A falácia do ‘verdadeiro torcedor’
Houve tempo em que os editoriais do jornal ‘O Estado e S. Paulo’, concordasse-se ou não com as premissas assumidas pelo redator, eram exemplos cristalinos de bom discurso e boa lógica. Não mais, infelizmente.
Ao comentar a recente morte de um torcedor após um jogo entre Corinthians e Vasco, o texto opinativo do vetusto diário se sai com a frase gritantemente falaciosa “(…)selvageria, estranha ao esporte e aos verdadeiros torcedores(…)“.
A falácia está em redefinir um termo que deveria ter significado específico (“torcedores”) de acordo com um critério irrelevante para a definição específica (não-selvagens).
Ou, como exemplifica o filósofo Anthony Flew: imagine que um escocês ouça a história de um inglês molestador de criancinhas; ele se enche de orgulho patriótico e diz, “nenhum escocês jamais faria isso”. Ao ser confrontado com o caso de um escocês pedófilo, sai-se com essa: “Não era um verdadeiro escocês”.
Bolas, o que define um escocês não são suas preferências sexuais, e sim o lugar onde nasceu; da mesma forma, o que define um torcedor é o fato de torcer para um time, não seu comportamento, violento ou não.
Essa “falácia do falso escocês” (ou, “do falso torcedor”) é usada para desculpar muita coisa: assassinos suicidas islâmicos não seriam “verdadeiros muçulmanos”; cientistas que fraudam suas pesquisas não seriam “verdadeiros cientistas”; cristãos que cometem atentados contra clínicas de aborto não seriam “cristãos de verdade”; padres pedófilos não são “verdadeiros sacerdotes”.
Seria muito mais produtivo que cada segmento reconhecesse e fizesse algo a respeito dos psicopatas em seu meio, em vez de simplesmente redefinir as fronteiras do grupo a cada nova inconveniência.
Patton e o Dia D
Sábado passado foram celebrados os 65 anos do Dia D, o épico desembarque de tropas aliadas no norte da França que garantiu a abertura do segundo front contra Hitler e a virada da Segunda Guerra Mundial.
Um detalhe pouco conhecido sobre esse evento colossal da história do século passado é o fato de que, na véspera do dia fatídico, o general George Patton fez um discurso para os soldados americanos. A fala de Patton seria considerada politicamente incorreta ao extremo hoje em dia — o que lhe dá a virtude da sinceridade, ao menos — mas, lá pelas tantas, o general cita uma estatítstca:
“You are not all going to die. Only two percent of you right here today would die in a major battle.”
(Tradução: Vocês não vão todos morrer. Só dois por cento de vocês aqui, hoje, morrerão numa grande batalha).
Há várias coisas a comentar a respeito desse trecho — uma delas, o sangue frio de olhar para uma multidão de jovens acreditando que dois de cada cem não viverão para ver a próxima semana; outra, o pouco conforto que a estatística traz (como prever quem vai ou não estar nos 2% de defuntos?) — mas o que me interessa no momento é, como Patton chegou a esse número?
Talvez ele estivesse de posse de um dado do tipo, só 2% de todos os soldados morrem em batalhas importantes, em média. Se realmente tinha esse dado, ele estava certo no que falou, exceto por três pontos:
(a) A estatística poderia muito bem se referir ao total de soldados em uma guerra que morrem em grandes batalhas, não ao dado relevante para o caso, que é o de participantes de grandes batalhas que morrem em grandes batalhas: tipo, entre os 98% de sobreviventes podem estar incluídos os sargentos de instrução que ficaram nos EUA para treinar recrutas (e que tecnicamente são soldados da guerra, embora não travem batalha nenhuma).
(b) Mesmo descontando o ponto (a), nada garantiria que o Dia D seria uma batalha importante “média” (na verdade, morreram ou feriram-se 9 mil homens de uma força de 150 mil no primeiro dia de combates, o que dá uma taxa de baixas da ordem de 6%).
(c) Desconsiderva a taxa de mortalidade em batalhas menos importantes. O cara poderia muito bem sobreviver ao Dia D e morrer um mês depois, numa escaramuça qualquer…
Outro detalhe da guerra: as agências internacionais de notícias divulgaram, no fim de semana, a foto de um senhor britânico de 113 anos, que é o mais velho veterano da 1ª Guerra Mundial e o único sobrevivente do RNAS, um braço da Marinha inglesa que depois daria origem à RAF (“Nunca tantos deveram tanto a tão poucos…”).
Gente assim não devia ter permissão para morrer. Devia ser congelada, e ressuscitada a cada trinta ou quarenta anos para contar as memórias às novas gerações.
Paradoxo de sexta (29 1/2)
Bom, como eu já havia confessado, o da semana passada não tem uma solução clara. Aparentemente, parece óbvio que o lógico é pegar apenas a caixa com R$ 1 milhão. O computador teria previsto isso, e tudo bem. Mas: (a) não há garantias de que o computador é infalível (ele pode ser apenas muito bom); e (b) se já há R$ 1 milhão garantido numa caixa, por que não pegar ambas?
Por outro lado, se ele previu que você pegaria ambas e você pegar só uma, você caba com um sapato velho e mais nada!
Mais do que um paradoxo da previsão, esse parece ser um paradoxo da causação reversa — como se a decisão que você vai tomar agora pudesse causar algo nos sistemas do computador, uma semana atrás.
Se não há causação reversa, não há como a decisão que você vai tomar agora afetar o que o computador previu. Na verdade, o que ele previu é independente da sua decisão. Logo, o melhor é pegar as duas caixas.
Supor que, em vez de um computador, a prêmio tenha sido definido por um ser sobrenatural perfeitamente onisciente muda alguma coisa? A onisciência parece substituir a causação reversa por causação futura — você não tem escolha a não ser ser como o ser onsiciente previu (do contrário, ele deixará de ser onisciente). Mas esse tipo de causação estrita nega a possibilidade de livre arbítrio. Ou não?
E aqui fica o paradoxo desta semana (que chamei de 29 1/2 porque ele deriva do da semana passada), o Paradoxo do Compatibilsimo: Se o estado do universo neste instante é uma consequência do — isto é, foi causado pelo — estado do universo no instante anterior, como pode existir liberdade?
Micróbios vão ao espaço
Como se já não bastasse o fato de eu ser velho, gordo e terceiro-mundo demais para ser o primeiro jornalista em Marte, ainda me aparece essa: saiu a lista de dez formas de vida microscópicas que foram selecionadas para o experimento Life, que vai enviar uma cápsula com seres vivos para Fobos (uma das luas marcianas) e trazê-la de volta, a fim de ver se essas criaturas são capazes de resistir aos rigores da viagem.
Os felizardos são:
Bacillus safenis: bactérias descobertas na Mars Phoenix, da Nasa, mesmo depois de todos os procedimentos de descontaminação aplicados à sonda;
Deinococcus radiodurans: também conhecida como “Conan, a Bactéria”, esse organismo é capaz de sobreviver a doses de radiação 150 vezes superior à suficiente para matar um ser humano;
Bacillus subtilis: essa é uma bactéria “genérica”. Sobreviverá sos 34 meses no espaço? Bem, é isso que queremos saber!
Haloarcula marismortui: este é um arqueano, que sobrevive em condições de salinidade obscenas.
Methanotermobacter wolfeii: outro arqueano, neste caso um que produz metano. Este é um bicho relativamente comum, e está indo a Fobos por conta da suspeita de que há micro-organismo gerando metano em Marte.
Pyrococcus furiosus: é preciso respeitar um bicho que tem “fogo” e “furioso” no nome! Este arqueano aprecia temperaturas de 70 a 100 graus Celsius.
Saccharomyces cerevisiae: lêvedo de cerveja! Não, não se trata de uma prospecção de mercado da ImBev. Ele vai a fobos como um “organismo modelo”, já que suas reações aos ambientes terrestres é bem documentada, e será fácil compará-la aos efeitos da viagem espacial.
Arabidopsis thaliana: uma planta! na verdade, uma planta bem “genérica”, e que vai ao espaço como modelo, seguindo o mesmo tipo de raciocínio do lêvedo.
Tardigrados: animais parecidos com ácaros, têm 1,5 milímetro de comprimento. São extremamente resistentes a extremos de temperatura e pressão.
Por fim, a cápsula Life levará a Fobos amostras de permafrost — no caso, de solo congelado da Sibéria. O objetivo é ver como a ecologia microbiana do permafrost reage à viagem.
O teste nuclear norte-coreano
Se há algo que marca a encruzilhada entre ciência e política, na consciência mundial, é a aplicação bélica da tecnologia nuclear. Cientistas conceberam a bomba; cientistas convenceram o governo dos EUA a construí-la; cientistas construíram-na; cientistas vêm, desde então, tentando convencer os governos a desistir desse tipo de armamento… com muito pouco sucesso.
(A ficção científica também tem alguma culpa, já que a primeira descrição de uma explosão nuclear apareceu num livro de H.G. Wells, e o mecanismo de ativação de um artefato nuclear foi descrito, em detalhes picantes, num pulp de ficção, enquanto o Projeto Manhattan ia a pleno vapor. )
É bem interessante, portanto, o relatório especial do Boletim dos Cientistas Atômicos sobre o teste nuclear norte-coreano da última semana.
Segundo os dados levantados para o Boletim, os relatos iniciais do sucesso do teste e da potência da bomba foram amplamente exagerados.
Bombas nucleares do estilo usado na 2ª Guerra Mundial — e que parecem ser os únicos modelos que países como a Coreia do Norte têm capacidade de fazer — funcionam de uma forma bastante simples: uma explosão convencional é usada para impulsionar massas de material físsil — urânio ou plutônio — em direção umas das outras, gerando uma massa crítica que sustenta a reação nuclear explosiva.
No caso de uma bomba de urânio, esse processo é realmente tão simples quanto a teoria prevê: basta ter uma “pistola” que dispare uma das massas subcríticas em direção à outra, e BUM!, lá se vai sua cidade favorita pelos ares.
A bomba de plutônio, no entanto, é mais chatinha que isso. Por conta de impurezas que se acumulam no plutônio produzido como lixo nuclear em usinas atômicas — e que é a matéria-prima das bombas — a massa crítica tem que ser formada de um modo bastante preciso e específico.
O design “Fat Man” (“Gorducho”) criado pelos americanos para a bomba de Nagasáqui requer uma esfera de plutônio que é encolhida subitamente por uma série de detonações convencionais simultâneas. Essas explosões reduzem o raio da esfera e aumentam sua densidade até um nível crítico. “Simultâneas” é a palavra chave aqui: uma diferença de algumas dezenas de microssegundos representa a diferença entre uma arma nuclear de 20 megatons e um chabu nuclear.
Esse chabu ainda seria uma “bomba suja”, capaz de espalhar material mutagênico e cancerígeno por uma boa área mas, até aí, o que você quer é vaporizar o inimigo, certo?
Ao que tudo indica, o que a Coreia do Norte busca é um modelo estilo “Fat Man” (um motivo seria fato de que bombas de urânio são tão simples que realmente não precisam ser testadas). E, também ao que tudo indica, o teste e 2009 foi outro chabu, embora menos retumbante que o de 2006.
Paradoxo de sexta (29)
Começando, como sempre, pelo da semana passada: é tentador tratar a afirmação do prefácio sobre haver erros no livro como um mero mecanismo retórico, mas não é disso que o paradoxo trata: a questão é que parece haver motivos fortes para acreditar que o livro é completamente correto E que ele contém erros. Mas isso é uma contradição, como “triângulo redondo”. Como escapar dela?
Minha solução favorita é a probabilística. Digamos que o autor tem um alto grau de confiança em cada uma das afirmações feitas no livro — que pesquisou cada uma delas até 97% de confiança em cada uma. Se o livro faz, digamos, 100 afirmações, a chance de todas estarem corretas é de (0,97)100, o que dá… peraí… 0,04, ou apenas 4%!
Ou seja: embora cada afirmação do livro tenha 97% de chance de estar certa, a chance de todas estarem certas juntas é de menos de 5%.
O desta semana é o Paradoxo de Newcomb. Para ser completamente honesto, aviso que não existe uma solução consensual para este problema; há quem acredite que ele traz uma falácia embutida (como as provas de que 1=0), mas isso ainda não foi provado para a satisfação da comunidade filosófica (e matemática).
Funciona assim:
Imagine que você é convidado a participar de um game show de TV, no qual lhe apresentam duas caixas, uma vermelha e uma azul. Você tem a opção de pegar ambas a caixas, ou apenas a vermelha. O apresentador lhe diz que a caixa azul com certeza contém R$ 1 mil. Já a vermelha…
Bom.
Uma semana antes do dia do show, um supercomputador foi usado para criar um modelo matemático do seu cérebro (este é um supercomputador futurista, que até hoje foi perfeitamente capaz de modelar e simular corretamente tudo que lhe pediram, incluindo muitas coisas que parecem bem mais complexas que o cérebro de um participante de game show). Com base nesse modelo, o computador previu qual seria sua escolha. E com base nessa previsão, a caixa vermelha foi preenchida da seguinte forma:
(a) Com R$ 1 milhão, se o computador previu que você só pegaria ela.
(b) Com um sapato velho, se o computador previu que você pegaria ambas.
(c) Com um sapato velho, se o computador previu que você decidiria aleatoriamente.
Perceba que as caixas foram preenchidas com antecedência: o dinheiro não vai se transformar em sapato velho (ou vice-versa) no instante em que você decidir.
Qual a melhor decisão? Por quê? Se em vez do supercomputador fosse Deus fazendo a previsão, isso faria alguma diferença? (suponha, para efeito de argumento, que Deus existe neste cenário, e é onisciente).
Meu gato está morrendo
Enquanto escrevo, a gata vira-lata (com um certo jeito de siamesa) que mora comigo há 17 anos agoniza no tapete da sala, embrulhada em uma manta xadrez. Estou esperando o veterinário para avaliar a situação e discutir opções, mas não tenho muitas dúvidas quanto a qual será a decisão final.
Não sei se gata, a esta altura, sente dor: ela parece inconsciente, mas apresenta pequenos espasmos nas patas dianteiras e no pescoço. Seria dificuldade para respirar?
Ao mesmo tempo em que me vejo pensando na questão da mente dos animais irracionais — até que ponto eles sentem (dor, amor, saudade, ódio)? até que ponto o modo deles de sentir é comensurável com o nosso? — penso também nas decisões que tomei pela gata: trazê-la ao apartamento, tirando-a do jardim da casa onde morei até 2000; não teria sido melhor para ela ficar por lá, com árvores e passarinhos? Mas ela teria vivido tanto na rua, com o risco constante de atropelamento, do cachorro do vizinho?
Eu tinha o direito de decidir por ela? E se não tivesse, como consultá-la? Faz sentido falar nisso? Ela não é, ao fim e ao cabo, apenas um autômato orgânico, programado pelos instintos para reagir às condições ambientais? Mas, até aí, não somos todos?
Penso também, claro, na decisão que vou tomar daqui a pouco. Esta, pelo menos, será fácil: só o que me incomoda é a demora do veterinário em chegar. Como já disse alguém, guardamos para nossos animais de estimação uma misericórdia que negamos a nós mesmos.
Regenerando uma moeda
Suponha que você precise de uma moeda para tomar uma decisão num lance e cara-ou-coroa — por exemplo, definir quem dará o pontapé inicial num jogo de futebol, ou se o vilão Duas-Caras deve ou não matar a mocinha indefesa — mas desconfie que a única moeda disponível seja “desonesta”, isto é, não tenha uma probabilidade de 50% de cair para cada lado.
Haverá salvação? Surpreendentemente, sim. A técnica foi originada pelo matemático John von Neumann, e consiste em jogar a moeda duas vezes para o alto, ignorando todos os resultados repetidos, tipo AA (duas cAras) ou OO (duas cOroas).
Isso funciona porque, se a probabilidade de a moeda dar “O” é um número qualquer “x”, a probabilide de ela dar “A” será 1-x. Assim, a chance de ela produzir o resultado alternado “AO” será (1-x)x, e o resultado alternado “OA”, x(1-x). Como a ordem dos fatores não altera o produto, as alternadas AO e OA têm exatamente a mesma chance de aparecer.
Claro, para esse sistema funcionar é preciso atribuir significados aos resultados AO e OA, por exemplo, chamando AO de “cara” e OA de “coroa”. Isso é tudo o que basta para fazer uma moeda viciada dar uma resposta honesta.
Investigando a grande lixeira oceânica
Quem leu o livro O Mundo Sem Nós, de Alan Wrisman, certamente ficou impressionado com sua descrição do destino dos plásticos e PETs — como esse mterial, até agora virtualmente indestrutível por meio de processos químicos ou biológicos naturais, fragmenta-se cada vez mais, indo parar até mesmo no interior de animais microscópicos.
Outro dado curioso sobre o destino do lixo é o chamado “Vórtice Plástico” do Oceano Pacífico, uma região entre os EUA continentais e o Havaí onde praticamente todas as formas de lixo jogadas ao mar na América e na Ásia vão parar, por conta das correntes oceânicas. Neste ano, uma equipe de cientistas pretende mergulhar no vórtice.
A preocupação imediata é a entrada do lixo plástico na cadeia alimentar humana. Mas é de se imaginar quanto tempo a evolução vai precisar para produzir uma bactéria capaz de digerir essa bagaça. E o estrago que esse bicho faria num supermercado — e no aquecimento global.
Ex-general dos marines e ex-astronauta é o novo chefe da Nasa
Sim, são a mesma pessoa: o general Charles Bolden, veterano da guerra do Vietnã e o mesmo homem que pilotou o ônibus espacial que levou o Hubble ao espaço em 1990 foi nomeado, no sábado, novo administrador da Nasa.
Às portas da festa dos 40 anos do pouso na lua da Apollo 11 e com o destino do Programa Constellation — estabelecido depois que o então presidente Bush determinou um retorno à Lua até 2020 — ainda indefinido, Bolden terá muito trabalho pela frente.
Abaixo, um vídeo da missão em que Bolden levou o Hubble o espaço, e no qual alguns reflexos na lente da câmera acabam gerando um pequeno mal-entendido ufológico entre o astronauta e o comando da missão (o áudio em inglês é meio ruim, mas vale a pena):