Energia escura e o que é uma idéia científica
A notícia passou meio batido, mas para mim foi a principal da semana: astrônomos encontaram uma evidência independente da existência de “energia escura”, o efeito que está acelerando a expansão do Universo, ao notar que os aglomerados de galáxias crescem menos do que deveriam, provavelemente por conta de algum tipo de influência antigravitacional.
Até agora, o argumento a favor da energia escura era meio circular — a idéia havia sido proposta para explicar o afastamento acelerado de estrelas distantes, e o afastamento acelerado de estrelas distantes era a evidência que substanciava a idéia.
Muita gente (incluindo gente bem-intencionada, por incrível que pareça) costuma babar de satisfação quando vê esse tipo de circularidade no pensamento científico, usando-o para argumentar que a ciência, no fim, só é válida porque é o que os cientistas dizem — algo que não teria mais valor do que afirmar que a bíblia é a palavra de deus porque é isso que a bíblia diz.
O fato, no entanto, é que embora praticamente todas as idéias explicativas, em qualquer campo da atividade humana, nasçam circulares — postula-se A para explicar B, e usa-se B como evidência de A — na ciência as idéias sempre aspiram a mais do que isso e, na verdade, fracassam quando não não vão além disso.
Dois critérios importantes para medir o valor científico de uma idéia são o escopo — será que ela é capaz de explicar mais coisas do que o fenômeno individual que levou à sua elaboração? — e a fertilidade — será que ela é capaz de sugerir a existência de fenômenos ainda não obervados?
Claro, “valor” e “fertilididade” não significam que a idéia esteja certa, mas apenas que é honesta o bastante para dar a cara a bater de encontro ao desconhecido: afinal, se os fenômenos propostos com base no princípio da fertilidade não forem observados, a idéia certamente estará em maus lençóis. E a energia escura, ao menos por enquanto, parece estar indo bem, obrigado.
África!
Como qualquer outro continente — ou país, ou estado, ou cidade, ou família — a África tem muitas facetas, e obviamente não se esgota na que vou destacar nesta minha contribuição à postagem coletiva.
Esse início “na defensiva” se explica pelo fato de que vou pinçar da África dois exemplos do mal que a superstição e sua prima mais bem vestida, a religião, trazem.
O primeiro, que me parece uma das maiores tragédias de nosso tempo, é o fracasso do plano mundial de erradicação da pólio, causado, fundamentalmente, pela oposição de líderes religiosos islâmicos da Nigéria.
O segundo é a aterrorizante campanha de assassinato de albinos para fins de magia negra, iniciada na Tanzânia e que já transborda para outras nações.
Para não me acusarem de islamófobo ou coisa que o valha, mancionarei também a cumplicidade da hierarquia católica local para com os massacres de Ruanda, embora esse episódio específico fuja ao escopo mais filosófico-científico que tento manter no blog.
Paradoxo de sexta (5)
Quanto ao da semana passada: era, de fato, o Paradoxo de Richard, um problma clássico do início do século 20. A solução está no fato de que o enunciado começa falando em uma lista das “propriedades aritméticas” dos números, e depois define uma propriedade extra, “ser cretino”, que não é aritmética: logo, ela não tem como entrar na lista e, logo, não há como se produzir o paradoxo.
O Paradoxo de Richard é importante porque tem a mesma estrutura de um outro paradoxo, esse verídico, o de Russell. Uma paráfrase do paradoxo de Russell é o do barbeiro: imagine uma cidade onde nenhum homem usa barba, e cuja população masculina se divide em dois grupos, mutuamente excludentes: os que se barbeiam a si mesmos e os que são barbeados pelo barbeiro. A qual grupo pertence o barbeiro?
Ok, esse paradoxo não tem solução. Então, vamos ao desta semana, que como sempre será falsídico — isto é, tem cara de paradoxo, mas não é.
Um jeito de imaginar o conceito de área é o de uma linha móvel. Imagine uma linha de dez centimetros de comprimento, no canto esquerdo da tela. Se você deslocá-la dez centímetros para a direita, ela terá coberto um quadrado de área 10×10 (Você pode imaginar que a linha deixa um rastro para trás, como se estivesse soltando tinta: esse rastro é o quadrado).
Parece perfeitamente claro que a área do quadrado conterá mais pontos que a linha que a originou — na verdade, essa área pode ser descrita como um aglomerado infinto de linhas idênticas, colocadas lado a lado.
Agora, se chamarmos um lado horizontal do quadrado de eixo “x” e um lado vertical de “y”, cada ponto do interior da área quadrada poderá ser descrito por coordenadas, digamos, (1;2), (4;5), etc.
E os pontos da linha geratriz, que produziu o quadrado? Eles também podem ser numerados. Na verdade, é possível criar uma correspondência exata entre os pontos da área e os da linha. Digamos que o ponto 1;2 do quadrado seja ligado ao ponto ), 1,2 da linha (que tem 10 cm, lembre-se). Que o ponto 4;5 seja ligado ao ponto 4,5; que o ponto 0,5;0,1 seja ligado ao ponto 0,501. Um a um, pode-se demonstrar que cada ponto da área correpnde a exatamente um ponto da linha.
Mas se é possível parear todos os elementos de dois conjuntos, sem que falte ou sbre nenhum, então, por definição, ambos os conjuntos têm o mesmo número de elementos. Logo, a área do quadrado não tem mais pontos que a linha. Como assim?
De quem é a vida, afinal?
O filme de 1981, com Richard Dreyfuss, no qual um escultor tetraplégico luta para conseguir o direito ao suicídio assistido continua atual, como atestam os casos de Craig Ewert, um dos chamados “suicide tourists” que procuram clínicas suíças para pôr fim à vida, e da italiana Eluana, cuja família, mesmo de posse de uma sentença judicial autorizando o coete da alimentação/hidratação da paciente, não encontraum hospital disposto a executar o procedimento (inclua aqui seu “rant” favorito contra obscurantismo católico e seus efeitos deletérios na cultura italiana).
O título do filme de Dreyfuss (na verdade, do diretor John Badham) vai direto ao cerne da questão: de quem é a vida? A posição liberal clássica é a de que o ser humano é, antes de tudo, proprietário de si mesmo — todos os outros direitos emanam desse fato.
Nesse caso, a rejeição ao suicídio assistido é uma violação da própria base do conceito de direito humano, uma porta perigosamente aberta ao totalitarismo. Se a coletividade pode privar uma pessoa da escolha de como morrer, o que a impede de privá-la de decidir como viver, em que religião acreditar, quais livros ler…?
Mas é óbvio que a perspectiva liberal não é a única. Existe a idéiade qu a vida não é propriedade da pessoa, mas algo que ela tem em sua custódia. A identidade do verdadeiro dono da vida varia dependendo da concepção que se adota — deus, o Estado, a família, a humanidade como um todo — mas o princípio geral é de que cada indivíduo tem o dever de usar a vida para o engrandecimento do verdadeiro dono.
Pessoalmente eu prefiro a visão liberal, mas isso não me impede de reconhecer que a perspectiva da vida como “dávida” ou “empréstimo” possa ser mais eficiente no longo prazo, darwinianamente falando.
Abaixo, trecho de um documentário sobre a morte de Ewert:
Criacionismo e escolas confessionais
A polêmica levantada inicialmente em artigo de Marcelo Leite, na Folha, e levada adiante em reportagem do Estadão, vem, junto com a idéia de transformar Galileu no patrono do diálogo ciênca-religião, reforçar a impressão pessimista sobre a possibilidade de convivência entre os dois campos, ao deixar claro que, para a religião, ciência boa é ciência devidamente submissa e amordaçada.
O problema é que, a menos que seja um tremendo hipócrita, o religioso tende a se ressentir da divisão do mundo em fatos científicos (a Terra é redonda) e “fatos” da fé (Jesus ressuscitou ao terceiro dia). A tendência, então, é promover os “fatos” a fatos — o que redunda em coisas como criacionismo ou o exemplo dado em aulas de matemática de uma escola confessional, “a tumba de Jesus após a ressurreição é um exemplo de conjunto vazio” — ou rebaixar os fatos a “fatos” (o que nos leva ao relativismo epistemológico mais delirante).
Qual a solução? Não tenho a mais vaga idéia. Bolas, isto aqui é um blog, não um tratado sociológico.
Mas só para complementar: é engraçado como os defensores do criacionismo não percebem que o que lhes parece a evidência amis forte de criação — o aparente design das formas e criaturas da natureza — é uma evidente blasfêmia: porque design é uma evidência de fraqueza. Seres humanos são forçados a projetar coisas porque há leis da natureza que precisam ser levadas em conta e que o homem é impotente para modificar e fraco demais para ignorar: um navio mal projetado afunda, uma casa mal projetada cai, uma nave espacial mal projetada desintegra-se na reentrada.
Se aves e peixes têm corpos adaptados à natação e ao vôo, corpos que tiram vantagem das leis da dinâmica dos fluidos, isso só mostra que quem quer que os tenha “projetado” se viu constrangido a se curvar a essas leis. Um ser onipotente de verdade poderia ter criado aves em forma de cubo que voam, e peixes esféricos que nadam. Já um lento processo de seleção natural jamais faria isso.
Paradoxo de sexta (4)
Sobre o da semana passada: a solução mais direta é reconhecer que a propriedade associativa não se aplica a seqüências infinitas. Pronto. O que eu fiz — deslocar o parêntese — não vale. É como fazer gol de mão no futebol. E ela não se aplica exatamente por conta de exemplos como o “paradoxo” apresentado: numa seqüência infinta, a forma como os termos são agrupados pode fazer diferença para o resultado final, o que nega a associatividade.
As soluções prpostas que sugeriam um “último termo” para aseqüência que anularia o “1” sobrante do início falham na medida em que uma série infinita não tem um último termo, por definição.
Agora, ao paradoxo de hoje. Ele começa com a afirmação, um tanto quanto óbvia, que qualquer conjunto de elementos que possa ser posto em ordem — alfabética, de altura, de data de fabricação, etc. — pode ser numerado: isto é, pode-se atribuir a cada elemento do conjunto um número natural (1,2,3…), de forma que a cada número corresponda um e apenas um elemento, e vice-versa.
Agora, os números naturais têm propriedades aritméticas — tipo, “ser par”, “ser ímpar”, “ser divisível apenas por si mesmo e por 1”, “ser o elemento neutro da multiplicação”, etc. É perfeitamente plausível que haja uma forma de organizar essas propriedades numa lista numerada, seja pelo número de letras da definição, por ordem alfabética, pela posição da primeira sílaba tônica… Enfim, um critério, ou conjunto de critérios, que permita atribuir, de modo único e inequívoco, um número a cada propriedade dos números.
Agora, pode haver o caso de o número da propriedade “x” ter a propriedade “x”. Por exemplo, suponha que, uma vez definido o critério, “ser par” acabe sendo, talvez por ter seis letras, a propriedade número 6. Ora, 6 é um número par! Podemos então definir uma nova propriedade — digamos, “ser cretino” — como sendo aquela possuída por todos os números que desfrutam da propriedade que descrevem. Então, 6 é um número “cretino”, porque o número 6 é par e corresponde a “ser par”. Mas digamos que 8 seja o número da propriedade “ser ímpar”. Então 8, por não ser ímpar, é “não-cretino”.
Agora, “ser cretino” e “ser não-cretino” também são propriedades dos números, logo devem entrar na nossa lista. Mas, então: o número correspondente a “ser não-cretino” é não-cretino ou não é? Bem, ser não-cretino significa não ter a propriedade correspondente, como no caso de “8: ser ímpar”. Logo, para ser não-cretino, o número dessa propriedade, a não-cretinice, não pode ser não-cretino. Mas se ele não for não-cretino, então ele é cretino, e se é cretino, ele tem a propriedade. Mas a propriedade é ser não-cretino. Mas, se ele for não-cretino, então, por definição…
Bom, se você ainda não correu atrás de um Engov, é porque deve ter entendido onde isso vai dar… Mas, e aí? Qual seria a saída desse paradoxo?
Desejo de Matar (1,2,3,4,5…)
Como já confessei aqui, tempos atrás, minha queda pela música do Van Halen, acho que minha reputação não poderá sofrer muito mais se eu afirmar minha apreciação particular pela série de filmes Desejo de Matar (Death Wish) estrelada pelo falecido Charles Bronson.
O primeiro filme da série é certamente um bom filme — aprofunda-se na psicologia do protagonista, Paul Kersey, um homem que vê a família devastada pela violência urbana e que enlouquece em razão disso. O segundo é ridiculamente manipulativo (citando estatísticas de crime fora de contexto e apresentando opositores da pena de morte como um bando de boçais), e do episódio 3 em diante a série torna-se “divertida” do mesmo jeito que, digamos, as séries Sexta-feira 13 ou Jogos Mortais são divertidas: ficamos imaginando como a próxima morte vai correr, qual será a nova coreografia macabra.
Mas um traço em comum a todos os Desejo de Matar — e a todos os outros filmes no estilo “homem comum toma a justiça em suas próprias mãos” — é o fato de que, da forma que os roteiros são escritos, nunca um inocente acaba ferido em razão direta das ações vingativas do protagonista (em Desejo de Matar 2 um policial morre ao seguir Kersey mas, em sua súltimas palavras, ele legitima as ações do vingador). Em outras palavras, o justiceiro nunca mata a pessoa errada.
Isso me traz à seguinte questão ética (tema que, afinal, está sendo o rei da semana no blog): suponha que existe um meio, absolutamente certo, uma tecnologia “X”, de deteminar se uma pessoa é culpada ou inocente do que a acusam — e não estou falando de adultério ou roubo de galinhas, mas homicídio, seqüestro, estupro.
Dada a tecnologia X, eliminada a possibilidade de erro judiciário, a penade morte seria justificável?
As Leis da Robótica
Sempre que surge uma discussão sobre ética (como a suscitada pela minha postagem anterior) eu me lembro das Três Leis da robótica de Isaac Asimov. Quase todo mundo já ouviu falar nelas, provavelmente:
1. Um robô não pode ferir um ser humano ou permitir, por omissão, que um ser humano seja ferido.
2. Um robô deve obedecer a todas as ordens que receber de um ser humano, exceto no caso de a obediência acarretar numa violação da primeira lei.
3. Um robô deve preservar a própria existência, exceto no caso de essa preservação acarretar uma violação da primeira ou da segunda leis.
Boa parte da série de histórias de robôs desenvolvida por Asimov dos anos 30 aos 80 gira em torno de desafios, violações ou inconsistências dessas leis; nesse aspecto, o filme Eu, Robô é bastante fiel ao espírito da obra asimoviana.
Em termos humanos, as leis da robótica representam um paralelo interessante com nossos ideais éticos. Mas o mais interessante, ao menos para mim, é a forma como as leis são implementadas nas histórias asimovianas. Elas não são parte de um programa instalado nos robôs, como o Windows do meu computador, que poderia muito bem ser um MAC OS ou um Linux; elas são estruturais. Um robô asimoviano é tão incapaz de contemplar violá-las quanto um ser humano é incapaz de visualizar as duas interpretações de um cubo de Necker simultaneamente.
O que me faz imaginar: haverá algum tipo de ética estrutural, construída no cérebro humano, como as leis da robótica são construídas no cérebro dos robôs ficcionais?
Certamente essas regras, se regras houver, estão impressas com menos força do que as leis robóticas — provavelmente não há uma definição de decência que não tenha sido violada por alguém em algum momento da história, e aqui eu uso “decência” num sentido bem mais amplo que o de moral sexual ou boas maneiras — mas sempre que me surge a idéia de que a ética é uma construção puramente cultural eu me lembro do paradoxo de Platão: os deuses amam as boas ações porque são boas ou as ações são boas porque os deuses as amam?
No primeiro caso, existe algum tipo de intuição universal sobre o que é uma “boa ação”, partilhada por homens e deuses; no segundo, fazer o bem é apenas uma forma arbitrária de puxassaquismo místico.
Felizmente, a evidência científica parece apontar para o primeiro caso: por exemplo, no curioso experimento que revelou um senso de justiça entre macacos.
Razão: modo de usar
Frase que volta e meia aparece em conversas com amigos religiosos: ‘Se você tivesse um plano perfeito, o que o impediria de matar seu vizinho?’ O argumento não é novo e está muito bem consagrado, por exemplo, no filme Festim Diabólico, de Alfred Hitchcock. A idéia geral é a de que, sem algum tipo de cabide metafísico — um mandamento divino ou coisa a sim — não há onde “pendurar” uma moralidade pessoal.
Ou, o único motivo racional para não cometer um crime é o medo de punição. Se esse medo for removido…
Questões assim mostram uma certa incompreensão do que é, afinal, a racionalidade, motivo racional ou a razão. Para entender do que estou falando, é bom lembrara a distinção entre um argumento válido ou um argumento verdadeiro. Por exemplo, “Toda árvore cresce com as raízes para cima/meu carro é uma árvore/meu carro cresce com as raízes para cima” é válido, mas evidentemente falso.
A razão é uma ferramenta. Digamos, como um serrote: pode cortar tanto mogno quanto um compensado vagabundo.
A melhor definição sobre comportamento racional que já encontrei é dos sociólogos Rodney Stark e William Bainbridge: uma criatura dotada de objetivos e de crenças sobre como alcançá-los age racionalmente quando se comporta de forma consistente com essas crenças em busca daqueles objetivos.
Assim, um sacerdote pagão age racionalmente quando, em busca de chuva, sacrifica um touro para Zeus: afinal, ele acredita que Zeus é o manda-chuva (literalmente) e que pode ser subornado com a ajuda de uma carcaça de touro. Logo…
Resumindo: a razão é um instrumento que usamos para manipular nossas crenças em busca de nossos objetivos. Se (a) nossas crenças forem verdadeiras e (b) nossa aplicação da razão for correta, o objetivo tem uma bela chance de ser alcançado.
Assim, a razão não diz o que você quer, ela só sugere a melhor forma de como conseguir, com base no que você sabe ou acredita que sabe. Se o seu objetivo for só ter crenças verdadeiras, a razão leva ao método científico, mas esse é apenas um objetivo possível. A escolha de objetivos é muita vezes inconsciente, emocional, intuitiva. O homem é um animal, moldado pela seleção natural e pelas pressões da sociedade em que vive. Suas metas nascem desses condicionamentos. Sem eles, não seria possível ter metas. Um ser de razão pura, incapaz de sentir fome, sede, amor, ambição, etc., é como o deus de Espinoza ou o asno de Buridan: uma massa inerte.
Assim, a idéia de que o único ‘motivo racional’ para não matar alguém é o medo de punição representa um erro conceitual: o único ‘motivo racional’ para se ter um ou outro objetivo é se esse objetivo for um passo intermediário na busca de um objetivo maior, cuja justificativa não será racional, mas emocional, biológica, estética ou, até religiosa — a inquisição, por exemplo, teve motivos perfeitamente racionais para matar muita gente.
Assim, por que o racionalista não mata o vizinho? Porque não quer. Essa resposta, profundamente verdadeira, dificilmente satisfaz o argumentador religioso. ‘E se quisesse?’, é a réplica.
Aí é a hora de devolver a pergunta: por que o religioso não mata o vizinho? A resposta pode ser uma longa peroração sobre o valor intrínseco da vida humana como dom divino e etc e tal, mas no fim sempre cabe a tréplica: ‘E se seu deus mandasse?’
Paradoxo de sexta (3)
O da semana passada foi morto e enterrado logo a sexta, mesmo: tratava-se, de fato, de um uso falacioso do princípio da indução matemática para generalizar um fato que, realmente, não funciona no caso de conjuntos com dois elementos. Vou ter que começar a pensar em coisas mais complicadas de agora em diante…
Bom, temo que o desta semana também vai cair rapidinho, mas ele é interessante o suficiente (em minha opinião, ao menos) para merecer ser mecionado.
Começa assim:
0 = 0+0+0+0+0+0… ad infinitum
Mas, como 1-1 = 0 , dá para escrever a série acima da seguinte forma:
0 = (1-1)+(1-1)+(1-1)+(1-1)…
Agora, soma e subtração têm o que os matemáticos chamam de propriedade associativa. Basicamente, numa seqüência de contas de mais e de menos, tipo a+b-c+d, tanto faz onde se colocam os parênteses: (a+b)+(-c+d), a+(b-c+d), a+(b-c)+d, etc., tudo isso dá o mesmo resultado — se quiser, escolha quatro números à vontade e faça o teste.
Então, deslocando os parênteses uma casa para a direita, é possível escrever a seqüência acima como:
0 = 1+ (-1+1) + (-1+1) + (-1+1)…
Onde é evidente que todos os parênteses somam zero, logo podem ser eliminados deixando…
0 = 1.