Maioria dos médicos atenderam caso de anencefalia; mulheres queriam abortar

Essa é para esquentar a discussão sobre aborto. Em uma amostra de 1.814 médicos, quase 83% responderam afirmativamente à pergunta sobre já ter atendido grávidas com feto portador da anencefalia – bebês com má formação do cérebro. E as mães? Frente à confirmação da anomalia, 84,8% das mulheres manifestaram o desejo de interromper a gestação.
A pesquisa foi realizada no final de 2008 pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) em parceria com a Universidade de Brasília e o Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas (Cemicamp), organização não-governamental conveniada com a Unicamp. Foram computados os atendimentos dos últimos 20 anos. A média de causos de gestação de  anencéfalos é de 6,5 por profissional.
De acordo com a pesquisa, apenas 37% delas conseguiram a autorização judicial a tempo de interromper a gravidez. “É inadmissível que a mulher encontre essa dificuldade no exercício de seu direito reprodutivo mesmo diante da incompatibilidade extrauterina do feto, além de todos os agravos à saúde que esta gestação pode provocar. Isso sem falar dos meses de tortura psicológica, depressão e angústia por que passam e que poderiam ser abreviados”, afirma Cristião Fernando Rosas, presidente da Comissão de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista por Lei da Febrasgo, um dos coordenadores do estudo.
Achei tão bacana o release, que segue na íntegra:

Essa questão começou a ganhar mais espaço nos noticiários de todo o país após julho de 2004, quando durante três meses o procedimento foi autorizado por força de liminar proposta pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello. Desde a cassação da liminar, em outubro daquele ano, a polêmica volta e meia é trazida à tona em novas discussões e audiências públicas. Também são inúmeras as tentativas de diversos segmentos da sociedade de conferir definitivamente às mães o direito de optar ou não pela antecipação terapêutica do parto e, consequentemente, de autorizar os médicos a realizar tal procedimento, quando solicitado pela paciente.
Na mais recente série de debates, em 2008, os opositores à interrupção da gestação de feto anencéfalo insistiram que, além de rara, esta gravidez não traz tantos riscos. Sustentaram ainda que mulheres que manifestavam a vontade de recorrer ao aborto normalmente recebiam a autorização judicial.
“Como à época não havia qualquer estudo sobre o tema, resolvemos tirar a dúvida e saber a opinião dos tocoginecologistas. Descobrimos que a nossa posição reflete a sensação da grande maioria da sociedade, a de que pertence à mulher o direito de decidir pela interrupção ou não, mas isto não tem sido respeitado. Mesmo buscando apoio legal estas mulheres não são atendidas”, pondera o dr. Cristião.
Outro estudo, de 2005, reforça a idéia de que a legislação é deficiente e carece de ajustes. Sob o nome Ginecologistas e Obstetras Brasileiros e Aborto: Uma Pesquisa sobre Conhecimento, Opiniões e Práticas, coletou a opinião dos especialistas por meio de questionário. Quando perguntados sobre as situações em que o aborto deveria ser legalizado, os casos de malformação fetal receberam 88,5% de aprovação. Número em nível semelhante ao de gestações decorrentes de estupro (85,3%) ou daquelas que podem levar a risco de morte a gestante (86,2%).
Aborto e religião
Embora o Brasil seja um estado laico e democrático, possibilitando o direito de optar por uma religião ou até mesmo pelo ateísmo, parece que tal possibilidade nem sempre é observada nos tribunais de justiça. A pesquisa Aborto e Religião nos Tribunais Brasileiros mapeou um total de 781 acórdãos envolvendo o tema aborto julgados no período de 2001 a 2006 em Tribunais de Justiça, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal. O mapeamento buscou identificar as principais tendências jurisprudenciais sobre o assunto, verificando eventuais influências religiosas e/ou feministas nos argumentos.
No período, 4% dos casos estavam relacionados à anencefalia e outros 3% a demais malformações fetais. Segundo o estudo, esses acórdãos situaram-se como palco das maiores polêmicas, contendo interferências argumentativas religiosas explícitas e também participação de grupos religiosos como partes nos processos.
Foram constatados, por exemplo, argumentações que reivindicavam o direito à vida do feto como absoluto, prevalecendo frente aos direitos da gestante. Nessas situações, em geral, não foi concedida a autorização para o procedimento.
“Não é papel do juiz colocar interpretações religiosas. Essa interpretação pessoal pode não ser a da maioria da população nem mesmo a daquela paciente. A interpretação deve ser baseada no bom senso e, sobretudo, nas normas jurídicas e constitucionais”, afirma Cristião.
Segundo o especialista, mitos e desinformação rondam a esfera jurídica. Outro fator prejudicial a esse tipo de debate são pessoas que falam em nome da ciência, mas que usam argumentações morais e religiosas com o peso de evidências científicas.

Publiquei um post sobre a questão com mais dados, leia aqui.
Observação mudando de assunto: recomendo uma visita ao blog O Escriba para saber detalhes sobre o paradeiro do navio Arctic Sunrise – do Greenpeace – no Brasil. Aventuras para conter o clima do planeta!