Estreia a Rejecta Mathematica!

Está no ar o journal Rejecta Mathematica, dedicado a publicar, como o nome diz, trabalhos rejeitados pelo processo de peer-review das revistas tradicionais de matemática.
Não se trata, no entanto, de uma publicação dedicada aos doidões que tentam provar que pi é igual a 3,0 ou que é, sim, possível dobrar o volume de um cubo usando apenas régua não-graduada e compasso, mas que se propõe a apresentar resultados interessantes, só que talvez não interessantes o bastante para o mainstream, ou simples erros dotados de valor didático.
A divisa da revista é Caveat Emptor (“o cliente que se cuide”), uma advertência de que o que aparece lá pode ser controverso, inútil ou simplesmente errado.
O tipo de material que o Rejecta vai aceitar (sim, é possível ser rejeitado por ele!) divide-se, segundo os editores, nas seguintes categorias:
Becos escuros da ciência: artigos contendo resultados negativos podem alertar outros pesquisadores a não tentar a mesma abordagem;
Reinvenção da roda: artigos que inadvertidamente apenas reproduzem um resultado conhecido podem conter ideias ou técnicas novas;
Quadratura do círculo : artigos que contenham um grave erro técnico podem, a despeito disso, oferecer informações ou ideias interessantes;
Aplicações da fusão a frio: artigos que partem de uma premissa controversa podem conter ideias aplicáveis em outros contextos;
Gênio incompreendido: artigos que simplesmente não se encaixam na política editorial das demais publicações especializadas.
Ao que tudo indica, o Rejecta vai ser um periódico dedicado mais aos meios que aos fins: se um argumento interessante leva a um resultado inválido, do ponto de vista do novo journal, trabalho vale, seja como advertência ou como desafio para outros pesquisadores. Talvez a matemática seja a única ciência onde algo assim é possível…
Como os editores do Rejecta afirmam, o periódico não representa uma crítica ao processo de peer-review, já que se alimenta dele, ao abrigar artigos que já passaram pior uma revisão crítica.
Ah, sim: cada trabalho publicado no novo journal sairá acompanhado de uma carta do autor explicando os motivos da rejeição.

Astrobiologia e o Vaticano

O Vaticano concluiu esta semana um ciclo de cinco dias de debates sobre vida extraterrestre. Se eu fosse um cínico, diria que, dada a progressiva queda no número de espectadores pagantes neste planeta, o show a mais tempo em cartaz no Ocidente prepara-se para procurar público em outras salas de espetáculo do Universo.
Mas, não sendo esse o caso, o seminário merece elogios por representar um reconhecimento, ainda que por vias tortuosas, de que os fatos serão o que os fatos revelarem, e mais vale a pena preparar-se para eles do que negá-los.
Trata-se de lição duramente aprendida após o desastroso caso Galileu, ainda que de modo extrememente lento: livros defendendo o heliocentrismo só puderam passar a ser publicados legalmente em Roma a partir de 1822; a teoria heliocêntrica havia sido relegada ao Índice de Livros Proibidos pelo papa Alexandre VII, ainda no século XVII.
(Existe um debate pequeno, porém muito interessante, sobre se o decreto de Alexandre condenando todos os livros que tratavam do assunto, mais uma manifestação anterior do papa Paulo V afirmando que ao heliocentrismo é “falso e em absoluta contradição com a Sagrada Escritura” não estariam cobertos pelo dogma da infalibilidade papal; oficialmente, a única coisa inequivocamente coberta pela infalibilidade é a Ascensão de Maria, o que sugere que os papas pereferem só se declarar infalíveis em questões claramente não-popperianas; a honestidade intelectual da manobra eu deixo ao julgamento do leitor.)
No caso específico da vida extraterrestre inteligente – uma questão que remete ao caso de Giordano Bruno – o problema do impacto teológico de uma eventual descoberta já foi tratado pela ficção científica diversas vezes. Talvez o mais rigoroso tenha sido o romance Um Caso de Consciência, de James Blish, no qual um padre se vê forçado a aceitar uma heresia para acomodar a descoberta de um planeta habitado por seres racionais que parecem não ter sido expulsos do paraíso.
A paroquialidade (sem trocadilho) das religiões humanas em geral, e da chamada “história da salvação” católica em particular é, claro, o principal empecilho. Se houve uma queda, ela ocorreu só aqui, ou em todos os mundos? E o sacrifício de Cristo, redimiu a apenas a humanidade ou toda a vida inteligente do cosmo? Se toda a vida inteligente, por que teria acontecido exatamente aqui, e não em outro planeta? Etc, etc.
(Mais um parêntese: minhas histórias de ficção científica favoritas sobre o assunto são Nas Ruas de Áscalon, de Harry Harrison, na qual um padre tenta converter uma população de ETs perfeitamente lógicos, e Somos um Povo Ciumento, de Lester Del Rey, na qual o YHWH do Velho Testamento dá o planeta Terra, como “terra prometida”, a uma raça alienígena — reduzindo a humanidade à condição de filisteus cósmicos)
Não que essas questões realmente venham a se mostrar de fato embaraçosas no futuro: assim como o discurso político, o teológico é extremamente elástico, com as sentenças convertendo-se de afirmações de fato em meras metáfora e vice-versa (e com a interpretação de cada metáfora sempre cambiante) de acordo com o gosto da época e do freguês.

Sexta-feira, 13

Esta semana tem uma sexta-feira 13! Não sei se os canais a cabo têm alguma programação especial em vista, ou se o novo filme sobre as estripulias de Jason Voorhees já chegou à tela pequena, mas para os supersticiosos, uma informação importante: de todos os dias da semana em que o 13º dia do mês pode cair, a sexta-feira é o mais provável. Na verdade, este ano, 2009, tem o maior número possível de sextas-feiras 13 no calendário gregoriano: três, em fevereiro, março e, agora, novembro.
O matemático Julian Havil escreveu um extenso artigo sobre o assunto em seu livro Nonplussed!, mas resumindo: por conta de sua regra um tanto quanto convoluta de anos bissextos, a correspondência exata entre dia da semana e dia do mês, no calendário gregoriano, se repete em ciclos de 400 anos.
Fazendo uma análise de frequência de dias da semana em que o dia 13 de cada mês cai, dentro de um desses ciclos, o resultado prevê um maior número de sextas-feiras, com 688 sextas 13 a cada quatro séculos; seguido por domingos, 687. Os dias da semana que têm menos probabilidade de carregar o número 13 são quinta e sábado (684 ocorrências cada um, a cada 400 anos).
Todo ano tem pelo menos uma sexta-feira 13. Se o ano não for bissexto, as ocorrências únicas se dão em junho, agosto ou maio; em um ano bissexto, a sexta-feira 13 única cai em junho, maio ou outubro.
O medo excessivo de sextas-feiras 13 chama-se parascavedecatriafobia, do grego “paraskevi” (sexta-feira) “decatria” (treze) e “fobia” (medo).

Paradoxo de sexta (48)

Quanto ao da semana passada: a solução está no fato de que a relatividade prevê não apenas a contração do espaço na direção do movimento, mas também a dilatação do tempo. Imagine que o galpão tenha duas portas – uma para deixar a escada entrar, outra para deixá-la sair. Basicamente, o instante em que as coisas acontecem, do ponto de vista da escada, não é o mesmo em que elas ocorrem do ponto de vista do galpão.
Assim, pra a escada, haverá um instante em que suas duas extremidades estarão contidas dentro do galpão; para o galpão, esse momento não existe: quando a ponta de trás da escada estiver do lado de dentro, a da frente já vai ter saído.
Duas ilustrações, sutilmente subtraídas da Wikipedia (que traz um tratamento bem completo do caso, aliás) ajudam a entender o que se passa (as ilustrações usam a abertura e fechamento das portas do galpão para marcar a passagem do tempo):
GarageScenario.svg.png
LadderScenario.svg.png
Nesta semana, vamo com o Paradoxo da Bela Adormecida.
Suponha que, cansada de viver feliz para sempre, a Bela Adormecida decida ser voluntária para um experimento estatístico, que é o seguinte: ela concorda em beber, no domingo, uma droga que provoca sono profundo (algo em que, afinal, já tem alguma experiência). Uma vez tendo a princesa adormecida, os cientistas jogam uma moeda honesta para o alto; se der cara, a Bela é acordada na segunda-feira, entrevistada e o projeto acaba por aí. Se der coroa, ela é acordada na segunda-feira, entrevistada, recebe uma segunda dose da droga, adormece de novo e volta a ser acordada na terça, quando o experimento acaba.
A dose de droga administrada na segunda-feira é preparada de forma a causar uma amnésia de 24 horas — ou seja, se a princesa acorda na terça, ela o faz sem nenhuma lembrança de ter acordado no dia anterior. Exceto por esse lapso de amnésia induzida, Bela conhece todos os detalhes do experimento.
A pergunta que os cientistas lhe fazem na entrevista é: “Qual, na sua opinião, a probabilidade da afirmação, ‘a moeda deu cara’, estar correta?”
Em princípio, a resposta parece óbvia: 50%. Afinal, trata-se de uma moeda honesta. Mas, não seria 33% uma resposta melhor? Pois há três possibilidades no caso: cara, e a princesa foi acordada na segunda-feira; coroa, e a princesa foi acordada na segunda-feira; coroa, e a princesa foi acordada na terça.
Ambas as respostas parecem corretas! Como pode ser?

Cientificismo e poetismo

A morte de Claude Lévi-Strauss me fez lembrar a crítica que o trabalho do atropólogo francês recebeu do biólogo e nobelista britânico (nascido no Brasil!) Peter Medawar, que o cita num ensaio clássico onde define o “poetismo”, que seria o vício de raciocínio diametralmente oposto ao cientificismo.
Acusações de cientificismo encontram-se por aí a dez centavo a dúzia, mas chamar um oponente de poetista meio que caiu em desuso. No entanto, trata-se de uma categoria que vale a pena ser resgatada.
Definindo os termos: cientificismo é um rótulo que se aplica, a meu ver, a dois vícios de raciocínio: o primeiro, que poderíamos chamar de “falácia cientificista”, é a ideia de que a descrição científico-quantitativa de um fenômeno esgota todos os aspectos do fenômeno; como se descrever o amor como o efeito da testosterona e da oxitocina no sistema nervoso central reduzisse bilhões de páginas de teatro, prosa e poesia, especulação romântica e angústia adolescente à mais completa irrelevância.
O segundo vício, intimamente ligado ao primeiro, é o que trata o estado atual do conhecimento científico como a última palavra possível sobre determinado assunto. Isso gera um tipo de arrogância que nega a maior virtude da ciência, seu caráter de permanente incompletude.
Poetismo, na definição de Medawar é “a crença de que o insight imaginativo e uma sensibilidade misteriosamente privilegiada podem nos dar todas as respostas que realmente merecem ser perseguidas e conhecidas, e seus praticantes reúnem-se sob o grito de guerra vazio de que a beleza é equivalente à verdade”.
Da mesma forma que o cientificismo aparece com muita facilidades nas ciências exatas, o poetismo é um espectro que assombra principalmente as humanidades.

O poder do pensamento negativo

A expressão “bobo alegre” acaba de ganhar um certo nível de respaldo científico: cientistas australianos encontraram uma correlação entre tristeza, mau humor e pensamento crítico — ou, em outras palavras, é mais fácil enganar gente feliz.
Outro dado surpreendente do estudo é o de que pessoas mal-humoradas tendem a tomar menos decisões baseadas em preconceito de credo ou raça. Para os efeitos do estudo, “mau humor” e “bom humor” foram induzidos por meio de vídeos e de exercícios de memória, tipo pedir ao voluntário que se lembrasse de um episódio triste de sua vida.
Claro, é possível que eu só esteja noticiando isso para justificar a minha ranhetice atávica. Mas o trabalho australiano viu algumas vantagens do bom humor: Ele parece promover criatividade, flexibilidade e cooperação. O problema é ficar tão flexível e cooperativo a ponto de entregar a carteira ao primeiro self-help guru que aparecer, claro.
Falando em self-help guru, estou lendo um livro muito divertido dos anos 50, Spiderweb, Escrito por Robert Bloch, o mesmo autor do romance que inspirou o filme Psicose.
Como boa parte da ficção popular americana daquela década, o livro é uma narração em primeira pessoa e gira em torno das aventuras de um criminoso profissional — só que, no caso, o criminoso em questão é um psicólogo que vive de explorar e chantagear os clientes. Ele tem um programa de aconselhamento no rádio e escreveu um livro de autoajuda, um best-seller chamado YOU. Aspirantes a estrelas de cinema jogam-se em seus braços, etc.
Fico imaginando se a turma d’O Segredo não leu Bloch. E como não há, mesmo, nada de novo sob o Sol…

Paradoxo de sexta (47)

O da semana passada caiu quase sem um suspiro: sim, a chance de o ladrão errar apenas uma gaveta é zero — se ele acertou as outras cinco, sua única opção é acertar a sexta também.
Nesta semana, vamos tratar de um paradoxo da Teoria da Relatividade — um irmãozinho menos famoso do bom e velho Paradoxo dos Gêmeos. Trata-se do Paradoxo da Escada.
Imagine que você é o Superman e, para salvar o Universo, precisa fazer com que uma escada de 20 metros de comprimento (você a está segurando na horizontal) caiba, ainda que por alguns míseros instantes, no interior de um galpão de 19 metros.
Sendo Superman, você encontra uma solução fácil para o problema: basta correr na direção do galpão a uma velocidade próxima à da luz, de forma que a contração relativística encolha a escada um pouco — e pronto, ela vai caber no espaço menor!
“Nada disso”, diz Mxyzptlk (afinal, que mais faria a salvação do Universo depender do comprimento de uma escada?). “Se todos os quadros de referência são igualmente válidos, então é igualmente válido supor que é o galpão que está correndo em sua direção, numa velocidade próxima à da luz. Nesse caso, é o galpão que encolhe. E, se a escada já não cabia nele antes, como vai caber agora?”
Estará Mxyzptlk certo? Nosso herói estará condenado ao fracasso?

Átomos no espaço!

O presidente da Federação Russa, Dmitry Medvedev, manifestou apoio aos planos da Roscosmos – a agência espacial do país – de projetar e construir uma nave espacial com propulsão nuclear. Isso fez arrepiarem-se os cabelos na nuca de muita gente, de ativistas contra armas atômicas a ambientalistas. Para complicar mais as coisas, nenhum detalhe da natureza exata da proposta foi divulgado, o que abre caminho para especulações de todo tipo.
Energia nuclear, claro, já é usada no espaço. Sondas da Nasa enviadas para além da órbita de Marte dependem de RTGs (geradores térmicos de radioisótopo) para funcionar. Esses RTGs se valem o calor gerado pelo decaimento do plutônio para produzir eletricidade. O Mars Science Laboratory, um robô teleguiado do tamanho de um jipe, que deve ser enviado a Marte na próxima década, dependerá de RTG para funcionar, já que será pesado demais para rodar exclusivamente com energia solar.
RTGs são ubíquos, mas também polêmicos. Uma das primeiras grandes campanhas de mobilização da opinião pública desencadeadas via internet, nos idos dos anos 90, foi exatamente a STOP CASSINI, onde um bando de nucleófobos tentou impedir o lançamento da sonda Cassini porque ela usava RTG.
RTGs, no entanto, são apenas uma pequena parte da história, e provavelmente não é disso que os russos estão falando — seria um anticlímax e tanto, dado o caráter “arroz de festa” dessa tecnologia.
O mais provável é que a Roscosmos esteja pensando num foguete térmico nuclear, que basicamente representa a consubstanciação da ideia de usar um reator nuclear para aquecer e acelerar o propelente do foguete.
Foguetes, claro, funcionam por conta da conservação da quantidade de movimento, a equaçãozinha mv=mv. Poupando os leitores de metáforas surradas como a do patinador que arremessa uma bola de basquete para a frente e é jogado para trás pela reação, ou coisas assim, o princípio é jogar uma massa relativamente moderada para fora a uma velocidade obscenamente alta e conseguir, com isso, que uma massa obscenamente alta se mova a uma velocidade relativamente moderada.
Para conseguir isso é preciso, antes, acelerar a massa que será jogada fora. A capacidade dos diversos combustíveis de foguete de fazer isso é medida por uma característica chamada impulso específico (Isp) e que, por causa das unidades que entram em seu cálculo, é medido em segundos. Quanto mais segundos de Isp um modo de propulsão tiver, mais eficiente ele é. O uso de reatores nucleares para aquecer hidrogênio tem um Isp que é de pelo menos o dobro da opção mais usada hoje, que é queimar o hidrogênio misturando-o a oxigênio.
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Então, por que esses motores não são usados? Bolas, porque são NUCLEARES. A Nasa teve um programa, o Nerva, para desenvolver um motor nuclear que foi cancelado nos anos 70; os soviéticos também tiveram um, que durou até os anos 80.
Descontando a pressão negativa da opinião pública contra energia nuclear no ambiente da década de 70, as dificuldades técnicas são eram poucas. Por exemplo, como você testa um motor assim? E se o teste falhar e a coisa explodir (é para isso que se fazem testes, afinal: para encontrar falhas)?
Sem falar que o gás aquecido pelo reator e eliminado pelos jatos do foguete provavelmente seria radioativo. Por conta disso, a ideia era usar esse tipo de motor apenas no espaço, fora da atmosfera terrestre. No entanto, havia o risco do lançamento: para pôr o motor no espaço, com seu material físsil e tudo, seria primeiro necessário prendê-lo no topo de uma bomba de hidrogênio-oxigênio de dezenas de metros de altura e…
Enfim. Não pareceu uma boa ideia. Mas até a Nasa está reconsiderando: a pesquisa de motores nucleares foi reativada em 2003, sob o nome de Projeto Prometheus.
Outra alternativa é a propulsão elétrica nuclear, na qual reatores são usados para gerar a eletricidade que (a) ioniza átomos de propelente e (b) repele os íons produzidos para fora da nave, a velocidades altíssimas. Esse é o tipo de propulsão usado na nave Discovery, do filme 2001 (a nave, para quem se lembra, tem aquele pescoço alongado para manter os astronautas a uma distância segura da radiação gerada no motor).
Mas o mais legal, mesmo, seria se os russos estivessem pensando em desenvolver uma nave de pulso nuclear. “Pulso”, no caso, porque a propulsão seria gerada por uma série de explosões atômicas do lado de fora do veículo. Assim: a nave ejeta uma bomba atômica; a uma distância “x” do casco, a bomba explode; a onda de choque empurra a nave para a frente. Essa foi uma ideia muito levada a sério nos anos 50, e um protótipo, chamado Put-Put, chegou a ser testado (com bombas convencionais, não nucleares) atingindo uma altitude de 60 metros.
Frescuras, como o tratado internacional que proíbe detonações nucleares no espaço, mataram a ideia – que poderia levar uma tripulação a Marte em menos de um ano! -, no entanto. Alguns conceitos avançados nasceram do princípio do pulso nuclear, como o uso de pastilhas de hidrogênio concentrado, que seriam atingidas por lasers emitidos pela nave, entrando em fusão nuclear.
Mas gosto da ideia de uma nave russa de pulso nuclear à moda antiga, explodindo bombas soviéticas pelo caminho. Melhor detonar aquele arsenal todo na rota de Vênus do que deixá-lo cair nas mãos de terroristas, afinal…

Down, aborto e os dilemas da liberdade de escolha

Estudo publicado no British Medical Journal mostra que houve um grande aumento no número de diagnósticos de Síndrome de Down na Inglaterra e País de Gales – provavelmente causado pelo aumento na idade média das gestantes – mas uma redução no número de nascimentos de crianças portadoras da síndrome.
A implicação é que, uma vez feito o diagnóstico pré-natal, o feto portador de Down é abortado na maioria (mas não na totalidade) dos casos.
O texto no BMJ é essencialmente descritivo – apresenta os números e tira algumas conclusões práticas deles – mas a questão que fica no ar é a psicológica e bioética: você é mulher. Quer um filho. Espera até os 38, 39 anos para concebê-lo, seja porque precisa cuidar da carreira, porque quer curtir a vida, porque não tinha encontrado o pai certo… Enfim.
Chega o exame de ultrassom, a criança é Down. Você decide interromper a gravidez? É certo decidir interromper a gravidez? (não estou questionando a legalidade da coisa: na Inglaterra pode, no Brasil, não).
Esta é uma daquelas circunstâncias onde uma nova possibilidade tecnológica cria uma situação ética até então inimaginável. E até, aparentemente, mais complexa que a questão do aborto em si.
Mesmo imaginando que a mulher tenha o direito moral (ainda que, no Brasil, geralmente não o legal) de decidir se quer ou não levar uma gestação a cabo, esse pedaço de informação extra – que a gravidez era desejada e seria levada a cabo, se o feto não previsse uma criança excepcional – parece criar um complicador.
Um analista poderia dizer que a mulher que age assim está tratando a criança como se ela própria, a mulher, não passasse de uma criança egoísta e birrenta, que decide que não quer brincar mais depois de se comprometer com o jogo.
Outro analista poderia dizer que não existe criança nenhuma nessa história: o que há é um feto que, caso se desenvolva por completo, dará origem a uma criança com limitações importantes. Uma vez prevista a situação, o mais sábio evitá-la.
Pessoalmente, imagino que uma decisão do tipo é pessoal demais para permitir algum tipo de regra geral e que o método britânico, de deixar a possibilidade em aberto pra que a mulher faça uma opção de acordo com suas próprias luzes, é o mais acertado.
Afinal, da mesma maneira que o governo poderia proibir o aborto, ele também poderia exigi-lo – para cortar gastos em educação especial, por exemplo.

‘Na cabeça das pessoas’

Muito divertida e interessante a repercussão da frase do nobelista português José Saramago, de que “Deus não existe fora da cabeça das pessoas”. Sem entrar no mérito da declaração (com a qual concordo, aliás), o que me interessa aqui são duas reflexões, uma retórica e uma tática, produzidas pelo dito saramaguiano.
A retórica se refere ao péssimo hábito brasileiro (talvez não seja brasileiro, mas certamente é muito usado por aqui) de confundir jogo de palavras com argumentos. Se eu digo que a impressora que comprei semana passada revelou-se uma “bela merda” e alguém me responde , “bom, pelo menos, é bela”, essa resposta pode até ser é uma boa piada, mas certamente não é uma contestação válida da avaliação que fiz da qualidade do produto.
Esse tipo de reação muitas vezes se reduz ao que a língua inglesa chama de disingenuous, um tipo de hipocrisia na qual a pessoa finge ter entendido menos do que realmente entendeu de uma declaração ou questão.
Coisas assim aparecem, por exemplo, em reações do tipo “mas o amor também só existe na cabeça das pessoas, e o amor é importante”, ou “mas afinal, o que existe fora da cabeça das pessoas?”
Ora bolas: o que o escritor estava dizendo é que Deus é apenas uma ideia, um conceito sem referente no universo externo às ficções da mente humana; algo como Frodo Bolseiro ou Conan o Bárbaro. Espero que isto seja claro o bastante até para o mais disingenuous dos disingenuous.
A segunda reação, tática, é a que vem dos ateus mais blasé, para quem Saramago está apenas fazendo jogada de marketing e “irritando padres”, chovendo no molhado, repetindo notícia velha.
Mas, seria notícia velha, mesmo? Muita gente, incluindo o Senado Federal e a Câmara Municipal de Sorocaba, parecem não a terem recebido.

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