Causa e efeito

Sabia que nenhum povo, por mais “primitivo” que seja, faz a dança da chuva na estação de seca, nem no meio de um deserto?

Isso pode ser atribuído a dois motivos: primeiro, porque a dança é parte de um ritual de fertilidade do solo, e ninguém é louco de esperar solo fértil em plena seca ou no coração do Saara. Segundo, porque nenhum xamã (pajé, curandeiro, sacerdote, sábio, etc.) vai querer pôr a própria reputação em risco. Todo mundo sabe, afinal, que é na estação das chuvas que chove!

Um dos efeitos dessa aplicação diligente de marketing pessoal por parte dos feiticeiros tribais é uma alta taxa de correlação entre dança da chuva e, claro, a chuva: na esmagadora maioria das vezes, horas ou dias depois da dança, chove. Você pode experimentar: saia pulando e agitando guizos pela rua em fevereiro e, depois, gabe-se de ter enchido os reservatórios das hidrelétricas.

Nem toda superstição tem uma correlação tão forte com o evento que pretende causar (ou evitar), no entanto: muitas vezes, a conexão está mais na cabeça do supersticioso – se ver um gato preto dá azar, qualquer coisa ruim que acontecer a alguém depois da passagem do bichano será atribuída a ele.

Para se distrair no fim de semana, dê uma olhada nesta base de dados de superstições e tente imaginar que tipo de “evidência” alimenta essas crenças. É um exercício e tanto.

O homem do Vaticano

Imagine se se descobre que um país estrangeiro fez lobby para a indicação de um ministro do Supremo Tribunal Federal — pior ainda, imagine se se descobre que o lobby foi bem-sucedido.

Se o país estrangeiro for os EUA, a Argentina ou a Namíbia, seria um escândalo institucional capaz de derrubar o governo, com hordas nacionalistas em passeata pelas ruas, discursos inflamados do Congresso e editoriais virulentos na mídia.

Como é o Vaticano, fica tudo por isso mesmo.

Um pouco de ficção edificante

Os chamados gêneros fantásticos (ficção científica, fantasia, o chamado “fantástico literário” de Borges e Poe, etc.) são uma forma literária cultivada por apologistas religiosos de vários timbres e persuasões.

No caso da fantasia isso até não surpreende tanto — uma pessoa disposta a organizar sua vida em torno de poemas épicos da Idade do Bronze cedo ou tarde deve sentir a tentação de criar os próprios, como JRR Tolkien fez em “O Senhor dos Anéis” — mas a ficção científica também é um campo fértil para investidas do tipo. O que, para mim ao menos, sempre foi meio surpreendente.

Essa apropriação da fc pelo proselitismo costuma ter uma forma muito clara: ao final da narrativa, os orgulhosos cientistas vêem como os humildes padres/sacerdotes/profetas é que estavam mesmo certos, e acabam mortos, loucos ou submetem-se de bom grado a alguma forma abjeta de conversão. Talvez o melhor exemplo dessa tendência seja o ótimo (ei, qualidade independe de ideologia) “Um Cântico para Leibowitz“, de Walter M. Miller Jr.

Mas, claro, a cada ação corresponde uma reação, se me permitem tirar as leis de Newton de contexto por um momento. O fantástico conto The Streets of Ashkelon de Harry Harrison, sobre um padre que tenta leavr a palavra de Cristo a uma comunidade de ETs, talvez seja o manifesto de ateísmo mais forte e conciso já escrito, e há alguns anos foi publicada nos EUA a antologia Galileo’s Children, uma poderosa coletânea de histórias que põem a superstição (e a religião) no devido lugar.

Isso, em termos internacionais. A ficção científica brasileira, infelizmente, ainda é muito permeada pelo tipo de “moral da história” em que tradição/sentimento/misticismo dão de dez a zero na fria racionalidade.

Felizmente, há sinais de que esse negócio está dando no saco. Um exemplo que deixo aqui é o conto Cardeais em Órbita, publicado no suplemento online Palavra do Le Monde Diplomatique brasileiro.

Espero que, depois deste exemplo, surjam outros!

O fetiche do sofrimento

Religiões em geral, e o cristianismo em particular, com sua ênfase em sacrifício e a assimilação do estoicismo helênico pelos pais da igreja, cumprem uma função histórica de conciliar duas emoções antagônicas do ser humano — a sensação de impotência perante o sofrimento e a fome de relevância pessoal desencadeada pelo narcisismo.

Essa conciliação se dá quando se empresta ao sofrimento um sentido: nenhuma dor é gratuita; sofrer é bom para você; sua penúria será recompensada no além; a tragédia faz parte de um plano cósmico.

Não devemos nos apressar em condenar esse tipo de placebo psicológico. Afinal, durante milênios, tratou-se do único analgésico disponível.

Mas, com o surgimento dos antibióticos, da anestesia, da psicologia e psiquiatria, a situação tornou-se insustentável. A religião se transformou numa espécie de repartição pública sem função, lutando furiosamente para não ser fechada na próxima reestruturação do serviço.

Os pastores protestantes que atribuíram terremotos e incêndios à disseminação de vacinas e pára-raios estavam, ao menos, sendo coerentes: o cristianismo é, ao fim e ao cabo, o culto de um deus sádico, que cria seres imperfeitos apenas para obrigá-los a sofrer a fim de expiar pecados que não tinham como evitar cometer.

Daí, não há nada de surpreendente na evidente crueldade da oposição religiosa aos estudos com células-tronco embrionárias, mesmo se feitos a partir de embriões congelados e já inviáveis.

O dia em que o mundo não for mais um vale de lágrimas, o crsitianismo estará emparedado.

Células-tronco, o tira-teima

Agora em março, o Supremo Tribunal Federal deve julgar um Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a liberação – limitadíssima – do uso de embriões humanos em pesquisas com células-tronco.

Acho que já fiz uma quantidade razoável de “rants” por aqui quanto à estultice intrínseca da idéia de que um óvulo fertilizado deveria ter qualquer tipo de “direito”. Uma outra postagem minha sobre bioética é esta qui.

Destaco, apenas, dois pontos: primeiro, que a Adin foi proposta, em 2005, pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, um católico fervoroso. E depois dizem que foram os petistas que inventaram o aparelhamento do Estado. O tempora, o mores…

Segundo, a corajosa resistência do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ao avanço da onda obscurantista. Este é um típico caso do ministro ser um homem público de estatura muito mais elevada – e de vértebras muito mais firmes – que o presidente a que serve.

Por fim, deixo aqui links para três documentos interessantes sobre o assunto, os dois primeiros extraídos dos anais do Conselho Presidencial de Bioética dos EUA. Um deles é um relatório, Monitoring Stem Cell Research, que resume os pontos do debate. O outro é o depoimento do geneticista John Opitz perante esse mesmo conselho, que traz uma descrição fantástica do desenvolvimento embrionário. Em último lugar, um ótimo reductio ad absurdum do verniz de “verdade científica incontestável” que a igreja católica tenta dar a seus dogmas nesta questão.

Neste dia, há 504 anos…

Durante sua quarta viagem ao Novo Mundo, Cristóvão Colombo usou a previsão de um eclipse lunar para convencer nativos da Jamaica a não parar de alimentar a ele e a sua triçulação — o navio dos europeus havia encalhado.

Um relato descreve o evento assim:

“…ele (Colombo) pediu aos chefes que participassem de uma reunião pouco antes do pôr-do-sol de 29 de fevereiro de 1504.

“Colombro abriu a reunião com uma advertência sombria: ‘O Todo-Poderoso estava infeliz, não gostava da forma como os nativos vinham tratando Colombo e seus marinheiros. O Todo-Poderoso agora mostraria sua desaprovação, removendo a Lua do céu'”(…)

Sabe-se até o nome do almanaque astronômico que Colombo usou: Ephemeris, do matemático alemão Johannes Müller von Königsberg, ou Regiomontanus — curiosamente, um geocentrista convicto.

Há várias lições importantes nesta pequena pérola histórica, mas fiquemos com esta: saber um pouco mais que a choldra ao redor, ter cara-de-pau e falar em nome do Todo-Poderoso são garantias de vários almoços grátis. Hoje, tanto quanto 500 anos atrás.

Qual a sua religião?

Saiu pesquisa nova do Pew Forum on Religion and Public Life dos EUA sobre a composição religiosa da população americana. Há alguns dados interessantes, como o de que o catolicismo e as testemunhas de jeová são as duas denominações que mais perdem fiéis, mas que as testemunhas conseguem um certo equlíbrio entre perdidos e ganhos, enquanto que os católicos seguem à míngua. Dez por cento da população dos EUA é composta de “ex-católicos”. Se essa fosse uma categoria à parte, teria quase o mesmo número de aderentes que os evangélicos batistas!

Falando em comparações do tipo, é interessantre notar que ateus e agnósticos já são 4% da população, igual à soma de judeus, muçulmanos e mórmons — os agnósticos, sozinhos, superam cada uma dessas três religiões com folga.

É importante chamar atenção para essas coisas porque boa parte do poder de pressão das religiões sobre a autoridade civil vem da ameaça velada de mobilização/manipulação das massas de fiéis (“quantas divisões tem esse papa?”, como dizia o coroinha Josef Stálin) e — aqui confesso um inelutável “wishful thinking” de minha parte — cada vez mais desconfio que muito dessa ameaça, como a que paira sobre nossas cabeças na atual campanha da fraternidade, é puro blefe.

No Brasil, claro, não temos os números quebrados em agnósticos e ateus, mas apenas dos “sem religião” (que, com 7,4%, superam os espíritas, os cultos afro e muitos mais):

Dizem que o IBGE é extremamente teimoso quanto a não perguntar se as pessoas acreditam em Deus. Vá lá saber por quê. De repente, tem medo da resposta.

Alguém podia explicar pra esse cara…

CIDADE DO VATICANO (EFE) – O papa Bento XVI disse neste sábado, 23, em sua mensagem aos fiéis na Praça São Pedro, que educar “nunca foi fácil” e atualmente “parece ter ficado cada vez mais difícil” porque circulam “muitas” incertezas e dúvidas na sociedade.

Que incertezas e dúvidas não são um obstáculo, mas a base de qualquer processo educacional digno do nome?

Sexo: a fronteira final?

Me pergunto por que certos pais se preocupam tanto com a vida exual dos filhos. Óquei, existe o risco de doenças e, claro, basta uma noitada adolescente irresponsável para o sujeito virar avô (ou avó) com uma ou mais boquinhas para sustentar.

Mas grupos como estes pais espanhóis, ou os americanos que pregam o voto de virgindade vão muito além da mera preocupação com os aspectos sanitários, econômicos ou (vá lá) psicológico-emocionais do sexo.

Uma leitura atenta do noticiário a respeito revela um aspecto perverso nessa história toda, encoberto (não muito bem encoberto, é verdade, já que até eu consegui notar) por toda a conversa sobre “valores” e “família”: controle.

Um dos fatos mais interessantes sobre a assim chamada civilização ocidental é a constante redução do poder dos pais sobre os filhos: séculos atrás estava nas mãos do pai decidir a religião, a educação, a profissão, a opção sexual e o(a) parceiro(a) de cada filho(a).

Esse domínio total vem se corroendo, graças aos avanços do liberalismo, do laicismo e da sociedade de consumo (é, ela faz coisas legais de vez em quando).

Claro, quem como eu já teve de fazer uma viagem de duas horas de ônibus ao lado de uma menininha de cinco anos que berrava a plenos pulmões o repertório da Xuxa, para aplauso extasiado da mãe boçalizada, sabe que até a liberdade da juventude tem lá seus pontos negativos, mas não é disso que estou falando: os pais continuam a ter o dever de civilizar os filhos.

O que ocorre é que o poder que acompanhava esse dever vem sendo corroído. Nesse aspecto, a luta pelo controle da educação sexual parece ser uma espécie de última trincheira da velha visão do filho como um reflexo e produto do pai, em oposição a um ser humano ainda não autônomo, mas capaz de autonomia.

Um átomo de cada vez

Quantos anjos podem dançar na cabeça de um alfinete? O que acontece com a alma das criancinhas que morrem antes de ser batizadas (e que são 80% de todas as almas, de levarmos a sério o papo de que cada óvulo fertilizado é uma pessoa)? Como explicar metafisicamente que uma coisa que tem cara de biscoito, gosto de biscoito, composição química de biscoito é, na verdade, carne humana?

Passo. A questão mais interessante de todas é: quanta força é necessária paramover um único átomo? A resposta está na edição desta semana da revista Science, e é descrita no jornal The New York Times.

A resposta parece depender do substrato onde o átomo está, mas é, no mínimo, de 4,45 x 10^-8 newton ou a força necessária pra erguer uma massa de 4,45 x 10^-9 kg (4,5 MICROgramas –corrigido: eu tinha escrito “pico”) no campo gravitacional terrestre.

(Físicos e engenheiros, corrijam-me se eu estiver errado: sou apenas moderadamente competente nessas coisas)

Não só o experimento que determinou esse dado é de uma beleza ímpar, não só o resultado tem uma importância enorme no campo da nanotecnologia, como o conceito é vertiginoso: seres humanos conseguiram deslocar um único átomo, uma entidade cuja simples existência foi polêmica por milênios.

E ainda há quem prefira contemplar a imagem da Virgem ou o Óleo Sagrado das Oliveiras de Judá ou whatever.

Fazer o quê?

Categorias

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM