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Água de coco desde o Cretáceo acalmando a sede?

http://www.vix.com/pt/bdm

Na semana passada estive estudando fósseis no Ceará e estava quente, mas nada que uma refrescante água de coco gelada não ajudasse a acalmar, como no verão de Campinas quando, em janeiro, a temperatura chega próximo aos 40oC. Assim, enquanto bebia minha água de coco em Fortaleza, fiquei pensando na origem das palmeiras: quando foi mesmo que elas surgiram? Será que tem fósseis de coco da Bahia? Onde?

Após pesquisar descobri, que os registros mais antigos de palmeiras datam do período Cretáceo. São grãos de pólen sulcados, com uma ou mais aberturas longitudinais (por exemplo Mauritiidites), como os hoje encontrados na Família Arecaceae, à qual pertencem todas as palmeiras. Atualmente esta família possui uma distribuição cosmopolita, com aproximadamente 2.000 espécies agrupadas em 90 gêneros, dentro dos quais se destacam árvores, ervas com rizomas e alguns cipós. A maioria das Arecaceae hoje habita em regiões quentes e úmidas do planeta. No final do Cretáceo (70 milhões de anos no passado) eram plantas muito comuns nos hemisférios norte e sul, tanto que seus pólens são os elementos característicos da “Província Florística Palmae”, constituindo um 50% dos pólens encontrados nas assembleias. Assim, as palmeiras estão entre as monocotiledôneas mais antigas conhecidas. Os domínios da Província Palmae se estendiam desde o Sul da Argentina (dá para imaginar a Patagônia com um clima quente?) até o norte da América do Sul (hoje a Venezuela) e por grande parte da África, Índia (que no Cretáceo estava próxima do leste da África), e as costas do Mediterrâneo.

Pólen atual de uma palmeira.

Esta Província era caracterizada por uma vegetação diversificada e tropical. Além de pólens de palmeiras também foram encontrados folhas, frutos, folhas, lenhos e até flores. Como exemplo de fruto, foi descrito um exemplar de coco no estado de Pernambuco, encontrado associado com rochas da Formação Maria Farinha do Paleoceno. Outros cocos fósseis foram descritos nessa mesma idade na Índia, Argentina e Colômbia.

Já no início do Paleoceno (65 a 55 milhões de anos no passado) os fósseis de palmeiras são encontrados por todo o planeta. Eles são uma das evidências de que durante esse período do tempo geológico a Terra experimentou um regime climático quente e úmido, conhecido como Ótimo Termal, pois as palmeiras só podem habitar em climas onde a temperatura do mês mais frio não cai abaixo dos 5 a 7oC. Por exemplo, para Alberta, no oeste do Canadá, foram descritas grandes folhas de palmeiras que poderiam ter habitado em um clima mais ameno que o hoje encontrado nessa região do planeta. Dessa forma, acredita-se que durante o Paleoceno a temperatura caía pouco até os 50º de latitude.

Sim, como vocês estão pensando, as palmeiras foram contemporâneas dos dinossauros, inclusive tem sido encontrados locais nos quais foram preservados pequenos coquinhos associados a ossos desarticulados de dinossauros ceratopsídeos. Assim, vemos que as palmeiras sobreviveram a uma das maiores extinções do planeta Terra (aquela do limite Cretáceo – Paleógeno) e chegaram até os dias de hoje, ajudando a acalmar a sede… será que o mesmo aconteceu com os dinossauros ou com os mamíferos que surgiram no Paleógeno?

Você já viu um fóssil de verdade? (será que não?)

Você provavelmente já ouviu falar em amadorismo, especialmente quando se trata de esportes, certo? Segundo o dicionário, amadorismo é regime ou prática oposta ao profissionalismo; ou ainda: falta de técnica adequada à realização de um trabalho. Pois vou lhes contar que existem por aí paleontólogos amadores*… e tentar fazer de você, um deles!

Você já viu algum fóssil real**? Caso já tenha ido em algum museu de ciências ou história natural, é possível que tenha. Mas, e na sua casa? no caminho para o seu trabalho? (não vale contar que o seu chefe é um dinossauro, ok?) naquela loja que você sempre vai para tomar um café?… existem fósseis ali? já reparou nas rochas que adornam esses lugares? sim…elas podem conter fósseis!!

Mapa do Brasil com sítios fossilíferos. As bolinhas representam locais em que ocorrem fósseis. Fonte.

Bem, dependendo de onde você morar, fósseis podem aparecer no quintal da sua casa, na construção de um prédio, na abertura de uma rodovia… Apesar de o processo de fossilização ser uma exceção (já falamos sobre isso antes, lembra?), ainda sim, o tempo geológico é tão longo e a diversidade de vida pretérita, tão grande, que existe por aí um bom número de rochas que apresentam fósseis. Veja aqui uma pequena lista de locais com fósseis, pelo mundo.

E tem mais! Mesmo que você não more literalmente em cima dessas rochas, muitas construções são feitas (em geral, ornamentadas) com rochas fossilíferas! isso significa que a parede externa de uma loja, uma pia, ou mesmo a calçada de alguns locais podem ter fósseis. Vamos aos exemplos:

  • Se você for ao Shopping Eldorado ou ao Shopping Ibirapuera, ambos em São Paulo, por exemplo, poderá observar estromatólitos nos mármores do piso; estromatólitos são estruturas formadas pelas atividades de cianobactérias; as estruturas têm a forma de colunas laminadas facilmente observadas nas rochas desses shoppings; cada lâmina, em geral, representa um ciclo de vida de uma colônia. Essas rochas têm cerca de 2 bilhões de anos de idade, e foram retiradas de lavras localizadas em Minas Gerais. Veja aqui uma notícia sobre esse assunto.
Rastros fósseis do varvito de Itu. Fonte.
  • Em muitas calçadas de Itu (SP), ou de cidades próximas, como Campinas por exemplo, tem alguns de seus pavimentos construídos com rochas que apresentam marcas de ondas e traços fósseis! as marcas de onda são iguais às que podemos observar na parte mais rasa das praias de hoje… e esses traços são pegadas de antigos animais (invertebrados) que rastejavam pelo fundo de um lago gelado. Essas rochas têm cerca de 250 milhões de anos de idade, e provêm de afloramentos de Itu e região. Saiba mais aqui.

 

  • Nas calçadas de São Carlos, Araraquara (cidades de SP) e mesmo dentro do Zoológico de São Paulo, é possível observar rochas formadas por areia (arenitos) que apresentam pegadas de dinossauros, mamíferos e invertebrados (entre outros). Todas são retiradas de Araraquara e região e representam os vestígios de um grande deserto que cobriu parte do Brasil há 140 milhões de anos atrás. Será que você já não pisou em uma pegada fóssil?? Veja mais aqui.

Abra seus olhos e comece a observar. E se algum dia você encontrar um fóssil? Será que isso irá despertar em você uma vontade de conhecer que só vai crescendo com o tempo? Pois foi provavelmente dessa forma que muitos paleontólogos amadores iniciaram, na busca insaciável pelo conhecimento. Muitos desses paleontólogos amadores foram responsáveis por grandes descobertas! Mas isso já é uma história para um próximo post

*Existem algumas definições diferentes para “paleontólogo amador” mas me refiro aqui àquelas pessoas que coletam fósseis, por qualquer razão, mas que não subsistem da paleontologia.

**Aqui só gostaria de desabafar… Sempre que levo alguma réplica de fóssil para aulas práticas de paleontologia meus alunos mostram certam desprezo com a tal amostra. E eu sempre argumento que aquilo, em geral, é um molde do original, ou seja, não tem diferença alguma em relação ao fóssil encontrado; simplesmente não faz sentido não gostar de uma réplica.

A emoção da Montanha Russa: respire fundo e um passo à frente

Oba, oba, oba que felicidade: a notícia que finalmente o artigo no qual trabalhamos nos últimos anos foi aceito para ser publicado finalmente, depois de idas e vindas!

Fonte: alearned.com/roller-coasters/ e MiNiBuDa/montaa-rusa

Neste texto quero falar acerca de uma das partes mais delicadas de trabalhar com pesquisa: publicar a nossa pesquisa ou conseguir publicar, pois existem as duas caras dessa atividade. Nem todos os artigos pelos quais trabalhei, pesquisei, dei o melhor de mim, foram aceitos para serem publicados e menos ainda aceitos sem correções, sugestões e até devolvidos com comentários terríveis. Outros em contrapartida, após algumas idas e vindas, foram aceitos com muitos elogios. Quem não passou por isso?. Contudo, meu sonho continua sendo ter um artigo aceito sem nenhuma correção ou sugestão de mudança. Como é esse processo? Na minha opinião poderia ser mais simples. Começa, claro, quando você tem uma ideia ou uma inquietude acerca de um fóssil ou um conjunto deles e a sua pesquisa se inicia. Pode ser necessário ir ao campo e procurar, coletar, descrever, fotografar, desenhar… voltar novamente ao local, verificar os seus dados de campo, ir com as suas amostras e exemplares ao laboratório, prepará-los, descrever de novo, interpretar e por fim produzir um dado e sua interpretação e começar a escrever…pensar….pensar…escrever, ler artigos relacionados ou não…discutir com um colega, alunos, acordar a noite e ficar pensando…matutando e ter a ideia de como explicar! Mudar o que se escreveu para melhor ou pior, tentar e tentar e no fim chegar a um texto que descreva o que você pensou e que transmita a sua Ideia para outras pessoas. Claro, não é só texto nas pesquisas em paleontologia em geral os artigos tem umas figuras muito lindas e bem feitas do seu material, aliás, esta é uma das partes mais importantes do texto: as prova do que você está falando. Figuras feias são um passo para o abismo, texto confuso é o próximo. Mas com todo o seu esforço por fazer o melhor possível, o sucesso não é garantido. Não tem, para mim, coisa mais difícil que abrir aquela mensagem da revista científica, em resposta ao artigo que você enviou há alguns meses e no qual trabalhou por alguns anos. Ler a mensagem do editor, que não tem como saber quais foram as dificuldades, problemas, etc. e ter seu artigo avaliado por relatores anônimos, que podem ou não acabar com todo esse esforço… o sistema de avaliação por pares. Vêm os comentários e o veredito, que você lê com o coração saindo pela boca e batendo acelerado, como ir a uma montanha russa a toda velocidade, e que fala: “aceito”, “negado”, “pode ser aceito caso você mude”, “nem mudando daria para aceitar” ou “que artigo mais legal, contudo você ainda não chegou lá”, “temos o prazer de informar que seu artigo está aceito”, etc. Um conhecido meu falava que às vezes, após algumas idas e vindas, você não quer nem escutar falar mais do seu artigo, ou em outras vezes, até tem vontade de emoldurar. Pois bem, não é fácil trabalhar com ciências; tem que estar preparado para ser constantemente questionado, arguido e não tem como escapar. Mas ainda assim, na maioria das vezes quando estudo fósseis, penso que não gostaria estar fazendo outra coisa nesse momento e que afortunada que sou por poder trabalhar com um desafio constante que me estimula e faz ter uma vida pouco rotineira, onde posso ajudar a outros a descobrir essa maravilha e a desfrutar do seu trabalho.

Não acredito que tenha colegas que nunca tiveram um artigo negado como eu, inclusive até grandes cientistas já tiveram as suas maiores contribuições não publicadas em várias ocasiões. Pelo menos não estou sozinha. O que fazer quando seu esforço não tem êxito? Quando a sua decepção ficar menor, pegue os comentários, leia, pense, mude o que achar que deve, defenda o que não é razoável e submeta de novo, e de novo, e de novo… Embora não seja fácil, pense que em cada retomada fica melhor, ou parta para outra pesquisa e experimente o infinito, pode ser que esta vez o sucesso seja seu e, quem sabe, então pegue seu artigo rejeitado mexa nele mais uma vez e submeta a outro periódico e ele seja aceito e se torne a sua melhor contribuição. Vai ver que o mundo ainda não estava pronto para ele..

Como é a vida profissional de um paleontólogo brasileiro?

Ou… os motivos pelos quais, às vezes, atrasamos os posts?

Não se trata apenas de esclarecer os motivos pelos quais, às vezes, não conseguimos postar nas terças, ou mesmo que uma semana ou outra o nosso blog não tenha nenhum post novo. A realidade do profissional paleontólogo brasileiro não é simples. E vou lhes explicar o porquê.

Em geral, ao se optar por ser paleontólogo no Brasil, se tem três opções:

  • Formação em nível superior em Geologia, Geografia ou Biologia (na realidade não existe uma limitação quanto a qual graduação foi cursada; eu mesma conheço médicos e engenheiros que são paleontólogos); aqui temos 4 ou cinco anos de estudo.
  • Cursar pós-graduação em Geologia, Geociências ou afins, em que a área de concentração seja Paleontologia. As universidades brasileiras de maior tradição nesta área, na pós, são a UFRGS e a UFRJ.

Depois de defendido o mestrado e/ou o doutorado (que, podem representar cerca de 6 anos de estudos após a graduação, dois anos para o Mestrado e até 4 para o Doutorado), o mercado de trabalho, sob o meu ponto de vista, se resume a:

  • Trabalhar em universidades particulares ou públicas (o profissional aqui normalmente assume o papel de professor e pesquisador);
  • Trabalhar em museus (nesta categoria eu incluí paleoartistas, pesquisadores, curadores);
  • Trabalhar em empresas públicas ou privadas (pesquisadores, consultores). Aqui temos empresas de consultoria, ou mesmo o DNPM, Petrobrás, CPRM, por exemplo.

A opção 1, provavelmente, é a que mais emprega os paleontólogos brasileiros. Infelizmente eu não tenho dados numéricos para mostrar a vocês, mas digo isso em função de que o número de museus, no país, não é tão grande quanto o de universidades e faculdades. Possuindo ao menos o curso de Biologia dentre as graduações, já existe a possibilidade de contratação de um paleontólogo, pois, de acordo com o CFBio, Geologia e Paleontologia são disciplinas obrigatórias do curso. Já órgãos públicos não abrem muitos concursos na área específica de paleontologia, e o número de vagas é, normalmente, bastante restrito. Consultorias em paleontologia são bastante recentes no país, e se sustentar trabalhando unicamente nesta área, me parece inviável atualmente.

Tendo experiência profissional em universidades particulares e públicas eu posso falar com um pouco mais de detalhe e propriedade sobre as atividades que se assume, quando nestes cargos. O tripé das universidades é formado pelo ensino, pesquisa e extensão, e são essas (algumas) das áreas que atuamos.

Ensino – Além de ser responsável por uma ou mais disciplinas ao longo dos semestres (na graduação e na pós-graduação), nós podemos orientar alunos em diversos níveis de ensino; pode ser iniciação científica em graduação, orientação de mestrado ou doutorado, supervisão de pós-doutorado, ou orientação de monitores que nos acompanham e auxiliam durante as disciplinas, na graduação.

Pesquisa – Sobre a pesquisa, em especial nas universidades públicas, é bem comum termos que assumir e desenvolver projetos de pesquisa com a colaboração de alunos e colegas (professores e pesquisadores), e também captar fundos para desenvolver o projeto e aprimorar as condições de trabalho nos laboratórios que usamos. Além disso temos que publicar os resultados das pesquisas na forma de capítulos de livros, resumos ou artigos científicos.

Extensão – Envolve a divulgação do que fazemos para a comunidade de fora da universidade; isso pode se dar na forma de cursos, exposições, livros ou mesmo como este blog.

Outras – Além disso, eventualmente (com a progressão da carreira docente) temos que assumir cargos administrativos como coordenação da graduação, chefe de laboratório, chefe de departamento, ou mesmo cargos que exigem vasta experiência e atuação no ensino superior, como a diretoria do instituto, ou mesmo a reitoria da universidade.

Em meio a tantas tarefas que se sobrepõem, é preciso continuar se atualizando, aprendendo e tentando melhorar. Fazemos isso lendo, discutindo com os colegas da área, publicando, participando de congressos e trabalhos de campo, entre outros meios.

Resumidamente, o nosso dia-a-dia é assim. Portanto, perdoem-nos se às vezes acabamos mudando o dia de publicação ou não publicamos o texto. As tarefas se multiplicam, em especial nos finais de semestres letivos!

 

 

 

O QUE É UM FÓSSIL?

Você sabe o que é um fóssil?

Se nos perguntassem hoje o que significa a palavra fóssil, a resposta seria mais do que óbvia. Contudo, uma rápida olhadinha no Google e logo saberemos, por meio de diversos sites, que fósseis são restos ou vestígios de organismos vivos, que foram preservados no interior dos sedimentos e das rochas. Entretanto, os cinemas, filmes de aventura como “Jurassic Park” ou animações como “A Era do Gelo” sempre nos colocam em contato direto com essas fantásticas criaturas que viveram tempos atrás. Lojas de brinquedo nos oferecem fósseis para colorir, para montar, para pregar na parede. Existe inclusive uma rede de lojas com este nome, que vende “relógios e estilo de vida”. Assim, os fósseis estão em nossas mentes, em nossas casas e em nossas vidas tão naturalmente que nos fazem pensar que foi sempre assim.

Na verdade, se fosse perguntado aos sábios do passado, eles sequer iriam entender nossa pergunta. Contudo, não faria nenhum sentido para eles essa história de fóssil, de organismo extinto, nada disso. Por outro lado, nem mesmo o nome “fóssil” faria sentido. O que hoje chamamos de fóssil era chamado de “rochas com forma de animais”, “madeiras petrificadas”, ou qualquer outra coisa. Mesmo a palavra fóssil teria outro significado, significando coisa escavada, desenterrada. É essa a acepção do latim “fossile”. No século XVI, por exemplo, qualquer coisa desencavada da terra, como rochas e minerais, seriam “fósseis”.

O médico Georg Bauer (1494-1555), também conhecido pelo nome latinizado de Georgius Agrícola, era de fato um dos maiores especialistas de seu tempo em assuntos do reino mineral.  Agrícola viveu na rica província mineira da Saxônia, e escreveu vários livros sobre rochas minerais. Aliás, um estes livros, publicado em 1546, chamava-se justamente “De Nature Fossilium”, que poderíamos traduzir como “Da Natureza das Rochas e Minerais”. As coleções de materiais que ele denomina fósseis contém “pedras, terras, gemas, betume, âmbar”. As “rochas com forma de animais e de plantas”, como se dizia nesta época, eram somente mais um item destes materiais. Eram, entretanto, objeto de mera curiosidade.

Antes ainda, na Idade Média, vamos encontrar usos diversos para os fósseis. Algumas igrejas, como a Igreja de São Pedro em Linkeliholt, na Inglaterra, por exemplo, foi decorada com fósseis de equinoides (veja a figura abaixo).  Por outro lado, os fósseis tinham também uma função decorativa, devido ao seu formato regular e simétrico. Desta forma, desde o neolítico até tempos históricos, foram encontrados jazigos humanos de diversas idades, onde os fósseis estão junto com os cadáveres ali enterrados. Isto pode sugerir que foram usados como objetos rituais e mágicos ou talismãs.

Pórtico da igreja de São Pedro em Linkeliholt, Inglaterra, decorada com 25 fósseis de equinodermos; (ver aqui)

Tumba de mulher e criança da idade do Bronze em Dunstable Towns, Inglaterra, circundada por fósseis de equinoides. Desenho de Reginald Smith, 1894. ( Ver aqui)

 

 

 

Falando em usos religiosos dos fósseis, vale a pena comentar, entretanto, alguns exemplos. Primeiramente, podemos citar os amonitas, moluscos que viveram desde o Devoniano até o Cretáceo. Para começar, estes moluscos devem seu nome a seu formato elegantemente espiralado, assemelhando-se a chifres das cabras. Por causa desta semelhança, segundo Plínio o velho, o nome amonitas se deve à sua denominação como “os cornos de Amon”, o deus egípcio que tinha chifre de cabra. Na Índia, alguns fósseis de amonitas, como o Meekoceras varaha, encontrado no Triássico do Himalaia Central, é tido como um dos Chakras de Vishnu. Aliás, varaha, o nome da espécie, é um dos avatars de Vishnu na Mitologia do Hinduismo. Alias, Carolina Zabini também discutiu muito bem em outro post deste blog a origem dos dragões e a paleontologia (ver aqui).

O Chakra de Vishnu e o amonite como objeto religioso na Índia; ( ver aqui )

Como isso tudo mudou? Como chegamos até aqui? A moderna concepção de “fóssil” como restos de organismos é bastante recente, de meados do século XVIII. Por outro lado, esta mudança no conceito de fóssil e a compreensão dos fosseis como organismos e não como curiosidades ou talismãs está no discurso de fundação das ciências naturais modernas. Isso não é pouco.

Figurinhas carimbadas da História da Ciência tiveram um papel decisivo nesse debate, como Steno, Palissy, Cuvier e outros. Mas não só. Mesmo anônimos colecionadores e vendedores de fósseis tiveram um papel importante. Por exemplo,  a britânica Mary Anning (1799-1847), foi uma das mais respeitadas colecionadoras de fósseis do século XIX. Por outro lado, um humilde topógrafo inglês, William Smith (1769-1839), reconheceu a distribuição dos fosseis nas camadas ao longo dos canais construídos na Inglaterra no século XVIII para o transporte de carvão. Como resultado, criou as bases da estratigrafia moderna.

Em conclusão, Essas são algumas peças do debate sobre os fósseis que veremos por aqui. Os fósseis dizem muito também sobre nós, e não só os fósseis de hominídeos. De onde viemos? Para onde vamos? Esses pálidos restos escondidos nas pedras têm muito a nos contar, enquanto esperamos pelo próximo meteoro.

 

Para saber mais:

Chandrasekharam, D. (2007). Geo-mythology of India. Geological Society, London, Special Publications273(1), 29-37.

McNamara, K. J. (2007). Shepherds’ crowns, fairy loaves and thunderstones: the mythology of fossil echinoids in England. Geological Society, London, Special Publications273(1), 279-294.

Georg Agricola. (1955). De Natura Fossilium (Textbook of Mineralogy): Translated from the First Latin Ed. of 1546 by Mark Chance Bandy and Jean A. Bandy for the Mineralogical Society of America (No. 63). Geological Society of America, pc1955.

As árvores mitológicas, filogenéticas, tentadoras: quando surgiram?

Ainda valem como obras que dão sentido a uma vida plantar uma árvore, escrever um livro e ter um filho? A figura de uma árvore é realmente muito poderosa. Eu, particularmente, sempre gostei das árvores gorduchas do Rembrandt que me proporcionam uma incrível sensação de aconchego. Mas quando apareceram as árvores dominando a paisagem do nosso planeta? Qual a sua influência, a partir de então, nos ecossistemas terrestres? Pelo menos até agora não temos evidências, ainda, de árvores extraterrestres.

A ponte de pedra. Óleo sobre tela 29,5 x 42,3  cm. Rembrandt
Rijksmuseum, Amsterdam. (http://www.rembrandtpainting.net/complete_catalogue/landscape/bridge.htm)

Bom, os mais antigos vegetais fósseis que conseguiram sobreviver no continente foram, ao que parece pelas evidencias, musgos e a partir desse momento surgiram outros vegetais mais adaptados a viverem no meio seco e nos quais a parte vegetativa tinha uma vida mais longa (esporófito) além de ser de maior em tamanho, enquanto que a parte reprodutora passou a ser menor e com uma vida mais curta (gametófito). Todas essas adaptações aconteceram no transcurso da Era Paleozoica. Mas o que caracteriza uma árvore? Seu tamanho? Ou possuir um lenho com crescimento secundário, ou seja, no qual se formam anéis de crescimento com o passar do tempo? Se for pelo tamanho, as primeiras árvores apresentavam um formato que lembra as palmeiras de hoje, sendo incluídas dentro dos gêneros Gilboaphyton e Eospermatopteris, cujos fósseis são encontrados perto de Nova Iorque, nos Estados Unidos e no norte da Venezuela, na cordilheira de Perijá. O surgimento da possibilidade de ramificação abriu novas possibilidades, assim como o desenvolvimento de sistemas radicular e vascular mais eficientes. Tudo isso aconteceu, pelo registro que se tem, durante o transcurso da segunda metade do período Devoniano, entre 398 e 385 milhões de anos atrás. O desenvolvimento desse novo tipo de vegetais, as árvores, trouxe profundas mudanças aos ecossistemas continentais, tanto pelo surgimento das florestas e com elas novas possibilidades a vida, quanto para o ciclo do carbono, intemperismo das rochas, estabilização da erosão, balanço do CO2 e consequentemente do clima. As primeiras florestas possivelmente viviam próximo aos cursos de água, de forma semelhante às florestas ciliares que hoje em dia acompanham o curso dos rios.

Contudo, e apesar dessa restrição na sua distribuição, uma das mais importantes mudanças dentre as acima comentadas foi introduzida pelos sistemas radiculares (raízes) que se tornaram mais efetivos, complexos e profundos. Esses avanços trouxeram como consequência o desenvolvimento de solos com conteúdo orgânico, bem como a intensificação do intemperismo químico do entorno abiótico que rodeava as raízes. Por sua vez, as raízes desde o inicio já apresentavam uma associação com uma classe especial de fungos denominada como micorrizas, hoje presentes em 90% dos vegetais, e que auxiliam na obtenção de nutrientes do solo e, portanto, na alteração química das rochas. Outra ventagem do advento de sistemas radiculares maiores foi a diminuição da erosão e como consequência, da quantidade de sedimentos que era incorporada aos sistemas fluviais e costeiros.

Sistemas radiculares maiores e mais complexos, juntamente com o surgimento de um sistema vascular formado por tubos ou traqueídes com paredes agora lignificadas e provistas de perfurações para auxiliar na melhorar a circulação de água e nutrientes por todo o corpo do vegetal, permitiram também a sustentação de uma porção aérea maior em altura e com maior área de copa. Essas melhorias permitiram que os vegetais alcançassem vários metros de altura e aumentassem consideravelmente o seu tempo de vida, abrindo um novo capítulo nos ecossistemas terrestres e oferecendo proteção dos raios solares e mais umidade.

Registros de paleosolos devonianos que se desenvolveram em ambientes costeiros e fluviais são uma das evidências acerca do desenvolvimento e sofisticação dos sistemas radiculares, pois neles foram preservados moldes das raízes ou raízes permineralizadas junto com as micorrizas.

Mas calma: essas primeiras árvores ainda não possuam uma reprodução por meio de sementes e, portanto, grandes áreas no interior dos continentes ainda continuavam a desabitadas. As primeiras sementes surgiram no período seguinte, conhecido como Carbonífero, e com elas a possibilidade das florestas cobrirem as terras emersas até hoje.

Paisagem com árvores, construções da fazenda e uma torre. Rembrandt Harmensz. van Rijn (1606–1669) Gravura, 123 x 319 mm Städel Museum, Frankfurt am Main Photo: Städel Museum, Frankfurt am Main (http://www.themorgan.org/rembrandt/print/179857)

Os achados do Marrocos e as novas raízes da espécie humana (e por que é comum que a ciência se reconstrua)

Na Paleontologia e na Biologia Evolutiva, a evolução humana é um dos assuntos mais populares e, ao mesmo tempo, mais polêmicos. Não poderia ser diferente, afinal trata-se do nosso ramo na árvore da vida. Se por um lado, a evolução humana atrai a curiosidade dos sedentos por ciência, por outro, atrai reações menos amistosas dos negadores da ciência. Para aqueles que negam o fato de nossa ancestralidade em comum com todos os outros organismos do planeta, é uma afronta se deparar com a história mais próxima desta relação de parentesco. É uma afronta se deparar com o fato de que há uma íntima relação de parentesco dos humanos com os símios sem rabo, como o chimpanzé, o bonobo, o gorila, o orangotango ou o gibão.

Relações evolutivas dos Hominidae viventes. Da esquerda para a direita: Pongo pygmaeus (orangotangos), Gorilla gorilla (gorilas), Homo sapiens (humanos), Pan troglodytes (chimpanzés) e Pan paniscus (bonobos). Fonte: Nature, 2012.

Por conta disso, são comuns perguntas como: “se os humanos vieram dos macacos, por que não vejo um macaco dar a luz a seres humanos?”. Por mais absurdo que pareça este questionamento, ele é comum em um país como o Brasil, onde existem muitos analfabetos científicos. Muitos brasileiros estão acostumados a explicar seus eventos rotineiros com base em misticismo (vide a quantidade de pessoas que acredita em horóscopos e afins). Por conta disso, a ciência precisa urgentemente ser popularizada, se tornar acessível. No que concerne o assunto principal deste texto, é importante esclarecer sobre uma pergunta tão difundida, pois ela apresenta em sua formulação um desconhecimento da Biologia Evolutiva. É provável que as pessoas que façam esta pergunta se refiram a macacos atuais, e que muitas delas pensem que Darwin defendia que os chimpanzés eram os ancestrais dos humanos. No entanto, o surgimento de uma espécie não é instantâneo, ele comumente leva de décadas a milhares de anos (é certo que quando o ciclo de vida de um organismo é curto, como com bactérias ou mesmo moscas das frutas, o tempo de especiação é bem menor). E nós humanos não descendemos dos chimpanzés, ou dos gorilas ou de nenhum outro macaco atual. Nós possuímos ancestrais em comum com os macacos atuais, e se formos voltando no tempo, encontraremos ancestrais em comum com outros mamíferos, ancestrais em comum com os répteis e aves, ancestrais em comum com qualquer tetrápode, ancestrais em comum com qualquer vertebrado, com qualquer animal, com qualquer eucarioto, com qualquer organismo. Dentre estes ancestrais, o nosso ancestral mais recente é também ancestral dos chimpanzés e dos bonobos.

Comparado aos dias de hoje, na época em que Darwin publicou “A Origem das Espécies”, haviam poucos dados que suportassem a ideia de que os humanos fossem relacionados aos símios sem rabo (embora já existissem muitos dados de diversas outras relações de parentesco da árvore da vida). Hoje, o registro fóssil é extremamente rico e evidencia este fato com robustez. Não obstante, a cada nova descoberta que muda o rumo da história, surgem os negadores da ciência argumentando que a Biologia Evolutiva é falha ao explicar seus fatos, porque põe por terra o que antes havia construído. Recentemente, novos fósseis de humanos foram descobertos no Marrocos, fósseis que trazem duas principais contribuições para mudar o rumo da história. A primeira delas é sua idade, datada em 300 mil anos, muito mais antiga do que os 195 mil anos, dos mais antigos fósseis de humanos até então descobertos na Etiópia. A segunda novidade é sua localização, fora do leste africano, o palco principal da evolução humana, e onde se acreditava ter surgido nossa espécie. Nas postagens das notícias veiculadas nas redes sociais, por conta dos dois artigos publicados no periódico Nature (vide os links ao final), fica evidente que não são poucos os negadores da ciência em nossa país (fiz o não recomendado para qualquer notícia, li muitos comentários). Por que é falho o argumento de que estes achados mostram uma fragilidade do fato da evolução humana, simplesmente por mudarem o rumo da história?

Fósseis recém descobertos no Marrocos dos primeiros humanos (esquerda) comparados a humanos atuais (direita). O crânio daqueles é levemente alongado se comparado ao nosso. Fonte: Nature, 2017.

É falho porque os novos fósseis apenas apontam uma origem mais antiga e uma maior dispersão dos primeiros humanos, não são uma prova contrária a nossa ancestralidade em comum com os símios sem rabo. A Paleontologia até então apresentava evidências de que nossa espécie tinha surgido mais recentemente do que mostram estes fósseis, mas é corriqueiro que a medida em que novos fósseis sejam descobertos, que algumas datas de eventos importantes sejam modificadas. O registro fóssil não é completo, é uma pequena página de tudo o que ocorreu. A maioria da história se perdeu, mas aquela que ficou registrada traz robustez à Biologia Evolutiva. A evolução é um fato suportado por um registro fóssil que é falho, mas que mesmo assim, indubitavelmente, é uma forte evidência.

O sítio onde foram descobertos os fósseis do Marrocos. Acredita-se que foi uma antiga caverna ocupada pelos primeiros humanos. Fonte: Nature, 2017.

Os livros não deixarão de apresentar o fato da evolução humana, mas modificarão o que contam sobre nossa espécie. Ela parece ter não apenas o leste africano como berço, mas uma região mais ampla da África. De certa maneira, isto não deve ser encarado de forma tão surpreendente, pois nós somos uma espécie que colonizou o globo todo. Esta propensão já estava presente em nossas raízes, nos primeiros momentos da existência do Homo sapiens. Estes primeiros momentos parecem ter sido anteriores ao que acreditávamos. Também não há nada tão surpreendente nisso, uma página desconhecida do livro da vida foi lida. E ela continua nos contando que surgimos de um ancestral comum aos símios sem rabo e que fomos nos tornando diferentes, bípedes, com significativo aumento do cérebro e glabros, e agora que nossa humanidade possui raízes que alcançam além do leste africano que são mais profundas, chegando até cerca de 300 mil anos atrás. Não é difícil atualizar o conhecimento que está nos livros, é difícil leva-lo para além dos livros, difundi-lo em um país onde cada vez mais a ciência parece ameaçada. No entanto, não há melhor arma do que continuar a propagar, continuar a popularizar. A ciência deve ser para todos, de forma que todos compreendam, sem qualquer surpresa, que a ciência se reconstrói a todo o momento.

Para saber mais, leia os artigos publicados na Nature:

On the origin of our species.

Oldest Homo sapiens fossil claim rewrites our species’ history.

Grandes Extinções: um dia da caça, outro do caçador

 

Algumas das mas famosas vitimas das extinções, trilobitas, ammoide, nautiloide reto e bivalve.

Extinção é para sempre, como casar pela igreja … mas no último caso, os interessados combinam a hora, dia, mês e ano. Mas no caso das extinções, o processo precisa da conjunção de vários fatores e os principais envolvidos … bom… não estão assim muito felizes!

O que define uma extinção em massa? Pelo geral, o desaparecimento de pelo menos 50% das espécies continentais e marinhas conhecidas, deve se tratar de um evento cosmopolita e pode acontecer somente num pulso ou em vários estágios. Nós estamos aqui graças à última das extinções em massa, que aconteceu há 66 Ma e os nichos diurnos ficaram disponíveis aos mamíferos até então mais restritos à noite.

Nos últimos 540 Ma da história da vida no nosso planeta acredita-se, por enquanto, que aconteceram pelo menos cinco extinções em massa e 15 intervalos de extinções menores. Então extinções não são fatos isolados na história da vida! As cinco maiores aconteceram, da mais antiga à mais recente, na seguinte ordem:

– próxima do limite entre os períodos Ordoviciano-Siluriano (443 Ma). Nesse evento, segundo evidências do registro fóssil, desapareceram 85% da fauna marinha (ainda não existia vida nos continentes) especialmente invertebrados (trilobitas, graptozoários, braquiópodes, moluscos, etc.);

– final do período Devoniano (359 Ma). Aqui, 75% da vida desaparece, incluindo formas de vida marinhas e continentais;

– limite entre as eras Paleozoica e Mesozoica ou extinção do Permiano-Triássico (240 Ma). Também conhecida como mãe de todas as extinções, pois com ela 95% de todas das formas de vida desaparecem (entre eles muitos invertebrados como corais, crinoides, além de vegetais etc.). Contudo, o evento foi menos severo para os tetrápodes e como consequência os amniotas virão se tornar dominantes;

– próxima do limite Triássico- Jurássico. Acredita-se que foram vários pulsos de extinções que transcorrem durante 18 Ma;

– e por fim, o último grande evento de extinção aconteceu no limite entre as eras Mesozoica e Cenozoica, mais conhecido como extinção do Cretáceo-Paleógeno. Neste evento 70% da vida se extinguiu.

O que produz um evento de extinções em massa? Existem várias causas, entre elas vulcanismo, impacto de asteroides, mudanças climáticas drásticas, deriva continental, anoxia (falta de oxigênio) generalizada nos mares, ou todas elas juntas. Como atuam essas causas? Podemos tomar como exemplo a extinção do Cretáceo-Paleógeno, que teve como causa culminante a queda de um asteroide. Pelas evidências, quando o asteroide atingiu o planeta foi liberada uma energia equivalente a 10 bilhões de bombas como a de Hiroshima. O local da queda é hoje conhecido como a cratera de Chicxulub e fica no golfo de Yucatan, México. A cratera tem aproximadamente 200 km de diâmetro e uma profundidade de 30 km, pelo que se calcula que o asteroide teria ao redor de 15 km de diâmetro. Hoje em dia, a cratera na sua maior parte se encontra emersa e recoberta por mais de 600 m de sedimentos. A porção que se encontra em terra está recoberta por rocha calcária, mas seu contorno ainda pode ser devidamente traçado.

No final do Cretáceo o local da queda era ocupado por um mar pouco profundo e quente, rico em recifes de corais, no qual ocorria a deposição de evaporitos como o gesso – gipsita, Ca(SO4) – rico em sulfeto. Como consequência da queda, as águas desse mar foram vaporizadas e em consequência, toneladas de enxofre foram para a atmosfera, propiciando chuva ácida ao redor do planeta. Como se fosse pouco, com a liberação de semelhantes quantidades de energia também surgiram grandes ondas (tsunamis), cujos registros são atualmente encontrados em locais distantes como a costa da Venezuela. Além do impacto desse asteroide, o final do Cretáceo também foi marcado por intensas erupções vulcânicas na Índia as quais se calcula que tenham liberado de 100 a 1.000 bilhões de toneladas de cinzas, que perduraram de 100 a 1.000 anos na atmosfera superior. Também a separação entre a África e a América do Sul trouxe a abertura do oceano Atlântico Sul teve como consequência a queda no nível dos mares e, por consequência, uma mudança nas correntes oceânicas com a queda das temperaturas. Assim, a soma desses fatores “favoreceu” a extinção em massa.

No evento do Pint of Science

Minha palestra no evento Pint of Science – Campinas no dia 16/05/2017 foi relativa a esse tema. Obrigada por me convidar foi ótimo.

Dinossauros e Dogmas

Nenhuma linhagem é tão icônica para a Paleontologia quanto a linhagem dos dinossauros. Muitas crianças despertam seu interesse pela ciência desde cedo quando começam a ler sobre estes gigantes (nem todos) da Era Mesozóica. Neste mês, senti um misto de nostalgia e de felicidade ao me deparar com relançamento do famoso álbum do extinto chocolate Surpresa. Em minha infância, colecionando os cards que continham informações dos animais no verso, pude retornar ao tempo pela primeira vez.  Nem todos os cards retratavam dinossauros, havia um pterossauro, um lepidossauro, um ictiossauro e até mesmo um sinapsídeo. É comum que o conhecimento popular e a própria divulgação científica nomeiem erroneamente de dinossauros todas estas linhagens distintas. Cabe aos professores de Paleontologia colocar “cada dinossauro no seu galho”.  E cabe aos mesmos ensinar sobre uma das mais conhecidas divisões dentro de uma linhagem de organismos. Tradicionalmente, os dinossauros são divididos em dois grupos: os ornitísquios (Ornithischia), que apresentam os ossos pélvicos como na maioria dos répteis, e os saurísquios (Saurischia), que apresentam os ossos da pelve como nas aves, sendo estes últimos divididos em saurísquios saurópodes (Saurischia Sauropodomorpha), herbívoros, e saurísquios terópodes (Saurischia Theropoda), carnívoros.

Exemplos de dinossauros da linhagem Ornithischia (cards do chocolate Surpresa).
Exemplos de dinossauros da linhagem Saurischia (cards do chocolate Surpresa).

No entanto, há poucos dias, três pesquisadores da Universidade de Cambridge e do Museu de História Natural de Londres propuseram, em um artigo da revista Nature, uma nova hipótese que fez tremer a árvore filogenética dos dinossauros. Como contam em seu artigo, desde 1887 já são reconhecidas as linhagens Ornisthischia e Saurischia. Desde antes de que a própria linhagem Dinossauria fosse proposta, o que aconteceu em 1974, com a junção daquelas duas linhagens. Como se vê, por mais de um século, os paleontólogos consideram os ornitísquios e os saurísquios como representantes de linhagens distintas. Este se tornou um dogma da Paleontologia. Na opinião dos autores do artigo, muitas análises filogenéticas foram feitas ao longo dos anos sem dar a devida atenção a possibilidade de que a clássica divisão da linhagem Dinossauria pudesse estar equivocada. Através de um levantamento muito completo de inúmeros caracteres de dinossauros basais (tanto de saurísquios quanto de ornitísquios) e de representantes dos Dinosaurophorma (grupo irmão dos dinossauros, composto por répteis que quase são dinossauros), os autores propõe uma hipótese nova para as relações de parentesco dentro da linhagem Dinossauria. É a derrocada de um dogma centenário!

Pela nova hipótese, os dinossauros saurísquios terópodes são mais próximos dos ornitísquios e estes formam juntos uma linhagem distinta da linhagem dos saurísquios saurópodes. Dinossauros como Tyranosaurus, Velociraptor e Compsognathus (saurísquios terópodes) são agora mais próximos de dinossauros como  Triceratops, Parasaurolophus, Stegosaurus e Pachycephalosaurus. E este novo grupo, batizado de Ornithoscelida é distinto do grupo formado por dinossauros como Brachiosaurus e Apatosaurus. Se esta nova hipótese se consolidar, os livros de paleontologia terão de ser reescritos. Talvez surjam questionamentos à nova hipótese, talvez ela não seja robusta o suficiente para permanecer, talvez sim. Talvez e bem provavelmente surjam ajustes a ela, se permanecer. A própria teoria da seleção natural passou por um momento em que era uma hipótese e teve de ser testada até se tornar aceita em ampla escala pela comunidade científica.

Nova proposta de classificação dos dinossauros que considera os os Saurischia Theropoda mais próximos dos Ornithischia do que dos Saurischia Sauropodomorpha (Universidade de Cambridge).
Exemplos de dinossauros do novo grupo proposto, a linhagem Ornithoscelida (cards do chocolate Surpresa).

De qualquer forma, essa é a beleza da ciência! A ciência constantemente derruba seus dogmas. Não há verdade absoluta na ciência. Não há uma única explicação. A ciência é uma forma de compreender o Universo na qual nem este está ileso de questionamento. Afinal, podemos viver em um multiverso. Depois de mais de cem anos de difusão de uma proposta sobre as relações dos dinossauros, podemos presenciar um marco onde uma nova hipótese, mais robusta, possa estar se consolidando. A cada novo fóssil, a cada novo artigo, a cada novo conhecimento acumulado a ciência nos aproxima destes antigos ícones. Por hora, podemos reorganizar nossos cards.

Para saber mais, leia o artigo original de Baron, Norman e Barrett (2017), clicando no link abaixo:

http://Matthew G. Baron, David B. Norman, Paul M. Barrett. A new hypothesis of dinosaur relationships and early dinosaur evolution. Nature, 2017; 543 (7646): 501

Errata: Houve um engano ao escrever, como apontado pelo Patrick. Os ornitísquios (Ornithischia) são os dinossauros que apresentam os ossos pélvicos como nas aves e os saurísquios (Saurischia) os que apresentam os ossos da pelve como na maioria dos répteis. Obrigado pela leitura e contribuição, Patrick!

Reflexões de um dia-a-dia sob a óptica paleontológica

Cada área do conhecimento possui seus jargões e influencia no modo em que as pessoas enxergam o mundo. Eu tenho contato com profissionais cientistas de várias áreas do conhecimento; desde aqueles engenheiros que se divertem indo em um congresso “só” sobre túneis, até aqueles que, apesar de trabalharem o tempo todo, acham que atividades como ministrar aulas “não é trabalho”. Longe de mim questionar qualquer um desses pontos de vista (que tenho como excêntricos) a verdade é que me divirto muito observando e convivendo com pessoas de pontos de vista tão diferentes do meu.

Pensando sobre isso imaginei que algumas (ou todas?) das observações que faço ao longo de um dia podem/devem ter muita influência da minha formação paleobiológica. Vamos aos exemplos!

Nas férias, ao caminhar na praia, percebo que a zona intermarés carrega e deposita sedimentos e corpos de organismos que viviam por ali, e também daqueles que viviam

Diferentes organismos (ou restos de organismos) num mesmo ambiente deposicional. Viviam ali ou foram trazidos?

mais longe (no mar mais profundo), mas que foram trazidos pelas correntes, neste caso, após a sua morte, e ali depositados. Esse conjunto de restos de organismos de diferentes ambientes misturados num mesmo local é bastante comum no registro fossilífero. É o que chamamos de “grau de autoctonia” do registro (o quanto ele representa organismos que viviam naquele ambiente, ou, ao contrário, o quão longe eles foram transportados de seu ambiente de vida original). No registro temos que observar os restos dos organismos para saber se são ou não autóctones. O que observamos? Se o organismo está inteiro ou fragmentado (o que pode indicar transporte), arredondado, se ele tem adaptações morfológicas para viver em determinado ambiente (forma da concha, por exemplo), entre outras feições. A mistura de organismos de diferentes ambientes numa praia atual pode parecer óbvia (como na foto, em que há mistura de conchas, galhos e medusas, cada uma de um ambiente específico), mas no registro isso não é tão fácil de se perceber. Pelo menos não tão imediato. Isso porque não temos mais o ambiente original, só evidências de qual era esse ambiente. Também não temos os organismos, mas sim fósseis deles. Não é de se estranhar, portanto, que uma das ferramentas mais usadas na paleontologia é o atualismo: observar o que ocorre hoje para compreender o passado, que é representado pelo registro fossilífero.

E no meio urbano? É possível ter um olhar paleontológico?

A icnologia (o estudo dos traços fósseis, ou seja, o estudo das marcas deixadas pela atividade de algum organismo) é relativamente constante nas minhas observações. Ao passear com cachorros numa praça que tenha areia, deixamos nossas pegadas, que são rapidamente apagadas ou deformadas pelo caminhar de outros (possibilitando a formação de um registro palimpsesto, caso aquilo ali fosse rapidamente recoberto); ou, ao observar patinhas de diversos animais que foram pintadas em frente a um restaurante vegano, adentrando o local, percebo que elas deveriam também estar saindo ali, se a ideia é de que os animais são bem-vindos e podem circular livremente…pra mim, vestígios de animais somente entrando um lugar podem significar que eles não saíram, pelo menos não pelo mesmo local de entrada.

Ou ainda, como explicado no último post da profa. Frésia, as queimadas geram fragmentos de plantas carbonizados que podem virar registro também… quem nunca olhou para aquela “sujeirinha” preta e pensou sobre sua importância para os paleontólogos do futuro? 🙂

E, claro, o exemplo clássico. Seja aonde for, praia, cidade, interior, ao olhar para o céu noturno estrelado não podemos deixar de pensar que observar as estrelas é olhar para o passado. E como Carl Sagan costumava dizer:  “Nós somos, cada um de nós, um pequeno universo”. Mas aí já entramos em outra área do conhecimento, não?

A perspectiva paleontológica está por toda a parte!

Conheça mais sobre o trabalho de Sagan lendo este post.