Tax the Church!

Olhaí a Espanha dando uma aula de civismo: o governo de lá decidiu cortar os subsídios oficiais à Igreja Católica. Cidadãos católicos poderão destinar parte de seus impostos devidos à religião, mas essa terá de ser uma decisão individual, não mais uma isenção ampla, financiada pelo bolso indefeso de todos os espanhóis, sejam muçulmanos, judeus, ateus, budistas ou seguidores do Monstro de Espaguete Voador (louvado seja seu Santo Macarrão).

Vamos todos esperar sentados que algum governo brasileiro, onde a mamata fiscal eclesiástica é generalizada, tenha culhão de fazer o mesmo.

Aliás, que tal criar uma igreja do pastafarismo ou discordianismo aqui no Brasil? Dá pra adaptar exemplos de estatuto que existem por aí, trocando, claro, as partes relevantes. Só registrar a casa e o carro no nome da congregação pode valer a pena — e nem estou contando a receita gerada por dízimos e atividades empresariais correlatas.

Igualdade ou eficiência?

Suponha que vc tem uma quantidade de comida para distribuir num orfanato em meio a uma zona de guerra, mas que não basta para dar uma refeição decente para todas as crianças, apenas para metade delas. Vc prefere alimentar bem meio orfanato, ou garantir que toda criança tenha algo para comer, ainda que seja só um pouquinho?

Um dilema ético parecido foi apresentado por pesquisadores nos EUA a voluntários submetidos a ressonância magnética funcional do cérebro. Um artigo descrevendo os resultados está na edição mais recente da revista Science, e há um press-release sobre o assunto aqui.

O resultado sugere que o senso de justiça, ou igualdade — o impuslo de alimentar todos, nem que seja com uma migalha para cada um –, é de natureza emocional, e varia de pssoa para pessoa. Já o senso de eficiência — o reconhecimento do fato de que alimentar bem um menor número pode, no longo prazo, permitir que pelo menos parte das crianças sobreviva à guerra — está ligado a um setor mais “calculista” do cérebro.

O resultado levanta questões interessantes: se o apreço pela justiça é uma emoção, de onde ela vem? O que a estimula? O que a inibe? E, no final das contas, faz sentido falar em uma solução correta para o dilema?

Aguardemos desdobramentos…

Aniversário de Israel

Minha postagem anterior acabou dando margem a uma discussão bem interessante sobre o papel da religião nos conflitos do mundo moderno — se mera embalagem, motor principal, ambos, nenhum, um pouco de cada.

Como se de encomanda, o New York Times traz uma reportagem sobre os cidadãos árabes de Israel que põe em evidência as complexidades e frustrações provocadas pelo imbróglio que são os conceitos de identidade nacional, identidade étnica e identidade religiosa.

Frase do dia do jornal:

“If they define this as a Jewish state, they deny that I am here.”
EMAN KASSEM-SLIMAN, an Arab radio journalist in Israel.

Sam Harris e Fitna

Impagável a definição do autor de Carta a uma Nação Cristã para a reação dos muçulmanos a qualquer crítica a sua religião:

The position of the Muslim community in the face of all provocations seems to be: Islam is a religion of peace, and if you say that it isn’t, we will kill you.

O comentário aparece neste artigo sobre a reação “civilizada” ao filme Fitna, uma justaposição de versos do Corão e atos de terrorismo cometidos por fiéis islâmicos.

Críticos em meio à campanha de supressão desencadeada contra o filme (que já sumiu, aliás, do YouTube) se apressam em apontar que seu autor, o holandês Geert Wilders, é racista e fascista — o que me leva a perguntar, e daí? Liberdade de expressão agora é só para quem tem carteirinha de bom moço?

Blogueiros mais afeitos ao senso comum, como Pedro Dória, caem na velha lengalenga de que religião não causa violência, o que causa violência são condições sociais e históricas. Esse papo, claro, falha por duas razões:

1. Primeiro, a religião é um dos componentes da condição social e histórica;

2. Segundo, é a religião fornece estrutura, linguagem e legitimidade aos atos violentos apresentados no filme.

A ressalva que vale a pena fazer, claro, é a de que o terrorismo não é uma exclusividade do islã. Todo monoteísmo é uma bomba-relógio ideológica esperando a hora de explodir.

Pela culatra

Mais uma tentativa da IURD de intimidar a imprensa saiu pela culatra, com a condenação de um pastor macediano por “litigância de má-fé”. Eis uma figura jurídica que deveria ser usada mais vezes… (no caso da infame ação contra os estudos com células-tronco, talvez?)

A destacar, no entanto, atendência de juridificação (desculpa o neologismo aí) do mercado de notícias, idéias e opiniões. Antigamente, idéias eram debatidas e/ou rebatidas com outras idéias. A desavença gerava diálogos, sátiras, romances, teses, estudos científicos. Hoje, quem discorda entra na justiça.

Faz sentido, isso?

Mais homeopatia…

O Estadão de hoje traz duas páginas sobre homeopatia, uma tratando do avanço da crendice na rede pública de saúde e outra, das dificuldades dos homeopatas em produzir evidência científica a favor de suas práticas.

O segundo texto, embora correto do ponto de vsita jornalístico, não esconde uma inclinação pró-homeopatia. Afirmar, por exemplo, que os homepatas estão “desconstruindo” a célebre pá de cal que a Lancet lançou sobre a prática é tão isento quanto dizer que eles estão “inventando desculpas esfarrapadas”. Afirmar que os resultados são “questionados” seria muito mais preciso.

Mais uma vez, a grande mídia perde uma oportunidade de trazer às claras o acúmulo de falácias em que a homeopatia se baseia (p. ex., o absurdo princípio da diluição, ou o chutômetro puro envolvido nas chamadas “provas” das matérias-primas homeopáticas).

Dissonância cognitiva

Primeiro, vamos nos erguer em defesa do direito voltaireano de falar asneiras: deixem o pobre professor baiano que disse que seus conterrâneos têm inteligência inferior em paz. As comparações, que já vi pora í, com Hitler e quetais são descabidas. Hitler não “dizia” que havia pessoas inferiores: matava-as. Há aí um oceano de diferença.

Segundo, vamos usar esse lindo exemplo para relembrar o fato comezinho da dissonância cognitiva: a tendência da mente humana de tentar distorcer a realidade para não ser forçada a abandonar crenças. No caso, a crença que o professor Natalino Dantas protege parece ser a de que ele próprio é um bom professor e profissional competente de ensino. Para defendê-la, foi em busca da única explicação compatível.

Terceiro, será uma pena se a UFBA demitir Dantas por sua fala. A instituição deveria tê-lo demitido muito antes, mas por um motivo muito mais sólido: a incompetência no exercício da coordenação do curso de Medicina, evidenciada pelos resultados pífios de seus pupilos no exame federal.

Levantai-vos, famélicos da Terra…


Já critiquei as religiões, e o cristianismo em particular, por transformar a crença cega em virtude, mas não dá pra deixar de dizer, também, que foi o marxismo quem deu o passo seguinte no entronizamento do irracional, ao proclamar a supremacia da ideologia.

Foi mais ou menos assim: com o fracasso do projeto marxista de criar uma teoria científica da história — mais ou menos como, digamos, o Modelo Padrão é uma teoria científica das partículas elementares — decidiu-se decretar que uma interpretação objetiva da realidade é impossível.

Quem acredita estar olhando para o mundo a olho nu não passa de um coitado, segundo essa versão; um coitado que ignora o calidoscópio grudado na própria cara.

Só que, em vez de tratar essa constatação como advertência — um aviso para que se tome cuidado com preconceitos e distorções, com as pressões do grupo e subjetivismos, algo que poderia levar a uma (re)descoberta do método científico — o que os marxistas fizeram equivaleu a uma rendição epistemológica: Ok, tudo é ideologia, objetividade é impossível, então posso ver o mundo como eu quiser. Daí a se chegar à convicção de que existe uma ideologia dos mocinhos (esquerdista) e uma dos bandidos (de direita) foi um pulo.

Ou: frente a uma estrada esburacada, optou-se não por dirigir com cuidado, mas por escolher um buraco confortável e deixar-se cair nele.

(Quem acha que estou fazendo uma caricatura cruel do pensamento marxista, po favor, tente cursar uma carreira de humanidades na USP e depois me conte).

Claro, como todo relativismo radical, essa visão de que “tudo é ideologia” cai na velha armadilha da autonegação: se tudo é ideologia, então “tudo é ideologia” também não é verdade, pois não passa de uma ideologia, portanto…

Moralismo e DSTs

The New York Times publica um belo ensaio sobre as mais recentes pesquisas a respeito da origem da sífilis — ao que tudo indica, a doença era pouco mais que um leve incômodo dermatológico entre os nativos do Novo Mundo, e evoluiu para sua forma mais letal (e sexualmente transmissível) na Europa.

O texto de Marlene Zuk aproveita a deixa para tratar da associação entre moralismo e doenças sexualmente transmissíveis, algo muito claro, hoje, na questão da aids. Mas não se aprofunda (o que não é um demérito do artigo; afinal, cada texto tem um espaço-limite e um foco) nas várias formas que o moralismo frente à doença, a tendência bíblica de culpar o sofredor pelo sofrimento, assume.

De todas as modalidades de moralização esdrúxula da aids, a que me parece mais curiosa não é nenhuma das que costumam apanhar (merecidamente) da mídia, como o estigma de “praga gay” ou o “pecado” do uso da camisinha, mas a, digamos,”alternativa”, que nega o nexo causal entre HIV e aids e insiste que a doença é uma espécie de mal-estar da civilização, um “estado de espírito” adquirido nestes tempos repressivos/neoliberais/dominados pelo pensamento ocidental/wathever.

No fim, é um moralismo antimoralista, se me perdoam a antítese. Tão daninho quanto os demais.

Desculpe, Deus não pode atender agora…

A mídia brasileira não deu muita pelota para o caso do casal Neumann, dois americanos que preferiram ficar rezando pela saúde da filha enquanto a menina morria de diabete, em vez de chmara um médico. Nos EUA, já existe até uma reação atacando a decisão de processar o casal como uma afronta à liberdade religiosa.

Existem tantas questões misturadas nessa história que vou me conter e destacar apenas quatro:

1. Por que o casal teve fé suficiente para achar que não precisava de um médico, mas agora acha que precisa de um advogado?

2. Parafraseando James Randi, vamos notar como o conceito de “liberdade religiosa” serve como pretexto para qualquer coisa. Se duvida, veja este manifesto de um pastor em defesa do casal.

3. Mais uma vez, vemos como a religião reforça a idéia de que o filho não é um indivíduo em si, mas mera propriedade dos pais.

4. De um ponto de vsita estritamente cristão, é possível dizer que o que esses pais fizeram foi errado? Afinal, a ciência humana é um fruto mesquinho de nossa arrogância, enquanto que o Senhor Deus é onipotente e infinitamente bom. Ninguém vai dizer isso no tribunal, mas o verdadeiro crime nos Neumanns foi levar sua fé realmente a sério.

Acréscimo de última hora: não resisti e fiz um excerto do manifesto do “pastor Bob”. Ei-lo:

While it is true that God created the world and all that is in it, including doctors, we must note: Jesus never sent anyone to a doctor or a hospital. Jesus offered healing by one means only! Healing was by faith. Yes, God created doctors but only to give man a choice between man’s ways — the doctor — or His way — faith! When we don’t have faith we need the doctor and it’s obvious that most want-to-be Christians need the doctors because they have no faith in God; their faith is in man. God created good and evil. Witchcraft can heal also. Should Christians also seek witches?

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