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O Monstro do Pleistoceno e o filho de Chica da Silva

Uma coisa estranha aconteceu na lavra de ouro do Padre Lopes. Durante as escavações para retirada do cascalho, começaram a aparecer uns ossos muito grandes. Contudo, tão grandes eram os ossos, que os escravos a princípio acreditaram tratar-se de um grande tronco enterrado. Desta forma, os ossos estavam difíceis de ser retirados intactos, e foram quebrados com pás, picaretas e enxadas. Da mesma forma, começaram a aparecer cabelos e foram achados também dois dentes de um animal muito estranho. Seria um monstro? Assustados, os escravos pararam a escavação e chamaram o capataz, que também ficou assustado com o que viu.

Dentes de mastodonte encontrados em Nova York no século XVIII. Seriam similares aos do Monstro de Prados?

Corria o mês de maio do ano de Nosso Senhor de 1785. Este fato aconteceu na região de Prados, na Comarca do Rio das Mortes. Todavia, os moradores informaram o Governador da Capitania, D. Luís da Cunha Menezes, sobre o achado. Assim, o governador Dom Luiz, tomado de grande curiosidade, enviou ao local um dos seus mais competentes naturalistas, Simão Pires Sardinha. Sardinha esteve na lavra do Padre Lopes e investigou a ossada ainda naquele ano. Depois de analisar a lavra e coletar ossos, dentes e cabelos,  elaborou um relatório (naquela época dizia-se memória) sobre aquele estranho material.

“UNS OSSOS MUITO ESTRANHOS”

Esta memória intitulou-se “Descripção de huns Ossos não conhecidos, que apparecerao em Mayo de 1785 na Cappitania de Minas Geraes do Estado do Brazil”.  Foi enviado a Portugal possivelmente junto com os materiais coletados. São conhecidas duas cópias da Memória de Simão Pires Sardinha. A primeira está no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa. A segunda, no Arquivo Histórico do Museu Bocage/Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa. Já os materiais coletados foram extraviados, e não se tem ideia onde estejam atualmente. Mais informações pode ser encontradas no interessante artigo de Antônio Carlos Fernandes e colaboradores (aqui).

Pelo tamanho dos ossos encontrados, Sardinha estima que o animal deveria ter algo entre 46 e 56 palmos de comprimento (cerca de 10 a 12 m). Assim, Descreve também dois dentes encontrados no sítio de Prados: “Estes dentes não são de animal conhecido no Brasil, pode ser que sejam de algum animal, que pelas revoluções do tempo se tenha perdido a sua espécie”. Os cabelos, segundo sua descrição, pareciam de seres humanos. Como estes materiais foram encontrados juntamente com resíduos de espécies recentes, como jacarandá e pinheiro do Brasil, levam Sardinha a concluir que se tratava de um ser humano de extraordinária dimensão, um “gigante de quarenta palmos em razão dos dentes pela boa osteologia”.

Supõe-se que o “gigante” de Simão Pires Sardinha, também conhecido como “O Monstro de Prados”, era provavelmente um mastodonte (para uma discussão contemporânea: aqui). Para Sardinha, naquela época e naquelas circunstâncias, qualquer solução diferente era muito difícil (para saber como é hoje: ver aqui).

O REI MASTODONTE

Uma ossada de mastodonte encontrada no século XVII  num depósito de cascalho na França foi durante muitos anos descrita como a ossada do “Rei gigante” Theotobhucus, antigo rei dos povos germânicos. Outra ossada, descoberta em 1705 nos aluviões do rio Hudson, no estado de Nova Iorque foi durante descrita na época como o “Gigante de Claverack”, nome da localidade onde foi achado ( ver aqui ).

Os Gigantes descritos por Athanasius Kircher no “Mundus Subterraneus” (1678)
Os Gigantes descritos por Atanasius Kircher no “Mundus Subterraneus” (1678)

Havia, na época, uma crença de que a Terra era uma ruína, lugar decaído e sem forças. Na sua infância, antes do Diluvio universal, a terra chegara a ser habitada por gigantes, como havia mostrado Athanasius Kircher (1601-1680), Jesuíta e um das maiores estudiosos de História Natural de seu tempo. Os grandes esqueletos achados sob os aluviões supostamente pertenciam a estes gigantes antediluvianos. Outra explicação para esqueletos de elefantes era que pertenciam a animais que vieram da África com Aníbal e outros conquistadores.

A solução para o problema de Sardinha veio dez anos depois que ele escreveu sua Memória. Em 1º Pluviose do 4ºAno da Revolução Francesa (26 de janeiro de 1796) Georges Cuvier leu na sessão do Instituto Nacional de Ciências e artes de Paris uma memória que dava uma outra solução para o problema.

A memória de Cuvier intitulava-se “Mémoire sur les espéces d’Élephants tant vivents que fossiles” [Memória sobre espécies de elefantes tanto vivas quanto extintas]. Nele, Cuvier explica que o mamute era uma espécie distinta do moderno elefante. Distinta e extinta. E começa a surgir a Paleontologia de vertebrados como conhecemos hoje.

Geroges Cuvier, Paleontólogo Francês (1769-1832) e seus desenhos de mandíbulas de mamute (acima) e de elefante moderno (abaixo)
O INICIO DA PALEONTOLOGIA NO BRASIL

Boa parte dos escritos sobre a história da Paleontologia de vertebrados no Brasil está ainda focada somente em escritos de Naturalistas estrangeiros, após a chegada da família real em 1808. No entanto, estes relatos ignoram uma realidade muito rica e interessante, que é o desenvolvimento das ciências no Império Português sob o impulso das reformas de Pombal.

A segunda metade do século XVIII foi marcado por um grande esforço cientifico por parte dos naturalistas do império português (para saber mais: aqui) . Muitos destes naturalistas eram nascidos no Brasil. O mais famoso deles, é, sem dúvida, José Bonifácio. No entanto, existem outros, muitos outros, que merecem ser lembrados. Um deles, por sua singularidade e por sua história de vida, merece particularmente ser lembrado: Simão Pires Sardinha.

O FILHO ALFORRIADO

Simão Pires Sardinha nasceu escravo, em 1751. Seu pai, o comerciante português Manoel Pires Sardinha somente libertou o menino que teve com a escrava Francisca Parda na pia batismal, como era o costume na época. Entretanto, pouco tempo depois, sua mãe foi vendida para outro comerciante português, João Fernandes de Oliveira.

João Fernandes logo alforriou Francisca e passou a viver maritalmente com ela. A escrava Francisca Parda passou então a se chamar Francisca da Silva e Oliveira, nome com que se assinava. Para a história, ela hoje é conhecida como Chica da Silva, a “Chica que manda”, uma das grandes senhoras do Distrito Diamantino no século XVIII. O casal teve 13 filhos, sem contar o pequeno Simão.

A casa de Francisca da Silva, a Chica da Silva, em Diamantina (MG). Nesta casa Simão Pires Sardinha viveu sua infância.

Tendo recebido a herança paterna, Simão foi com o padrasto João Fernandes para a Europa. Graduou-se em artes em Coimbra. Foi cavaleiro da ordem de Cristo, a mais alta distinção concedida pelo reino para não-nobres. Para isso, teve que forjar o inquérito ao omitir o fato de sua mãe ter sido escrava. Na sociedade aristocrática da época, origens “nobres” eram o requisito para ser aceito. O dinheiro, que Simão possuía, era a outra.

SIMÃO PIRES SARDINHA E A POLITICA NO BRASIL

Voltou ao Brasil com o governador Luís da Cunha Menezes, por quem tinha grande admiração. No entanto, viver num pais de analfabetos fazia com que os escassos letrados que aqui viviam tivessem que ocupar muitas funções diferentes. Desta forma, além da ocorrência de Prados, Simão Sardinha foi também responsável pela captura do ex-Intendente dos Diamantes, José Antônio Meireles, o Cabeça de Ferro. Contudo, o Cabeça de Ferro fugia para Portugal com ouro supostamente roubado da administração, e foi preso por Sardinha antes de chegar ao Rio. Assim, com tantas e disparatadas atividades, muitas carreiras cientificas podiam ser facilmente desviadas para as necessidades da burocracia estatal. Esta foi nossa realidade durante muito tempo ainda.

Sardinha teve ainda participação na Inconfidência Mineira. Ao que tudo indica, Simão Pires Sardinha compartilhava dos ideais iluministas, embora soubesse jogar o jogo do Portugal aristocrático e absolutista. Desta forma, de volta a Portugal, contou no inquérito a que foi submetido ter sido procurado pelo alferes Joaquim José da Silva Xavier. O Tiradentes procurou Sardinha para que este traduzisse para o alferes um texto da Constituição Americana. Texto subversivo, por certo. No entanto, Simão não sofreu nenhuma condenação e continuou vivendo em Portugal. Assim,  graças a sua amizade com D. João VI, conseguiu ajudar seus meios-irmãos que ficaram no Brasil.

CIÊNCIA NA AMERICA PORTUGUESA?

Simão Pires Sardinha morreu em Portugal em 1808. Ironicamente, segundo muitos historiadores da ciência, foi a partir deste ano que começou a Ciência no Brasil. Contudo, a Memória de Sardinha demostra que não. O fato é que a Memória do Monstro de Prados é o mais antigo documento que trata do tema Paleontologia em território brasileiro. É nossa certidão de nascimento.

Entretanto, a descrição de Simão Pires Sardinha está de acordo com o conhecimento da época. Sua trajetória de vida indicam as dificuldades para se ter uma carreira em ciências no Brasil. Contudo, se era difícil no império Luso-americano dos setecentos, continua difícil ainda hoje, no Brasil do século XXI ( veja e chore aqui) ). Um tema moderno no pais de Temer.

A trajetória pessoal de Sardinha liga a Paleontologia dos Vertebrados à Chica da Silva. Não é para qualquer um.

Para saber mais:

Furtado, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito. Editora Companhia das Letras, 2003.

Semonin, Paul. American monster: How the nation’s first prehistoric creature became a symbol of national identity. NYU Press, 2000.

Rudwick, Martin JS. The meaning of fossils: episodes in the history of palaeontology. University of Chicago Press, 2008.

Você já viu um fóssil de verdade? (será que não?)

Você provavelmente já ouviu falar em amadorismo, especialmente quando se trata de esportes, certo? Segundo o dicionário, amadorismo é regime ou prática oposta ao profissionalismo; ou ainda: falta de técnica adequada à realização de um trabalho. Pois vou lhes contar que existem por aí paleontólogos amadores*… e tentar fazer de você, um deles!

Você já viu algum fóssil real**? Caso já tenha ido em algum museu de ciências ou história natural, é possível que tenha. Mas, e na sua casa? no caminho para o seu trabalho? (não vale contar que o seu chefe é um dinossauro, ok?) naquela loja que você sempre vai para tomar um café?… existem fósseis ali? já reparou nas rochas que adornam esses lugares? sim…elas podem conter fósseis!!

Mapa do Brasil com sítios fossilíferos. As bolinhas representam locais em que ocorrem fósseis. Fonte.

Bem, dependendo de onde você morar, fósseis podem aparecer no quintal da sua casa, na construção de um prédio, na abertura de uma rodovia… Apesar de o processo de fossilização ser uma exceção (já falamos sobre isso antes, lembra?), ainda sim, o tempo geológico é tão longo e a diversidade de vida pretérita, tão grande, que existe por aí um bom número de rochas que apresentam fósseis. Veja aqui uma pequena lista de locais com fósseis, pelo mundo.

E tem mais! Mesmo que você não more literalmente em cima dessas rochas, muitas construções são feitas (em geral, ornamentadas) com rochas fossilíferas! isso significa que a parede externa de uma loja, uma pia, ou mesmo a calçada de alguns locais podem ter fósseis. Vamos aos exemplos:

  • Se você for ao Shopping Eldorado ou ao Shopping Ibirapuera, ambos em São Paulo, por exemplo, poderá observar estromatólitos nos mármores do piso; estromatólitos são estruturas formadas pelas atividades de cianobactérias; as estruturas têm a forma de colunas laminadas facilmente observadas nas rochas desses shoppings; cada lâmina, em geral, representa um ciclo de vida de uma colônia. Essas rochas têm cerca de 2 bilhões de anos de idade, e foram retiradas de lavras localizadas em Minas Gerais. Veja aqui uma notícia sobre esse assunto.
Rastros fósseis do varvito de Itu. Fonte.
  • Em muitas calçadas de Itu (SP), ou de cidades próximas, como Campinas por exemplo, tem alguns de seus pavimentos construídos com rochas que apresentam marcas de ondas e traços fósseis! as marcas de onda são iguais às que podemos observar na parte mais rasa das praias de hoje… e esses traços são pegadas de antigos animais (invertebrados) que rastejavam pelo fundo de um lago gelado. Essas rochas têm cerca de 250 milhões de anos de idade, e provêm de afloramentos de Itu e região. Saiba mais aqui.

 

  • Nas calçadas de São Carlos, Araraquara (cidades de SP) e mesmo dentro do Zoológico de São Paulo, é possível observar rochas formadas por areia (arenitos) que apresentam pegadas de dinossauros, mamíferos e invertebrados (entre outros). Todas são retiradas de Araraquara e região e representam os vestígios de um grande deserto que cobriu parte do Brasil há 140 milhões de anos atrás. Será que você já não pisou em uma pegada fóssil?? Veja mais aqui.

Abra seus olhos e comece a observar. E se algum dia você encontrar um fóssil? Será que isso irá despertar em você uma vontade de conhecer que só vai crescendo com o tempo? Pois foi provavelmente dessa forma que muitos paleontólogos amadores iniciaram, na busca insaciável pelo conhecimento. Muitos desses paleontólogos amadores foram responsáveis por grandes descobertas! Mas isso já é uma história para um próximo post

*Existem algumas definições diferentes para “paleontólogo amador” mas me refiro aqui àquelas pessoas que coletam fósseis, por qualquer razão, mas que não subsistem da paleontologia.

**Aqui só gostaria de desabafar… Sempre que levo alguma réplica de fóssil para aulas práticas de paleontologia meus alunos mostram certam desprezo com a tal amostra. E eu sempre argumento que aquilo, em geral, é um molde do original, ou seja, não tem diferença alguma em relação ao fóssil encontrado; simplesmente não faz sentido não gostar de uma réplica.

O QUE É UM FÓSSIL?

Você sabe o que é um fóssil?

Se nos perguntassem hoje o que significa a palavra fóssil, a resposta seria mais do que óbvia. Contudo, uma rápida olhadinha no Google e logo saberemos, por meio de diversos sites, que fósseis são restos ou vestígios de organismos vivos, que foram preservados no interior dos sedimentos e das rochas. Entretanto, os cinemas, filmes de aventura como “Jurassic Park” ou animações como “A Era do Gelo” sempre nos colocam em contato direto com essas fantásticas criaturas que viveram tempos atrás. Lojas de brinquedo nos oferecem fósseis para colorir, para montar, para pregar na parede. Existe inclusive uma rede de lojas com este nome, que vende “relógios e estilo de vida”. Assim, os fósseis estão em nossas mentes, em nossas casas e em nossas vidas tão naturalmente que nos fazem pensar que foi sempre assim.

Na verdade, se fosse perguntado aos sábios do passado, eles sequer iriam entender nossa pergunta. Contudo, não faria nenhum sentido para eles essa história de fóssil, de organismo extinto, nada disso. Por outro lado, nem mesmo o nome “fóssil” faria sentido. O que hoje chamamos de fóssil era chamado de “rochas com forma de animais”, “madeiras petrificadas”, ou qualquer outra coisa. Mesmo a palavra fóssil teria outro significado, significando coisa escavada, desenterrada. É essa a acepção do latim “fossile”. No século XVI, por exemplo, qualquer coisa desencavada da terra, como rochas e minerais, seriam “fósseis”.

O médico Georg Bauer (1494-1555), também conhecido pelo nome latinizado de Georgius Agrícola, era de fato um dos maiores especialistas de seu tempo em assuntos do reino mineral.  Agrícola viveu na rica província mineira da Saxônia, e escreveu vários livros sobre rochas minerais. Aliás, um estes livros, publicado em 1546, chamava-se justamente “De Nature Fossilium”, que poderíamos traduzir como “Da Natureza das Rochas e Minerais”. As coleções de materiais que ele denomina fósseis contém “pedras, terras, gemas, betume, âmbar”. As “rochas com forma de animais e de plantas”, como se dizia nesta época, eram somente mais um item destes materiais. Eram, entretanto, objeto de mera curiosidade.

Antes ainda, na Idade Média, vamos encontrar usos diversos para os fósseis. Algumas igrejas, como a Igreja de São Pedro em Linkeliholt, na Inglaterra, por exemplo, foi decorada com fósseis de equinoides (veja a figura abaixo).  Por outro lado, os fósseis tinham também uma função decorativa, devido ao seu formato regular e simétrico. Desta forma, desde o neolítico até tempos históricos, foram encontrados jazigos humanos de diversas idades, onde os fósseis estão junto com os cadáveres ali enterrados. Isto pode sugerir que foram usados como objetos rituais e mágicos ou talismãs.

Pórtico da igreja de São Pedro em Linkeliholt, Inglaterra, decorada com 25 fósseis de equinodermos; (ver aqui)

Tumba de mulher e criança da idade do Bronze em Dunstable Towns, Inglaterra, circundada por fósseis de equinoides. Desenho de Reginald Smith, 1894. ( Ver aqui)

 

 

 

Falando em usos religiosos dos fósseis, vale a pena comentar, entretanto, alguns exemplos. Primeiramente, podemos citar os amonitas, moluscos que viveram desde o Devoniano até o Cretáceo. Para começar, estes moluscos devem seu nome a seu formato elegantemente espiralado, assemelhando-se a chifres das cabras. Por causa desta semelhança, segundo Plínio o velho, o nome amonitas se deve à sua denominação como “os cornos de Amon”, o deus egípcio que tinha chifre de cabra. Na Índia, alguns fósseis de amonitas, como o Meekoceras varaha, encontrado no Triássico do Himalaia Central, é tido como um dos Chakras de Vishnu. Aliás, varaha, o nome da espécie, é um dos avatars de Vishnu na Mitologia do Hinduismo. Alias, Carolina Zabini também discutiu muito bem em outro post deste blog a origem dos dragões e a paleontologia (ver aqui).

O Chakra de Vishnu e o amonite como objeto religioso na Índia; ( ver aqui )

Como isso tudo mudou? Como chegamos até aqui? A moderna concepção de “fóssil” como restos de organismos é bastante recente, de meados do século XVIII. Por outro lado, esta mudança no conceito de fóssil e a compreensão dos fosseis como organismos e não como curiosidades ou talismãs está no discurso de fundação das ciências naturais modernas. Isso não é pouco.

Figurinhas carimbadas da História da Ciência tiveram um papel decisivo nesse debate, como Steno, Palissy, Cuvier e outros. Mas não só. Mesmo anônimos colecionadores e vendedores de fósseis tiveram um papel importante. Por exemplo,  a britânica Mary Anning (1799-1847), foi uma das mais respeitadas colecionadoras de fósseis do século XIX. Por outro lado, um humilde topógrafo inglês, William Smith (1769-1839), reconheceu a distribuição dos fosseis nas camadas ao longo dos canais construídos na Inglaterra no século XVIII para o transporte de carvão. Como resultado, criou as bases da estratigrafia moderna.

Em conclusão, Essas são algumas peças do debate sobre os fósseis que veremos por aqui. Os fósseis dizem muito também sobre nós, e não só os fósseis de hominídeos. De onde viemos? Para onde vamos? Esses pálidos restos escondidos nas pedras têm muito a nos contar, enquanto esperamos pelo próximo meteoro.

 

Para saber mais:

Chandrasekharam, D. (2007). Geo-mythology of India. Geological Society, London, Special Publications273(1), 29-37.

McNamara, K. J. (2007). Shepherds’ crowns, fairy loaves and thunderstones: the mythology of fossil echinoids in England. Geological Society, London, Special Publications273(1), 279-294.

Georg Agricola. (1955). De Natura Fossilium (Textbook of Mineralogy): Translated from the First Latin Ed. of 1546 by Mark Chance Bandy and Jean A. Bandy for the Mineralogical Society of America (No. 63). Geological Society of America, pc1955.

Os achados do Marrocos e as novas raízes da espécie humana (e por que é comum que a ciência se reconstrua)

Na Paleontologia e na Biologia Evolutiva, a evolução humana é um dos assuntos mais populares e, ao mesmo tempo, mais polêmicos. Não poderia ser diferente, afinal trata-se do nosso ramo na árvore da vida. Se por um lado, a evolução humana atrai a curiosidade dos sedentos por ciência, por outro, atrai reações menos amistosas dos negadores da ciência. Para aqueles que negam o fato de nossa ancestralidade em comum com todos os outros organismos do planeta, é uma afronta se deparar com a história mais próxima desta relação de parentesco. É uma afronta se deparar com o fato de que há uma íntima relação de parentesco dos humanos com os símios sem rabo, como o chimpanzé, o bonobo, o gorila, o orangotango ou o gibão.

Relações evolutivas dos Hominidae viventes. Da esquerda para a direita: Pongo pygmaeus (orangotangos), Gorilla gorilla (gorilas), Homo sapiens (humanos), Pan troglodytes (chimpanzés) e Pan paniscus (bonobos). Fonte: Nature, 2012.

Por conta disso, são comuns perguntas como: “se os humanos vieram dos macacos, por que não vejo um macaco dar a luz a seres humanos?”. Por mais absurdo que pareça este questionamento, ele é comum em um país como o Brasil, onde existem muitos analfabetos científicos. Muitos brasileiros estão acostumados a explicar seus eventos rotineiros com base em misticismo (vide a quantidade de pessoas que acredita em horóscopos e afins). Por conta disso, a ciência precisa urgentemente ser popularizada, se tornar acessível. No que concerne o assunto principal deste texto, é importante esclarecer sobre uma pergunta tão difundida, pois ela apresenta em sua formulação um desconhecimento da Biologia Evolutiva. É provável que as pessoas que façam esta pergunta se refiram a macacos atuais, e que muitas delas pensem que Darwin defendia que os chimpanzés eram os ancestrais dos humanos. No entanto, o surgimento de uma espécie não é instantâneo, ele comumente leva de décadas a milhares de anos (é certo que quando o ciclo de vida de um organismo é curto, como com bactérias ou mesmo moscas das frutas, o tempo de especiação é bem menor). E nós humanos não descendemos dos chimpanzés, ou dos gorilas ou de nenhum outro macaco atual. Nós possuímos ancestrais em comum com os macacos atuais, e se formos voltando no tempo, encontraremos ancestrais em comum com outros mamíferos, ancestrais em comum com os répteis e aves, ancestrais em comum com qualquer tetrápode, ancestrais em comum com qualquer vertebrado, com qualquer animal, com qualquer eucarioto, com qualquer organismo. Dentre estes ancestrais, o nosso ancestral mais recente é também ancestral dos chimpanzés e dos bonobos.

Comparado aos dias de hoje, na época em que Darwin publicou “A Origem das Espécies”, haviam poucos dados que suportassem a ideia de que os humanos fossem relacionados aos símios sem rabo (embora já existissem muitos dados de diversas outras relações de parentesco da árvore da vida). Hoje, o registro fóssil é extremamente rico e evidencia este fato com robustez. Não obstante, a cada nova descoberta que muda o rumo da história, surgem os negadores da ciência argumentando que a Biologia Evolutiva é falha ao explicar seus fatos, porque põe por terra o que antes havia construído. Recentemente, novos fósseis de humanos foram descobertos no Marrocos, fósseis que trazem duas principais contribuições para mudar o rumo da história. A primeira delas é sua idade, datada em 300 mil anos, muito mais antiga do que os 195 mil anos, dos mais antigos fósseis de humanos até então descobertos na Etiópia. A segunda novidade é sua localização, fora do leste africano, o palco principal da evolução humana, e onde se acreditava ter surgido nossa espécie. Nas postagens das notícias veiculadas nas redes sociais, por conta dos dois artigos publicados no periódico Nature (vide os links ao final), fica evidente que não são poucos os negadores da ciência em nossa país (fiz o não recomendado para qualquer notícia, li muitos comentários). Por que é falho o argumento de que estes achados mostram uma fragilidade do fato da evolução humana, simplesmente por mudarem o rumo da história?

Fósseis recém descobertos no Marrocos dos primeiros humanos (esquerda) comparados a humanos atuais (direita). O crânio daqueles é levemente alongado se comparado ao nosso. Fonte: Nature, 2017.

É falho porque os novos fósseis apenas apontam uma origem mais antiga e uma maior dispersão dos primeiros humanos, não são uma prova contrária a nossa ancestralidade em comum com os símios sem rabo. A Paleontologia até então apresentava evidências de que nossa espécie tinha surgido mais recentemente do que mostram estes fósseis, mas é corriqueiro que a medida em que novos fósseis sejam descobertos, que algumas datas de eventos importantes sejam modificadas. O registro fóssil não é completo, é uma pequena página de tudo o que ocorreu. A maioria da história se perdeu, mas aquela que ficou registrada traz robustez à Biologia Evolutiva. A evolução é um fato suportado por um registro fóssil que é falho, mas que mesmo assim, indubitavelmente, é uma forte evidência.

O sítio onde foram descobertos os fósseis do Marrocos. Acredita-se que foi uma antiga caverna ocupada pelos primeiros humanos. Fonte: Nature, 2017.

Os livros não deixarão de apresentar o fato da evolução humana, mas modificarão o que contam sobre nossa espécie. Ela parece ter não apenas o leste africano como berço, mas uma região mais ampla da África. De certa maneira, isto não deve ser encarado de forma tão surpreendente, pois nós somos uma espécie que colonizou o globo todo. Esta propensão já estava presente em nossas raízes, nos primeiros momentos da existência do Homo sapiens. Estes primeiros momentos parecem ter sido anteriores ao que acreditávamos. Também não há nada tão surpreendente nisso, uma página desconhecida do livro da vida foi lida. E ela continua nos contando que surgimos de um ancestral comum aos símios sem rabo e que fomos nos tornando diferentes, bípedes, com significativo aumento do cérebro e glabros, e agora que nossa humanidade possui raízes que alcançam além do leste africano que são mais profundas, chegando até cerca de 300 mil anos atrás. Não é difícil atualizar o conhecimento que está nos livros, é difícil leva-lo para além dos livros, difundi-lo em um país onde cada vez mais a ciência parece ameaçada. No entanto, não há melhor arma do que continuar a propagar, continuar a popularizar. A ciência deve ser para todos, de forma que todos compreendam, sem qualquer surpresa, que a ciência se reconstrói a todo o momento.

Para saber mais, leia os artigos publicados na Nature:

On the origin of our species.

Oldest Homo sapiens fossil claim rewrites our species’ history.

Reflexões de um dia-a-dia sob a óptica paleontológica

Cada área do conhecimento possui seus jargões e influencia no modo em que as pessoas enxergam o mundo. Eu tenho contato com profissionais cientistas de várias áreas do conhecimento; desde aqueles engenheiros que se divertem indo em um congresso “só” sobre túneis, até aqueles que, apesar de trabalharem o tempo todo, acham que atividades como ministrar aulas “não é trabalho”. Longe de mim questionar qualquer um desses pontos de vista (que tenho como excêntricos) a verdade é que me divirto muito observando e convivendo com pessoas de pontos de vista tão diferentes do meu.

Pensando sobre isso imaginei que algumas (ou todas?) das observações que faço ao longo de um dia podem/devem ter muita influência da minha formação paleobiológica. Vamos aos exemplos!

Nas férias, ao caminhar na praia, percebo que a zona intermarés carrega e deposita sedimentos e corpos de organismos que viviam por ali, e também daqueles que viviam

Diferentes organismos (ou restos de organismos) num mesmo ambiente deposicional. Viviam ali ou foram trazidos?

mais longe (no mar mais profundo), mas que foram trazidos pelas correntes, neste caso, após a sua morte, e ali depositados. Esse conjunto de restos de organismos de diferentes ambientes misturados num mesmo local é bastante comum no registro fossilífero. É o que chamamos de “grau de autoctonia” do registro (o quanto ele representa organismos que viviam naquele ambiente, ou, ao contrário, o quão longe eles foram transportados de seu ambiente de vida original). No registro temos que observar os restos dos organismos para saber se são ou não autóctones. O que observamos? Se o organismo está inteiro ou fragmentado (o que pode indicar transporte), arredondado, se ele tem adaptações morfológicas para viver em determinado ambiente (forma da concha, por exemplo), entre outras feições. A mistura de organismos de diferentes ambientes numa praia atual pode parecer óbvia (como na foto, em que há mistura de conchas, galhos e medusas, cada uma de um ambiente específico), mas no registro isso não é tão fácil de se perceber. Pelo menos não tão imediato. Isso porque não temos mais o ambiente original, só evidências de qual era esse ambiente. Também não temos os organismos, mas sim fósseis deles. Não é de se estranhar, portanto, que uma das ferramentas mais usadas na paleontologia é o atualismo: observar o que ocorre hoje para compreender o passado, que é representado pelo registro fossilífero.

E no meio urbano? É possível ter um olhar paleontológico?

A icnologia (o estudo dos traços fósseis, ou seja, o estudo das marcas deixadas pela atividade de algum organismo) é relativamente constante nas minhas observações. Ao passear com cachorros numa praça que tenha areia, deixamos nossas pegadas, que são rapidamente apagadas ou deformadas pelo caminhar de outros (possibilitando a formação de um registro palimpsesto, caso aquilo ali fosse rapidamente recoberto); ou, ao observar patinhas de diversos animais que foram pintadas em frente a um restaurante vegano, adentrando o local, percebo que elas deveriam também estar saindo ali, se a ideia é de que os animais são bem-vindos e podem circular livremente…pra mim, vestígios de animais somente entrando um lugar podem significar que eles não saíram, pelo menos não pelo mesmo local de entrada.

Ou ainda, como explicado no último post da profa. Frésia, as queimadas geram fragmentos de plantas carbonizados que podem virar registro também… quem nunca olhou para aquela “sujeirinha” preta e pensou sobre sua importância para os paleontólogos do futuro? 🙂

E, claro, o exemplo clássico. Seja aonde for, praia, cidade, interior, ao olhar para o céu noturno estrelado não podemos deixar de pensar que observar as estrelas é olhar para o passado. E como Carl Sagan costumava dizer:  “Nós somos, cada um de nós, um pequeno universo”. Mas aí já entramos em outra área do conhecimento, não?

A perspectiva paleontológica está por toda a parte!

Conheça mais sobre o trabalho de Sagan lendo este post.

 

 

Como será o nosso futuro? Que fósseis descreverão em milhões de anos à frente?

Por conta da virada do ano e o início de 2017, fiquei pensando em fechar as crônicas da vida no passado do estado de São Paulo, aproveitando para comentar acerca de qual é o registro da vida que atualmente está sendo incorporado às camadas de sedimentos que se estão depositando. Como a Carolina já descreveu no post dela, a inclusão de restos orgânicos (folhas, galhos, carcaças, conchas, etc.) nas camadas depende do tempo envolvido e da oportunidade, sendo que a parte da Paleontologia que estuda esse processo é conhecida como Tafonomia.

Mata de galeria, no rio Mogi-Guaçu, SP

Então, qual porção do que hoje apreciamos nas matas de galeria será preservado? E dos manguezais? Da Mata Atlântica? Do Cerrado? Será possível reconstruir a sua diversidade, ou ter uma ideia dela ao menos, com base no que hoje está sendo incorporado nas camadas sedimentares em formação?

 

Coleta de uma camada de folhas nas margens do rio Mogi-Guaçu, SP

 Uma das formas para responder a essas inquietudes, e ao meu modo de ver a mais simples, é pesquisar diretamente nos locais onde esses novos registros estão acontecendo, como por exemplo nas florestas ciliares ou também conhecidas como de galeria ou ripícolas, que se desenvolvem à beira dos rios, especialmente naqueles com muitas curvas ou meandros. Pela migração lateral do canal do rio, as curvas acabam se fechando e isolando o braço do rio. Pelo geral, a porção isolada somente recebe água durante as cheias. Assim, vão se formando pequenas lagoas rodeadas por vegetação, nas quais caem folhas, galhos, sementes, polens, esporos, insetos, etc. Nesse processo de acúmulo de restos orgânicos, os vegetais são os que aportam a maior quantidade de biomassa e podem chegar a formar verdadeiras camadas de restos, por vezes bastante espessas, com mais de 20 cm, que ao ser soterrados e prensados entre várias camadas de sedimentos (areia, lama, etc.) poderão se transformar em fósseis de folhas, galhos e sementes na forma de compressões e/ou impressões. A forma de acessar esses acúmulos pelo geral se faz abrindo uma trincheira.

 

Coleta do registro sedimentar utilizando um tubo de alumínio de dois metros.

Nos manguezais ou mesmo nas lagoas associadas aos meandros, por exemplo, se enfiarmos um tubo oco e resistente de uns dois metros de comprimento e a seguir tampar a extremidade superior, poderemos retira-lo da lama, com bastante esforço, e abri-lo de comprido, de forma a observar um registro ordenado da sucessão da deposição dos sedimentos em camadas, pelo geral com camadas de várias cores. As camadas mais escuras terão maior quantidade de matéria orgânica preservada e, por conseguinte, maior probabilidade de preservação. Nesse registro as amostras da base corresponderão aos sedimentos mais antigos e as mais recentes serão as do topo. Uma vez que os sedimentos dos manguezais são bem finos, a deposição será lenta, ou seja, para formar uma camada de 1 cm de espessura será necessário mais tempo envolvido do que em uma camada de areia grossa. Voltando ao registro retirado com o tubo, poderemos ter registrado algumas centenas de anos de deposição e nessas camadas estrarão preservadas assembleias de microrestos (pólens, esporos, diatomáceas, etc.) como também folhas, sementes, galhos entre outros.

Alternância de camadas de areia (em tons de cinza) e de restos vegetais (mais escuras)

Assim, utilizando essas acumulações mais “modernas” de restos orgânicos não fossilizados e que poderão se tornar fósseis um dia, é possível adquirir conhecimento acerca das variações na vegetação que foram produzidas como consequência de mudanças climáticas, ou de variações no nível dos mares ou induzidas pelo homem em escalas menores de tempo, como o último milênio, os últimos séculos, etc.

Conhecer e entender como acontece a entrada dos restos orgânicos no registro sedimentar também ajuda na hora de interpretar jazimentos fósseis pretéritos, para se ter uma ideia de onde provem os fósseis, como chegaram até o local de deposição, como foram fossilizados… entre outras coisas… e se o futuro também terá fósseis da vida que hoje vemos no nosso planeta, pelo menos no próximo um bilhão de anos… mas essa é outra história relacionada com a evolução do Sol.

Sobre dragões e fósseis

Como amante da paleontologia e, mais recentemente, praticante e apreciadora de wushu, a inspiração deste post surgiu como um desafio de tentar relacionar os dois temas de alguma forma. Me parece que alguns mitos são criados a partir de “verdades”…distorcidas, ou, com um toque de imaginação, digamos assim.

Dragão do quadrinho Zen pencils

Na arte marcial que conhecemos por “kung fu”, aqui no ocidente, existem diversos estilos de luta. Norte e Sul da China são conhecidos por estilos diferentes. O estilo do dragão é um estilo imitativo do Sul; neste, os movimentos devem ser compreendidos, internalizados (em contraposição, o adversário do dragão é o tigre e seu estilo é fundamentado em movimentos de força e memorização). Como o dragão, para os chineses, simboliza a água e a terra, no kung fu suas ações combinam força e leveza em movimentos que unem opostos, como: circular/reto, ou para cima/para baixo, por exemplo.

O dragão é uma figura comum na mitologia chinesa, desempenhando vários papéis como regular as chuvas, proteger os deuses (e o imperador), e ser a fonte da verdadeira sabedoria e da boa sorte. É, portanto, considerado um animal auspicioso, não malévolo. Por isso são extremamente comuns na arquitetura e ornamentação da antiga China. Não é à toa também que, por mais de uma vez na história, imperadores chineses regularam o uso das imagens de dragão em suas sedas e outros ornamentos, para que somente eles pudessem usá-las e, assim, demonstrar sua potência.

História “Never give up!” do quadrinho Zen Pencils

Apesar de ser um estilo imitativo no kung fu, nós todos sabemos que dragões (i.e., répteis serpentiformes voadores que cospem fogo) nunca existiram. Neste caso, a “imitação” vem das histórias e lendas passadas de geração em geração, sobre os supostos movimentos destes animais. Se, por um lado, a forma como se mexiam vem da imaginação das pessoas, de outro, a figura do animal em si tem uma origem interessante. Fósseis de dinossauros, ou de outros grandes répteis serpentiformes, ou até mesmo fósseis de baleias são, provavelmente, a fonte de inspiração para os mitos dos dragões (assim como de outros animais, lendas e deuses que existem mundo afora). Imagine os antigos chineses encontrando ossos de grandes proporções, com a forma de um lagarto, espalhados pelo chão… e mais, ossos duros como pedras! Na breve pesquisa que fiz para escrever este post eu li (aqui) que o fato de os ossos serem feitos de pedra (resultado do processo de fossilização) provavelmente levou as pessoas a pensar que era um animal que cuspia fogo, pois seus ossos resistiam a ele! Interessante, não?

Os mais antigos adornos chineses contendo imagens de dragões datam de cerca de 4700-2900 a.C. (Cultura Hongshan). Então é bem provável que antes disso os fósseis de grandes animais já tivessem sido descobertos naquela região do mundo. Naquela época não se tinha o conhecimento científico que temos hoje sobre fósseis e fossilização, extinções e da vastidão do tempo geológico, e estes restos eram interpretados como restos recentes de animais fantásticos, ou seja, como os dragões; hoje chamamos a eles de dinossauros (e afins).

Se você sabe mais sobre os diferentes estilos de wushu, sobre paleontologia, sobre dragões, ou simplesmente gostou do post, deixe-nos um comentário!!

Veja aqui um documentário sobre a relação entre dragões e dinossauros.
Entre aqui para apreciar a arte do Zen Pencils.

 

 

 

 

Micro/Macro: a união faz a força!

Imagem de micro e macro-organismos do quadrinho “Mikromakro” de Jens Harder

Com um telescópio nós conseguimos observar corpos celestes imensos que estão muito distantes, mas que mesmo assim nos causam assombro. Já com um microscópio é possível observar a -abundante- vida minúscula que nos cerca, mas que passa despercebida pela maioria de nós…

Escalas.

Para quem viaja: a escala é um ponto de parada.

Na música: é um grupo de notas musicais.

Na matemática: é uma razão entre grandezas que permitem uma comparação; e é exatamente esse conceito, matemático, que iremos usar neste post. Isso porque vamos falar de organismos que, se tivessem lemas, seriam: “tamanho não é documento” e “a união faz a força”, uma vez que seu tamanho é insignificante perto da dimensão do planeta Terra (comparando os tamanhos estamos usando o conceito matemático!), e que unidos eles são extremamente imporntantes para a manutenção de ciclos globais .

Imagem de bactérias do quadrinho “Mikromakro” de Jens Harder

Micro-organismos. Apesar de serem pequenos (menores que 1-2 mm), são muito abundantes. Abundância aqui significa que temos muitos indivíduos, do mesmo tipo de organismo (em biologia existe uma grande diferença entre abundância e diversidade. Mas esse é um tema para um próximo post.) E é a abundância que os torna extremamente significativo na manutenção de diversos ciclos do nosso planeta, como o ciclo do Carbono, por exemplo. Não faz muito tempo se dizia, inadvertidamente, que a Floresta Amazônica era o pulmão do planeta; já ouviu isso alguma vez? Pois é, e deve ter ouvido também que não é bem assim que a coisa funciona… que a razão O2/CO2 é mais controlada por micro-organismos fotossintetizantes extremamente abundantes que vivem nas águas do mar (lembrando que o mar recobre cerca de 70% da superfície do nosso planeta, o que sugere que estes organismos minúsculos tem um ambiente –bastante– espaçoso para viver) e que o CO2 produzido na Amazônia também é consumido por ali mesmo, não tendo tanto efeito mundial quanto se pensava.

Bom, por mais que eles sejam pequenos, eles estão sujeitos aos mesmos processos sofridos por qualquer outro organismo na superfície terrestre, o que significa que a maioria, ao completar seu ciclo de vida, é decomposta e seus constituintes retornam ao sistema, como aquela famosa frase de Lavoisier (1743-1794): “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Mas, claro, alguns acabam escapando a esta norma, passam por processos físicos e químicos que os preservam nas rochas e formam o que chamamos de microfósseis. Os microfósseis podem ser organismos inteiros de tamanho diminuto (como foraminíferos, radiolários, dinoflagelados, algas), ou então, são partes pequenas de organismos maiores. Para exemplificar este último caso, pense que o pólen (micro) produzido por algumas plantas (macro) são partes pequenas (células reprodutivas) delas. Pólens fósseis são extremamente comuns no registro (de determinado período em diante, neste caso do Devoniano até os dias atuais) e seu estudo se chama paleopalinologia.

Você pode pensar que achar microfósseis deve ser extremamente difícil pois eles são muito pequenos. Mas, na realidade, como são -em geral- abundantes, os paleontólogos que trabalham com microfósseis são muito sortudos e não precisam levar grandes quantidades de rochas para o laboratório. Um pouco só (algumas gramas) já é o suficiente para se observar algumas centenas de indivíduos, utilizando um microscópio, claro.

Bem, já falamos que os micro-organismos são importantes pois são abundantes e que podem gerar fósseis. Pense sobre essas duas propriedades (abundância + fósseis) e misture-as com o tempo geológico: milhares de micro-organismos ao longo de centenas de ambientes diferentes que se sucederam ao longo das centenas de milhares de anos do tempo geológico. Pronto. É bastante material para que os micropaleontólogos trabalhem, né? As variações ambientais ocorridas ao longo do tempo podem ser detectadas pelo estudo de microfósseis, cada grupo estudado fornecendo um dado importante sobre o paleoambiente em que viveu.

Vamos aproveitar que este é o primeiro post de 2017 e aplicar o lema dos microfósseis em nossos dias daqui pra frente... a união faz a força! 
Que consigamos nos unir para melhorar nosso país; cada um fazendo a sua parte, para o bem de todos. E que a ciência no Brasil não esmoreça. Feliz 2017!

Paleontologia: como compreendê-la em 5 passos

Quase todos os anúncios de reportagens e chamadas que recebemos incessantemente em nossos celulares, todos os dias, trazem números. Talvez seja a nossa avidez por conhecimento “rapidamente absorvível” que tenha promovido esta proliferação de textos com títulos que trazem o número exato (ou inexato, alguns enganam a gente) de conteúdo. Se dá certo (se a gente absorve mais rápido, ou se é simplesmente uma questão de marketing/publicidade…), eu não sei; fato é que resolvi aderir à moda e tentarei explicar o que é a paleontologia em 5 itens; ou pelo menos, irei tentar apontar as principais problemáticas envolvidas quando se trata de paleontologia para e com aqueles que não sabem bem o que esta ciência significa. Vamos lá?

1 – O termo “Paleontologia” significa “o estudo dos seres antigos”. Já falamos em posts anteriores que antigo em Geologia – e em Paleontologia – tem conotação diferente daquele utilizada no nosso dia-a-dia. Restos de organismos são considerados recentes, ou pouco antigos (e denominados de sub-fósseis, por exemplo) se tiverem por volta de 10.000 anos por exemplo. Além da questão do tempo, temos o termo “seres” aqui… não são somente dinossauros (!!!). Nem somente plantas. Lembrem-se, temos todos os filos de possibilidades; todos os tamanhos e toda a variedade de vida que já existiu ao longo dos últimos 4,5 G.a. É coisa pra caramba :mrgreen: .

2 – Paleontologia e Arqueologia são ciências que usam métodos de estudo parecidos, mas cujo objeto de estudo é diferente. O enfoque da paleo que eu falei no item 1 (acima), é a vida, em geral, ao longo do tempo geológico; o enfoque da arqueologia são as civilizações humanas e sua cultura (que, aliás, é algo beeeem recente….). É muito comum a confusão entre as duas ciências, talvez por exigirem um perfil de pesquisador de campo, aventureiro, que vive à procura de segredos escondidos em rochas ou locais remotos…. mas as similaridades ficam por aí. Agora você sabe que o Indiana Jones é um arqueólogo, não um paleontólogo, ok 😆 ?

3 – Sendo a vida antiga o objeto de estudo da paleo, ela se baseia, portanto, no estudo dos fósseis. Fósseis são restos ou vestígios de vida com mais de 11.000 anos. Quanto mais antigo é um fóssil, maior a probabilidade de que ele tenha se transformado em rocha; mas ainda assim é um vestígio de algo que já foi vivo. Por este motivo é que a Paleontologia é a união entre a Biologia e a Geologia. Em geral (não é uma regra) são biólogos ou geólogos que estudam os fósseis. Isso porque os conhecimentos exigidos para as análises tem que vir tanto da bio quando da geo. Como eu disse antes: restos de vida- conhecimentos biológicos-, que se tornaram ou irão se tornar rochas – conhecimentos da geo. Mas a realidade é que conhecimentos de química, física, matemática, computação, (etc…) além da biologia e da geologia, são usados nos estudos paleontológicos. Uma visão integrada dos fenômenos da natureza e de diferentes técnicas de análise dos materiais fósseis faz um bom paleontólogo/cientista…

4 – Não é só de petróleo (nem só de dinossauros 😈 ) que se faz a Paleontologia. Talvez este item acabe repetindo o que já foi dito no item 1, mas tenha paciência. Isso é importante. Toda a vida, que se desenvolveu ao longo da história geológica da Terra, pode ser estudada por um paleontólogo (tudo aquilo que vive hoje e que você conhece, e também aquelas formas de vida bizarras, que… pode ser que você nunca tenho ouvido falar).

O petróleo é famoso por sua importância na economia mundial, e os fósseis (microfósseis, neste caso; fósseis de seres que precisamos de microscópio para enxergar) ajudam, de modo geral, a mostrar onde o petróleo tem mais chance de ocorrer. É uma das formas de aplicação da paleontologia.

Já os dinossauros são famosos por fazerem parte do imaginário popular: eram grandes (nem todos né?), assustadores (com exceções…) e… verdes! (ou coloridos? ou ainda…cobertos por penas?). Veja… as generalizações acabam fornecendo uma visão distorcida não é mesmo? Deve ser por isso que quanto mais se estuda (e se especializa numa área) mais a gente se dá conta de que sabe quase nada de tudo, e muito pouco sobre alguma coisa 😯 .

5 – A Paleontologia é uma ciência pura. Calma, não significa que ela seja inocente 🙄 , não é isso… é uma ciência que tem como objetivo principal o conhecimento. Sim, ela pode ser aplicada. Algumas vezes é utilizada como uma ferramenta para compreender outros fenômenos, tendo assim, aplicação (no item 4 eu falei do petróleo, não é?). Mas, sob o meu ponto de vista, o seu objetivo mais imediato é o conhecer por conhecer; e, claro, o conhecimento gerado vai influenciar em outras áreas da ciência, gerar discussões, promover debates e levar ao progresso do conhecimento científico. Muito do que se sabe hoje foi inventado ou observado por algum cientista que teve a vontade de observar, descrever, conhecer, explicar algo. Independentemente de ser pura ou aplicada a ciência leva ao progresso a humanidade!

Para uma leitura interessante e aprofundada sobre o tema ciência e seus impactos, clique aqui.

 

A distância que agora nos separa foi outrora irrelevante…

20160902_200334Vou aproveitar o fato de estar participando de um congresso em outro continente (sim, escrevo este post diretamente da África!) para falar um pouco dos motivos que me levaram a participar deste evento, e que, em minha opinião, são bastante importantes na compreensão das relações que paleontólogos e geólogos estão acostumados a trabalhar no dia-a-dia.

Reconstrução do globo para o período Ordoviciano. A estrela marca o sul geográfico.
Reconstrução do globo para o período Ordoviciano. A estrela marca o sul geográfico.

A Table Mountain, atualmente, ponto turístico de alto relevância para quem visita a cidade do Cabo, na África do Sul, tem esse nome basicamente pelo seu formato (de mesa); e apesar de, hoje, ser um lugar em que é preciso subir cerca de 1.100 metros acima do nível do mar para atingir o seu topo (e caminhar sobre ele), há cerca de 460 M.a. (milhões de anos atrás) era uma bacia sendo preenchida por sedimentos sucessivamente marinhos e deltaicos/fluviais. Esta bacia era imensa e abrangia o Brasil também. Não havia, neste tempo, o oceano Atlântico entre a África e a América do Sul (!). E ambos os continentes (junto com a Índia, Antártica e Austrália) formavam um único continente austral, o Gondwana.

Table Mountain, Cidade do Cabo, África do Sul
Table Mountain, Cidade do Cabo, África do Sul

Isso tudo também significa que não é a primeira vez que eu vejo essas rochas na minha vida… apesar de ser a primeira vez que visito a África. Você está conseguindo seguir meu raciocínio? As mesmas rochas que temos em Table Mountain também estão atualmente expostas no Brasil! Não é o máximo?

 

Vim pra cá para, além de participar de um evento, conhecer as rochas e fósseis que ocorrem por aqui. Apesar de serem as mesmas com as quais trabalho no Brasil, as variações ocorrem e tentar compreender estas variações e suas causas, fazem parte de meu trabalho como pesquisadora.

Quais são, então, as relações que mencionei no primeiro parágrafo?

  • tempo profundo,
  • mudanças (paleo)ambientais,
  • tectônica de placas/deriva continental

Voltar ao passado e imaginar os ambientes de deposição dos sedimentos que formam estas (atuais) rochas… estas são algumas das formas de estudo de um geocientista.

 

No meu próximo texto vou falar sobre a contingência do registro fossilífero… mas nas próximas semanas teremos mais posts da Profa. Frésia e da doutoranda Flávia, não deixem de acompanhar; toda terça, um novo paleopost.