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Biomineralização: e eu com isso???

Quando pensamos em minerais, cristais, etc. raramente relacionamos esse tipo de processo com a vida e com o nosso próprio corpo. Mas basta um rápido sorriso no espelho para ver nos nossos dentes as evidências do processo de biomineralização que realizamos. Aliás sem biomineralização não conseguiríamos viver no planeta que habitamos, e precisamente essa capacidade dos organismos de biomineralizar pode ser exclusiva do nosso planeta, fazendo com que ele seja diferente de todos os outros conhecidos no sistema solar e fora dele.

Mas a final, o que é a biomineralização? Pode ser definida como um processo mediante o qual os organismos formam minerais a partir da retirada seletiva de elementos do meio que os rodeia e incorporação na sua estrutura funcional. Esse processo, por exemplo, incorpora cristais de hidroxiapatita [(Ca10(PO4)6(OH)2)] para construir e reparar nossos ossos e dentes. A hidroxiapatita é um mineral do grupo dos fosfatos, pois utiliza o fosforo como cátion para formar os cristais que vão sendo alocados entre as fibras de colágeno e dando forma e resistência aos nossos ossos. Os cristais de hidroxiapatita possuem forma de placas e são muito pequenos. Quando esse processo para ou é realizado de forma incompleta terá como consequência a osteoporose.

Os organismos utilizam vários íons no processo de biomineralização, entre os quais o mais comum é o cálcio (Ca), podendo ser encontrado em aproximadamente 50% dos biominerais. Outros íons bastante comuns são o Silício (Si), o Fosforo (P), o Ferro (Fe) e o Enxofre (S) embora a lista seja bem mais extensa.

O processo de biomineralização não é exclusividade dos eucariontes, pois entre os registros mais antigos de biominerais se encontram os associados a bactérias que biomineralizavam Fe, por exemplo, em magnetita formando cristais denominados de magnetosomos há 3.000 milhões de anos. Essas bactérias que geram magnetita recebem o nome de magnetotáticas. Os vegetais também biomineralizam utilizando como íon principal o Si, pelo menos nos últimos 400 milhões de anos, ou seja, desde que temos registros de plantas sobre os continentes. Quem já não se cortou com a folha de capim? Essas folhas possuem diminutos corpos de sílica hidratada, ou opala, denominados como fitólitos que cumprem funções de defesa e sustentação da planta. Por sinal, cada planta biomineraliza fitólitos com formas diferentes que podem ser estudados e utilizados em estudos de reconstrução de antigas florestas.

Alguns exemplos fitolitos e de folhas capim (Poaceae) rico em fitolitos.

Há uma enorme diversidade de organismos que biomineralizam cristais utilizando o Ca na forma de calcita ou aragonita nos mares e oceanos. Um grupo que utiliza cálcio e que produz belíssimas carapaças formadas por cristais de calcita são os cocolitoforídeos. Sob essa denominação sofisticada de cocolitoforídeos são reunidos os organismos autotróficos marinhos mais abundantes do fitoplâncton, ou seja, que vivem flutuando nas camadas mas superficiais dos mares até uns 20m de profundidade. Os cocolitoforídeos são tão abundantes que, junto aos foraminíferos, são responsáveis por criar e manter o gradiente vertical da alcalinidade na água do mar, e tudo por devido à biomineralização.

Cocolitoforídeo com suas pelas placas que representam um cristal de calcita. As placas ao morrer o organismo caem isoladas no fundo dos mares e formam espessos depósitos de carbonatos, os chalk. Depósitos formados dessa forma são os white cliff da costa da Inglaterra. (sopasdepedra,ebah.com.br, wonderfulseaworld)

Os biominerais são caracterizados por apresentar uma fórmula química definida, embora a sua morfologia externa possa ser incomum se comparada com os minerais produzidos inorganicamente, mas nessa característica reside parte da sua complexidade e diversidade. Muitos são, na realidade, compostos ou aglomerações de cristais separados por matéria orgânica como no caso dos nossos ossos. Os biominerais podem existir como pequenos corpos dentro de uma rede de colágeno ou quitina (como no caso da carapaça dos caranguejos).

Como acontece a biomineralização? Para que ocorra a nucleação (formação dos primeiros núcleos cristalinos) e o posterior crescimento, a biomineralização precisa de uma zona de deposição saturada, geralmente isolada do ambiente em volta e delimitada por uma geometria física, como vesículas intracelulares, onde o meio ao redor é precisamente controlado. Há dois processos básicos responsáveis: um biologicamente induzido e outro biologicamente controlado. No primeiro caso, os organismos não têm controle do tipo e da forma dos minerais depositados, embora controlem o pH, pCO2 e a composição das secreções, como acontece nos microbialitos comentados no post “Microbialitos – fósseis mais persistentes” da Flavia.

No processo biologicamente controlado, os organismos utilizam as atividades celulares para controlar diretamente a nucleação, o crescimento, a morfologia e a localização final do mineral que está sendo depositado. Assim, a maior parte do processo ocorre num ambiente isolado. O resultado é muito sofisticado e com uma função biológica especializada dada pelo organismo, como no caso dos nossos ossos e dentes. Pense nisso na próxima vez que escovar os dentes.

Reflexões de um dia-a-dia sob a óptica paleontológica

Cada área do conhecimento possui seus jargões e influencia no modo em que as pessoas enxergam o mundo. Eu tenho contato com profissionais cientistas de várias áreas do conhecimento; desde aqueles engenheiros que se divertem indo em um congresso “só” sobre túneis, até aqueles que, apesar de trabalharem o tempo todo, acham que atividades como ministrar aulas “não é trabalho”. Longe de mim questionar qualquer um desses pontos de vista (que tenho como excêntricos) a verdade é que me divirto muito observando e convivendo com pessoas de pontos de vista tão diferentes do meu.

Pensando sobre isso imaginei que algumas (ou todas?) das observações que faço ao longo de um dia podem/devem ter muita influência da minha formação paleobiológica. Vamos aos exemplos!

Nas férias, ao caminhar na praia, percebo que a zona intermarés carrega e deposita sedimentos e corpos de organismos que viviam por ali, e também daqueles que viviam

Diferentes organismos (ou restos de organismos) num mesmo ambiente deposicional. Viviam ali ou foram trazidos?

mais longe (no mar mais profundo), mas que foram trazidos pelas correntes, neste caso, após a sua morte, e ali depositados. Esse conjunto de restos de organismos de diferentes ambientes misturados num mesmo local é bastante comum no registro fossilífero. É o que chamamos de “grau de autoctonia” do registro (o quanto ele representa organismos que viviam naquele ambiente, ou, ao contrário, o quão longe eles foram transportados de seu ambiente de vida original). No registro temos que observar os restos dos organismos para saber se são ou não autóctones. O que observamos? Se o organismo está inteiro ou fragmentado (o que pode indicar transporte), arredondado, se ele tem adaptações morfológicas para viver em determinado ambiente (forma da concha, por exemplo), entre outras feições. A mistura de organismos de diferentes ambientes numa praia atual pode parecer óbvia (como na foto, em que há mistura de conchas, galhos e medusas, cada uma de um ambiente específico), mas no registro isso não é tão fácil de se perceber. Pelo menos não tão imediato. Isso porque não temos mais o ambiente original, só evidências de qual era esse ambiente. Também não temos os organismos, mas sim fósseis deles. Não é de se estranhar, portanto, que uma das ferramentas mais usadas na paleontologia é o atualismo: observar o que ocorre hoje para compreender o passado, que é representado pelo registro fossilífero.

E no meio urbano? É possível ter um olhar paleontológico?

A icnologia (o estudo dos traços fósseis, ou seja, o estudo das marcas deixadas pela atividade de algum organismo) é relativamente constante nas minhas observações. Ao passear com cachorros numa praça que tenha areia, deixamos nossas pegadas, que são rapidamente apagadas ou deformadas pelo caminhar de outros (possibilitando a formação de um registro palimpsesto, caso aquilo ali fosse rapidamente recoberto); ou, ao observar patinhas de diversos animais que foram pintadas em frente a um restaurante vegano, adentrando o local, percebo que elas deveriam também estar saindo ali, se a ideia é de que os animais são bem-vindos e podem circular livremente…pra mim, vestígios de animais somente entrando um lugar podem significar que eles não saíram, pelo menos não pelo mesmo local de entrada.

Ou ainda, como explicado no último post da profa. Frésia, as queimadas geram fragmentos de plantas carbonizados que podem virar registro também… quem nunca olhou para aquela “sujeirinha” preta e pensou sobre sua importância para os paleontólogos do futuro? 🙂

E, claro, o exemplo clássico. Seja aonde for, praia, cidade, interior, ao olhar para o céu noturno estrelado não podemos deixar de pensar que observar as estrelas é olhar para o passado. E como Carl Sagan costumava dizer:  “Nós somos, cada um de nós, um pequeno universo”. Mas aí já entramos em outra área do conhecimento, não?

A perspectiva paleontológica está por toda a parte!

Conheça mais sobre o trabalho de Sagan lendo este post.

 

 

DAS CINZAS E DOS FÓSSEIS


http://orsm.com.br

No inverno aqui em Campinas, em geral seco, com bastante frequência ocorrem incêndios. Nessas ocasiões as casas, carros, etc. que estão perto ou que passam do lado do incêndio na estrada ficam cobertos daqueles fragmentos de plantas que vêm voando no vento, aqueles carvõezinhos. Pois esses fragmentos podem fossilizar e quiçá serem os únicos testemunhos da vegetação.

Uma das melhores evidências das mais antigas flores fósseis pertencem ao que restou de um incêndio da floresta, que no início do período Cretáceo (a uns 110 milhões de anos no passado, ou simplesmente Ma.) existia em Portugal.

De forma geral os fósseis vegetais produzidos por incêndios recebem o nome de carvões de queimada, ou charcoals em inglês. Eles são compostos por 60-90% de carbono e são conservados no registro fóssil por serem praticamente inertes. Neles há uma excelente preservação da morfologia e anatomia, muitas vezes até nível celular.

Este tipo de fossilização é tão antigo como o são as plantas na superfície do planeta, cujos registros mais antigos datam de uns 400 Ma. (Siluriano) ou um pouco mais… Isto indica que antes da vida povoar os continentes não existiam incêndios, talvez porque não houvesse nada para ser queimado. Contudo, evidências desses primeiros incêndios são encontradas em rochas de todos os continentes, o que indica que o processo de conquista do meio seco pela vida foi um evento que aconteceu por toda a superfície do planeta.

Os carvões de queimada ou charcoals, podem ser observados a olho nu ou no microscópio e a sua presença em grande quantidade está relacionada com os períodos do tempo geológicos com maior porcentagem de O2 na atmosfera que hoje em dia. como ocorreu durante os períodos Permiano (~298 a 252 Ma.) e Cretáceo (145 a 66 Ma.). Mas o que acontece para aumentar a concentração de O2 na atmosfera? Bom, se trata de momentos muito mais quentes que hoje e sem a presença de gelo nos polos. Assim, o nível relativo dos mares é mais alto, e como consequência os continentes possuem extensos mares interiores e rasos onde há uma enorme proliferação de recifes muito ricos em vida. Aqui no Brasil, durante o Cretáceo, o Nordeste era um enorme mar raso, após a separação entre a África e a América do Sul. Nesses mares interiores, por serem também quentes e com pouca circulação, ocorre a deposição maciça de carbonato de cálcio (CaCO2) e de matéria orgânica e, por conseguinte, o sequestro do C na crosta terrestre, elevando a concentração de O2 na atmosfera.

Fragmento de charcoal, visto em microscópio eletrônico de varredura. 1. Escala = 1mm; 2. Escala F= 500 µm.; 3. Escala = 50 µm; 4. 200 µm.

Voltando aos incêndios, com taxas de O2 elevadas, é muito mais fácil que a vegetação pegue fogo por ação de raios, vulcões, meteoros, etc. ou mesmo por combustão espontânea com mais oxigênio para oxidar a matéria orgânica pela queima. Os registros de incêndios, ou neste caso de paleoincêndios, são encontrados em rochas sedimentares ou, mais raramente, em rochas ígneas associadas a erupções vulcânicas. Os fragmentos de carvão de queimada são depositados tanto no continente como também nos mares, neste caso envolvendo o transporte dos fragmentos de charcoals pelo vento ou pela água, pois os carvões podem flutuar facilmente durante alguns dias até ficarem encharcados de água e afundar, possivelmente longe do local do incêndio e até mesmo no fundo do mar.

Estudos realizados em depósitos quaternários (2 Ma. até hoje) utilizam os registros dos paleoincêndios como evidências de mudanças climáticas e para caracterizar a presença de biomas com o Cerrado, que está intimamente associado com a presença do fogo. Nos estudos do Quaternário, a presença de charcoals é muitas vezes associada com climas mais secos que o atual ou até mesmo com a ação humana a partir dos últimos 10.000 anos. Outra grande vantagem nos estudos quaternários na utilização dos charcoals é a possibilidade de realizar, por meio deles, datações absolutas muito precisas utilizando o isótopo radiativo do carbono o C 14 o qual possui uma meia vida de 60.000 anos, bem como de estabelecer por meio do estudo de isótopos estáveis de C o tipo de vegetação que deu origem aos charcoals, indicando se tratava de uma vegetação mais aberta ou de uma floresta.

Assim, da próxima vez que passar perto de um incêndio ou encontrar uns carvões no campo, imagine as possibilidades que eles oferecem para um dia poder reconhecer ou reconstruir a paisagem atual.

 

 

Incêndio florestal, imagine a quantidade de charcoals sendo produzidos. http://www.meilogunotizie.net

O Carnaval dos microbichos

Faz um tempo que a cada carnaval fico com vontade de ir para Veneza (Itália) e utilizar uma máscara decorada e inspirada nos foraminíferos. Eles são microfósseis, pois estima-se que hoje em dia existam ao redor de 8.000 espécies, mas a grande maioria delas dificilmente alcança mais de 1mm. Pela sistemática, eles são protistas eucariontes cosmopolitas, na sua maioria marinhos, e pertencem ao Filo Granuloreticulosa, possuindo uma célula só e são aparentados com as amebas. Os foraminíferos em vida possuem pseudópodes (ou falsos pés) que os auxiliam em muitas funções como na fixação, flutuação, alimentação, respiração, coleta, etc.
Os foraminíferos secretam uma carapaça ou esqueleto externo, que recebe o nome de testa, que em muitos casos é composta por carbonato de cálcio na forma de cristais de calcita. A testa é preservada facilmente no registro sedimentar, principalmente marinho, sem precisar passar por um processo de fossilização. O formato das testas, ou seja, a sua morfologia externa é francamente espetacular e sumamente variada.

Foraminífero  belamente ornamentado (http://www.foraminifera.eu)

A enorme quantidade de testas de foraminíferos depositadas no fundo dos mares e oceanos, as famosas vazas de foraminíferos, fazem desse filo de protozoas um dos grupos de fósseis mais abundantes do registro fossilífero do nosso planeta nos últimos 500 milhões de anos. Na verdade, são bem menos famosos que os dinossauros e muito mais bem-sucedidos. Quem não ouviu falar das pirâmides do Egito, umas das sete maravilhas do mundo antigo? Pois bem, elas foram construídas com blocos de pedra calcaria formada pela deposição de foraminíferos ou vazas de foraminíferos.

As vazas de foraminíferos são mundialmente estudadas em testemunhos recuperados de perfurações que alcançam centenas de metros de profundidade. Esses registros ordenados são precisos e preciosos na hora de realizar correlações entre camadas de diferentes locais no planeta, datar camadas, calcular – por meio de isótopos estáveis de Oxigênio – a temperatura das águas na qual foi segregada a testa, ou seja, ter acesso a paleotemperaturas de épocas passadas, etc.

A imagem pertence a um mesmo foraminífero planctônico, a diferencia esta na presença de espinhos em um e sem os espinhos no outro (http://www.foraminifera.eu)

Pois bem, as testas dos foraminíferos, como já falei, são super-bonitas e ornamentadas e dependendo da forma como o seu dono habite o ambiente marinho são denominadas como planctônicos, se pertencem a indivíduos que vivem flutuando perto da superfície, ou bentônicos, se vivem no fundo. Nesse segundo caso, podem viver colados a outros organismos ou enterrados entre os grãos de areia. Claro que também a sua distribuição nos mares vai ser regida por parâmetros como temperatura, salinidade, nível de oxigênio, disponibilidade de alimento, etc.

Entre os grupos de foraminíferos que possuem testa de calcário, temos os de testa aglutinante ou Textulariina, os porcelânicos ou Miliolina, os de testa hialina ou Rotaliina e um grupo extinto há mais de 250 milhões de anos conhecido como de testa microgranular ou Fusilinina. A forma como os cristais de calcita se organizam para formar a testa confere ao protozoa diferentes propriedades para e xplorar o seu habitat, ou seja, viver em lugares variados.

Aspecto da testa aglutinante (http://www.foraminifera.eu)

Entre os grupos de hoje, os foraminíferos aglutinantes secretam um tipo de cimento e com auxílio dos pseudópodos (lembrando que são parecidos com as amebas) colhem diminutos fragmentos de conchas ou grãos de areia e rochas do fundo, que vão colando no cimento e com isso construindo a testa. Na maioria dos casos a testa possui um furo na ponta, para saída dos pseudópodes. Com esse tipo de testa os aglutinantes exploram locais com pouca disponibilidade de carbonato dissolvido na água, como a foz de rios ou mesmo as profundezas dos oceanos, abaixo dos 2.000 metros de profundidade.

Exemplares com testa porcelânica (http://www.marine.usf.edu)

Os foraminíferos com testa porcelânica segregam cristais de calcita que são depositados em todas direções, isto é, sem uma ordem definida, formando uma testa muito robusta e habitam o fundo de todos dos mares e em todas as latitudes.

Os foraminíferos hialinos constroem as suas testas depositando os cristais de calcita de forma ordenada, então as suas testas são transparentes e finamente perfuradas. Pelas perfurações emergem os pseudópodes que auxiliam na flutuação, sendo esse grupo o que reúne todas as espécies de foraminíferos planctônicos, embora também existam muitas formas bentônicas.

Fomaníniferos planctônicos de testa hialina (http://www.foraminifera.eu)

As testas podem, independente de como foram construídas, ser ornamentadas ou lisas, ter uma ou muitas câmaras dispostas em uma ou muitas fileiras, em linha ou enroladas, etc. etc. Então, com essa diversidade e com 500 milhões de anos de história não vai ser difícil eu fazer a minha máscara, as de todo um bloco ou mesmo as de todos os foliões com motivos de foraminíferos diferentes….

Como um tronco ou um osso vira pedra?

Quem já não se deparou com uma pedra (rocha) que um dia formou parte de um dinossauro ou era a rama mais alta de uma árvore? Visitando um museu ou mesmo no campo?

Pois bem o processo que converte os restos orgânicos (vegetais, animais, bacterianos, etc.) em fósseis como estes é denominado de permineralização e ocorre de forma mais ou menos rápida, claro sempre pensando no tempo geológico. O processo se inicia imediatamente após a queda do resto num ambiente de deposição de sedimentos (córrego, rio, lago, mar…) ou durante o soterramento num desses locais. O que acontece em geral, é que uma solução rica em sílica ou cálcio consegue preencher os espaços vazios entre as células, poros e no interior das células. Com o passar do tempo, a perda de água promovida pelo soterramento induz a formação de cristais de quartzo, no caso de uma solução rica em sílica ou calcita, no caso do cálcio. Esses cristais possuem tamanhos diminutos, da ordem de poucos micrometros (1/1000 de um milímetro), que preservam a anatomia original inclusive das células, e por ser muito estáveis no caso da sílica, permitem a manutenção dos fósseis por muitos milhões de anos. Esse processo de fossilização pode levar 50.000 anos ou menos o que, convenhamos, é quase nada no tempo geológico.

Tronco de conífera da Formação Teresina (260 milhões de anos) permineralizado por sílica. A. Corte longitudinal mostrando traqueides; B. Detalhe de um traqueide, notar os cristais de quartzo que formam a estrutura.

Além da pemineralização por sílica ou carbonato de cálcio, outros minerais como a pirita (sulfeto de ferro) podem permineralizar estruturas orgânicas. Até mesmo a formação de gelo pelo congelamento da água dentro dos tecidos orgânicos, pode ser considerada uma permineralização, logicamente que bem menos estável, pois o fóssil apodrecerá após o descongelamento, como é o caso dos mamutes que frequentemente são encontrados na Sibéria.

No Brasil, temos abundantes sítios com fósseis permineralizados, inclusive alguns com o registro de extensas florestas que existiram há mais de 250 milhões de anos, como a do Monumento Natural das Árvores Fossilizadas do Tocantins (MNAFTO), em Bielândia, distrito de Filadélfia, que possui uma extensão de mais de 32.000 hectares ou as florestas fósseis de Mata e de São Padro do Sul no Rio Grande do Sul, um pouco mais jovenzinhas, ou mesmo os registros do interior de São Paulo, que representam as florestas que habitavam as planícies de rios ou próximas à costa em climas quentes e secos. No geral eram compostas por árvores aparentadas com as araucárias, podocarpos, pinheiros e também por samambaias de grande porte e cavalinhas, com certeza sem plantas com flores. Nelas estão preservados troncos com tamanhos que alcançam os 30 metros de comprimento e 1 metro de diâmetro e, menos frequente, folhas. Aliás, a diversidade é fóssil é grande, o que faltam são pesquisadores para estudar tanto material.

Caule de samambaia permineralizado por sílica coletado na MNAPTO

Por último, o processo de permineralização foi o que permitiu a preservação das evidências de vida mais antigas que se conhecem na Terra, com cerca de 3465 milhões de anos, que chegaram até os nosso dias e tem sido interpretados como filamentos de colônias de bactérias fotossintetizantes conhecidas como cianobactérias… Então a permineralizacão é um processo que permite tanto a conservação dos maiores registros fósseis em tamanho como dos menores… é só ter as condições necessárias e o tempo…

Como será o nosso futuro? Que fósseis descreverão em milhões de anos à frente?

Por conta da virada do ano e o início de 2017, fiquei pensando em fechar as crônicas da vida no passado do estado de São Paulo, aproveitando para comentar acerca de qual é o registro da vida que atualmente está sendo incorporado às camadas de sedimentos que se estão depositando. Como a Carolina já descreveu no post dela, a inclusão de restos orgânicos (folhas, galhos, carcaças, conchas, etc.) nas camadas depende do tempo envolvido e da oportunidade, sendo que a parte da Paleontologia que estuda esse processo é conhecida como Tafonomia.

Mata de galeria, no rio Mogi-Guaçu, SP

Então, qual porção do que hoje apreciamos nas matas de galeria será preservado? E dos manguezais? Da Mata Atlântica? Do Cerrado? Será possível reconstruir a sua diversidade, ou ter uma ideia dela ao menos, com base no que hoje está sendo incorporado nas camadas sedimentares em formação?

 

Coleta de uma camada de folhas nas margens do rio Mogi-Guaçu, SP

 Uma das formas para responder a essas inquietudes, e ao meu modo de ver a mais simples, é pesquisar diretamente nos locais onde esses novos registros estão acontecendo, como por exemplo nas florestas ciliares ou também conhecidas como de galeria ou ripícolas, que se desenvolvem à beira dos rios, especialmente naqueles com muitas curvas ou meandros. Pela migração lateral do canal do rio, as curvas acabam se fechando e isolando o braço do rio. Pelo geral, a porção isolada somente recebe água durante as cheias. Assim, vão se formando pequenas lagoas rodeadas por vegetação, nas quais caem folhas, galhos, sementes, polens, esporos, insetos, etc. Nesse processo de acúmulo de restos orgânicos, os vegetais são os que aportam a maior quantidade de biomassa e podem chegar a formar verdadeiras camadas de restos, por vezes bastante espessas, com mais de 20 cm, que ao ser soterrados e prensados entre várias camadas de sedimentos (areia, lama, etc.) poderão se transformar em fósseis de folhas, galhos e sementes na forma de compressões e/ou impressões. A forma de acessar esses acúmulos pelo geral se faz abrindo uma trincheira.

 

Coleta do registro sedimentar utilizando um tubo de alumínio de dois metros.

Nos manguezais ou mesmo nas lagoas associadas aos meandros, por exemplo, se enfiarmos um tubo oco e resistente de uns dois metros de comprimento e a seguir tampar a extremidade superior, poderemos retira-lo da lama, com bastante esforço, e abri-lo de comprido, de forma a observar um registro ordenado da sucessão da deposição dos sedimentos em camadas, pelo geral com camadas de várias cores. As camadas mais escuras terão maior quantidade de matéria orgânica preservada e, por conseguinte, maior probabilidade de preservação. Nesse registro as amostras da base corresponderão aos sedimentos mais antigos e as mais recentes serão as do topo. Uma vez que os sedimentos dos manguezais são bem finos, a deposição será lenta, ou seja, para formar uma camada de 1 cm de espessura será necessário mais tempo envolvido do que em uma camada de areia grossa. Voltando ao registro retirado com o tubo, poderemos ter registrado algumas centenas de anos de deposição e nessas camadas estrarão preservadas assembleias de microrestos (pólens, esporos, diatomáceas, etc.) como também folhas, sementes, galhos entre outros.

Alternância de camadas de areia (em tons de cinza) e de restos vegetais (mais escuras)

Assim, utilizando essas acumulações mais “modernas” de restos orgânicos não fossilizados e que poderão se tornar fósseis um dia, é possível adquirir conhecimento acerca das variações na vegetação que foram produzidas como consequência de mudanças climáticas, ou de variações no nível dos mares ou induzidas pelo homem em escalas menores de tempo, como o último milênio, os últimos séculos, etc.

Conhecer e entender como acontece a entrada dos restos orgânicos no registro sedimentar também ajuda na hora de interpretar jazimentos fósseis pretéritos, para se ter uma ideia de onde provem os fósseis, como chegaram até o local de deposição, como foram fossilizados… entre outras coisas… e se o futuro também terá fósseis da vida que hoje vemos no nosso planeta, pelo menos no próximo um bilhão de anos… mas essa é outra história relacionada com a evolução do Sol.

Paleontologia: como compreendê-la em 5 passos

Quase todos os anúncios de reportagens e chamadas que recebemos incessantemente em nossos celulares, todos os dias, trazem números. Talvez seja a nossa avidez por conhecimento “rapidamente absorvível” que tenha promovido esta proliferação de textos com títulos que trazem o número exato (ou inexato, alguns enganam a gente) de conteúdo. Se dá certo (se a gente absorve mais rápido, ou se é simplesmente uma questão de marketing/publicidade…), eu não sei; fato é que resolvi aderir à moda e tentarei explicar o que é a paleontologia em 5 itens; ou pelo menos, irei tentar apontar as principais problemáticas envolvidas quando se trata de paleontologia para e com aqueles que não sabem bem o que esta ciência significa. Vamos lá?

1 – O termo “Paleontologia” significa “o estudo dos seres antigos”. Já falamos em posts anteriores que antigo em Geologia – e em Paleontologia – tem conotação diferente daquele utilizada no nosso dia-a-dia. Restos de organismos são considerados recentes, ou pouco antigos (e denominados de sub-fósseis, por exemplo) se tiverem por volta de 10.000 anos por exemplo. Além da questão do tempo, temos o termo “seres” aqui… não são somente dinossauros (!!!). Nem somente plantas. Lembrem-se, temos todos os filos de possibilidades; todos os tamanhos e toda a variedade de vida que já existiu ao longo dos últimos 4,5 G.a. É coisa pra caramba :mrgreen: .

2 – Paleontologia e Arqueologia são ciências que usam métodos de estudo parecidos, mas cujo objeto de estudo é diferente. O enfoque da paleo que eu falei no item 1 (acima), é a vida, em geral, ao longo do tempo geológico; o enfoque da arqueologia são as civilizações humanas e sua cultura (que, aliás, é algo beeeem recente….). É muito comum a confusão entre as duas ciências, talvez por exigirem um perfil de pesquisador de campo, aventureiro, que vive à procura de segredos escondidos em rochas ou locais remotos…. mas as similaridades ficam por aí. Agora você sabe que o Indiana Jones é um arqueólogo, não um paleontólogo, ok 😆 ?

3 – Sendo a vida antiga o objeto de estudo da paleo, ela se baseia, portanto, no estudo dos fósseis. Fósseis são restos ou vestígios de vida com mais de 11.000 anos. Quanto mais antigo é um fóssil, maior a probabilidade de que ele tenha se transformado em rocha; mas ainda assim é um vestígio de algo que já foi vivo. Por este motivo é que a Paleontologia é a união entre a Biologia e a Geologia. Em geral (não é uma regra) são biólogos ou geólogos que estudam os fósseis. Isso porque os conhecimentos exigidos para as análises tem que vir tanto da bio quando da geo. Como eu disse antes: restos de vida- conhecimentos biológicos-, que se tornaram ou irão se tornar rochas – conhecimentos da geo. Mas a realidade é que conhecimentos de química, física, matemática, computação, (etc…) além da biologia e da geologia, são usados nos estudos paleontológicos. Uma visão integrada dos fenômenos da natureza e de diferentes técnicas de análise dos materiais fósseis faz um bom paleontólogo/cientista…

4 – Não é só de petróleo (nem só de dinossauros 😈 ) que se faz a Paleontologia. Talvez este item acabe repetindo o que já foi dito no item 1, mas tenha paciência. Isso é importante. Toda a vida, que se desenvolveu ao longo da história geológica da Terra, pode ser estudada por um paleontólogo (tudo aquilo que vive hoje e que você conhece, e também aquelas formas de vida bizarras, que… pode ser que você nunca tenho ouvido falar).

O petróleo é famoso por sua importância na economia mundial, e os fósseis (microfósseis, neste caso; fósseis de seres que precisamos de microscópio para enxergar) ajudam, de modo geral, a mostrar onde o petróleo tem mais chance de ocorrer. É uma das formas de aplicação da paleontologia.

Já os dinossauros são famosos por fazerem parte do imaginário popular: eram grandes (nem todos né?), assustadores (com exceções…) e… verdes! (ou coloridos? ou ainda…cobertos por penas?). Veja… as generalizações acabam fornecendo uma visão distorcida não é mesmo? Deve ser por isso que quanto mais se estuda (e se especializa numa área) mais a gente se dá conta de que sabe quase nada de tudo, e muito pouco sobre alguma coisa 😯 .

5 – A Paleontologia é uma ciência pura. Calma, não significa que ela seja inocente 🙄 , não é isso… é uma ciência que tem como objetivo principal o conhecimento. Sim, ela pode ser aplicada. Algumas vezes é utilizada como uma ferramenta para compreender outros fenômenos, tendo assim, aplicação (no item 4 eu falei do petróleo, não é?). Mas, sob o meu ponto de vista, o seu objetivo mais imediato é o conhecer por conhecer; e, claro, o conhecimento gerado vai influenciar em outras áreas da ciência, gerar discussões, promover debates e levar ao progresso do conhecimento científico. Muito do que se sabe hoje foi inventado ou observado por algum cientista que teve a vontade de observar, descrever, conhecer, explicar algo. Independentemente de ser pura ou aplicada a ciência leva ao progresso a humanidade!

Para uma leitura interessante e aprofundada sobre o tema ciência e seus impactos, clique aqui.

 

ONDE VER FÓSSEIS PAULISTAS?

Nos textos anteriores comentei acerca dos registros fósseis no estado de São Paulo começando pelos mais antigos que datam de volta de 1.700 a 850 Ma. até os mais recentes que habitaram a uns 10.000 anos atrás. Nos paleontólogos que estudamos esses registros e todos os dias vemos fosseis na nossa frente sabemos onde encontrar eles. Mas quem nunca viu um e somente os conhece pelos filmes ou por fotografias, onde pode ter acesso a esse mundo fascinante. Então vamos lá, para ver fósseis é possível, visitar vários museus no Estado de São Paulo, aqui incluo uma lista com muitos deles.

 

Na cidade de São Paulo

MUSEU GEOLÓGICO VALDEMAR LEFÈVRE, MUGEO

Endereço: Av. Francisco Matarazzo, 455, Parque da Água Branca – Perdizes, CEP 05001-300 – São Paulo – SP

Horário de Funcionamento: terça a domingo, das 9h00 às 17h00.

Site: mugeo.sp.gov.br

 

MUSEU DE GEOCIÊNCIAS DO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Endereço: Rua do Lago, 562 – Cidade Universitária, CEP. 05508 – 080, São Paulo, SP Horário de Funcionamento: segundas a sextas das 08h às 12h e 13h30 às 17h. Sábados.

Site: http://www.igc.usp.br/museu/home.php

 

MUSEU DE ZOOLOGIA – MZUSP

Endereço: Avenida Nazaré, 481 – Ipiranga, CEP: 04263-000, São Paulo – SP

Horário de Funcionamento: quartas a domingos das 10h ás 17h (entrada até as 16h30)

Site: www.mz.usp.br

 

No interior do estado

– Rio Claro

Museu de Paleontologia e Estratigrafia Prof. Dr. Paulo Milton Barbosa Landim

Endereço: CP 199, Av. 24 A, 1515 – Bela Vista, CEP. 13506-900, Rio Claro – SP

Horário de Funcionamento: segundas a sextas das 8:00 as 17:00

Site: www.rc.unesp.br/museupaleonto/

 

– Marília

MUSEU DE PALEONTOLOGIA DE MARÍLIA

Endereço: Avenida Sampaio Vidal Centro Cultural de Marília 245, Centro, CEP. 17500-020, Marília, SP

Horário de Funcionamento: segunda a sexta-feira, das 8h às 13h.

Site: http://www.marilia.sp.gov.br/prefeitura/museu-de-paleontologia

 

– São Carlos

MUSEU DA CIÊNCIA PROF. MÁRIO TOLENTINO

Endereço: Pça Coronel Salles São Carlos, SP

Horário de Funcionamento: terças às sextas das 8h00 às 17h30.

Site: museudaciencia.blogspot.com.br/

 

– Monte Alto

MUSEU DE PALEONTOLOGIA PROF. ANTONIO CELSO ARRUDA CAMPOS

Endereço: R. Quinze de Maio, s/n – Centro, CEP. 15910-000, Monte Alto – SP

Horário de Funcionamento: Em reforma

Site: Em reforma

 

– Taubaté

MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL DE TAUBATÉ – MHNT

Endereço: R. Juvenal Dias de Carvalho, 111 – Jardim do Sol, CEP. 12070-640, Taubaté – SP

Horário de Funcionamento: terças a domingos, das 09:30 às 17 horas, feriados de quinta a domingo

Site: www.museuhistorianatural.com