Os ‘céticos’ do clima no Senado americano

Se você prestar atenção nas caixas de comentários das notícias e reportagens publicadas online sobre mudança climática, cedo ou tarde vai acabar notando uma rica fauna de opiniões um tanto quanto surpreendentes.
Os espécimes incluem desde gente que vê nisso tudo uma grande conspiração dos países ricos para brecar o desenvolvimento dos pobres ou, no extremo oposto do espectro ideológico, uma grande conspiração de burocratas e cientistas sustentados pela ONU para garantir seus empregos.
(O que, claro, ignora o fato de que o IPCC não produz ciência, apenas colige o que é publicado na literatura… mas deixa pra lá).
Recentemente, no entanto, surgiu um novo Santo Graal do negacionismo climático: o Relatório da Minoria do Senado americano, no qual cerca de 700 cientistas “dissidentes” afirmam que não existe consenso científico quanto à causa antrópica do aquecimento global.
Em outras palavras, a conclusão do mais recente relatório do IPCC, de que a mudança climática observada é, quase com certeza, efeito da ação humana, não seria opinião comum na comunidade científica.
Mais: os 700 cientistas do Senado são mais de dez vezes o número de autores do sumário executivo do relatório do IPCC, assinado por meros 59 pesquisadores.
O que dizer disso? Bom, em princípio, ciência não é uma democracia. No século 17 teria sido possível encontrar centenas de astrólogos, astrônomos e matemáticos prontos para jurar que a Terra era o centro do Universo, e só Galileu e uma meia dúzia defendendo o contrário, e a meia dúzia estaria certa.
Por outro lado, se você visita um médico e ele diz que você está com câncer e precisa extrair os testículos, e dez outros lhe dizem que é apenas uma questão de usar cuecas mais folgadas, a ideia de ir com a maioria não é assim tão má.
A chave da questão está nesse exemplo dos médicos: afinal, qual a especialidade deles? Se urologistas e oncologistas disseram que o problema são as cuecas, e quem sugeriu cortar as bolas fora foi, digamos, o otorrino, parece meio óbvio que a cueca é sua melhor aposta.
No caso dos “dissidentes”, então: quantos, afinal de contas, sabem do que estão falando?
A revista Skeptical Inquirer deu-se ao trabalho de checar as credenciais de 687 das pessoas qe assinavam o relatório da minoria até o fechamento da edição mais recente. O resultado:
15% deles tinham histórico de publicações científicas sobre o clima;
Cerca de 80% jamais publicaram nada com peer-review sobre o assunto;
Pelo menos 8% não têm nenhum tipo de credencial científica, incluindo “homens do tempo” de rádio e televisão;
Quase 4% na verdade concordam com o IPCC.

O feriado e a santa de múltiplas identidades

Muita gente pensa que hoje é feriado por causa do Dia das Crianças ou do Descobrimento das Américas, mas a verdade é que se trata do dia de “Nossa” Senhora Aparecida.
(o “Nossa” vai entre aspas porque ela é senhora dos católicos; a generalização não se justifica).
Uma coisa que não entendo nesse politeísmo maldisfaçado que cerca o hábito católico de veneração dos santos é o fato de que algumas figuras, Maria principalmente, terem múltiplas identidades.
Digo, tem a Senhora Aparecida, a Senhora de Fátima, a Senhora do Bom Parto, a Senhora Desatadora de Nós, Senhora do Desterro… Bolas, não se trata de uma santa só? Por que diabos um rito, um dia, uma tradição (e, eventualmente, um feriado) para cada aspecto?
Isso me faz pensar no Sombra, que às vezes usava a identidade secreta de Kent Allard e, às vezes, a de Lamont Cranston. E que conhecia o mal que se esconde nos corações humanos.
Não sei se os heróis pulp têm santo padroeiro, mas Maria sem dúvida seria uma boa candidata.

Paradoxo de sexta (44) – a volta

Quando tirei meu pequeno sabático cardiovascular — aliás, muito obrigado a todos que enviaram mensagens de apoio… a situação realmente nunca chegou a ser grave, mas dar conta dela realmente consumiu quantidades ciclópicas de tempo — acabei deixando um paradoxo pendurado no ar.
Ele perguntava por que o arremesso de agulhas sobre um piso de tábuas poderia ser usado para estimar o valor de pi.
A solução, como havia sido proposta num comentário à postagem original, é de que a probabilidade de a agulha cruzar a linha que separa uma tábua a outra depende do ângulo com que ela cai — se a agulha cair paralela à linha a chance é obviamente zero — e ângulos, claro, podem ser medidos em radianos, que é uma unidade baseada em pi.
O desta vez é um pequeno desafio que encontrei nos livros de Martin Gardner, mas que o próprio Gardner reconhece como mais antigo:
Imagine um monge budista que decide visitar um santuário no alto de uma montanha. Só existe um caminho para o topo, e o monge começa a percorrê-lo às 6h da manhã. Ele caminha com velocidade variável, e faz várias paradas, para comer, aliviar-se, orar diante de pequenos altares erguidos ao longo do trajeto. Chega ao pico às 18h, faz suas orações, medita e dorme.
Às 6h da manhã do dia seguinte, começa a caminhada de volta, pelo mesmo caminho que subiu, de novo, anda com velocidade variável, faz paradas aqui e ali, etc.
Demonstre que, pelo menos uma vez, nessa descida, ele vai passar por um ponto do trajeto exatamente no mesmo horário em que havia passado na subida.

Impacto!

A Nasa acaba de anunciar o impacto da sonda LCROSS com ma cratera próxima ao polo sul da Lua. Todo o processo foi transmitido pela TV Nasa, e os cientistas ainda precisarão de algumas horas para ver se os dados enviados à Terra chegaram bem, fazem sentido e o que podem significar.
O objetivo dos dois impactos da missão LCROSS — o do foguete Centauro e, depois, da própria sonda — tinham como objetivo levantar o máximo possível de vapor e poeira, para que pudessem ser analisados em busca de sinais de água. Várias sondas enviadas à Lua ns últimas décadas encontraram sinais de hidrogênio na superfície, o que sugere água, mas a coisa ainda está meio incerta.
LCROSS pode eliminar a dúvida que resta — ou não. Isso é uma coisa fantástica da ciência: não importa qual a resposta, ela será fascinante.
O Hubble e outros telescópios estavam apontando para a Lua, e em breve talvez tenhamos belas imagens da pluma de vapor e poeira levantada pelos impactos.

Reflexões sobre o campo minado

Acho que todo mundo já jogou Campo MInado (Minesweeper), o joguinho que vem pré-implantado no sistema operacional Windows (ou vinha, pelo menos até as versões XP e 2000; não sei se continua no Vista).
Trata-se de um joguinho bastante matemático, no qual é preciso “limpar” um campo formado por 81 células, no qual há 10 minas (no sentido de explosivos — não minas de ouro ou garotas) ocultas. Quando o jogador seleciona uma célula onde não há explosivos, ele vê um número que representa o total de explosivos adjacentes à célula escolhida; quando ele seleciona uma célula explosiva, ela explode (claro) e o jogo acaba.
Para mim ao menos, o que torna o jogo interessante é a necessidade de extrair informação suficiente dos números que aparecem na abertura de células “inocentes”. Digo, abrir uma célula no centro do tabuleiro e ver o número “3” não diz muita coisa — a célula central tem 8 adjacentes, e “3” apenas diz que, ao clicar em uma delas, você tem uma chance de 3/8, ou 37%, de explodir.
Por isso um bom truque é começar pelos cantos, onde o número de células adjacentes é menor. Mas nada impede que o canto por onde se começa contenha uma bomba, o que leva o jogo a um fim prematuro!
Mas o risco não é tão grande quanto parece: com 10 bombas em 81 células, a chance de se pegar uma bomba logo de cara é 12%. Aliás, o risco de se topar com uma bomba, abrindo células aleatoriamente, só chega a 50% a partir do quinto clique do mouse.
Outra coisa interessante sobre o Campo Minado é que ele poderia muito bem dar origem a uma loteria especialmente difícil de ganhar: existe 1,8 trilhão de formas de espalhar 10 bombas em 81 células.
Isso é cerca de 6 vezes o total de estrelas na Via-Láctea, ou 17 vezes o total de seres humanos que já viveram.

Ribossomos e o ‘mundo real’

Estava eu a comentar com uma colega de redação o Nobel de Química para os cientistas que obtiveram sucesso na cristalografia do ribossomo, e eis que ouço a pergunta (feita num tom entre a exasperação e o desinteresse puro e simples): “Tá, mas qual é o ‘mundo real’ disso?”
A pergunta me deixou meio abestalhado por alguns instantes. Minha primeira reação foi pensar em dizer algo como, “você, eu, a madeira da mesa, a carne que você comeu no almoço”.
Em vez disso, disse: “Ajuda a criar novos antibióticos”. Ao que ouvi: “Ah, tá”.
Juro que me senti como um daqueles sobrevencialistas americanos, que acham um absurdo as pessoas não saberem matar e esfolar um coelho, ou reconhecer ervas comestíveis no mato. Afinal, um dia sua vida pode depender disso… Só que senti não como se as pessoas tivessem perdido o contato com as bases da sobrevivência individual, e sim com as bases da sobrevivência da civilização.
O que é o ribossomo para o “mundo real”? Muito mais que qualquer um de nós, pô.

O preço e o prêmio de ser metido a besta

Ser um cara convencido e metido a besta vale a pena se os recursos em disputa estiverem avaliados em pelo menos o dobro do preço de entrar na competição — ou, se o que você tem a perder for menos da metade daquilo que você tem a ganhar, vale a pena fazer pose e blefar para cima do oponente.
Isso é o que propõe um modelo matemático de teoria dos jogos (descrito em detalhes aqui) criado para tentar explicar por que o excesso de autoconfiança evoluiu na espécie humana — afinal, seria de se imaginar que ter uma ideia inflada das próprias capacidades fosse uma característica amplamente antiadaptativa, que levaria seu portador rapidamente às hostes de vencedores do Prêmio Darwin.
Os fatos, no entanto, mostram o contrário: metidos a besta abundam e, não raro, prosperam, para desespero dos tipos mais tímidos ou comedidos. O novo modelo tem a vantagem de adequar-se a esses fatos: leva à conclusão de que “nas condições sob as quais seres humanos teriam evoluído, uma visão racional e objetiva de suas próprias capacidades são extremamente raras”.
Isso porque toda decisão de entrar ou não em uma disputa depende da avaliação que fazemos da periculosidade do oponente — e se ele conseguir projetar uma imagem de invencível, os demais tendem a ceder os pontos por WO; o twist é que, se o cara não acreditar, ele mesmo, que é invencível, existe o risco de que acabe intimidado e fuja de disputas que, na verdade, teria boas chances de ganhar.
Isso tudo me faz pensar na menina loira que ajudei a passar de ano em química no terceiro colegial e no tipo grandalhão e mal encarado (ao menos, era mal encarado quando eu estava por perto) que a namorava na época. O fato é que ela acabou casando comigo, mas só muitos, muitos anos mais tarde.
Será que se eu tivesse sido mais agressivo…?

Quando o cavalheirismo atrapalha a matemática

Zapeando pela internet (será que o verbo é mesmo esse zapear? Afinal, não uso controle remoto, e sim o mouse…) encontrei um antigo artigo sobre análise combinatória com o título irresistível de Uma solução não-sexista para o problema da ménage.
Se o tivesse descoberto antes, poderia tê-lo usado na recente blogagem coletiva “caça-paraquedista”, com o título Método infalível para organizar uma ménage com suingue entre “n” casais. Perdi a oportunidade, mas não dá para não comentar o trabalho, que aliás pode ser lido aqui.
Começando pelo começo: “problema da ménage”, em matemática, é o seguinte — quantas formas há de organizar “n” casais em torno de uma mesa redonda, alternando homens e mulheres, do modo a garantir que nenhum marido fique imediatamente ao lado de sua esposa?
Você talvez esteja querendo saber por que matemáticos haveriam de se preocupar com isso, já que a questão parece muito mais afeita a chefes de cerimonial (na melhor das hipóteses) ou a organizadores de surubas (na pior). O fato, no entanto, é que o problema, uma vez abstraído seu caráter doméstico-sexual, tem várias implicações — por exemplo, em teoria dos grafos.
Além disso, matemática e dissolução moral não são estranhas entre si: a teoria das probabilidades, por exemplo, deu seus primeiros passos como uma tentativa de ajudar apostadores a se dar bem em jogos de azar.
Enfim: no artigo sobre a solução “não-sexista”, os autores concluem que as principais dificuldades em se resolver o problema advêm da insistência dos matemáticos em sentar as mulheres primeiro. Se essa restrição for abandonada, o problema se resolve de forma muito mais simples.
(Se você estiver curioso, aqui vai uma tabela com os “números de ménage”, ou quantos modos de embaralhar casais de forma a separar o marido da mulher existem, para cada “n”, ou numero de casais)
n m(n)
1 0
2 0
3 1
4 2
5 13
6 80
7 579
8 4738
9 43387
10 439792
11 4890741
12 59216642
13 775596313
14 10927434464
15 164806435783
16 2649391469058
17 45226435601207
18 817056406224416
19 15574618910994665
20 312400218671253762
21 6577618644576902053
Há aí uma mensagem profunda sobre como a convenção social pode atrapalhar o progresso da ciência… Ou não. Sei lá.

O futebol não é uma ciência. Mesmo.

Fazer dois times de futebol se enfrentarem não é uma forma cientificamente válida de determinar qual o melhor, exceto se a diferença do placar for superior a quatro gols. E quem diz isso não é o Galvão Bueno, mas um grupo de cientistas da Nasa, em um “paper” sobre significância estatística previsto para sair no Journal of Applied Statistics, mas já disponível no Arxiv.
Outra conclusão interessante do mesmo artigo é que campeonatos no estilo “mata-mata” — onde times são eliminados na passagem de uma fase para a outra, culminando numa final — são péssimos para determinar qual o melhor time do torneio.
Os autores estimam que a chance de a melhor seleção realmente ganhar a Copa do Mundo, por exemplo, é de menos de 30%. Eis a matemática destruindo a pretensão brasileira de ligar o pentacampeonato mundial à mística de “melhor futebol do mundo” (fiz uma continha e determinei que a chance de a seleção brasileira ter sido a melhor em todas as copas que ganhou é de 0,17%; já a de ter sido a melhor em pelo menos uma das cinco é de 80%).
Enfim: para tornar o futebol cientificamente confiável, os autores sugerem esticar os jogos indefinidamente, até que a diferença de gols atinja a significância estatística. Mas eles mesmos reconhecem que a implementação dessa ideia é improvável — para dizer o mínimo.

Assassinato por… homeopatia? oração?

Dois casos recentes de pais condenados pela morte de filhas, um nos EUA e outro na Austrália, levantam questões interessantes sobre a articulação entre crença, ética, verdade, ciência, responsabilidade e lei. O mais recente é o de um casal australiano, que insistiu em tratar a filha de nove meses com homeopatia, levando-a à morte. O anterior, nos EUA, também envolve um casal, que ficou rezando por uma cura milagrosa enquanto a filha, de 11 anos, agonizava de diabete.
Ambas as condenações parecem perfeitamente justas e o comportamento dos pais em questão é evidentemente absurdo para qualquer pessoa de bom-senso, mas a questão é, por quê? O que torna o fracasso da oração e da homeopatia mais culpável que, digamos, o fracasso de uma quimioterapia? Esse é um problema que tem várias camadas. A primeira está na articulação entre ética e crença.
Acho que já enchi bem o saco dos leitores habituais deste blog com minhas recomendações repetidas para que leiam (leiam! leiam!) o ensaio The Ethics of Belief, do matemático britânico William Clifford.
Elaborando a partir da observação voltaireana de que acreditar em asneiras é meio caminho andado para cometer atrocidades, Clifford argumenta que toda pessoa tem o dever moral de só acreditar em coisas verdadeiras, de testar suas crenças sempre que possível e eliminar as que não passam no teste.
O texto de Clifford foi escrito como parte de uma polêmica com o filósofo americano William James, que defendia que as pessoas têm um monte de crenças tolas mas inócuas, que não faz sentido ficar implicando com isso, e que só acreditar no que se pode provar que é verdade é um programa impraticável para orientar a vida cotidiana.
O consenso geral é de que James ganhou a parada, mas suspeito que casos como o australiano e o americano mostram que a conexão entre crença e ética estabelecida por Clifford é válida — que, mesmo que seu programa seja inatingível, trata-se de algo que deve ser buscado.
A segunda articulação é entre verdade e ciência. O processo cliffordiano de testar crenças é uma bela generalização do método científico: crenças que merecem o status, ainda que provisório, de “verdadeiras” são as que sobrevivem a seguidos testes; o processo de testar crenças é o que chamamos de “fazer ciência”. Logo, as crenças “éticas”, no sentido cliffordiano, são também as que se pode chamar de “científicas”.
A terceira articulação envolve ciência e responsabilidade. É verdade que a ciência não dita objetivos — ela é descritiva, não prescritiva — mas, uma vez que o objetivo esteja definido, é da ciência que nascem as opções responsáveis para alcançá-lo. Uma “opção responsável” é uma forma empiricamente viável de se conseguir algo: se quero ir a Paris, posso meditar em busca da teleportação, posso rezar para que o Arcanjo Gabriel me carregue em suas asas ou… posso comprar uma passagem de avião.
A última conexão é entre responsabilidade e lei: pais têm a obrigação legal de zelar pela saúde dos filhos menores de idade. Essa obrigação pressupõe que ajam de forma responsável para preservar essa saúde. Essa responsabilidade implica que busquem meios testados — científicos, portanto — de curá-los.
Não fazê-lo é negligência — e, ao menos nos EUA e na Austrália, dá cadeia.

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