A ciência e a lei
A recente proibição, no Estado de São Paulo, da queima de tabaco em ambientes públicos fechados toca num tema bastante delicado, mas que não está sendo tratado na mídia: a restrição de algo que é percebido como um direito individual (o de fumar) com base em evidência científica (no caso, a de que o fumo passivo é um perigo real e imediato à saúde).
Esse simples fato saliente — a evidência científica — a meu ver basta para invalidar 90% de todo o debate público do tema, que tem girado em torno da questão do “incômodo”. Não se trata de uma lei sobre um incômodo subjetivo, de uma tentativa de legislar sobre preferências pessoais: trata-se de uma legislação de proteção da saúde pública.
Claro, isso deixa em aberto questões sobre se a lei é oportuna, se é a melhor forma de atingir os objetivos a que visa e, talvez a discussão ais importante de todas, se o reconhecimento científico de algo basta para justificar uma intervenção estatal do tipo “mão pesada” — no caso, uma nova norma repressiva — no que era tido como um costume aceito da sociedade.
Blogagem coletiva: o cone de luz
Dizem que Copérnico, Galileu e Darwin puseram a humanidade em seu devido lugar, cosmicamente falando. Não discordo que esses caras tenham dado uma colaboração importante à causa, mas para mim o verdadeiro golpe foi desferido em 1908, quando Herman Minkowski traçou o primeiro diagrama de cones de luz.
Os cones de luz são uma consequência lógica do paper de 1905 de Albert Einstein sobre a relatividade restrita. Ao deduzir que a velocidade da luz no vácuo é imutável, independentemente do estado de movimento do observador, Einstein também deduziu algo muito importante sobre a condição humana. Permita-me ilustrar.
Pegue papel e caneta, por favor (quanto maior a folha, melhor).
No centro do papel, marque um ponto. Esse ponto vai ser o zero do nosso diagrama. Ele também marca a posição do seu cérebro, digamos, daqui a algumas décadas: mais precisamente, no instante da sua morte.
Agora, como temos um ponto zero, você já deve ter deduzido que teremos um par de eixos perpendiculares, “x” e “y”. No nosso caso, porém, eles serão os eixos “s” e “t”, de “espaço” e “tempo”. Você pode graduar o eixo “t” em segundos e o eixo “s” em segundos-luz, o que é mais ou menos a distância da Terra à Lua.
Trace em seguida duas linhas que também se cruzam no ponto zero (no seu cérebro moribundo), mas inclinadas em 45º com os eixos. Perceba que cada ponto dessa linha corresponde a pares de coordenadas como {1 segundo-luz; 1 segundo}, {2 segundos-luz; 2 segundos}, e assim por diante: basicamente, elas traçam a trajetória dos raios de luz que convergem do passado em direção ao seu cérebro (esses formam as paredes do “cone” inferior), e do seu cérebro para o futuro (as paredes do “cone” superior).
Agora, concentre-se no cone inferior, e lembre-se de que o ponto zero é o seu último instante de vida.
Pois bem.
Se a velocidade da luz é um limite absoluto para a propagação de sinais no universo, e tudo indica que é, então tudo o que você poderá aprender em toda a sua vida, tudo o que você verá, ouvirá, cheirará, provará ou experimentará, todos os lugares que você conheceu e conhecerá, todas as pessoas que você amou ou amará, tudo que você pode fazer com a sua vida, a partir de agora e até o seu último suspiro, está contido no cone inferior.
Agora, olhe pra o papel fora do cone. Não se preocupe com o futuro: o fato de que quem morre não tem mais futuro é trivial. Olhe para o papel fora do cone do passado.
Lá está tudo o que estava acontecendo no universo durante a sua vida e que você não ficou sabendo. Não porque não quis ou não se interessou, mas porque era fisicamente impossível. Lá há coisas, experiências, imagens e verdades muitas das quais já são reais agora, mas cuja luz não chegará até aqui antes que você morra.
Não importa o quanto você estude ou se esforce, quanta inteligência inata você tenha herdado de seus pais. O que está fora do cone é definitivamente incognoscível. Esta é a dimensão irredutível da ignorância humana. Este é o universo para sempre fora do alcance.
Moralidade para máquinas
A edição mais recente da revista britânica Philosophy Now (pô, sou chique pra burro, assino uma revista chamada Philosophy Now, e a editora Abril insiste em me mandar exemplares de cortesia de Caras; deve haver algum significado oculto nisso…) tem como tema a moralidade das máquinas — ou, faz sentido falar em ética e moral, culpa e punição, elogio e recompensa, para aparatos artificiais?
A questão é menos ficção científica do que parece, argumentam os editores da revista, porque cada vez mais máquinas vêm sendo chamadas a tomar decisões, e historicamente foi nesse ponto que a humanidade acostumou-se a traçar a linha da agência moral — isto é, a partir de que momento uma entidade qualquer passa a merecer reprovação ou elogio? a partir do momento em que é capaz de fazer escolhas.
E as máquinas, tanto em software quanto em hardware, estão escolhendo. Os algoritmos do Google e da Amazon, por exemplo, decidem quais resultados de busca lhe apresentar; a injeção eletrônica do automóvel decide de quanta gasolina o motor precisa; os chamados robôs de publicação usados por websites noticiosos decidem quais notícias vão ao ar.
Certo, atualmente muitas dessas decisões, ou a maior parte delas, estão sob controle nominal de um ser humano ou de uma equipe de humanos. A despeito do fato de essa supervisão ser realmente cada vez mais nominal, ainda há um humano por trás da máquina para ser culpado se algo der errado (geralmente, quando as coisas dão certo, ninguém é elogiado).
Mas isso não vai durar para sempre.
Instintivamente, já nos acostumamos a tratar as máquinas como se tivessem agência moral — quem nunca teve vontade de esmurrar o monitor do micro que atira a primeira pedra — mas o processo cultural de estímulo e repreensão não funciona com máquinas, porque embora decidam, elas ainda não entendem o que estão decidindo, e não adianta nada passar um sabão (metafórico) em algo que não entende o que está sendo dito, nem sente vergonha ou culpa.
Talvez aí esteja a raiz do problema: o ser humano é uma criatura onde essas diversas capacidades – de decidir, de entender, de orgulhar-se ou de envergonhar-se – aparecem mais ou menos ao mesmo tempo. Já nossas máquinas têm parte de nosso poder de decisão, mas nada dos outros.
Por enquanto essa desproporção é apenas curiosa, mas um dia, à medida que crescer o número e importância das decisões que confiamos a nossas máquinas, poderá vir a ser um problema.
Paradoxo de sexta (26)
O argumento ontológico, que fez o papel de paradoxo da semana passada, é atacável sob várias frentes. Uma delas, mencionada nos comentários, é a de que a mesma estrutura usada na “prova” de deus pode ser usada para “provar” qualquer coisa (“X” é perfeito por definição, as coisas só são perfeitas se realmente existirem, logo “x” existe por definição). Essa, diga-se de passagem, foi a primeira objeção levantada contra o argumento, quando Santo Anselmo o propôs séculos atrás.
A pá de cal sobre o argumento ontológico, segundo a maioria dos filósofos, foi dada por Kant, que notou que “existência” não é uma propriedade que pode ser dada por definição.
O argumento tem uma variante mais espertinha, que se se vale da estrutura lógica da linguagem, e que sustenta que “deus não existe” é uma contradição em termos. Por quê? Porque deus é definido como o ser cuja existência é inevitável, e dizer que “o ser cuja existência é inevitável não existe” é uma contradição em termos. Logo, é impossível articular a ideia da inexistência de deus de forma coerente, e portanto os ateus estão falando uma abobrinha do tipo “triângulos têm quatro lados”.
Bertrand Russell pôs uma pá de cal sobre essa versão, ao notar que a expressão “ser cuja existência é inevitável” pode ser tratada como a definição de um conjunto — como “o conjunto de redatores de blogs chamados Ideias Cretinas”, por exemplo — e a frase pode ser reescrita assim: “o conjunto dos seres cuja existência é inevitável é vazio”. Presto, nenhuma contradição!
Agora, em homenagem à recente onda de autodesmoralização promovida pelas duas casas do Congresso Nacional, vou apresentar um dos três (até a última vez que contei, eram três) Paradoxos da Democracia:
Como um democrata, alguém que acredita no dever de acatar as decisões da maioria, deve agir quando a maioria toma uma decisão que ele sabe que é errada? (veja bem, não é apenas uma decisão da qual ele discorda por uma questão de gosto ou de opinião: é uma decisão que ele, objetivamente, sabe que não presta).
Quando o porco paga o pato
Em meio à onda da gripe suína — desculpe, influenza A/H1N1 — há um ponto saliente que não está recebendo toda a atenção que merece: a situação político-ideológica dos porcos entre determinados grupos religiosos. Da matança de porcos no Egito ao isolamento do único (único!) porco do Afeganistão, os suínos estão pagado o pato.
E esse efeito não é apenas produto da típica combinação de covardia e ignorância que rege muito das ações humanas; na verdade, tem profundas raízes culturais.
O porco é declarado um animal interdito pelo livro de bíblico de Levítico (que também condena o consumo de ostras, corujas e águias, e o homossexualismo, entre um monte de outras coisas) e também no Islã. A matança no Egito aparentemente teve forte inspiração religiosa.
Uma questão curiosa é o quê, afinal, os redatores de livros sagrados têm contra carne suína. Uma teoria que costuma ser bem aceita é a de que, nas condições pouco sanitárias dos povos do deserto de séculos atrás, a carne de porco era um vetor especialmente poderoso de certos parasitas; o tabu teria evoluído a partir da constatação de que comer porco tendia a faz mal.
Outra teoria que também tem uma certa voga é econômica, em torno de uma disputa entre pastores de cabras e ovelhas (que, por alguma razão, também são o tipo de gente que escreve livros sagrados) e criadores de porcos (que tinham uma péssima assessoria de imprensa).
Mas a minha teoria favorita (bem, não é minha, na verdade; só que estou sem tempo de pesquisar direito para achar o devido crédito) é a que parte da grande semelhança entre carne de porco e carne humana.
Em linhas gerais, o cheiro e a aparência de carne de porco assada seria muito semelhante ao cheiro e à aparência de um sacrifício humano. Assim, o tabu contra carne de porco seria um reflexo culinário, digamos, por analogia, da proibição de se assar criancinhas para os deuses.
O porco se tornou “abominável” porque, em determinada época, reacendia na população as memórias olfativas e gustativas da época onde verdadeiras abominações ocorriam nos templos. E, como tabus têm uma inércia cultural enorme, a coisa ficou.
Pode até não ser verdade, mas dá uma boa história…
O argumento antrópico ataca novamente
Graças à revista Time, descobri o website BioLogos, do biólogo Francis Collins. Collins, uma das forças motrizes por trás do Projeto Genoma Humano, é um importante cientista… e um cristão evangélico. Confrontado com os conflitos inerentes à conciliação dessas duas condições, ele optou por uma saída arriscada: tentar demonstrar que, na verdade, não há conflito algum. Nesse aspecto, o BioLogos é uma tentativa de oferecer um antídoto a opiniões como as de Richard Dawkins.
Pessoalmente, acredito que Collins está fadado ao fracasso (uma exposição de meus argumentos a respeito pode ser encontrada numa das encarnações anteriores deste blog, mais precisamente aqui), mas o ponto que eu queria discutir agora é um dos argumentos apresentados pelo BioLogos, o do “fine tunning” do Universo: por exemplo, se as constantes que regem a física quântica fossem só um pouco diferentes, as estrelas não formariam carbono em quantidade suficiente para haver moléculas orgânicas e, portanto, vida!!
(Carmina Burana na caxa, por favor, maestro)
Esse tipo de argumento tem dois problemas a meu ver, um prático e um filosófico. O prático é que essas propostas geralmente só variam uma constante de cada vez, mantendo todas as outras iguais. Se duas ou três delas mudassem juntas, o resultado final poderia ser exatamente o mesmo — ou, o universo tem muito mais graus de liberdade para produzir-nos do que parece.
O filosófico é que o argumento põe o carro na frente dos bois: não é o universo que é ajustado para que nós existamos, nós é que somos ajustados para existir neste universo. Essa é uma refutação tão óbvia quanto frequentemente ignorada pelos proponentes do “fine tunning”.
Curvas perigosas
Meu pai, que é engenheiro, costumava contar a história de um amigo que, depois de fazer um gráfico de tamanho/peso versus tempo dos três primeiros meses de vida da filha, concluiu que, aos 18 anos, a menina teria três metros de altura e pesaria meia tonelada.
No início dos anos 90, antes que a internet viabilizasse o spam (sim, meninos, eu vi) panfletos foram distribuídos em São Paulo pedindo a internação dos portadores de HIV em campos de concentração porque, do contrário, em breve 100% da população teria pegado aids.
Um gerente de vendas com algum treino em cálculo concluiu que um de seus vendedores era um gênio dos negócios, porque a derivada da curva de vendas do rapaz era positiva.
O que essas três situações têm em comum? Além da óbvia diferença de que a primeira foi feita com espírito de piada e a segunda, tristemente, a sério, todas cometem o erro de achar que um trecho da curva basta para deduzir a curva inteira. Esse erro geralmente se fundamenta em pelo menos uma de três falhas de percepção:
1. Confundir variáveis com constantes: no caso do vendedor, para que a curva de vendas realmente tivesse algum valor preditivo, seria necessário que uma série de fatores fora do controle do “gênio” — condições de mercado, humor dos clientes, sua saúde, pura sorte — se mantivesse constante por um bom tempo; isso até pode acontecer, mas não é garantido.
2. Ignorar a existência de paredes: todo fenômeno do mundo físico que apresenta grande crescimento inicial cedo ou tarde bate numa “parede” — seja porque a energia que o impulsiona se esgota, ou o recurso que ele consome acaba, ou as coisas simplesmente ficam complicadas demais e as variáveis passam a se comportar de modo imprevisto. Como dizem os teóricos da complexidade, “mais é diferente”.
3. Extrapolar a partir de situações execpcionais: as primeiras semanas de vida de uma criança ou os primeiros momentos de uma epidemia classificam-se como momentos excepcionais. O primeiro, da fisiologia humana e o segundo, do estado da sociedade. Simplesmente não dá para juntar os pontos aí e ver onde a reta vai parar dali a alguns meses ou anos.
Esse erro tem uma certa relação com a solução do último paradoxo de sexta, que se baseia na confusão entre enunciados e fatos. Aqui, os enunciados são as equações deduzidas a partir da observação de fenômenos reais (“fatos”). O que se conclui a partir da equação pode ser verdade para a equação, mas nada garante que ela realmente se aplica de forma irrestrita aos fatos.
Da medicina tradicional à bruxaria
O título desta postagem é o mesmo de um artigo publicado em meados do mês passado pelo periódico online PLoS ONE, e que é o destaque da página de Ciência da Folha de São Paulo desta segunda-feira.
O artigo oferece um modelo matemático para tentar explicar por que terapias inócuas sobrevivem — digo, se não funciona, deveria parar de ser usado, certo?
O estudo desse aparente paradoxo não é exatamente uma novidade (mas, até aí, o estudo das estrelas também não é, e sempre revela coisas novas). O modelo matemático descrito na PLoS reforça a suspeita de que doenças crônicas e/ou doenças que matam devagar, como vários tipos de câncer, são terreno fértil para a crendice e o charlatanismo.
O porquê disso está exemplificado no “Plano Experimental de Freireich”. Seguindo esse plano, nenhum tratamento nunca faz mal, porque, uma vez aplicado, pode acontecer de (a) o paciente melhorar, o que prova que o tratamento é eficaz; (b) estabilizar, o que prova que o tratamento evitou o pior; (c) piorar, o que prova que o tratamento começou muito tarde (ou que o paciente não tem fé, força de vontade, vibrações positivas, etc); (d) morrer, o que segue a mesma explicação de “c”.
Todo o sistema de testes duplo-cego — do que muitas terapias alternativas escarnecem — foi criado para evitar, entre outras coisas, as “conclusões Freireich” (o nome vem de um oncologista americano que recebe o crédito por ter descrito esse processo pelo qual curandeiros tendem a reivindicar todos os sucessos e a culpar o paciente por todos os fracassos).
Bom, voltando ao artigo da PLoS: o modelo sugere que terapias “alternativas” ou “tradicionais” sobrevivem basicamente porque ficam muito tempo em circulação: uma pessoa que toma, digamos, florais de Bach para artrite — minha mãe fazia isso — continua a tomá-los indefindamente, e comenta o fato com as amigas, que então…
Práticas de baixa eficiência às vezes disseminam-se porque sua própria falta de efeito resulta em demonstrações mais prolongadas e salientes e num grande número de convertidos, que mais do que compensam a grande taxa de abandono, diz o texto.
Ou, persistência é uma coisa boa, desde que se saiba a hora de parar.
Paradoxo de sexta (25)
O da semana pasada (“por que todo corvo é negro” funciona como sentença para um teste por indução e “todo não negro é um não corvo” não, se as sentenças são logicamente equivalentes?) atraiu poucos comentários, mas de alta qualidade! Até Nelson Goodman e seu paradoxo de “grue” e “bleen” foi citado.
(“Grue” e “Bleen” é uma situação pradoxal que requer algumas várias páginas para ser descrita… É improvável que um dia você venha a vê-la tratada em detalhes neste blog. Mas dá para começar por aqui).
A questão de por que frases logicamente equivalentes podem não ser indutivamente equivalentes tem várias propostas de solução. A minha favorita é a que duistingue entre fatos e enunciados. A indução lida com fatos, a lógica, com enunciados. Na prática essas duas coisas muitas vezes são intercambiáveis, mas nem sempre. Assim, é sempre preciso desconfiar quando alguém tenta provar um fato simplesmente manipulando enunciados (como a famigerada prova ontológica da existência de deus) ou quando alguém tenta provar enunciados manipulando fatos.
para ficar no clima, o desta semana será exatamente a supracitada prova ontológica. Ela tem várias formulações, mas a clássica é esta:
Imagine um ser dotado de todas as perfeições em seu grau máximo. Chame esse ser de deus.
Esse ser existe na sua imaginação.
Mas existir na realidade é um grau de perfeição superior a existir apenas na imaginação.
Logo, se o ser que você imaginou tem todas as perfeições num grau máximo, então Deus existe na realidade.
O argumento ontológico é curioso porque quanto mais se pensa nele, mais tolo ele parece — e mais difícil fica determinar exatamente onde a tolice está. Este é o paradoxo deste feriado.
E, por falar no feriado:
De pé, ó vítimas da fome!
De pé, famélicos da terra!
Da ideia a chama já consome
A crosta bruta que a soterra.
(Não. não sou comunista, mas gosto da Internacional. Um dia ainda vou fazer uma postagem sobre a crítica de Popper ao marxismo, que deveria ter posto toda a ideia de “socialismo científico” a nocaute há muito, muito tempo…)
Gripe suína, ou o tudo e o nada
Ok, cá estou eu entrando no assunto — tragado pelo hype da mídia, pode-se dizer. Mas o que me interessa é exatamente o hype, e o que ele pode nos dizer sobre a natureza humana neste mundo hipermediado, onde o recurso mais escasso é a atenção humana.
Digo, as pessoas — e não me refiro apenas aos jornalistas e comentaristas, embora eles também sejam salvo prova em contrário, pessoas — parecem ter ajustado uma heurística de distribuição de atenção que funciona assim: ou é a grande cagada do século ou é irrelevante. Não há nada no meio, tipo inspira cautela, requer atenção, é preciso cuidado, etc.
É curioso acompanhar o ciclo:no final da noite de ontem (quando os jornais que circulam nesta manhã estavam sendo preparados para impressão) a tendência era de descontração em relação à gripe suína: poucos casos realmente confirmados pela OMS,
todos os casos registrados no Canadá haviam sido rastreados a pessoas que tinham viajado ao México, o total de mortes parecia superestimado…
Hoje cedo, a internet grita: TRÊS CASOS CONFIRMADOS NA ALEMANHA! e PRIMEIRA MORTE NOS EUA! (um bebê de dois anos).
Fora o interesse humano despertado pela morte do bebê, pode-se atribuir a superexposição da gripe, em parte, a uma reação à falta de manchetes viáveis na madrugada (bolas, as bolsas asiáticas não são tão interessantes assim), mas tendo em vista a relativização do problema empreendida 12 horas atrás, o destaque certamente soa excessivo.
Esse ciclo de boost-and-boom na relevância relativa atribuída ao tema talvez seja uma reação à já citada demanda excessiva que as várias mídias (blogs também…) impõem à capacidade de atenção e concentração do ser humano, mas também pode ser um efeito de defesa contra a cultura do eufemismo em que parecemos imersos, onde “técnicas avançadas de interrogatório” substitui “tortura” e “em busca de novos desafios” representa “desempregado”.
Para não dizer que não explorei a possibilidade de um charuto ser apenas um charuto, acrescento que é perfeitamente possível que um tema de fato ganhe ou perca importância em si mesmo, de acordo com a evolução dos fatos. Mas — até agora — esse não parece ser o caso.