Eu, Amonite

Meu nome é Hildoceras crassum, e sou um amonite.

Este sou eu, Hildoceras crassum

Na Desciclopédia dizem que sou simplesmente um molusco, o que realmente sou. Mas sou mais que isso: na classificação zoológica pertenço à classe dos amonitas, e a família Hildoceratidae.

A esta altura da vida (ou da morte), não tenho mais problemas em ser um Hildoceras crassum. Segundo vários cientistas, nós apresentávamos dimorfismo sexual, ou seja, os machos eram diferentes das fêmeas. Mas isso foi há muito tempo atrás. Como eu não lembro mais se sou um ou uma amonite, segundo o moderno costume,  podem me chamar de Hildx.

Nasci e morri no Andar toarciano, no Jurássico inferior. Isso em linguagem de gente significa que nasci e morri num período de tempo entre 184 a 175 milhões de anos atrás. Alguns de vocês podem perguntar: “Como era isso, Hildx?“. Eu não me lembro muito bem, minhas crianças. Faz tempo. Só sei que nadávamos livres por mares pouco profundos, caçando pequenos crustáceos e outros animais. Um período feliz, sabe?

Meu Primo Endemoceras, dando um rolê pelas águas quentes do Jurássico

Nós conseguíamos nadar muito bem e podíamos controlar a profundidade em que estávamos, simplesmente enchendo de gás ou fluido a nossa cavidade externa. Morávamos na ultima parte da concha, que era a mais larga. Como os nossos  modernos primos polvos e lulas, éramos terríveis predadores. O terror dos mares do Jurássico inferior!

 No entanto, estamos extintos!

Mesmo o mais terrível dos predadores morre. Quando morri, fui depositado em meio a uma vasa argilosa, no fundo do mar. Fui lentamente recoberto por essa fina argila. Meu corpo e meus tentáculos (tão graciosos! ) desapareceram. Restou só a minha fina casca espiralada. E mesmo esta fina casca foi mudando: lentamente, molécula a molécula, ela foi sendo substituída por outras substâncias, até eu virar isso que sou hoje. Acho que vocês chamam isso de biomineralização.

Estas são as condições que fazem de mim um fóssil. Os cientistas dizem que todo fóssil tem uma história para contar. No entanto, quem conta a história dos fósseis são eles, os cientistas. Por isso, quero mudar um pouco e contar a minha história. Eu sou um amonite fóssil e conto a história de depois de mim. E não me confundam, por favor: não sou um autor fóssil, desses que se biomineralizam em vida. Eu não. Eu, o amonite Hildx, sou um fóssil autor. Original, não?

Nós amonitas, estamos há muito tempo por aqui. Vivemos e fomos muito abundantes  na era que vocês chamam de Mesozóico, quando finalmente fomos extintos. Por termos sido tão abundantes e por sermos característicos de um determinado período de tempo, somos muito usados para datação relativa do tempo geológico. Somos o que se chama  fósseis índices ou fósseis guia.

Eu e você, você e eu…

Mas nosso período geológico mais interessante é o período que vocês humanos chegaram por aqui. Interessante e engraçado. Vocês não entenderam nada!! Quando vocês achavam um de nós no chão ou os tiravam do meio das pedras, vocês ficavam feito bobos nos olhando seguidamente. Não é para menos.

Nosso formato elegantemente espiralado, que lembra uma sequência de Fibonacci, chama mesmo a atenção. Alguns, embalados em leituras rápidas, vão dizer que somos os primeiros illuminati! Ou que somos produtos de algum designer inteligente. Hã, sei. Só espécies antigas e extintas como nós sabem o trabalho que dá evoluir…

O Chakra de Vishnu e o amonite como objeto religioso na India; Estes objetos são chamados de Saligramas

Já fomos confundidos com várias coisas. Na Índia, nós amonitas somos chamados de Saligramas. Somos representados como um dos chacras do deus Vishnu. Bacana, não?

No tempo dos gregos e dos romanos clássicos, confundiam nosso formato com os chifres de uma cabra. Não demorou para que nos associassem a deuses e formas caprinas. Amon, divindade egípcia também conhecida como Amon-Ra, e que era portador de belos chifres caprinos, foi logo associado conosco.

Plínio, o velho, o grande naturalista romano, anotou na sua História Natural que nós éramos conhecidos na antiguidade como “cornos de Amon”.  E assim efetivamente fomos conhecidos em quase todo o mundo romano.

um tipico snakestone: um amonita com a cabeça de uma serpente esculpida

Todo o mundo romano, menos naquela ilhazinha, que os romanos chamavam de Bretanha. Lá, fomos durante algum tempo associados – vejam vocês – a serpentes enroladas. As snakestones eram muito comuns nas camadas jurássicas da velha ilha. Nossa ocorrência era tão comum que em algumas vilas éramos usados como enfeites e mesmo como pesos nos mercados. Imagine alguém chegando na feira da vila: “quero um corno de Amon de Batatas e dois de chuchu!“.

 Santa Hilda e os amonites
Memorial de Santa Hilda em Whitby; notar os amonitas, como serpentes enroladas, aos pés da Santa

Surgiram mesmo associações estranhas. Mais do que vocês possam imaginar. Uma importante abadessa bretã, Santa Hilda (614-670 AD), foi associada, muito tempo após sua morte, com lendas que lhe atribuíam o poder de transformar serpentes em pedras. As serpentes petrificadas, claro, éramos nós, amonites.

Existem inclusive estátuas e mesmo brasões mostrando santa Hilda transformando serpentes em pedra. Sir Walter Scott, autor de Ivanhoé e grande medievalista inglês, chegou a escrever um poema onde falava dos milagres de santa Hilda.

Eu não entendo de milagres, pois estou extinto. Mas entendo de ironias. Alpheus Hyatt (1838-1902), paleontólogo americano, deu o nome de Hildoceras a uma ordem de amonitas do jurássico inferior. Este é, por assim dizer, o meu nome de família. O mistério da transformação das serpentes em pedra já estava resolvido.

Mas, graças a Hyatt, Santa Hilda estava de novo e inadvertidamente ligada a nós pelo nome. Santa Ironia. Quantas risadas Hyatt deve ter dado!

O estilo amonite

Houve inclusive uma época em que nossas graciosas

Capitel com motivos inspirados em amonites. Esta casa também pertenceu ao paleontólogo Gideon Martell

formas serviram de inspiração para os arquitetos. Em vários locais da Inglaterra, foi de muito bom gosto a incorporação de elementos de decoração que lembravam as formas do amonites. Isso foi no inicio do seculo XIX.

Um dos arquitetos responsáveis por estes edifícios não foi ninguém mais que Amon Wilds. Inspirado provavelmente pelo seu próprio nome, ele construiu diversos edifícios com motivos amoníticos. Um dos mais celebrados destes edifícios era localizado em Castel Place 166 High Streets, em Sussex.

Por motivos que só pertencem à Paleontologia, esta casa foi construída para Gideon Mantell. Mantell foi o primeiro a descrever o Iguanodon, um dos primeiros  dinossauros gigantes. De modo que tudo terminou literalmente em casa.

O filho de Amon Wilds, que tinha o nome do pai, continuou sua obra, construindo diversas casas no sul da Inglaterra com motivos amoníticos na década de 1820.

por que eu?

tenho muitas mais historias pra contar. Alguém vai dizer: “conta mais, Hildx“. Eu conto, minhas crianças. Hoje não, que estou cansadx e com sono. Ontem mudou o horário de verão e, mesmo para nós, seres já extintos, isso dá um cansaço medonho.

Sou um amonite, com muito orgulho. Não nadamos mais alegres pelos mares como outrora. Somo umas pedras estranhas

A moderna congregação de Santa Hilda apresenta a sua imagem segurando uma casa, simbolo de sua abadia. Na outra mão, não uma serpente mas um amonite. Uma santa em paz com a modernidade.

desencavadas das rochas. Dos nativos americanos aos hindus, dos ingleses aos alemães, dos bretões do condado de Witby aos modernos museus de paleontologia, nós continuamos brilhando.

Ora somos objeto de adoração ou objetos de cultos estranhos. Ora somos remédios potentes contra picadas de cobra, amuletos para sonhos ruins ou meras decorações em casas de província. O fato é que nós causamos.

Nossa concha elegantemente espiralada e nossas suturas graciosas chamam a atenção por serem objetos geométricos de grande simplicidade e beleza. Nossa presença em rochas antigas nos faz testemunhos importantes da história da Terra.

Semana passada a professora Frésia escreveu aqui mesmo neste blog que um exemplar de amonite que ela ganhou de seu pai alterou seu destino. Hoje, ela é uma feliz paleontóloga. Que bacana! E que orgulho!  Este é nosso mistério.  Nós, amonitas, podemos mudar suas vidas!

E quem quiser que conte outra.

Para saber mais:

Kracher, Alfred. “AMMONITES, LEGENDS, AND POLITICS THE SNAKESTONES OF HILDA OF WHITBY.” European Journal of Science and Theology 8, no. 4 (2012): 51-66.

Meu primeiro fóssil, o pai de todos.

Quando eu tinha uns 16 ou 17 anos e ainda morava na Venezuela, nas férias fomos com a minha família para a cidade de Cucuta na Colômbia, que fica próxima à fronteira. Nessas férias meu pai me presenteou com um fóssil de uma concha. Algum tempo depois descobri que se tratava de uma concreção de um ammonite que viveu no Cretáceo da Colômbia, na famosa localidade de Villa de Leyva.

Ammonite, Villa de Leyva
Meu fóssil mais antigo

Na época estava quase terminando o colegial, teria que ir para universidade e tinha aquele grande dilema: o que será eu vou ser? Enfim, achei muito legal o presente do fóssil. Na realidade, era um dos primeiros que via na minha frente e não em imagens dos livros, cinema, tv… O primeiro que era tangível e era meu. Penso que esse ammonite selou a minha escolha:

– pai quem estuda os fósseis?

– Ah, são os paleontólogos.

– Bom, então já sei o que vou ser… (como fazer para me tornar um … isto levou mais tempo, como a Carolina já contou, num post).

Lembrei de toda essa história esta semana, quando estava dando a aula prática dos ammonites. Tenho um carinho especial por eles, pois graças a eles descobri muita coisa, embora nunca os tenha estudo de fato.

Mas não fui só eu que fiquei maravilhada com esses fósseis, eles vem encantando a humanidade desde os tempos dos egípcios. O motivo é que o seu registro é bem abundante ao redor do planeta, sempre associados a rochas sedimentares que se formaram em ambientes marinhos. Na verdade, foram um grupo de moluscos cefalópodes, hoje extinto mas muito exitoso na sua época, que habitou nos mares. Eles surgiram no Período Devoniano (400 – 360 milhões de anos atrás) e desapareceram junto com os dinossauros, na grande extinção do final do Cretáceo (há 65 milhões de anos), aquela do meteorito que eu já comentei aqui.

Os ammonites formam um grupo de cefalópodes que possuíram no início uma concha plano espiral, e que com o passar do tempo modificaram o formato da concha para formas espiraladas, retas, etc. Alcançaram tamanhos de poucos centímetros até quase dois metros de diâmetro, nas formas planoespirais. Eles receberam esse nome, porque os fósseis das suas conchas lembram chifres enrolados, que na época do império egípcio foram atribuídos ao deus Ammon e que, aliás, eram considerados provas irrefutáveis da passagem dessa divindade pela terra, segundo conta Heródoto nas suas crônicas acerca do Egipto que foram escritas 500 anos antes de Cristo.

Os Ammonoides podiam nadar livremente e controlavam com grande precisão a profundidade na qual habitavam nos mares, pois as suas conchas foram divididas internamente em câmaras que se comunicavam umas com outras por meio de um canal interno, de modo que o animal conseguia encher com líquido ou gases as diferentes câmaras e, por conseguinte, subir ou descer na coluna de água, calcula-se que até uns 500 metros de profundidade ou mais. O corpo do animal ocupava a última câmara, que sempre era a de maior tamanho. Os ammonites foram predadores ativos e o seus corpo possivelmente foi semelhante ou lembrava ao dos polvos e lulas atuais.

Por serem muito abundantes, eles são utilizados para datação relativa de camadas de rochas, pois apresentam diferenças muito evidentes e fáceis de observar a olho nu entre os primeiros do Devoniano e os últimos do Cretáceo. A feição morfológica que permite organizá-los em categorias temporais é a sutura interna que ser forma no local em que a parede (septos) que divide as câmeras se une à parede interna da concha. Esta feição recebe o nome de sutura, e vai evoluindo de uma sutura sinuosa a uma sutura sumamente complexa, formada por um padrão de lobos dentados. Assim, com base nas suturas se conhecem três grupos principais de Ammonoides: (1) Goniatites (sutura simples com algumas ondulações), que viveram do Devoniano ao Permiano; Ceratites (sutura na qual começam a se definir lobos) encontrada do Permiano ao Triássico; e por fim, a mais complexa ou Ammonitica, que é encontrada nos exemplares do Jurássico ao final do Cretáceo. A sutura é bem fácil de ver em fósseis onde se observe o molde interno da concha, ou seja, naqueles em que a concha foi preenchida e a parte externa foi dissolvida total ou parcialmente.

Embora no meu ammonite não seja possível ver as suturas, pelos fósseis que também são encontrados associados eu soube que ele data do Cretáceo, mas isso eu descobri um longo tempo depois de ganhar meu primeiro fóssil.

Fósseis e fotografia… fale-me o que você sabe sobre

Fotografia e fósseis. Tem relação?

CLICK! e pronto, temos uma imagem digital gravada no celular. As resoluções variam de aparelho para aparelho (o tamanho do sensor faz muita diferença!); a maioria das pessoas nem pensa mais em imprimir as imagens para montar um álbum físico. Muitos jovens nunca tiveram que esperar para ter seu filme de 36 poses revelado. O mundo digital nos rodeia, não é? mas isso nem sempre foi assim…

Imaginem a revolução que foi, lá pelo final do séc. XVIII, quando a fotografia (o processo era chamado na época de daguerreotipia) foi inventada.

(PAUSA)

Vamos lá, pegue seu celular e abra seu álbum de fotos. Você fotografa o quê? Acredito que a maioria de nós fotografe momentos que consideramos importantes. Que desejamos que sejam guardados por mais tempo. Possivelmente para contarmos uma história, mesmo que seja só para nós mesmos.

(RETORNO)

O surgimento da fotografia não foi diferente. Seu uso e aplicação, na época, teve muita relação com a possibilidade de reproduzirmos a natureza que nos rodeia, de modo fiel. Em comentário sobre a obra de Talbot, primeiro fotógrafo a publicar um livro com fotografias, o artigo traz que …“a fotografia de Talbot nos possibilita legar às gerações futuras a luz do sol do passado” (Hacking, 2012).

A luz do sol do passado! Filosófico, não?

História, passado, (re)produção da natureza. Só eu pensei em fósseis?

É claro que, hoje, a fotografia possui muitas vertentes e nem sempre é exatamente, ou tem como este fim, o retrato da realidade (na arte, por exemplo, isso nem sempre é verdadeiro). Mas imaginem que quando ela foi criada as pessoas se viram maravilhadas com os seguintes fatos:

– ter coleções de museus guardadas em imagens, e que estas poderiam ser trocadas entre diferentes centros de pesquisa, com fins científicos e de divulgação;

– ter acesso a estas imagens sem o risco de estragar os exemplares originais de amostras de qualquer coisa que fosse, sendo um cientista ou não.

Isso é basicamente o que estamos vendo hoje com a revolução das impressoras 3D, não é? Possibilidades imensas de divulgação de acervos de fósseis ou artefatos humanos, por exemplo, antes restritos aos salões dos mais renomados museus, e aos olhos de poucos estudiosos. Hoje não basta mais ter duas dimensões. Agora precisamos ter 3 e sair imprimindo por aí (hehe…). Mas os objetivos são os mesmos!

Sim, fotografia e fósseis andam juntos desde o início dos tempos, ambos contando sua própria história, (re)produzindo a natureza e maravilhando a todos nós!

 

Referência

Hacking, J. Tudo sobre fotografia. Editora Sextante, Rio de Janeiro, 2012.

Carlotta Joaquina Maury, Princesa dos fósseis do Brazil

Carlotta Joaquina Maury (1874-1938), paleontóloga americana;

Seguir uma carreira cientifica sempre foi um desafio  para as mulheres. Ter uma carreira cientifica é só o primeiro passo. Nossas colegas sofrem problemas de aceitação pelos colegas homens, via de regra são preterida para cargos mais importantes, e em geral possuem remuneração menor.

Ser pioneira numa carreira cientifica, portanto,  sempre foi um grande desafio.  É necessário muitas vezes mais trabalho e mais atitude que o normal para conseguir a mesma coisa que um colega homem. As pioneiras não tem vida fácil.

A paleontóloga americana Carlotta Joaquina Maury (1874 – 1938) foi uma destas pioneiras. Durante sua carreira, Carlotta fez contribuições fundamentais na paleontologia e na estratigrafia do Período Terciário, trabalhando com moluscos fósseis. Também trabalhou com fósseis do Brasil, tendo realizado estudos importantes em diversas bacias sedimentares.

Carlotta era a quarta filha do reverendo Mytton Maury e de Virginia Draper. Carlotta Joaquina recebeu seu nome de sua avó materna, Carlota Joaquina de Paiva Ferreira. Carlota Joaquina Ferreira era  uma dama da corte portuguesa, que casou no Rio de Janeiro com o médico britânico Daniel Gardner (Saiba mais aqui).

A família Maury era uma família de cientistas. Um primo de Carlotta,  Matthew Fontaine Maury (1806-1873) foi um importante geógrafo americano. Seu avô materno John William Draper (1811-1882) foi um físico notável, tendo inclusive contribuído com os primórdios da fotografia. A irmã mais velha de Carlotta, Antônia Caetana Maury (1866-1952), foi astrônoma, tendo trabalhado com Henry Pickering no grupo de mulheres que identificou cerca de 10.000 estrelas.

O reverendo Maury era também um geógrafo amador, tendo publicado a revista “Maury´s Geographical Series” entre 1875 e 1895. Sua mãe, Virginia Draper, tinha talentos artísticos, e influenciou fortemente os filhos para a carreira científica. Carlotta cresceu neste meio, tendo sido natural a sua atração pela paleontologia.

Carlotta estudou no Radcliffe College, na Universidade de Columbia, tendo sido uma das primeiras mulheres a estudar na instituição. Obteve seu PhD em 1902 na Universidade Cornell, em Ithaca, Nova Iorque. Esteve também entre as primeiras mulheres a se tornarem doutoras em Cornell

Logo após seu doutorado, Carlotta foi professora em diversas universidades. Entre elas, trabalhou como assistente em Colúmbia nos Estados Unidos. Mas sua maior experiencia como professora foi no Huguenotte College e na University of the Cape of Good Hope, na África do Sul. Nunca conseguiu trabalhar como professora em Cornell, onde fez seu PhD.

Neste período estavam surgindo as primeiras  pesquisas com microfósseis. O estudo destes pequenos organismos, obtidos através de sondagens profundas para petróleo, provocou uma verdadeira revolução na paleontologia. Logo que Carlotta começou a trabalhar com microfósseis,  foi convidada para trabalhar como consultora pela indústria do petróleo. Pelo resto de sua vida, seu trabalho esteve ligado à pesquisa aplicada para as companhias petrolíferas.

Carlotta Maury no Laboratório de Paleontologia em Cornell (NY), data desconhecida (Arnold, 2014)

Em 1911 Carlotta fez parte de uma expedição à Venezuela, patrocinada pela General Asphalt Company. Em 1916 ela mesmo liderou a sua própria expedição para a República Dominicana. Essa foi uma das primeiras expedições cientificas lideradas por mulheres, o que quebrou inúmeros paradigmas.

Num período de intensa violência política na ilha caribenha, a expedição cientifica liderada por Carlotta fez um importante trabalho de levantamento e catalogação de fósseis. Este trabalho, publicado em diversos periódicos, tornou-se referência na área de moluscos terciários. Alguns destes trabalhos ainda estão à venda na Amazon (Deixe Jeff Bezos mais rico aqui).

Por volta de 1920,   Carlotta Joaquina Maury começou a sua colaboração com o Serviço Geológico Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB). Sua primeira ligação com o SGMB veio através de seu primeiro diretor, o geólogo americano Orville Derby (1851-1915).  Como Carlotta, Derby também estudou em Cornell, o que também deve ter facilitado o contato entre ambos.

Carlotta Joaquina Maury era uma paleontóloga já bastante reconhecida por seu trabalho com moluscos terciários quando começou a trabalhar com o SGMB. Para o Serviço Geologico, no entanto, a especialização de Carlotta nunca foi considerada.  Seu contato do SGMB, o geólogo Luciano Jacques de Moraes, lhe enviava fósseis de quaisquer tipos e procedências.

Carlotta nunca recusou as encomendas, e obrigou-se a trabalhar com espécimes e idades que lhe eram desconhecidas. Para isso, nunca deixava de recorrer a seus colegas especialistas. Com resultado, ela realizou diferentes trabalho com estratigrafia desde o siluriano até o pleistoceno, trabalhando com faunas as mais diversas possíveis.

A principal contribuição de Carlotta Joaquina Maury à geologia brasileira foi a publicação “Fosseis Terciarios do Brazil com Descripção de Novas Formas Cretaceas “(Maury, C. J. 1924–1925). Neste trabalho, Carlotta relaciona inúmeras espécies de moluscos do litoral nordestino, realizando a correlação estratigráfica destas faunas com faunas similares do Caribe e do Golfo do México. Para Carlotta, os fosseis terciários brasileiros eram o centro original a partir dos quais deriva a fauna caribenha.

Para explicar a dispersão de fósseis em diversos continentes, Carlotta usava a teoria das “Pontes Continentais“. As tais  “Pontes Continentais” eram elevações do fundo do oceano, altas o suficiente para permitir a passagem de animais e plantas  de um continente para outro.  Antes da aceitação da teoria da deriva continental proposta por Alfred Wegener, as “pontes continentais” eram a principal explicação para o fenômeno.

As pontes continentais eram a explicação para a dispersão geográfica de especies por oceanos profundos; na figura estão representadas as pontes continentais mais aceitas no tempo de Wegener ( e de CJ Maury…)

Carlotta Joaquina Maury foi uma extraordinária paleontóloga e estratígrafa, tendo obtido  reconhecimento e respeito por seus pares. Tinha a reputação de ser extremamente eficiente e enérgica. Em geral, cumpria os prazos que lhe eram dados com presteza e dedicação. Com tudo isso, não é de estranhar que tenha sido uma das primeiras consultoras independentes trabalhando com as empresas petrolíferas.

Capa de uma publicação de CJ Maury sobre os fósseis do Nordeste brasileiro (1934)

Da mesma forma, tinha uma condição econômica privilegiada, o que facilitou as decisões que tomou ao longo de sua vida.

No entanto, como diversas mulheres cientistas de seu tempo, Carlotta Joaquina Maury precisou abdicar de sua vida pessoal para ter uma carreira cientifica. Para a paleobotânica americana  Winifred Goldring (1888-1971), as cientistas mulheres podiam combinar vida pessoal e carreira “somente em casos excepcionais“. A irmã de Carlotta, Antônia Caetana Maury, influente astrônoma, também teve uma vida celibatária.

Carlotta também não foi bem sucedida em sua carreira como professora, sempre assumindo papeis subordinados. Nos Estados Unidos, conseguia ser somente assistente. O magistério superior só lhe foi permitido em locais distantes, como a Africa do Sul.

No entanto, sua energia e sua força, aliada a seu grande conhecimento cientifico, lhe trouxe reconhecimento ainda em vida.  O fato de ter se mantido durante tanto tempo sempre com encomendas das companhias petrolíferas e dos Serviços Geológicos mostra isso.

Carlotta também era uma profissional que não tinha medo de campo. Sempre que possível, estava coletando fosseis e fazendo trabalhos de pesquisa longe dos laboratórios. A expedição para São Domingos, que liderou, foi também um exemplo. Ela tinha energia e auto-estima para realizar expedições sem esperar por autorização de chefes e colegas.

Moluscos Mesozoicos no livro de Maury (1934)

Quanto ao Brasil, embora nunca tenha estado aqui, Carlotta também deixou sua marca. Seus trabalhos sobre a paleontologia e estratigrafia de diversas bacias sedimentares brasileiras são ainda de grande valor cientifico. Seu trabalho para o SGMB foi sem duvida muito importante.

Sua morte veio em 1938, após uma longa doença que só a abateu nos momentos finais. No ano seguinte, o geólogo C.A. Reeds  publicava o Memorial de Carlotta Joaquina Maury  nos anais da Sociedade Geologica Americana, louvando seu papel como grande conhecedora das faunas terciárias do golfo do México, Venezuela e Brasil.

Apesar de ter nome de rainha, Carlotta foi uma cientista. E das boas. Da mesma forma, embora não tenha nunca ocupado tal papel, seu nome e sua energia nos fazem pensar em Carlotta não como rainha, mas como uma princesa.

Carlotta Joaquina, Princeza dos fósseis do Brazil .

PARA SABER MAIS:

Arnold, Lois. “The Education and Career of Carlotta J. Maury: Part 1.” Earth Sciences History 28.2 (2009): 219-244.

Arnold, Lois. “The Education and Career of Carlotta J. Maury: Part 2.” Earth Sciences History 29.1 (2010): 52-68.

Aldrich, Michele. “Women in paleontology in the United States 1840-1960.” Earth Sciences History 1.1 (1982): 14-22.

O QUE TEM A VER: O MEU CAFÉ DA MANHÃ, O PÃO DA POMPÉIA E OS FUNGOS PRIMORDIAIS?

De manhã uma coisa muito boa é tomar um café com um pão quentinho recém-saído do formo. Esse pequeno prazer vem desde há muito tempo. Existem registros de que os romanos que habitavam a cidade de Pompeia (localizada ao Sul de Itália, próxima da Nápoles) já disfrutavam dele. Pompéia é umas das cidades do mundo antigo mais famosas por ter sido soterrada durante a erupção do vulcão Vesúvio no mês de agosto do ano de 79 antes de Cristo. Como sei que os habitantes de Pompéia gostavam de pão quente? Porque toda a cidade ficou soterrada por uma camada rocha (o nome dessa rocha é lapilli) de 7 a 8 metros de espessura. Dessa forma, dentro de um forno de umas das padarias da cidade ficou preservado um pão que chegou até os dias de hoje, podemos dizer que, “fossilizado”. Esse pão foi estudado por pesquisadores ingleses, que descobriram a receita e hoje em dia é possível fazer pão em casa à moda de Pompéia e desfrutar do prazer do pão quente. Nós, em casa, já fizemos várias vezes seguindo as instruções do mestre Johannes que pode ser vista no seu blog http://massamadreblog.com.br/postagem/pao-de-pompeia.

PÃO DE POMPÉIA.
A. Pão encontrado nas escavações de Pompéia; B. Forno de uma padaria de Pompéia e C. Pão na moda de Pompéia feito em casa

Fora os pães “fósseis” de Pompéia são conhecidos os moldes dos moderadores, cachorros, gatos etc, que ficaram preservados e tiveram uma morte rápida embora terrível, pois o vulcão Vesúvio, fica a 7 km da cidade. Essa tragédia aconteceu primeiro com uma enorme coluna de fumaça e cinzas sendo expelida pelo vulcão e espalhada. A seguir os piroclastos (ou “bombas”, que são fragmentos de rocha expelidos durante a erupção) causaram o maior dano. Em Pompeia, a queda maciça de cinzas causou a queda de muitos telhados e durante a segunda fase, pessoas e animais foram mortos por ficarem expostos às altas temperaturas da lava, mesmo que distante, ou por serem sufocados pelas cinzas, enfim um final trágico para uma cidade e para muitos dos seus 12.000 habitantes.

Vulcão Vesúvio visto do porto de Nápoles (A) , vulcão visto das ruínas de Pompéia (B)  e um molde de uma vitima (C). A seta vermelha em (A) e (B) indica o vulcão Vesúvio.

Os corpos dos habitantes, na verdade, não podem ser considerados fósseis, pois o que você vê são os moldes feitos pelos arqueólogos nos espaços que os tecidos moles dos corpos deixaram ao se decompor. Essas camadas, por serem constituídas de um material fino (como argila), permitiram que os ossos permaneceram no local, e na verdade até a expressões dos seus rostos ficaram registradas em negativo. Assim, ao se moldar esses corpos preenchendo o molde original de cinza com resina produz-se um molde em positivo, que permite visualizar os corpos claramente, e que é facilmente retirado uma vez endurecida a resina.

Molde de um morador morto durante a erupção do Vesúvio em 79 antes de Cristo.

Enfim, voltando ao pão de Pompeia, foi possível descobrir que era utilizada uma forma de levedo que se conhece como o nome de massa madre. Essa massa se produz expondo uma mistura de água e farinha integral, em partes iguais, ao meio ambiente por algumas horas ou dias, para que os esporos de fungos (neste caso leveduras) que estão flutuando no ar caiam na mistura e auxiliem no crescimento da massa. Hoje em dia, o que se utiliza como fermento são tipos de leveduras mais selecionadas e mais efetivas.

Cabe comentar que a origem dos fungos se remonta à Era Paleoproterozoica, ou seja, os vestígios mais antigos de estruturas que podem ser atribuídas a fungos datam de 2.000 a 1.800 milhões de anos atrás e foram encontrados em camadas de rocha da Sibéria, próximas ao lago Baikal. Contudo, há suspeitas de que feições descritas recentemente para o Cráton da África do Sul possam ser filamentos de fungos, o que remontaria a presença de fungos a 2.400 milhões de anos atrás.

Evidências mais seguras de fungos são conhecidas para o Período Cambriano (540 milhões de anos atrás). A partir do Devoniano, fungos associados a raízes, denominados micorrizas, são encontrados junto às primeiras evidências de plantas, que por sinal estão belamente perseveradas silicificadas em camadas de sílex na Escócia. Na bacia do Paraná no estado de São Paulo também detectamos fungos fósseis em troncos permineralizados por sílica ou silicificados, neste caso, mais jovens. Outra pesquisa desenvolvida no nosso laboratório descreveu fungos epifílicos associados a folhas de angiospermas coletado em folhelhos da Formação Fonseca (a Bacia de Fonseca, estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil) com idade ao redor de 30 milhões de anos atrás. Assim, vemos que os fungos têm um longo passado fóssil, e utilizá-los para fazer crescer a massa do pão deve ter sido uma prática comum desde que o home começou a fazer pão, ou seja o prazer de comer pão quentinho na primeira refeição do dia deve ser bem antigo.

O Monstro do Pleistoceno e o filho de Chica da Silva

Uma coisa estranha aconteceu na lavra de ouro do Padre Lopes. Durante as escavações para retirada do cascalho, começaram a aparecer uns ossos muito grandes. Contudo, tão grandes eram os ossos, que os escravos a princípio acreditaram tratar-se de um grande tronco enterrado. Desta forma, os ossos estavam difíceis de ser retirados intactos, e foram quebrados com pás, picaretas e enxadas. Da mesma forma, começaram a aparecer cabelos e foram achados também dois dentes de um animal muito estranho. Seria um monstro? Assustados, os escravos pararam a escavação e chamaram o capataz, que também ficou assustado com o que viu.

Dentes de mastodonte encontrados em Nova York no século XVIII. Seriam similares aos do Monstro de Prados?

Corria o mês de maio do ano de Nosso Senhor de 1785. Este fato aconteceu na região de Prados, na Comarca do Rio das Mortes. Todavia, os moradores informaram o Governador da Capitania, D. Luís da Cunha Menezes, sobre o achado. Assim, o governador Dom Luiz, tomado de grande curiosidade, enviou ao local um dos seus mais competentes naturalistas, Simão Pires Sardinha. Sardinha esteve na lavra do Padre Lopes e investigou a ossada ainda naquele ano. Depois de analisar a lavra e coletar ossos, dentes e cabelos,  elaborou um relatório (naquela época dizia-se memória) sobre aquele estranho material.

“UNS OSSOS MUITO ESTRANHOS”

Esta memória intitulou-se “Descripção de huns Ossos não conhecidos, que apparecerao em Mayo de 1785 na Cappitania de Minas Geraes do Estado do Brazil”.  Foi enviado a Portugal possivelmente junto com os materiais coletados. São conhecidas duas cópias da Memória de Simão Pires Sardinha. A primeira está no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. A segunda, no Arquivo Histórico do Museu Bocage/Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa. Já os materiais coletados foram extraviados, e não se tem ideia onde estejam atualmente. Mais informações pode ser encontradas no interessante artigo de Antônio Carlos Fernandes e colaboradores (aqui).

Pelo tamanho dos ossos encontrados, Sardinha estima que o animal deveria ter algo entre 46 e 56 palmos de comprimento (cerca de 10 a 12 m). Assim, Descreve também dois dentes encontrados no sítio de Prados: “Estes dentes não são de animal conhecido no Brasil, pode ser que sejam de algum animal, que pelas revoluções do tempo se tenha perdido a sua espécie”. Os cabelos, segundo sua descrição, pareciam de seres humanos. Como estes materiais foram encontrados juntamente com resíduos de espécies recentes, como jacarandá e pinheiro do Brasil, levam Sardinha a concluir que se tratava de um ser humano de extraordinária dimensão, um “gigante de quarenta palmos em razão dos dentes pela boa osteologia”.

Supõe-se que o “gigante” de Simão Pires Sardinha, também conhecido como “O Monstro de Prados”, era provavelmente um mastodonte (para uma discussão contemporânea: aqui). Para Sardinha, naquela época e naquelas circunstâncias, qualquer solução diferente era muito difícil (para saber como é hoje: ver aqui).

O REI MASTODONTE

Uma ossada de mastodonte encontrada no século XVII  num depósito de cascalho na França foi durante muitos anos descrita como a ossada do “Rei gigante” Theotobhucus, antigo rei dos povos germânicos. Outra ossada, descoberta em 1705 nos aluviões do rio Hudson, no estado de Nova Iorque foi durante descrita na época como o “Gigante de Claverack”, nome da localidade onde foi achado ( ver aqui ).

Os Gigantes descritos por Athanasius Kircher no “Mundus Subterraneus” (1678)
Os Gigantes descritos por Atanasius Kircher no “Mundus Subterraneus” (1678)

Havia, na época, uma crença de que a Terra era uma ruína, lugar decaído e sem forças. Na sua infância, antes do Diluvio universal, a terra chegara a ser habitada por gigantes, como havia mostrado Athanasius Kircher (1601-1680), Jesuíta e um das maiores estudiosos de História Natural de seu tempo. Os grandes esqueletos achados sob os aluviões supostamente pertenciam a estes gigantes antediluvianos. Outra explicação para esqueletos de elefantes era que pertenciam a animais que vieram da África com Aníbal e outros conquistadores.

A solução para o problema de Sardinha veio dez anos depois que ele escreveu sua Memória. Em 1º Pluviose do 4ºAno da Revolução Francesa (26 de janeiro de 1796) Georges Cuvier leu na sessão do Instituto Nacional de Ciências e artes de Paris uma memória que dava uma outra solução para o problema.

A memória de Cuvier intitulava-se “Mémoire sur les espéces d’Élephants tant vivents que fossiles” [Memória sobre espécies de elefantes tanto vivas quanto extintas]. Nele, Cuvier explica que o mamute era uma espécie distinta do moderno elefante. Distinta e extinta. E começa a surgir a Paleontologia de vertebrados como conhecemos hoje.

Geroges Cuvier, Paleontólogo Francês (1769-1832) e seus desenhos de mandíbulas de mamute (acima) e de elefante moderno (abaixo)
O INICIO DA PALEONTOLOGIA NO BRASIL

Boa parte dos escritos sobre a história da Paleontologia de vertebrados no Brasil está ainda focada somente em escritos de Naturalistas estrangeiros, após a chegada da família real em 1808. No entanto, estes relatos ignoram uma realidade muito rica e interessante, que é o desenvolvimento das ciências no Império Português sob o impulso das reformas de Pombal.

A segunda metade do século XVIII foi marcado por um grande esforço cientifico por parte dos naturalistas do império português (para saber mais: aqui) . Muitos destes naturalistas eram nascidos no Brasil. O mais famoso deles, é, sem dúvida, José Bonifácio. No entanto, existem outros, muitos outros, que merecem ser lembrados. Um deles, por sua singularidade e por sua história de vida, merece particularmente ser lembrado: Simão Pires Sardinha.

O FILHO ALFORRIADO

Simão Pires Sardinha nasceu escravo, em 1751. Seu pai, o comerciante português Manoel Pires Sardinha somente libertou o menino que teve com a escrava Francisca Parda na pia batismal, como era o costume na época. Entretanto, pouco tempo depois, sua mãe foi vendida para outro comerciante português, João Fernandes de Oliveira.

João Fernandes logo alforriou Francisca e passou a viver maritalmente com ela. A escrava Francisca Parda passou então a se chamar Francisca da Silva e Oliveira, nome com que se assinava. Para a história, ela hoje é conhecida como Chica da Silva, a “Chica que manda”, uma das grandes senhoras do Distrito Diamantino no século XVIII. O casal teve 13 filhos, sem contar o pequeno Simão.

A casa de Francisca da Silva, a Chica da Silva, em Diamantina (MG). Nesta casa Simão Pires Sardinha viveu sua infância.

Tendo recebido a herança paterna, Simão foi com o padrasto João Fernandes para a Europa. Graduou-se em artes em Coimbra. Foi cavaleiro da ordem de Cristo, a mais alta distinção concedida pelo reino para não-nobres. Para isso, teve que forjar o inquérito ao omitir o fato de sua mãe ter sido escrava. Na sociedade aristocrática da época, origens “nobres” eram o requisito para ser aceito. O dinheiro, que Simão possuía, era a outra.

SIMÃO PIRES SARDINHA E A POLITICA NO BRASIL

Voltou ao Brasil com o governador Luís da Cunha Menezes, por quem tinha grande admiração. No entanto, viver num pais de analfabetos fazia com que os escassos letrados que aqui viviam tivessem que ocupar muitas funções diferentes. Desta forma, além da ocorrência de Prados, Simão Sardinha foi também responsável pela captura do ex-Intendente dos Diamantes, José Antônio Meireles, o Cabeça de Ferro. Contudo, o Cabeça de Ferro fugia para Portugal com ouro supostamente roubado da administração, e foi preso por Sardinha antes de chegar ao Rio. Assim, com tantas e disparatadas atividades, muitas carreiras cientificas podiam ser facilmente desviadas para as necessidades da burocracia estatal. Esta foi nossa realidade durante muito tempo ainda.

Sardinha teve ainda participação na Inconfidência Mineira. Ao que tudo indica, Simão Pires Sardinha compartilhava dos ideais iluministas, embora soubesse jogar o jogo do Portugal aristocrático e absolutista. Desta forma, de volta a Portugal, contou no inquérito a que foi submetido ter sido procurado pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier. O Tiradentes procurou Sardinha para que este traduzisse para o alferes um texto da Constituição Americana. Texto subversivo, por certo. No entanto, Simão não sofreu nenhuma condenação e continuou vivendo em Portugal. Assim,  graças a sua amizade com D. João VI, conseguiu ajudar seus meios-irmãos que ficaram no Brasil.

CIÊNCIA NA AMERICA PORTUGUESA?

Simão Pires Sardinha morreu em Portugal em 1808. Ironicamente, segundo muitos historiadores da ciência, foi a partir deste ano que começou a Ciência no Brasil. Contudo, a Memória de Sardinha demostra que não. O fato é que a Memória do Monstro de Prados é o mais antigo documento que trata do tema Paleontologia em território brasileiro. É nossa certidão de nascimento.

Entretanto, a descrição de Simão Pires Sardinha está de acordo com o conhecimento da época. Sua trajetória de vida indicam as dificuldades para se ter uma carreira em ciências no Brasil. Contudo, se era difícil no império Luso-americano dos setecentos, continua difícil ainda hoje, no Brasil do século XXI ( veja e chore aqui) ). Um tema moderno no pais de Temer.

A trajetória pessoal de Sardinha liga a Paleontologia dos Vertebrados à Chica da Silva. Não é para qualquer um.

Para saber mais:

Furtado, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. Editora Companhia das Letras, 2003.

Semonin, Paul. American monster: How the nation’s first prehistoric creature became a symbol of national identity. NYU Press, 2000.

Rudwick, Martin JS. The meaning of fossils: episodes in the history of palaeontology. University of Chicago Press, 2008.

Água de coco desde o Cretáceo acalmando a sede?

http://www.vix.com/pt/bdm

Na semana passada estive estudando fósseis no Ceará e estava quente, mas nada que uma refrescante água de coco gelada não ajudasse a acalmar, como no verão de Campinas quando, em janeiro, a temperatura chega próximo aos 40oC. Assim, enquanto bebia minha água de coco em Fortaleza, fiquei pensando na origem das palmeiras: quando foi mesmo que elas surgiram? Será que tem fósseis de coco da Bahia? Onde?

Após pesquisar descobri, que os registros mais antigos de palmeiras datam do período Cretáceo. São grãos de pólen sulcados, com uma ou mais aberturas longitudinais (por exemplo Mauritiidites), como os hoje encontrados na Família Arecaceae, à qual pertencem todas as palmeiras. Atualmente esta família possui uma distribuição cosmopolita, com aproximadamente 2.000 espécies agrupadas em 90 gêneros, dentro dos quais se destacam árvores, ervas com rizomas e alguns cipós. A maioria das Arecaceae hoje habita em regiões quentes e úmidas do planeta. No final do Cretáceo (70 milhões de anos no passado) eram plantas muito comuns nos hemisférios norte e sul, tanto que seus pólens são os elementos característicos da “Província Florística Palmae”, constituindo um 50% dos pólens encontrados nas assembleias. Assim, as palmeiras estão entre as monocotiledôneas mais antigas conhecidas. Os domínios da Província Palmae se estendiam desde o Sul da Argentina (dá para imaginar a Patagônia com um clima quente?) até o norte da América do Sul (hoje a Venezuela) e por grande parte da África, Índia (que no Cretáceo estava próxima do leste da África), e as costas do Mediterrâneo.

Pólen atual de uma palmeira.

Esta Província era caracterizada por uma vegetação diversificada e tropical. Além de pólens de palmeiras também foram encontrados folhas, frutos, folhas, lenhos e até flores. Como exemplo de fruto, foi descrito um exemplar de coco no estado de Pernambuco, encontrado associado com rochas da Formação Maria Farinha do Paleoceno. Outros cocos fósseis foram descritos nessa mesma idade na Índia, Argentina e Colômbia.

Já no início do Paleoceno (65 a 55 milhões de anos no passado) os fósseis de palmeiras são encontrados por todo o planeta. Eles são uma das evidências de que durante esse período do tempo geológico a Terra experimentou um regime climático quente e úmido, conhecido como Ótimo Termal, pois as palmeiras só podem habitar em climas onde a temperatura do mês mais frio não cai abaixo dos 5 a 7oC. Por exemplo, para Alberta, no oeste do Canadá, foram descritas grandes folhas de palmeiras que poderiam ter habitado em um clima mais ameno que o hoje encontrado nessa região do planeta. Dessa forma, acredita-se que durante o Paleoceno a temperatura caía pouco até os 50º de latitude.

Sim, como vocês estão pensando, as palmeiras foram contemporâneas dos dinossauros, inclusive tem sido encontrados locais nos quais foram preservados pequenos coquinhos associados a ossos desarticulados de dinossauros ceratopsídeos. Assim, vemos que as palmeiras sobreviveram a uma das maiores extinções do planeta Terra (aquela do limite Cretáceo – Paleógeno) e chegaram até os dias de hoje, ajudando a acalmar a sede… será que o mesmo aconteceu com os dinossauros ou com os mamíferos que surgiram no Paleógeno?

Você já viu um fóssil de verdade? (será que não?)

Você provavelmente já ouviu falar em amadorismo, especialmente quando se trata de esportes, certo? Segundo o dicionário, amadorismo é regime ou prática oposta ao profissionalismo; ou ainda: falta de técnica adequada à realização de um trabalho. Pois vou lhes contar que existem por aí paleontólogos amadores*… e tentar fazer de você, um deles!

Você já viu algum fóssil real**? Caso já tenha ido em algum museu de ciências ou história natural, é possível que tenha. Mas, e na sua casa? no caminho para o seu trabalho? (não vale contar que o seu chefe é um dinossauro, ok?) naquela loja que você sempre vai para tomar um café?… existem fósseis ali? já reparou nas rochas que adornam esses lugares? sim…elas podem conter fósseis!!

Mapa do Brasil com sítios fossilíferos. As bolinhas representam locais em que ocorrem fósseis. Fonte.

Bem, dependendo de onde você morar, fósseis podem aparecer no quintal da sua casa, na construção de um prédio, na abertura de uma rodovia… Apesar de o processo de fossilização ser uma exceção (já falamos sobre isso antes, lembra?), ainda sim, o tempo geológico é tão longo e a diversidade de vida pretérita, tão grande, que existe por aí um bom número de rochas que apresentam fósseis. Veja aqui uma pequena lista de locais com fósseis, pelo mundo.

E tem mais! Mesmo que você não more literalmente em cima dessas rochas, muitas construções são feitas (em geral, ornamentadas) com rochas fossilíferas! isso significa que a parede externa de uma loja, uma pia, ou mesmo a calçada de alguns locais podem ter fósseis. Vamos aos exemplos:

  • Se você for ao Shopping Eldorado ou ao Shopping Ibirapuera, ambos em São Paulo, por exemplo, poderá observar estromatólitos nos mármores do piso; estromatólitos são estruturas formadas pelas atividades de cianobactérias; as estruturas têm a forma de colunas laminadas facilmente observadas nas rochas desses shoppings; cada lâmina, em geral, representa um ciclo de vida de uma colônia. Essas rochas têm cerca de 2 bilhões de anos de idade, e foram retiradas de lavras localizadas em Minas Gerais. Veja aqui uma notícia sobre esse assunto.
Rastros fósseis do varvito de Itu. Fonte.
  • Em muitas calçadas de Itu (SP), ou de cidades próximas, como Campinas por exemplo, tem alguns de seus pavimentos construídos com rochas que apresentam marcas de ondas e traços fósseis! as marcas de onda são iguais às que podemos observar na parte mais rasa das praias de hoje… e esses traços são pegadas de antigos animais (invertebrados) que rastejavam pelo fundo de um lago gelado. Essas rochas têm cerca de 250 milhões de anos de idade, e provêm de afloramentos de Itu e região. Saiba mais aqui.

 

  • Nas calçadas de São Carlos, Araraquara (cidades de SP) e mesmo dentro do Zoológico de São Paulo, é possível observar rochas formadas por areia (arenitos) que apresentam pegadas de dinossauros, mamíferos e invertebrados (entre outros). Todas são retiradas de Araraquara e região e representam os vestígios de um grande deserto que cobriu parte do Brasil há 140 milhões de anos atrás. Será que você já não pisou em uma pegada fóssil?? Veja mais aqui.

Abra seus olhos e comece a observar. E se algum dia você encontrar um fóssil? Será que isso irá despertar em você uma vontade de conhecer que só vai crescendo com o tempo? Pois foi provavelmente dessa forma que muitos paleontólogos amadores iniciaram, na busca insaciável pelo conhecimento. Muitos desses paleontólogos amadores foram responsáveis por grandes descobertas! Mas isso já é uma história para um próximo post

*Existem algumas definições diferentes para “paleontólogo amador” mas me refiro aqui àquelas pessoas que coletam fósseis, por qualquer razão, mas que não subsistem da paleontologia.

**Aqui só gostaria de desabafar… Sempre que levo alguma réplica de fóssil para aulas práticas de paleontologia meus alunos mostram certam desprezo com a tal amostra. E eu sempre argumento que aquilo, em geral, é um molde do original, ou seja, não tem diferença alguma em relação ao fóssil encontrado; simplesmente não faz sentido não gostar de uma réplica.

HISTÓRIA DO PETRÓLEO NO BRASIL

Capa do Livro “o petróleo no Brasil: Exploração, Capacitação Técnica e Ensino de Geociências (1864-1968)”

A história do petróleo no Brasil ganha mais um capitulo. Já não era sem tempo, uma vez que a importância e a atualidade do tema assim o exigia. Assim, para se entender a Historia do Petróleo no Brasil, é interessante entender alguns aspectos essenciais. Uma característica marcante da busca por petróleo foi a insistência num caminho nacional.

No entanto, a maioria dos textos sobre o assunto abordam a história do petróleo a partir de pontos de vista políticos ou econômicos. Explorar o petróleo no Brasil sempre foi, é claro, achar óleo. Mas, também, significou formar recursos humanos. E foi a busca pelo Petróleo que forjou a comunidade Geocientífica brasileira.

UMA OBRA BEM VINDA

Por todos estes motivos, é de extrema importância para a história do petróleo no Brasil o recente livro da pesquisadora Drielli Peyerl. Intitula-se “O Petróleo no Brasil: exploração, capacitação técnica e ensino de Geociências (1864 – 1968) (mais informações aqui). Trata-se de uma produção acadêmica com um tema interessante e uma linguagem acessível, o que não é pouco.

Este livro foi um doutorado defendido no programa de Ensino e História de Ciências da Terra (UNICAMP). Orientada pela Prof.ª Dr.ª Sílvia Figueiroa, Drielli fez sua busca em arquivos do Brasil, do México e dos Estados Unidos. Um dos arquivos mais interessantes, entretanto, estava perto.

Foi o arquivo da Coleção Frederico Waldemar Lange, depositada na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Neste arquivo  Drielli fez seu mestrado, intitulado “A trajetória do paleontólogo Frederico Waldemar Lange (1911-1988) e a História das Geociências” (2010), orientada pelo paleontólogo Elvio Bosetti (para ver mais, clique aqui). Além de Lange, surge nesta pesquisa um personagem também muito interessante, o geólogo Americano Walter Link (1902-1982). Falaremos dele mais adiante.

Uma História do Petroleo

O primeiro capítulo do livro de Drielli, intitulado “Surge o Petróleo”, trata do início da pesquisa de petróleo no Brasil. Com o uso de diversas fontes históricas, Drielli consegue chegar até 1864, quando é publicado o decreto que cita pela primeira vez a palavra petróleo na legislação brasileira.

A partir de então, a autora mostra como o petróleo vai se tornando cada vez mais importante na discussão nacional. A partir deste início um tanto tímido, o tema petróleo retorna à legislação na transição do Império para a República. Contudo, no início, as iniciativas de busca pelo petróleo são de particulares. Entretanto, a partir dos anos 1920, o governo brasileiro começa a participar mais ativamente da pesquisa de petróleo em todo o território nacional.

O primeiro poço de Petróleo perfurado no Brasil (Bofete, SP)
O Conselho Nacional do Petróleo

No entanto, somente no final dos anos 1930, já no Estado Novo, é que o tema passa a um novo patamar, coma criação do Conselho nacional do Petróleo (CNP). É este conselho que passa a dirigir a pesquisa, até a primeira ocorrência na Bahia em 1939. Descoberto o petróleo, havia uma grande dúvida: como explora-lo?

No segundo capítulo, denominado “A Formação do Know-How (1938-1961)” Drielli trata da questão da contratação de técnicos estrangeiros para este serviço, o que não era visto com bons olhos no Brasil da época. A exploração deveria ser feita  pelo estado, como defendiam os nacionalistas? Ou pelas empresas estrangeiras com controle a partir do estado, como defendiam os liberais?

Foi um debate importante, tendo como pano de fundo a campanha “O Petróleo É Nosso”, que culminou, em 1953, com a criação da Petrobras. Desta forma, no final deste segundo capitulo, são utilizadas diversas fontes dos arquivos de Lange, mostrando contudo alguns aspectos interessante sobre como estava se dando a exploração de petróleo nos anos 50 e 60.

Walter Link e a Petrobrás

Aqui surge a figura de Walter Link, geólogo norte americano, chefe de Exploração da Petrobras de 1955 a 1961. Trata-se de um dos personagens-chave da História do petróleo no Brasil.  Mr Link redigiu, em 1961, um relatório bastante detalhado, onde fala das dificuldades de encontrar o petróleo brasileiro em terra.

Link sugere, com base nos conhecimentos da época, que se deveria tentar buscar petróleo no mar. Contudo, as críticas ao Relatório Link foram muito grandes. Sobretudo as esquerdas eram as maiores adversárias do geólogo norte-americano. Sem compreender a dimensão do problema, acusavam Mr Link de derrotista, ou de atender interesses estrangeiros (mais informações aqui).

Como se sabe, foi seguindo as pistas deixadas por Link que a Petrobras foi ao mar e descobriu sua verdadeira vocação. Contudo,  isso é outra história.

O geólogo norte americano -Walter Link (1902-1982), Diretor de Exploração da Petrobras (1955-1961)
Surge a Petrobrás

O terceiro capítulo, intitulado “Aperfeiçoamento, Profissionalização e o Ensino de Geociências (1955-1968) ” trata das primeiras tentativas de formação de técnicos brasileiros. Inicialmente, foi a partir dos diversos cursos de formação de técnicos do petróleo, como o Setor de Supervisão do Aperfeiçoamento Técnico (SSAT), da criação do Centro de Aperfeiçoamento de Pesquisas do Petróleo (CENAP, atual CENPES), assim como os diversos cursos de formação de engenheiros e técnicos de petróleo. Em 1957, surge a Campanha de formação de Geólogos (CAGE). Assim, a partir da CAGE, é que surgem os primeiros cursos de geologia no Brasil.

O livro busca entender as principais políticas do país em relação a um bem tão decisivo e importante como o petróleo. Inicialmente, a pesquisa e exploração surge nas mãos de particulares. Depois, é o estado que promove a busca pelo petróleo, contra toda esperança. Entretanto, os indícios geológicos de ocorrência de petróleo no Brasil nesta época eram os mais escassos possíveis.

O Petróleo é nosso?

No entanto, também é importante ver como é o petróleo que tem a capacidade de mobilizar a sociedade. É no surgimento de novas instituições cientificas e tecnológicas que foi gestada a atual comunidade geológica brasileira. A geologia brasileira surge deste estado de permanente atração e repulsão entre a comunidade geológica e a Petrobras. Todos nós surgimos deste processo, a partir da segunda metade do século XX.

Entender a história do petróleo no Brasil através do texto de Drielli Peyerl é uma fascinante jornada para compreendermos os percursos e os percalços das Geociências em nosso país.

Leitura obrigatória.

Mais leituras a partir desta:

PEYERL, DrielliFIGUEIRÔA, Silvia F. de M. . ‘Black Gold’: Discussions on the origin, exploratory techniques, and uses of petroleum in Brazil. Oil-Industry History, v. 17, p. 98-109, 2016.

PEYERL, DrielliFIGUEIRÔA, Silvia F. de M. . ‘A Petrobras prepara seu pessoal técnico’ – 1950 – 1970. Brazilian Geographical Journal, v. 3, p. 363-374-374, 2012.

 

A emoção da Montanha Russa: respire fundo e um passo à frente

Oba, oba, oba que felicidade: a notícia que finalmente o artigo no qual trabalhamos nos últimos anos foi aceito para ser publicado finalmente, depois de idas e vindas!

Fonte: alearned.com/roller-coasters/ e MiNiBuDa/montaa-rusa

Neste texto quero falar acerca de uma das partes mais delicadas de trabalhar com pesquisa: publicar a nossa pesquisa ou conseguir publicar, pois existem as duas caras dessa atividade. Nem todos os artigos pelos quais trabalhei, pesquisei, dei o melhor de mim, foram aceitos para serem publicados e menos ainda aceitos sem correções, sugestões e até devolvidos com comentários terríveis. Outros em contrapartida, após algumas idas e vindas, foram aceitos com muitos elogios. Quem não passou por isso?. Contudo, meu sonho continua sendo ter um artigo aceito sem nenhuma correção ou sugestão de mudança. Como é esse processo? Na minha opinião poderia ser mais simples. Começa, claro, quando você tem uma ideia ou uma inquietude acerca de um fóssil ou um conjunto deles e a sua pesquisa se inicia. Pode ser necessário ir ao campo e procurar, coletar, descrever, fotografar, desenhar… voltar novamente ao local, verificar os seus dados de campo, ir com as suas amostras e exemplares ao laboratório, prepará-los, descrever de novo, interpretar e por fim produzir um dado e sua interpretação e começar a escrever…pensar….pensar…escrever, ler artigos relacionados ou não…discutir com um colega, alunos, acordar a noite e ficar pensando…matutando e ter a ideia de como explicar! Mudar o que se escreveu para melhor ou pior, tentar e tentar e no fim chegar a um texto que descreva o que você pensou e que transmita a sua Ideia para outras pessoas. Claro, não é só texto nas pesquisas em paleontologia em geral os artigos tem umas figuras muito lindas e bem feitas do seu material, aliás, esta é uma das partes mais importantes do texto: as prova do que você está falando. Figuras feias são um passo para o abismo, texto confuso é o próximo. Mas com todo o seu esforço por fazer o melhor possível, o sucesso não é garantido. Não tem, para mim, coisa mais difícil que abrir aquela mensagem da revista científica, em resposta ao artigo que você enviou há alguns meses e no qual trabalhou por alguns anos. Ler a mensagem do editor, que não tem como saber quais foram as dificuldades, problemas, etc. e ter seu artigo avaliado por relatores anônimos, que podem ou não acabar com todo esse esforço… o sistema de avaliação por pares. Vêm os comentários e o veredito, que você lê com o coração saindo pela boca e batendo acelerado, como ir a uma montanha russa a toda velocidade, e que fala: “aceito”, “negado”, “pode ser aceito caso você mude”, “nem mudando daria para aceitar” ou “que artigo mais legal, contudo você ainda não chegou lá”, “temos o prazer de informar que seu artigo está aceito”, etc. Um conhecido meu falava que às vezes, após algumas idas e vindas, você não quer nem escutar falar mais do seu artigo, ou em outras vezes, até tem vontade de emoldurar. Pois bem, não é fácil trabalhar com ciências; tem que estar preparado para ser constantemente questionado, arguido e não tem como escapar. Mas ainda assim, na maioria das vezes quando estudo fósseis, penso que não gostaria estar fazendo outra coisa nesse momento e que afortunada que sou por poder trabalhar com um desafio constante que me estimula e faz ter uma vida pouco rotineira, onde posso ajudar a outros a descobrir essa maravilha e a desfrutar do seu trabalho.

Não acredito que tenha colegas que nunca tiveram um artigo negado como eu, inclusive até grandes cientistas já tiveram as suas maiores contribuições não publicadas em várias ocasiões. Pelo menos não estou sozinha. O que fazer quando seu esforço não tem êxito? Quando a sua decepção ficar menor, pegue os comentários, leia, pense, mude o que achar que deve, defenda o que não é razoável e submeta de novo, e de novo, e de novo… Embora não seja fácil, pense que em cada retomada fica melhor, ou parta para outra pesquisa e experimente o infinito, pode ser que esta vez o sucesso seja seu e, quem sabe, então pegue seu artigo rejeitado mexa nele mais uma vez e submeta a outro periódico e ele seja aceito e se torne a sua melhor contribuição. Vai ver que o mundo ainda não estava pronto para ele..