Porrada em Júpiter: o follow-up
Na semana passada, postei aqui a primeira foto divulgada do “ponto preto” que surgiu em Júpiter no dia 19 deste mês. Desde então, a Nasa até tirou o Hubble de seu estado de calibragem pra fazer uma foto da evolução da mancha:
Clique aqui para abrir a imagem.
Brincadeiras a respeito do monolito do Clarke a parte, as principais reações populares à notícia parecem dividir-se em três vertentes: (a) como ninguém viu este negócio chegando?; (b) isso deve ser uma coisa de alienígena e (c) que bom que Júpiter nos protege dos grandes impactos.
O ponto (a) ajuda a ilustrar como o sistema solar é um coisa enorme, e como tempos muito pouco controle, de fato, quanto ao que a acontece nele. Blockbusters de ficção científica nos acostumaram a pensar em termos de galáxias inteiras como e fossem quarteirões, mas o fato é que a escala do nosso minúsculo sistema solar já é demais para nós — ao menos, no nosso estágio atual.
O ponto (b) é interessante como partida pra um novo seriado de TV, mas não muito mais que isso. Citando a surrada frase de Carl Sagan, “alegações extraordinárias requerem evidências extraordinárias”. Pode até ser que o caiu em Júpiter tenha sido o caça TIE de Darth Vader, mas diabo, onde está a evidência? Um excesso de raios gama emanando da zona de impacto poderia sugerir a presença de antimatéria na colisão (caças TIE usam antimatéria? não, nesse caso seriam os klingons…), mas ninguém parece ter detectado isso.
Quanto a (c), a ideia de Júpiter como uma espécie de “guarda-costas” do sistema solar interior (isso quer dizer nós, Marte, Vênus e Mercúrio) se encaixa na concepção geralmente chamada de Terra Rara — a hipótese de que a vida inteligente só pôde emergir na Terra por conta de uma série de circunstâncias muito especiais, entre elas, a presença de um planeta gigante que atuaria como estabilizador e protetor contra impactos devastadores.
Mas seria isso mesmo?
Um interessante artigo em The New York Times contesta essa visão. Um astrônomo ouvido pelo jornal, Brian G. Marsden, cita o caso do cometa de Lexell, que foi desviado de sua trajetória e jogado na direção da Terra… pela gravidade de Júpiter.
Além disso, provavelmente é a gravidade de Júpiter que volta e meia desestabiliza asteroides do cinturão principal, além da órbita de Marte, e os arremessa sobre nós. Foi um desse caras, aliás, que acabou (ou ajudou a acabar) com os dinossauros.
Então, quanto ao papel protetor de Júpiter, o júri ainda não chegou a um veredicto. Talvez o efeito protetor e o desestabilizador se cancelem; talvez um supere o outro. O fato é que a decantada atuação de Júpiter como guarda-costas da vida na Terra em geral, e da civilização humana em particular, parece ser mais uma daquelas hipóteses científicas que acabam promovidas a “fato” no processo de divulgação e, no fim, viram uma espécie de mito moderno.
Paradoxo de sexta (36)
O da semana passada foi um dos clássicos paradoxos de Zeno escritos por Aristóteles — o que tenta demonstrar que é impossível percorrer uma distância qualquer, porque isso implica percorrer um número infinito de etapas intermediárias, e é impossível cumprir um número infinito de tarefas num tempo finito.
Esse paradoxo já foi atacado por vários ângulos. O mais usado é apontar a existência daquilo que os matemáticos chamam de séries infinitas convergentes — isto é: uma soma de infinitos termos, tipo 0,5+0,25+0,125… de fato pode chegar a um resultado finito. No caso, 1.
Mas esse argumento, por si só, é insatisfatório. Ele soa muito como uma mera reformulação do problema: Zeno nos diz que uma distância concreta qualquer pode ser quebrada em infinitas frações. A série convergente nos diz que infinitas frações podem ser somadas para gerar ma distância concreta qualquer. So what?
O truque está em aplicar o argumento da série convergente ao tempo: da mesma forma que uma curta distância finita pode ser dividida em infinitas etapas, cada uma menor que anterior, um número infinito de momentos, cada um menor que o anterior, pode ser somado para gerar um intervalo de tempo finito. Assim, prova-se que a afirmação final do paradoxo, “é impossível cumprir um número infinito de tarefas num tempo finito” é falsa. Realizar uma infinidade de tarefas um tempo finito é possível, se as tarefas puderem ser distribuídas ao longo de uma série infinita, porém convergente, de momentos.
O paradoxo desta semana é o que eu chamo de Paradoxo da Criação Imperfeita. É um paradoxo teológico, e portanto só deve incomodar a quem acredita nessas coisas, mas ele é tão bem sacado que não resisti a apresentá-lo. Foi proposto pelo filósofo australiano John Leslie Mackie (1917-1981), um dos meus heróis intelectuais (seu livro a respeito de argumentos pró e contra a existência de Deus, The Miracle of Theism, é um dos meus clássicos pessoais).
Esse paradoxo é uma tréplica à resposta padrão dos teístas quanto à existência de mal moral no mundo (o mal natural — enchentes, terremotos, vírus Ebola, etc — é outro problema). “Mal moral” é o mal que as pessoas fazem umas às outras: roubo, estupro, assassinato, pura e simples crueldade psicológica…
A noção geral, no quadro teísta, é que o mal moral é o preço da liberdade. Deus quis nos fazer livres, e ter liberdade inclui a liberdade de fazer merda.
(Há outras questões que daria para levantar, tipo por que a liberdade do assassino vale mais que a vida da vítima, mas não vamos entrar nisso aqui).
A questão que Mackie deixa é: óquei, Deus quis nos fazer livres. Por que então ele não quis nos fazer melhores? Um ser humano que sempre faça a escolha moralmente certa ainda é um ser humano livre. O fato de uma pessoa passar a vida inteira sem cometer um crime não a torna menos livre que um assaltante assassino.
O mal moral potencial pode se explicar com o fato de sermos livres, mas o mal moral concreto só se explica porque somos imperfeitos. Por que um Deus bom e onipotente criaria uma espécie deliberadamente defeituosa, que ele sabe (é onisciente também) que vai ter de castigar depois?
Cartas para a redação.
Torturando números e o peso da culpa pelo CO2
Um velho ditado diz que é possível tortura números até que eles digam exatamente o que você quer ouvir. Acho que esbarrei num caso assim: um estudo norueguês que diz que, levando-se em conta o país onde são consumidos os bens, EUA. Austrália a Canadá são, sim, os maiores emissões e gases causadores do efeito estufa do mundo.
Ora, ora, ora.
O raciocínio é o seguinte: a China é o maior emissor. Mas a indústria chinesa emite para produzir bens que serão exportados para os EUA. Logo, se não houvesse a pressão de consumo nos EUA, essas emissões não ocorreriam. Logo, a culpa, no fundo, é dos EUA.
Leia novamente o parágrafo acima. Até o segundo ponto (que vem depois da primeira aparição de “EUA”) tudo o que está escrito são verdades reveladas pelos números. Mas as conclusões (introduzidos por “Logo” e “Logo”) fazem sentido?
Bolas, ninguém encostou um revólver na cabeça do governo chinês e disse “construa a base industrial mais suja e poluidora do mundo”, né? Certamente, os rednecks que lotam os walmarts do Alabama não fizeram isso.
Se os mercados não estivessem abarrotados de tranqueiras chinesas baratinhas feitas por semiescravos com energia suja de carvão, eles estariam abarrotados de alguma outra coisa, e John e Jane Smith estariam gastando suas doletas em outro lugar.
A única conclusão válida que parece emergir do trabalho norueguês é a de que é necessário criar metas de emissão para os países em desenvolvimento também — porque senão o que vai acontecer é uma mera transferência de tecnologia suja do centro para a periferia, sem impacto líquido nas emissões globais, que é o que interessa.
Livros lunáticos
Perguntaram-me, numa postagem anterior, sobre quais livros já foram escritos propondo e defendendo planos de negócios (por assim dizer) que viabilizariam a presença humana sustentada em Marte e/ou na Lua.
A lista abaixo não é exaustiva, mas pretende representar um corte transversal da bibliografia. Para os de estômago fraco (e/ou com inclinações políticas e ideológicas mais à esquerda) já aviso que muitos desses planos pressupõem um sistema solar dominado por algo muito próximo de um capitalismo laissez-faire e a revogação de tratados da ONU como os que declaram a Lua e os corpos celestes patrimônio comum da humanidade.
(O raciocínio sendo, bolas, por que alguém investiria numa operação de mineração na Lua se o terreno e o lucro não seriam dele, e sim “da humanidade”?)
Os livros são:
The High Frontier – Human Colonies in Space, de Gerard K. O’Neill. É o clássico do gênero, ainda que esteja ultrapassado em vários pontos. O’Neill foi uma espécie de Carl Sagan da colonização espacial, no sentido de ter lutado muito para popularizar a ideia e vendê-la às autoridades. Seus planos eram ciclópicos: previam a construção de enormes cilindos no espaço, dentro dos quais vivieriam populações comparáveis às de cidades inteiras.
The Case for Mars, Robert Zubrin. Zubrin é o fundador e presidente da Mars Society, uma ONG que faz lobby para que os EUA mandem logo astronautas a Marte. Seu livro apresenta um plano para a conquista de Marte que foi canibalizado pela Nasa em vários aspectos, e enfatiza um conceito, o ISRU — In Situ Ressource Utilisation, ou uso de recursos locais — que hoje está em praticamente todo e qualquer plano de viagem espacial que aparece por aí. Basicamente, a ideia é preparar os astronautas pra se virarem com o que houver no ambiente que vão explorar, em vez de mandar todo o ar, água, comida e combustível de que precisam diretamente da Terra.
Mining the Sky, John S. Lewis. Neste livro, Lewis apresenta o sistema solar, seus planetas, asteroides, luas e cometas como a solução para o esgotamento dos recursos naturais da Terra, pra a crise ecológica e para a pobreza. O argumento básico é de que qualquer plano realista para trazer a humanidade a um padrão de vida sustentável sem assimilar os recursos do espaço implicaria, basicamente, em levar a raça humana de volta aos padrões demográficos, econômicos, culturais e tecnológicos da idade média — e mantê-la assim pelos séculos amém.
Moonrush, Dennis Wingo. Este é um livro que se lê realmente como um plano de negócios. O argumento de Wingo é parecido com o de Lewis (ver livro cima), mas ele foca especialmente a Lua e é bem mais detalhista. O subtítulo é exatamente “Melhorando a vida na Terra com os recursos da Lua”. Wingo faz uma troça impiedosa com a ideia de uma “economia do hidrogênio”, e apresenta os cálculos do dano ambiental causado por uma mina de platina — metal necessário para as células de combustível a hidrogênio — e conclui que a emenda acaba sendo muito pior que o soneto.
Return to the Moon, Harrison H. Schmitt. Este é talvez o livro que carrega maior autoridade de todos os já citados — não só seu autor, Harry Schmitt, é o único geólogo que já trabalhou na Lua (foi membro da missão Apollo 17) como conta, ainda, com prefácio de Neil Armstrong. É uma pena, portanto, que o livro muitas vezes soe como um panfleto do Partido Republicano (pelo qual Schmitt serviu um mandato como senador). Ainda assim, a obra tem um plano de negócios e apresenta diversas propostas de reforma institucional necessárias para que se abra o espaço à livre iniciativa.
Living off the Land in Space, com o subtítulo “Estradas Verdes para o Cosmo”, tem três autores — Gregory L. Matloff, Les Johnson e um artista-ilustrador, C. Bangs. Este livro é basicamente um conjunto de artigos sobre como a expansão da humanidade pelo sistema solar pode ser feita, e os modos pelos quis essa expansão pode beneficiar a Terra, economica e ecologicamente. Este é mais recente de todos os livros citados aqui, e como se vê no título, já assume como pressuposto o conceito de ISRU (confira a entrada sobre The Case for Mars.)
Parem as máquinas! Alguma coisa acertou Júpiter!
Uma mancha preta apareceu perto do polo sul de Júpiter neste fim de semana, aparentemente provocada pelo impacto de um cometa ou asteroide. Como Júpiter é, basicamente, uma nuvem gigante com 11 vezes o raio da Terra, o que quer que tenha acertado o planeta para deixar uma marca tem de ser algo especial.
A imagem (o Sul está para cima, gente):
O link:
http://jupiter.samba.org/jupiter-impact.html
É hoje!
Chegamos, então, os 40 anos do primeiro dos seis (únicos) pousos tripulados sobre a superfície de algum corpo celeste que não a Terra. Uma reflexão interessante de se fazer é: por que a humanidade não ficou por lá? Por que recuamos?
Como em todo evento complexo, a explicação se dá em camadas. A mais evidente é a constatação de que o Programa Apollo era, ao fim e ao cabo, um programa de relações públicas — de resgate do orgulho nacional americano, após o Sputnik e Gagárin — e, uma vez tendo cumprido seu objetivo, acabou.
Mas, embutida nesta explicação há outras duas que vale a pena destacar, porque talvez tenham algo a nos ensinar quanto a oportunidades futuras:
1. Ciência não é motivação suficiente: A colonização do Novo Mundo pelos europeus foi, proporcionalmente, mais perigosa e mais cara (em dinheiro e vidas) e eticamente muito mais questionável do que seria o estabelecimento de uma cidade permanente na Lua. Mas o Novo Mundo foi conquistado para produzir lucro e para aliviar tensões populacionais e sociais da Europa. A cidade lunar teria como objetivo principal fazer ciência.
Esta é uma lição importante: em toda grande iniciativa de exploração de um novo território, a ciência vem a reboque de fatores econômicos e sociais. A Lua teria sido o primeiro caso do contrário acontecendo. E não aconteceu.
2. A vida na Lua não é sustentável: Um astro que dá a volta em torno do próprio eixo a cada 29 dias não é exatamente um bom lugar para atividade agrícola. Ainda mais se toda água, fertilizante, CO2 e oxigênio têm de ser lançados a partir das profundezas um fosso de gravidade a quase 400 mil quilômetros dali, ao custo de milhares de dólares o quilo. E não se sabe se abelhas e outros polizinadores iriam funcionar bem a um sexto da gravidade terrestre.
Há uma módica bibliografia dando conta de planos para tornar a Lua economicamente viável, mas a maioria deles depende de (a) avanços enormes na tecnologia da fusão nuclear — caso em que um tipo especial de átomo depositado pelo Sol na superfície lunar, o hélio-3, passaria a ser um recurso valiosíssimo, o “novo petróleo” — ou (b) de investimentos pesados na ocupação de outros, ahn, espaços do espaço, como os pontos de estabilidade entre a Terra e a Lua e entre a Terra e o Sol.
O que gera a questão, e por que catzo as pessoas iriam querer investir nesses pontos?
Marte, por sua vez, tem um perfil de sustentabilidade melhor. Mas fica muito mais longe. Mas, de novo, falha no ponto 1, motivação. De novo, há alguns livros até que bem persuasivos sugerindo que Marte pode dar lucro. Até agora, no entanto, ninguém quis pagar para ver.
Paradoxo de sexta (35)
Uma das soluções para o da semana passada, o Paradoxo da Flecha, citava a contração de Lorenz, que todo corpo sofre ao mover-se. Esta é uma solução, mas invocar a Relatividade para resolver um paradoxo anotado por Aristóteles milênios atrás soa quase como usar um canhão para matar uma mosca… ou não?
Mas há, de fato, algo de relatividade nessa história: embora, como o enunciado do paradoxo diz, a flecha tenha uma posição definida a cada instante de sua trajetória, as coordenadas dessa posição — isto é, a relação entre a posição da flecha e a dos demais objetos no espaço — estão mudando. Creio que é aqui que está a solução: no reconhecimento de que todo movimento é relativo a um quadro de referência.
O que o enunciado do paradoxo diz, de fato, é que todos os objetos são estacionários em relação a si mesmos. Duh.
E agora, mais um do arsenal do colega Zeno, o Paradoxo do Aposento. Ele diz, basicamente, que é impossível sair de um aposento. Porque, para sair, é necessário chegar até a porta. Mas antes de chegar à porta, é preciso percorrer metade do caminho até a porta. Mas, para chegar na metade do caminho, é preciso antes chegar à metade da metade do caminho. E antes de chegar à metade da metade, é preciso…
Bom, você já viu onde isso vai dar. O fato é que, para chegar à porta, é preciso cumprir um número infinito de etapas intermediárias. Como é impossível realizar um número infinito de tarefas num tempo finito, sair do aposento é impossível.
Agora, todos nós entramos e saímos de quartos, salas, escritórios, etc., o tempo todo. Portanto, há algo errado nesse raciocínio. O que seria?
O mundo vai se acabá, olê, olê, olá
São tantas as profecias sobre o fim do mundo que uma delas há de acabar se confirmando, ainda que somente por necessidade estatística. A mais recente (ou, ao menos, a que consta do último panfleto que me caiu em mãos) é da variedade cristã — em oposição às modalidades pagã, “new age”, ufológica, etc. — e marca o “arrebatamento” para 21 de maio de 2011.
(“Arrebatamento” é quando os escolhidos são levados de corpo e alma para o paraíso, deixando a ralé para se ferrar por aqui, em meio à chuva de enxofre. O tema gerou a sofrível série de livros Deixados para Trás, mas também aparece em The Stand, de Stephen King.)
Em um português periclitante — note que no capítulo 16 de Marcos (versículos 17 e 18 do chamado “final longo”, que aliás não fazia parte do texto original) Jesus diz que seus seguidores poderão falar “línguas novas”, mas em nenhum momento garante que o farão corretamente — , o texto prevê que em outubro, cinco meses após o arrebatamento, o mundo vai acabar de vez.
O panfleto chega a essa conclusão depois de realizar uma série confusa de cálculos, baseando-se em versículos escolhidos aparentemente a dedo, incluindo o famoso “um dia para o Senhor é como mil anos” da segunda carta de Pedro, epístola que, de acordo com as notas de rodapé da minha Oxford Bible, pode até ter sido escrita por um cara chamado Pedro, mas não por aquele Pedro.
Profecias assim são boas para nos lembrar de que livros sagrados em geral são exemplos fantásticos do chamado “Efeito Barnum” (que deve o nome ao dito, atribuído ao empresário circense PT Barnum, de que seus espetáculos tinham “alguma coisa para cada um”). Em outras palavras: você quer mensagens de amor universal? A Bíblia tem. Você quer justificativa para genocídio? A Bíblia tem, também.
Aliás, voltando à segunda carta atribuída a Pedro: o autor lá lança mão do argumento de que “um dia é como mil nos” exatamente pra responder aos “escarnecedores” que dizem: “Onde está a promessa da sua vinda? porque desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação.” (2 Pedro 3:3-4)
Pois é. Como já disse alguém, eles riram de Galileu. Eles riram Edison. Eles riram de Goddard. Eles riram de Einstein. Mas eles também riram de Carequinha e Piolim.
Apelo à biografia
A primeira vez que encontrei esta falácia, eu ainda cobria política numa cidade do interior paulista. Alguém em apontou uma assessora de um vereador que, sabidamente, não era uma flor de moralidade com o dinheiro público e disse: “Ela tem uma história muito bonita de resistência à ditadura”. Tipo, como se a tal “história muito bonita” a absolvesse da cumplicidade presente com a canalhice.
Hoje em dia, essa é uma das falácias mais sacadas no discurso político brasileiro: “Fulano tem tais e tais pontos altos em sua biografia, logo…”
O que vem depois do logo é, inevitavelmente, uma de duas coisas:
(1) “logo, essas acusações não merecem crédito” — isto é, argumenta-se que não é plausível que alguém que tenha feito coisas legais no passado esteja cometendo absurdos no presente. Essa linha de defesa até faz algum sentido, mas obviamente não vale mais — aliás, vale muito menos — que a evidência do presente. Pode ser implausível que um ganhador do Nobel da Paz venha a ordenar execuções em massa, mas se aparecer a ordem de massacre assinada com a letra dele e com suas digitais no papel, diante de testemunhas, a coisa muda de figura.
(2) “logo, ele merece tratamento especial” — isto é, o cara acumulou créditos sendo ético/corajoso/talentoso no passado, portanto não há nada de errado em ele queimar alguns fazendo estripulias agora.
Essa segunda linha é a que mais aparece (ainda que quase sempre sob a forma de insinuação, praticamente nunca explicitamente) e não é difícil mostrar que não vale um tostão furado. Digo, não importa quantas vidas um médico ou um bombeiro tenha salvo, basta um homicídio para que torne um assassino. E, bolas, por definição, todo ladrão era um homem honesto… antes de cometer seu primeiro roubo.
No fim, a falácia do apelo à biografia é uma variante da do dado irrelevante. Se quem lança mão dela realmente não tem nada mais forte a oferecer, o melhor é calar a boca e chamar um bom advogado.
Galileu na Lua
Continuando a série de postagens comemorativas dos 40 anos da chegada do homem à Lua, aqui vai um vídeo do experimento realizado pelo comandante da Apollo 15, David Scott, para confirmar a ideia de Galileu, de que a aceleração da gravidade é a mesma para todos os corpos independentemente da massa (anos depois, Newton conciliaria isso com a intuição humana de que massas diferentes sofrem diferentes atrações gravitacionais ao propor a equação F=m*a, que mostra que acelerações iguais, em corpos de diferentes massas, são sentidas como forças diferentes).
Nesta página da Nasa é possível baixar versões do vídeo com vários megas. Se eu fosse professor de física, ia querer isso na minha próxima aula de Mecânica…