Paradoxo de sexta (35)

Uma das soluções para o da semana passada, o Paradoxo da Flecha, citava a contração de Lorenz, que todo corpo sofre ao mover-se. Esta é uma solução, mas invocar a Relatividade para resolver um paradoxo anotado por Aristóteles milênios atrás soa quase como usar um canhão para matar uma mosca… ou não?
Mas há, de fato, algo de relatividade nessa história: embora, como o enunciado do paradoxo diz, a flecha tenha uma posição definida a cada instante de sua trajetória, as coordenadas dessa posição — isto é, a relação entre a posição da flecha e a dos demais objetos no espaço — estão mudando. Creio que é aqui que está a solução: no reconhecimento de que todo movimento é relativo a um quadro de referência.
O que o enunciado do paradoxo diz, de fato, é que todos os objetos são estacionários em relação a si mesmos. Duh.
E agora, mais um do arsenal do colega Zeno, o Paradoxo do Aposento. Ele diz, basicamente, que é impossível sair de um aposento. Porque, para sair, é necessário chegar até a porta. Mas antes de chegar à porta, é preciso percorrer metade do caminho até a porta. Mas, para chegar na metade do caminho, é preciso antes chegar à metade da metade do caminho. E antes de chegar à metade da metade, é preciso…
Bom, você já viu onde isso vai dar. O fato é que, para chegar à porta, é preciso cumprir um número infinito de etapas intermediárias. Como é impossível realizar um número infinito de tarefas num tempo finito, sair do aposento é impossível.
Agora, todos nós entramos e saímos de quartos, salas, escritórios, etc., o tempo todo. Portanto, há algo errado nesse raciocínio. O que seria?

O mundo vai se acabá, olê, olê, olá

São tantas as profecias sobre o fim do mundo que uma delas há de acabar se confirmando, ainda que somente por necessidade estatística. A mais recente (ou, ao menos, a que consta do último panfleto que me caiu em mãos) é da variedade cristã — em oposição às modalidades pagã, “new age”, ufológica, etc. — e marca o “arrebatamento” para 21 de maio de 2011.
(“Arrebatamento” é quando os escolhidos são levados de corpo e alma para o paraíso, deixando a ralé para se ferrar por aqui, em meio à chuva de enxofre. O tema gerou a sofrível série de livros Deixados para Trás, mas também aparece em The Stand, de Stephen King.)
Em um português periclitante — note que no capítulo 16 de Marcos (versículos 17 e 18 do chamado “final longo”, que aliás não fazia parte do texto original) Jesus diz que seus seguidores poderão falar “línguas novas”, mas em nenhum momento garante que o farão corretamente — , o texto prevê que em outubro, cinco meses após o arrebatamento, o mundo vai acabar de vez.
O panfleto chega a essa conclusão depois de realizar uma série confusa de cálculos, baseando-se em versículos escolhidos aparentemente a dedo, incluindo o famoso “um dia para o Senhor é como mil anos” da segunda carta de Pedro, epístola que, de acordo com as notas de rodapé da minha Oxford Bible, pode até ter sido escrita por um cara chamado Pedro, mas não por aquele Pedro.
Profecias assim são boas para nos lembrar de que livros sagrados em geral são exemplos fantásticos do chamado “Efeito Barnum” (que deve o nome ao dito, atribuído ao empresário circense PT Barnum, de que seus espetáculos tinham “alguma coisa para cada um”). Em outras palavras: você quer mensagens de amor universal? A Bíblia tem. Você quer justificativa para genocídio? A Bíblia tem, também.
Aliás, voltando à segunda carta atribuída a Pedro: o autor lá lança mão do argumento de que “um dia é como mil nos” exatamente pra responder aos “escarnecedores” que dizem: “Onde está a promessa da sua vinda? porque desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação.” (2 Pedro 3:3-4)
Pois é. Como já disse alguém, eles riram de Galileu. Eles riram Edison. Eles riram de Goddard. Eles riram de Einstein. Mas eles também riram de Carequinha e Piolim.

Apelo à biografia

A primeira vez que encontrei esta falácia, eu ainda cobria política numa cidade do interior paulista. Alguém em apontou uma assessora de um vereador que, sabidamente, não era uma flor de moralidade com o dinheiro público e disse: “Ela tem uma história muito bonita de resistência à ditadura”. Tipo, como se a tal “história muito bonita” a absolvesse da cumplicidade presente com a canalhice.
Hoje em dia, essa é uma das falácias mais sacadas no discurso político brasileiro: “Fulano tem tais e tais pontos altos em sua biografia, logo…”
O que vem depois do logo é, inevitavelmente, uma de duas coisas:
(1) “logo, essas acusações não merecem crédito” — isto é, argumenta-se que não é plausível que alguém que tenha feito coisas legais no passado esteja cometendo absurdos no presente. Essa linha de defesa até faz algum sentido, mas obviamente não vale mais — aliás, vale muito menos — que a evidência do presente. Pode ser implausível que um ganhador do Nobel da Paz venha a ordenar execuções em massa, mas se aparecer a ordem de massacre assinada com a letra dele e com suas digitais no papel, diante de testemunhas, a coisa muda de figura.
(2) “logo, ele merece tratamento especial” — isto é, o cara acumulou créditos sendo ético/corajoso/talentoso no passado, portanto não há nada de errado em ele queimar alguns fazendo estripulias agora.
Essa segunda linha é a que mais aparece (ainda que quase sempre sob a forma de insinuação, praticamente nunca explicitamente) e não é difícil mostrar que não vale um tostão furado. Digo, não importa quantas vidas um médico ou um bombeiro tenha salvo, basta um homicídio para que torne um assassino. E, bolas, por definição, todo ladrão era um homem honesto… antes de cometer seu primeiro roubo.
No fim, a falácia do apelo à biografia é uma variante da do dado irrelevante. Se quem lança mão dela realmente não tem nada mais forte a oferecer, o melhor é calar a boca e chamar um bom advogado.

Galileu na Lua

Continuando a série de postagens comemorativas dos 40 anos da chegada do homem à Lua, aqui vai um vídeo do experimento realizado pelo comandante da Apollo 15, David Scott, para confirmar a ideia de Galileu, de que a aceleração da gravidade é a mesma para todos os corpos independentemente da massa (anos depois, Newton conciliaria isso com a intuição humana de que massas diferentes sofrem diferentes atrações gravitacionais ao propor a equação F=m*a, que mostra que acelerações iguais, em corpos de diferentes massas, são sentidas como forças diferentes).

Nesta página da Nasa é possível baixar versões do vídeo com vários megas. Se eu fosse professor de física, ia querer isso na minha próxima aula de Mecânica…

Um número cabalístico

Não sei se é “cabalístico” mesmo, mas vamos lá: dentro de mais ou menos um mês, assistiremos à passagem de um instante único na história do Universo (como se todos os instantes não fosse únicos, ora bolas; soar como místico e manter o senso crítico funcionando não está dando certo…). Digo isso porque, em agosto, nosso calendário gregoriano atingirá a seguinte configuração número-cronológica:
12h34min56seg 7/8/9.
Onde todos os nove algarismos naturais, pela duração de um segundo, estarão perfeitamente alinhados. O que isso pode significar? O que poderá acontecer?
A profecia mais criativa ganha um emoticon exclusivo — e já aviso que profecias envolvendo senadores e outros próceres da República não serão consideradas criativas! 🙂

Paradoxo de sexta (34)

Pois é, a resposta da advinha da semana passada é “estrela”, mesmo . Às vezes ter leitores inteligentes é meio frustrante…
Nesta semana voltamos a ter paradoxos, e vamos direto a um dos clássicos de Zeno: o da flecha.
Contemple uma flecha em seu voo. A cada instante da trajetória, ela tem uma posição perfeitamente definida (O que e fácil de provar, por exemplo, num rolo de filme de cinema). A cada instante, ela ocupa um espaço exatamente igual ao próprio comprimento. Agora, uma coisa que, a cada instante, tem posição definida e ocupa um espaço igual ao próprio comprimento é o quê? Uma coisa parada.
Logo, a flecha em voo está, na verdade, parada.
(Nota: ainda há debate entre filósofos sobre quais dos paradoxos de Zeno são falsídicos — isto é, dependem de falácias ocultas no enunciado — e quais são verídicos, isto é, evidenciam pontos mal resolvidos do raciocínio humano, falhas legítimas de enunciados científicos, etc. Pessoalmente, creio que todos os quatro são falsídicos, mas você não precisa concordar com isso)

Epidemia e ônibus

Esta vai para os universitários (ou melhor, para os epidemiologistas universitários): de uma semana para cá, os motoristas do ônibus intermunicipal que pego para ir ao trabalho foram instruídos a pedir que os passageiros preencham o formulário de identificação que fica no pé da passagem.
Legalmente, esse formulário só e obrigatório para viagens BEM mais longas que a que faço, mas os caras dizem que é “por causa da gripe suína” — tipo, se alguém do ônibus tiver o vírus, dá pra avisar os outros passageiros e monitorá-los.
Pergunta (1): Isso faz sentido, num momento em que o próprio governo começa a relaxar as medidas de acompanhamento e diagnóstico?
Pergunta (2): Se o preenchimento não é obrigatório por lei, o que fazer com quem se recusar? O brasileiro é um povo meio bovino, então todo mundo preenche, mas os dados ali (nome, endereço, documento, telefone) são basicamente os necessários para se abrir um crediário, o que me leva à…
Pergunta (3): Que tipo de proteção à privacidade do passageiro está sendo oferecida? Explicitamente, garanto que nenhuma;
Pergunta (4); Quem garante que as pessoas estão dando as informações corretas? Dado o exposto em (2), eu simplesmente preencho a parte do número do documento com um trecho qualquer da sequência de Fibonacci, e ninguém tá nem aí (a bem da verdade, a única informação correta que ponho é o número do telefone, que é o que os manés precisam pra me localizar, de qualquer modo).

De Neil Armstrong a Marcos Pontes

O título soa patético? É a intenção. Nesses 40 anos do pouso da Apollo 11 na Lua, seria interessante fazer uma reflexão sobre os (des)caminhos do programa espacial “tripulado” brasileiro.
(E, para evitar qualquer mal entendido que venha a dar origem a um flame war que não seja pertinente ao assunto: aqui não vai nenhuma crítica aos profissionais, cientistas, engenheiros e técnicos que fazem o programa; minha briga é com os policy makers, o pessoal que toma as decisões em alto escalão).
Bom vamos lá: se há algo em que a estratégia de absolvição mútua PT-PSDB — você já viu isso na internet: alguém fala mal do Lula e a resposta é, “Ah, mas o FHC fez (inclua aqui seu ato tucano de pusilanimidade favorito)”; alguém critica os tucanos, e a resposta é “Ah, mas esse Lula é um (inclua aqui seu exemplo de ignorância e falta de tato predileto)” — não funciona, é o cômico vexame do envolvimento brasileiro com a Estação Espacial Internacional (ISS). Trata-se de uma vergonha nacional essencialmente suprapartidária.
Tudo começou, vamos deixar isso bem claro, com o FHC assinando o compromisso de participar da ISS, durante uma visita do Bill Clinton ao Brasil. E terminou com a patética (olha o adjetivo aí de novo) “Missão Centenário” do astronauta Marcos Pontes, que depois de ser selecionado e treinado em Houston, formando-se no topo da classe como astronauta profissional, acabou fazendo um voo com os mesmos meios, a mesma duração, o mesmo preço (não, desculpe: ele teve um desconto de 50%) e o mesmo proveito técnico-científico que os dos turistas espaciais — por conta de um acordo entre o governo Lula e a agência espacial russa.
Atualmente, o Brasil, que foi um dos sócios-fundadores da ISS, sequer é citado nos comunicados à imprensa sobre a estação emitidos pela Nasa. Quem assistiu ao documentário IMAX sobre a estação, que passou em São Paulo, deve ter visto a bandeira brasileira num das escotilhas, mas só porque odocumentário é bem antigo.
O que aconteceu? Basicamente, o Estado brasileiro deu um calote em suas obrigações para com o projeto. Inicialmente comprometido a produzir peças no valor aproximado de R$ 200 milhões, o governo brasileiro pediu revisões para menos desse investimento e, no fim, acabou não entregando nada.
Mal comparando, esse valor, R$ 200 milhões, é o que se perdeu, por exemplo, numa única fraude da Previdência Social em São Bernardo do Campo (SP). Ou o equivalente a pouco mais que a folha de pagamento mensal dos funcionários do Senado Federal.
Dá para discutir de quem foi o erro maior, se de FHC ao assinar um acordo que o Brasil não estava a fim de cumprir, se de Lula, ao insistir em mandar o Marcos Pontes ao espaço de qualquer jeito, ou se da sociedade brasileira, que não valoriza o investimento em ciência (vamos lá, o país tem R$ 200 milhões para gastar ao mês sustentando burocratas numa repartição federal inchada, mas não para investir ao longo de dez anos num programa internacional de cooperação científica e tecnológica? E nem estou discutindo se a ISS seria o programa certo para investir).
Enfim, enquanto a ISS, praticamente completa, prepara-se para começar a fazer ciência a sério e tem sua primeira tripulação amplamente multinacional, com um comandante belga que assume o posto numa grande festa de cooperação e amizade internacional, o Brasil é o moleque irresponsável que fica do lado de fora chupando o dedo.
E a Índia, que não tem nada a ver com isso, envia sondas à Lua.

Minidocumentário sobre o Hubble

Aqui:

O docuimentário trata da “Deep Field Image”, na qual o Hubble, basicamente, atuou como uma mistura de microscópio e máquina do tempo, amplificando o que existe numa área muito estreita do espaço, e indo fundo, captando luz emitida bilhões de anos atrás.

Paradoxo de sexta (33)

O da semana passada foi formulado usando a continuidade entre as espécies de vida na Terra como exemplo, mas ele pode assumir outras formas, como a do paradoxo do careca: se você põe um fio de cabelo na cabeça de um careca, ele continua a ser careca, não se torna um cabeludo. Um careca com dois fios certamente também não é um cabeludo. Nem com três, dez, cem, mil. Mas, e com um milhão? Um bilhão?
Onde está a fronteira entre careca e cabeludo?
A forma clássica desse paradoxo é o Paradoxo do Monte de Areia: um monte de areia menos um grão continua a ser um monte. menos dois, idem. Menos três, claro.
O interessante aqui é que as frases “Um monte de areia menos um grão ainda é um monte” e “um careca com um fio de cabelo ainda é um careca” são verdades auto-evidentes até uma hora em que, pela aplicação reiterada da operação que descrevem, não são mais.
Isso vale também pra macacos e homens, embriões e bebês, crianças e adultos. Ou: o fato de haver uma gradação suave entre dois extremos de uma escala não significa que esses extremos não possam ser essencialmente diferentes — como no caso de cabeludo e careca (ou vivo e morto) que são antônimos que se dissolvem um no outro.
(Uma anedota: durante anos me considerei o “funcionário novo” da empresa em que trabalho, aquele sujeito que não sabe direito quem é chefe de quem, que está sempre pedindo conselhos sobre como o sistema de informática funciona, para quem cada novo dia no serviço era como avançar mais um ou dois graus de latitude dentro de um continente desconhecido. Eis que agora, 13 anos depois, 90% dos caras mais antigos que eu já foram demitidos ou se aposentaram e me vejo ensinando os macetes pra uma garotada que ainda estava sendo alfabetizada quando comecei na firma. Quando foi que a coisa virou? Não faço ideia).
Nesta semana, não teremos paradoxo, mas uma adivinha: o que é que, quanto menos combustível tem, mais quente fica?
Hasta la vista!

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