei antes aqui neste blog, “mulher é desdobrável”. Nós somos.
boa reputação, pois os homens desprezam e desaprovam sempre o produto da mente feminina… Estava persuadida, por outro lado, de não ser a primeira a pôr alguma coisa no prelo, que a mente não tem sexo, que se a das mulheres fosse cultivada como a dos homens e se se empregassem tanto tempo e meios em instruí-las poderiam igualá-los.”
Marie Meurdrac (química francesa do século XVII, ao contar sobre as dúvidas e angústias que precederam a decisão de publicar seus achados científicos – os primeiros escritos por uma química mulher na história)
(O texto em itálico é uma tradução feita por Lucia Tosi. O conteúdo completo pode ser encontrado aqui)
O que você vê?

Sinceridade, hein? Bem, eu vejo uma bolinha rosa e “dedinhos” com unhas rosa pink ao redor dela (não é não?). Mas tal como as imagens artísticas anteriores apresentadas neste blog, parece mas não é! Trata-se na verdade de uma microesfera de poliestireno (diâmetro = 2,5 micrometros) rodeada por fibras de resina epóxi (diâmetro = 250 nanometros), cuja imagem foi obtida por microscopia eletrônica de varredura e posteriormente recebeu cores em programa de computador. O autor da obra (que ganhou o primeiro lugar do prêmio “Science as Art 2008” da MRS) é Boaz Pokroy, da Harvard University (USA). A imagem foi batizada de “Nano-Grip” (algo como “Nano-Agarramento”, em inglês).
Agora… dê uma olhada nessa aqui e conte-me: o que você vê?

Por que a imagem da esfera “rosa” não rodou o mundo internético na época, se também ganhou um prêmio importante na área de imagens “artísticas” de ciência e é até mais bonita que a da esfera “verde”? Ora, marketing! Os autores poderiam ter colorizado a esfera de qualquer cor que quisessem, mas escolheram o verde, e não foi à toa. Ao colorizar a micropartícula de verde, a idéia dos autores foi chamar a atenção para a necessidade de cooperação entre pessoas de todas as áreas para lidar com questões ambientais, pois cada fibra poderia representar uma pessoa e todas estas juntas sustentariam a micropartícula verde, que corresponderia ao planeta Terra.
Marketing não é apenas vender produtos, mas também é vender ideias. Aposto que depois que você leu o nome dado à imagem da esfera “verde”, passou a achá-la mais interessante porque comprou uma mensagem de conscientização ambiental, não é? Vendemos e compramos idéias o tempo todo. Ninguém (nem eu, nem você e nem mesmo os cientistas) está imune a isso.
Dança, folia …. e células
Que vivem n’alma da gente/
És o altar dos nossos corações/
Que cantam alegremente…..”

Nano Dancers – vi no site do Nanoart 21.
Um ótimo (e absurdamente divertido) feriado de Carnaval !!!!
PS.: Esta blogueira que vos escreve entrará em merecido recesso de 1 semana. Comentários podem não aparecer aqui de imediato devido a isso (mas serão publicados assim que eu retornar, ok?). Até a volta !!!!