Os leigos sao melhores que seus líderes

(Uma distinção inicial: “leigo” é o membro de uma religião que não faz parte da hierarquia, como um cidadãos católico, em oposição a um padre ou bispo. Não se deve confundir “leigo” com “laico”…)
Feito o alerta, a boa notícia: a maioria dos cidadãos dos EUA acredita que não existe um único caminho para a salvação. Em outras palavras, na opinião da maior parte da população da maior potência da Terra, nenhuma religião é essencialmente mais verdadeira que outra. Os dados são da Pesquisa Pew.
(Será que um dia vão concluir que todas são igualmente falsas? Ah, esperança…)
O que há de interessante nesses dados é o fato de que essa crença contradiz tudo o que as hierarquias religiosas pregam ou, nas palavras de Jesus: “Ninguém vem ao Pai senão por mim”. A questão de qual o “verdadeiro caminho”, aliás, é a principal pedra no sapato das igrejas protestantes no que diz respeito à igreja católica, que insiste em se arrogar como a única igreja cristã de verdade.
A questão, aqui, é que como já argumentei antes, igrejas são levadas, por pressão evolutiva, a se tornar psicopatas: religiões que não desprezam virulentamente as outras acabam desaparecendo. Vejam o caso do zoroastrismo, a fé dualista primitiva da Pérsia e provável fonte de todos os monoteísmos atuais.
Trata-se de uma religião que, em sua forma atual, basicamente só pede que as pessoas sejam decentes umas com as outras. Ponto. Não prega nenhum tipo de xenofobia (como nas clássicas, e sangrentas, oposições de cristão/pagão, judeus/góim, muçulmano/infiel) e diz que está tudo bem se o fiel mudar de crença — desde que, no geral, continue a ser uma pessoa decente.
De acordo com a reportagem do New York Times que pode ser acessada no link dois parágrafos acima, essa postura de abertura e tolerância está levando a crença à extinção.
A questão que fica, obviamente, é como alguém pode continuar a ser membro de uma religião mesmo depois de abandonar um princípio tão básico quanto a reivindicação do monopólio da verdade. Imagino que pressão de grupo, conformismo, preferência estética e força do hábito tenham algo a ver com isso. E dissonância cognitiva — que será assunto de uma postagem futura.

A marca da fé

Um professor criacionista nos EUA resolveu marcar seus alunos com a cruz. Teve gente que ficou escandalizada com isso. Por quê? Ele apenas estava, bolas, seguindo a parábola do Bom Pastor e cuidando do “rebanho”…
(Ok, a marca feita pelo professor era temporária, mas não pude perder a piada, sorry).

Papa quer ir à Terra Santa. Por que não vai?

É incrível como têm pouca fé as pessoas que vivem da fé alheia. No Evangelho de Marcos, Jesus promete que seus seguidores terão o poder de manusear serpentes, expulsar demônios e beber veneno sem passar mal. Bolas, o que é um mero conflitozinho árabe-israelense em comparação a isso?
O pensamento me ocorre diante da notícia de que Bento XVI gostaria de visitar a Terra Santa, e das renovadas tentativas de limpar o nome de Pio XII, por conta de sua omissão perante o Holocausto (sem falar na concordata entre Berlim e o Vaticano onde, basicamente, a Igreja concordava em não falar mal de Hitler desde que pudesse continua a cobrar impostos e a doutrinar criancinhas nas escolas).
A defesa geral que se oferece de Pio XII é de que ele foi forçado pelas circunstâncias a agir dessa maneira, e que na verdade socorreu vítimas do Holocausto, embora tenha sido forçado a agir de forma extremamente discreta.
Pô, mas o cara não tem Deus do seu lado?
(A imagem ao lado é da morte de Simão Mago; para lembrar o tempo em que papas faziam milagres em público e, melhor, quando ainda vivos…)

‘Mystery Mongers’

Como todo escritor de romance policial (e telenovela!) sabe, melhor que solucionar um mistério é esticá-lo. Como estratégia em narrativas de ficção, a manobra é perfeitamente válida, mas quando vira truque jornalístico, a coisa acaba se transformando em algo tipo A Montanha dos Sete Abutres.
Veja, por exemplo, a cobertura do caso da “casa que jorra sangue”, localizada num bairro com o improvável nome de Jardim Bizarro, em Jundiaí (SP).
Em vez de aguardar o laudo pericial da polícia, ou de conduzir uma investigação própria, foram correndo ouvir o Padre Quevedo. Que, claro, veio com as pataquadas de sempre sobre “telergia” – embora também tenha oferecido uma explicação alternativa que, sendo um pouco mais plausível, foi devidamente jogada, pelo jornalista, para o rodapé da história.
Resumindo: houve um tempo em que jornalistas buscavam descobrir, e retratar, a verdade. Hoje, parecem se satisfazer em fazer onda pra vender jornal.

Igreja quer mandar no governo, não ser o governo


Da agência de notícias Reuters, via Portal Estadão: A Igreja Católica tem um papel vital em formar políticas sociais, mas não quer usurpar as autoridades seculares, disse neste sábado o papa Bento XVI.E mais adiante, na mesma nota:Um dia pós passear pelos Jardins do Vaticano com o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, com quem se alinha em muitos assuntos morais, o papa disse que a Igreja tinha o papel de “apoiar (os governos) em seu trabalho e sempre propor cooperar com eles para o bem de todos”.
 
 

Não vou nem entrar no mérito de discutir o que diabo (ops!) Sua Santidade entende como “o bem de todos” (condenar homossexuais a uma vida de castidade forçada, por exemplo?), mas alguém aí se lembra da Inquisição? Naquela época a Igreja também não governava, apenas aconselhava: quem queimava as bruxas na estaca era o “braço temporal”, i.e., “as autoridades seculares”.
Deesculpe, moço, mas esse tipo de apoio a gente dispensa.

Toda crença merece respeito…

Vamos começar, então, com essa aqui: curandeiros da Tanzânia acreditam que pedaços do corpo de albinos têm propriedades mágicas. O que está levando a assassinatos em série de albinos africanos. “Trata-se de uma crueladade sem sentido”, disse o presidente da Tanzânia, Jakaya Kikwete.

O outro lado da mesma – hedionda – moeda são as ondas de histeria de caça às bruxas que sacodem a África de tempos em tempos e que atingiram novos picosde crueldade com a chegada o continente de, adivinhe só, pastores evangélicos.

É preciso notar, porém, que a idéia de linchar “feiticeiros” ou “suspeitos de feitiçaria” não é uma inovação cristã imposta aos povos africanos pelo imperialismo das crendices ocidentais. A África do Sul, por exemplo, conta com uma rica tradição pagã de farejadoras de bruxas.

Esse tipo de coisa torna difícil saber o que é pior quando dois sistemas de irracionalidade se encontram: se ochoque, que pode levar a guerras religiosas, ou se a assimiliação e o reforço mútuo, que desemboca me coisas como pastores matando criancinhas na Nigéria ou ao papel de prelados católicos nos masacres de Ruanda.

Interpretando a Bíblia

Olha que fofura: bispos católicos preocupados com interpretações literais da Bíblia. Isso é uma coisa que sempre me pareceu meio engraçada; digo, quando Jesus faz, no que para qualquer leitor um pouco mais ajuizado parece uma metáfora, comparando o pão à sua carne, a Igreja Católica vem e diz que não, ele estava falando ao pé da letra e instituindo um importante ritual de canibalismo.

Já quando, no Velho Testamento, o nosso amigo IHWH, o pai do homem, aparece, em pessoa, mandando rei Saul cometer genocídio contra os amalecitas, isso tem de ser entendido no contexto da época, requer interpretação, pô, peraí, não é bem assim.

Elaborando um pouco o post de ontem…

A impressão é a de que pessoas são capazes de fazer sacrifícios, mas as instituições que as pessoas criam, não. Um exemplo óbvio que me ocorre é o do comportamento de diversos católicos durante a 2ª Guerra Mundial, que correram riscos para salvar vítimas do nazismo, em oposição à atitude, abjetamente invertebrada, da Igreja.

Mas essa dicotomia não é só católicos/catolicismo. Ela aparece em diversos contextos e em diversos lugares: indivíduos morrem para não trair seus princípios. Instituições – igrejas, Estados, empresas, fundações, partidos, etc. – criadas para defender princípios preferem vê-los morrer a deixar de existir.

Suponho que haja uma razão darwiniana para isso. Digo, ums instituição disposta a dar a “vida” por uma causa cedo ou tarde acaba dando mesmo, enquanto outra, disposta a fazer tudo para continuar existindo, continua existindo.

Da onde se conclui que a instituição mais eficiente de todas é a que tem por objetivo a própria perpetuação. Isso é memética, por acaso?

Instituições psicopatas?

Terminei de ler The Corportaion, do professor de Direito Joel Balkan, uma defesa – muito boa, do meu ponto de vista – da idéia de que corporações são o equivalente jurídico de psicopatas: criaturas programadas para defender a própria sobrevivência e a satisfação de suas necessidades imediatas, e f*da-se o resto.

Diferente de psicopatas, diz o argumento, pessoas saudáveis têm a consciência de que seres humanos merecem dignidade e respeito, e portanto as ditas pessoas saudáveis sabem que é preciso ceder de vez em quando, ou abrir mão de uma vantagem que, mesmo sendo legal, poderia causar sofrimento ao próximo.

Pessos normais também são capazes de dizer “isso é errado”, em vez de simplesmente calcular qual a probabilidade de serem pegas com a boca na botija.

Já empresas são construídas de modo a não ter escrúpulos além do cálculo de dividendos. Isso não é culpa delas, da mesma forma que uma aranha não é culpada por lançar ácidos digestivos sobre uma mosca ainda viva: só acontece que elas são projetadas desse jeito.

A maior crítica que posso fazer a Bakan é a de que, uma vez tendo estabelecido o caso pela deformação moral da entidade corporativa, o autor passa a promover o Estado como remédio para o problema. Como se governos (e partidos políticos!) também não fossem psicopatas, ainda que de outro tipo.

Alguém deveria, aliás, escrever uma análise do tipo a respeito das igrejas. Se as grandes corporações são Norman Bates, aposto que nenhuma religião deve ficar muito atrás de Hannibal Lecter.

Igrejas ‘só para entretenimento’

Já comentei aqui (em minha postagem anterior, para ser exato) o ótimo livro de Paul Boghossian sobre relativismo cultural. Uma das constatações mais brilhantes (porque terrivelmente óbvia) do livro é a de que todo o papo sobre “novas formas de saber” é incoerente porque, no fim, todo ser humano se vale das mesmas três ferramentas básicas para construir conhecimentos: observação, indução e dedução.

O ponto me ocorre quando leio uma nota curiosa no Times de Londres, onde o articulista Matthew Parris critica a nova lei britânica contra charlatanismo porque ela também poderia, no final das contas, se aplicar a igrejas e cultos religiosos. Essa lei requer que fornecedores de produtos e serviços que não tenham comprovação científica avisem os clientes que os ditos prdutos e serviços são “só para entretenimento”.

Parris acha isso, a possível aplicação às religiões, ruim. Eu, pessoalmente, acho que isso só prova que a lei foi bem planejada e deveria ser adotada no resto do mundo. Vamos lá. Observação, dedução, indução: qual a diferença entre um “trabalho” feito por uma cartomante, uma sessão de descarrego e uma reza de terço bizantino?

O preço.

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