ONDE VER FÓSSEIS PAULISTAS?

Nos textos anteriores comentei acerca dos registros fósseis no estado de São Paulo começando pelos mais antigos que datam de volta de 1.700 a 850 Ma. até os mais recentes que habitaram a uns 10.000 anos atrás. Nos paleontólogos que estudamos esses registros e todos os dias vemos fosseis na nossa frente sabemos onde encontrar eles. Mas quem nunca viu um e somente os conhece pelos filmes ou por fotografias, onde pode ter acesso a esse mundo fascinante. Então vamos lá, para ver fósseis é possível, visitar vários museus no Estado de São Paulo, aqui incluo uma lista com muitos deles.

 

Na cidade de São Paulo

MUSEU GEOLÓGICO VALDEMAR LEFÈVRE, MUGEO

Endereço: Av. Francisco Matarazzo, 455, Parque da Água Branca – Perdizes, CEP 05001-300 – São Paulo – SP

Horário de Funcionamento: terça a domingo, das 9h00 às 17h00.

Site: mugeo.sp.gov.br

 

MUSEU DE GEOCIÊNCIAS DO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Endereço: Rua do Lago, 562 – Cidade Universitária, CEP. 05508 – 080, São Paulo, SP Horário de Funcionamento: segundas a sextas das 08h às 12h e 13h30 às 17h. Sábados.

Site: http://www.igc.usp.br/museu/home.php

 

MUSEU DE ZOOLOGIA – MZUSP

Endereço: Avenida Nazaré, 481 – Ipiranga, CEP: 04263-000, São Paulo – SP

Horário de Funcionamento: quartas a domingos das 10h ás 17h (entrada até as 16h30)

Site: www.mz.usp.br

 

No interior do estado

– Rio Claro

Museu de Paleontologia e Estratigrafia Prof. Dr. Paulo Milton Barbosa Landim

Endereço: CP 199, Av. 24 A, 1515 – Bela Vista, CEP. 13506-900, Rio Claro – SP

Horário de Funcionamento: segundas a sextas das 8:00 as 17:00

Site: www.rc.unesp.br/museupaleonto/

 

– Marília

MUSEU DE PALEONTOLOGIA DE MARÍLIA

Endereço: Avenida Sampaio Vidal Centro Cultural de Marília 245, Centro, CEP. 17500-020, Marília, SP

Horário de Funcionamento: segunda a sexta-feira, das 8h às 13h.

Site: http://www.marilia.sp.gov.br/prefeitura/museu-de-paleontologia

 

– São Carlos

MUSEU DA CIÊNCIA PROF. MÁRIO TOLENTINO

Endereço: Pça Coronel Salles São Carlos, SP

Horário de Funcionamento: terças às sextas das 8h00 às 17h30.

Site: museudaciencia.blogspot.com.br/

 

– Monte Alto

MUSEU DE PALEONTOLOGIA PROF. ANTONIO CELSO ARRUDA CAMPOS

Endereço: R. Quinze de Maio, s/n – Centro, CEP. 15910-000, Monte Alto – SP

Horário de Funcionamento: Em reforma

Site: Em reforma

 

– Taubaté

MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL DE TAUBATÉ – MHNT

Endereço: R. Juvenal Dias de Carvalho, 111 – Jardim do Sol, CEP. 12070-640, Taubaté – SP

Horário de Funcionamento: terças a domingos, das 09:30 às 17 horas, feriados de quinta a domingo

Site: www.museuhistorianatural.com

20 de novembro e a Origem dos Hominídeos

Domingo passado foi o Dia da Consciência Negra, 20 de Novembro. Neste dia, além de ser relembrada a morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares e símbolo da luta contra a escravidão dos negros no Brasil, também é o dia de refletirmos o valor da cultura do povo africano no país e seus legados. Eu estava procurando algum tema para escrever para o blog quando, a partir de uma reflexão a respeito de alguns questionamentos por parte de pessoas quanto a manutenção ou não desta data como feriado, me fez chegar à conclusão de que seria oportuno e ideal aproveitar para escrever sobre algo muito importante: a Evolução dos Hominídeos e o quanto o racismo pesou na pesquisa científica a respeito.

Uma breve história da evolução dos hominídios

Ao contrário do que o senso comum tende a levarmos a crer, a história evolutiva humana não segue uma evolução linear, partindo de um primata ancestral e chegando no ser humano atual. Muitas descobertas fósseis revelaram que várias espécies de hominídeos tiveram sua origem e chegaram a coexistir. É estimado que entre 6 a 8 milhões de anos atrás surgiram os primeiros hominídeos, grupo geral a qual as espécies que divergiram dos macacos se encontram. Os mais antigos hominídeos pertencem ao gênero Ardipithecus, grupo ainda muito semelhante aos macacos, principalmente com relação à postura não ereta. Em seguida, surgiram os Australopithecus aferensis, espécie a qual pertence a famosa Lucy, o fóssil mais completo e bem preservado já encontrado até agora. As espécies pertencentes ao gênero Australopitecus, em comparação com os Ardipithecus, possuíam a postura mais ereta e a caixa craniana um pouco maior. Seguindo estas modificações fenotípicas, segue o gênero Homo, sendo a espécie mais antiga a Homo habilis, da qual, sim, linearmente se seguiu até chegar a nós diretamente (ou seja, são nossos ancestrais diretos). O Homo habilis, de cerca de 2,5 milhões de anos atrás, alcançou dois grandes feitos para a linhagem: o uso de ferramentas e a conquista de novos continentes (foi o primeiro que saiu da África). Seu sucessor, o Homo erectus, de sobrecenho mais protuberante e crânio menor do que o atual, já possuía maior habilidade manual, trabalhava com utensílios utilizando o que encontrava na natureza, fazia uso do fogo e alcançou continentes como Ásia e Europa. Estudos revelaram a coexistência entre o Homo habilis e o Homo erectus. Mais para o final do Pleistoceno, surgiram os Homo neanderthalensis, os neandertais, cujas características físicas se aproximavam ainda mais do homem atual, porém ainda possuíam membros mais curtos e sobrecenho protuberante. Os Homo sapiens surgiram na África e logo alcançaram a Europa e a Ásia, e quando foi possível através da diminuição do nível do mar, atravessaram o estreito de Bering e alcançaram o continente americano.

Árvore filogenética dos hominídeos (Museu de História Natural de Londres)
Árvore filogenética dos hominídeos (Museu de História Natural de Londres)

Existe raça?

Por muitos anos, principalmente no século passado, a ciência era bastante influenciada por políticas e ideologias dominantes na sociedade. O pensamento racista tinha forte influência em pesquisas com relação à evolução do homem, existindo desde vertentes que negavam a origem comum africana até estudos que tentavam comprovar por meios empíricos a “superioridade da raça branca”. Exemplos variam desde o francês Joseph-Arthur Gobineau, com sua obra Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas, que se aproveitou equivocadamente da classificação hierárquica das espécies de Carlos Lineu (em Português) para inaugurar o “racismo científico”; desde aqueles que se aproveitavam da hipótese multirregionalista da evolução humana para tentar justificar que o homem branco teria uma origem diferente dos outros. Hoje, graças aos avanços tecnológicos, as pesquisas paleoantropológicas são muito bem respaldadas por evidências moleculares e genéticas, que geraram provas por enquanto irrefutáveis para a origem da espécie humana, que está se tornando cada vez mais refinada. O que se sabe hoje, graças às análises de DNA mitocondrial de espécimes fósseis, por exemplo, é que, sim, tivemos a mesma origem comum: na África, entre 140 a 300 mil anos atrás.

Systema Naturae, de Carlos Lineu (Carolus Linnaeus), no qual as espécies são classificadas hierarquicamente.
Systema Naturae, de Carlos Lineu (Carolus Linnaeus), no qual as espécies são classificadas hierarquicamente.

Porém, a descoberta da origem comum não foi suficiente para conter debates a respeito da separação do ser humano em raças. É importante salientar e valorizar os estudos genéticos, principalmente a respeito das mutações que geram fenótipos tão variados e conferem a adaptação a condições ambientais diferentes. A variabilidade genética entre populações é o que faz com que o ser humano tenha características tão diferentes entre si em várias regiões do mundo, mas não tem significado biológico para a separação em raças. Uma das mais recentes tentativas está no best-seller A Troublesome Inheritance (Uma Herança Incômoda), do britânico Nicholas Wade, publicado em 2014, no qual o autor utiliza dos estudos de Lineu e até de avançados estudos de variação genética para defender a separação dos humanos em raças, defendendo até que a desigualdade entre os humanos, inclusive no âmbito socioeconômico, se daria por conta de uma seleção natural nos genes. É claro que esta obra também foi recebida com cautela e descrédito por uma grande parte da comunidade científica, mas a questão é que ainda é necessário quebrar correntes como estas.

Aproveitando as reflexões do dia 20 de Novembro, uma das conclusões que consigo tirar é que, mesmo com tantos avanços na Ciência, é necessário também termos avanços no senso de humanidade e na maneira com que lidamos com o conhecimento. Numa sociedade moderna onde haja bom senso para se lidar com a Ciência, não pode haver espaço para confundir o pensamento científico com a defesa de posições pessoais, sejam políticas, ideológicas ou mesmo de religião, para tentar impor na sociedade ideologias de determinados grupos. Isto não deixa de ser uma tentativa de se perpetuar a pseudociência e o preconceito. Por essas e outras questões que acho mais do que justo dias como o da Consciência Negra, para que um dia, quem sabe, haja avanços na consciência humana.

Quando a tragédia vira registro

Who has dressed you in strange clothes of sand?
Who has taken you far from my land?
Who has said that my sayings were wrong?
And who will say that I stayed much too long?
Clothes of sand have covered your face
Given you meaning, taken my place
Some make your way on down to sea
Something has taken you so far from me
Does it now seem worth all the color of skies?
To see the earth through painted eyes
To look through panes of shaded glass
See the stains of winter’s grass
Can you now return to from where you came?
Try to burn your changing name
Or with silver spoons and colored light
Will you worship moons in winter’s night?
Clothes of sand have covered your face
Given you meaning but taken my place
So make your way on down to the sea
Something has taken you so far from me

Clothes of sand, Nick Drake

 

De modo geral, o destino final das partículas sedimentares é o fundo de uma bacia sedimentar, que pode ser o fundo do mar, por exemplo… E neste processo lento e incessante cada ciclo de soerguimento transforma essas partículas e as coloca novamente para o “reinício” do ciclo. O ciclo mencionado aqui é o das rochas, que forma não só as sedimentares mas também ígneas (magmáticas, do magma dos vulcões) e metamórficas (transformadas por grandes pressões e temperaturas). A música de Nick Drake acima fala um pouco sobre este ciclo, você percebeu? 😆 (É uma das poucas músicas com conteúdo de geologia que conheço… )É este ciclo um dos grandes responsáveis pelas mudanças geográficas/geomorfológicas que vemos na Terra e que não ocorrem em Marte nem na Lua, por exemplo; a Lua de Dante Alighieri (1265-1321) é a igualzinha a que você vê hoje.

Voltando ao ciclo… são também partes dele (junto com a tectônica de placas e outros processos geológicos) que levam a grandes tragédias humanas. Terremotos têm seus mais antigos registros em documentos chineses (1177 a.C.)*, avisos sobre o perigo de tsunamis no Japão tem pelo menos 600 anos **, e atividades vulcânicas intensas já deixaram suas marcas por diversas vezes na história humana (veja no link as maiores tragédias associadas a esses eventos) ***.

Os fósseis, isto é, restos ou vestígios de vida ou de sua atividade, com mais de 11.000 anos, têm sua origem ligada ao ciclo das rochas. Em especial, as rochas sedimentares são as que normalmente contêm os fósseis. Isso porque o resto de um organismo também é transportado e depositado como uma partícula sedimentar. É um pedaço de vida que se une aos processos de formação da rocha sedimentar que, ao longo do tempo geológico se transforma em rocha. Em outros posts já comentamos que o tempo geológico é bastante distinto do tempo que percebemos como humanos. A pergunta que estamos tratando hoje é se todo resto ou vestígio de vida fica preservado… será??  Os fósseis que encontramos são na verdade a exceção à regra. A maioria dos organismos se decompõe; além disso, a formação do registro fossilífero é episódica. Grandes eventos como enchentes, tsunamis, vulcanismos, desmoronamentos é que preservam. Se pensarmos na história recente de desastres naturais no Brasil podemos dizer que há grandes chances da tragédia do Rio Doce (2015) e dos deslizamentos no interior do Rio de Janeiro (2011) formarem um registro fossilífero daqui a pelo menos 11.000 anos. Na nossa escala de tempo esses eventos são incomuns, mas na escala do tempo geológico eles ocorrem (não com periodicidade, mas com frequência); e por envolverem grandes áreas, enormes quantidades de sedimentos e pouco tempo, têm maiores chances de preservar. Enfim, são registros de eventos catastróficos que perfazem a maior parte do material de estudo dos paleontólogos e também dos geólogos que trabalham com rochas sedimentares.

Preciso salientar aqui que a ocupação desordenada da margem de rios e encostas, e no caso do Rio Doce, a represa de sedimentos, são ações antrópicas, e o homem é a primeira espécie a alterar o ambiente em larga escala. O que quero dizer é que os registros que temos são resultado de eventos naturais, e o registro fóssil do futuro será bem diferente. Vamos torcer para que existam paleontólogos até lá…!

 

Visite os links abaixo para maiores dados nas atividades geológicas citadas.

*http://pubs.usgs.gov/gip/earthq1/history.html

**http://historyofgeology.fieldofscience.com/2011/03/historic-tsunamis-in-japan.html

*** http://volcano.oregonstate.edu/deadliest-eruption

Escute aqui a música de Nick Drake na versão de Renato Russo

 

NO FINAL DO ÚLTIMO SEGUNDO DO TEMPO GEOLÓGICO: O QUATERNÁRIO

O Quaternário é dividido em duas épocas: o Pleistoceno, que vai de 2 Ma até 10.000 anos antes do presente e o Holoceno, que chega até hoje. A tendência, que levou ao resfriamento geral do planeta iniciado no Mioceno, se intensificou durante o Pleistoceno. Assim, o clima foi caracterizado por intervalos glaciais com momentos mais amenos como o que atualmente vivemos. Segundo as evidências indicam (registros de mudanças na distribuição da vegetação, alterações no registro sedimentar observadas em testemunhos retirado do oceano Pacifico e Atlântico, etc.) esses ciclos podem se ter repetido de 10 a 20 vezes com uma periodicidade de 100.000 anos nos últimos 2 Ma. Durante os intervalos glaciais o clima a nível global foi frio e seco, com o desenvolvimento de extensas calotas de gelo que cobriram aproximadamente 30% da superfície do planeta, especialmente nos continentes do hemisfério norte, enquanto que nos continentes do hemisfério sul o clima foi muito mais frio, seco e com glaciares de montanha extensos nos Andes.

As mudanças climáticas estão associadas a vários fatores influenciados por deriva continental, orogêneses, alterações nas concentrações do CO2 da atmosfera, correntes oceânicas, etc. No caso da deriva continental uma das causas foi o isolamento do continente antártico, iniciado com o rompimento do Gondwana e que levou à instalação da corrente marinha fria subantártica no hemisfério sul, hoje conhecida como corrente de Humboldt, responsável por serem tão geladas as águas da costa do Chile e do Peru. As mudanças na deriva continental também influenciaram na formação dos extensos lençóis de gelo continentais, no isolamento do oceano ártico e na formação de mares congelados no hemisfério norte. As orogenias, como a dos Andes e particularmente da Ásia central, com o soerguimento dos planaltos dos Himalaias e Tibete produziram um acúmulo de áreas elevadas a partir do Mioceno. Por outro lado, a consequência da explosiva expansão das florestas dominadas por angiospermas acontecida durante o Paleogeno incrementou o sequestro de carbono nos continentes na forma de jazidas de carvão, o que levou a uma redução na concentração do principal gás do efeito estufa da atmosfera. Todas essas alterações repercutiram de forma considerável nos ecossistemas que passaram a ser muito dinâmicos, e a nossa espécie surgiu nesse contexto de mudanças climáticas drásticas e rápidas, claro considerando a enorme dimensão do tempo geológico.

Pois bem, no sudeste do Brasil, embora não se tenha notícias de calotas de gelo dessa época, o clima também oscilou, alternando períodos muito secos e mais frios do que o atual, com momentos mais cálidos e úmidos como os de hoje. Os registros de vida no estado de São Paulo são mais abundantes para o final do Pleistoceno, onde são encontrados, por exemplo, no Município de Iporanga, dentro das cavernas e abismos do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), ossadas relacionadas à megafauna. Os registros são bastante abundantes embora a maioria dos esqueletos se apresentem desarticulados e misturados. Nesses há ossos, entre outros, de tigres dente de sabre (Smilodon), preguiças gigantes (Eremotherium, Lestodon, Ahytherium, Nothotherium; Figura 1), parentes dos elefantes conhecidos como Stegomastodon, tatus gigantes ou Glyptodon, e perissodáctilos como o Toxodon (Figura 2, endêmicos de América do Sul, de tamanho semelhante a um rinoceronte). Uma vez que os conjuntos de ossos se encontram muito misturados, podem ter correspondido a várias comunidades diferentes, mas representam uma composição da megafauna característica da região intertropical e, sem lugar a dúvida, muito diferente da fauna atual da região. O mesmo podemos comentar acerca da vegetação que, pelo tamanho da megafauna e pelos registros conhecidos, principalmente correspondentes a polens, era uma vegetação mais aberta que a atual.

Diferentes vistas do esqueleto de uma preguiça gigante, exemplar exposto no Museu de Ciências Naturais - PUC Minas, Belo Horizonte, MG.
Figura 1 – Diferentes vistas do esqueleto de uma preguiça gigante, exemplar exposto no Museu de Ciências Naturais – PUC Minas, Belo Horizonte, MG.

Da vegetação também temos registros a partir aproximadamente do final do Pleistoceno. Um dos mais extensos, inclusive para a América do Sul, foi encontrado ao perfurar a cratera deixada pelo impacto de um meteoro, fato acontecido possivelmente durante o Neogeno na região de Parelheiros, próxima à cidade de São Paulo. A cratera, conhecida como de Colônia, tem um diâmetro de 3,6 km e se calcula que esteja preenchida por cerca de 300 metros de sedimentos. Os testemunhos rasos estudados possuem uma extensão média de 8,5 m devido à dificuldade de se realizar a perfuração mais profunda e recuperar os sedimentos preservando o empilhamento original das camadas de forma manual. Para se obter um testemunho completo de todo o registro sedimentar presente na cratera seria necessário contar com uma estrutura de perfuração semelhante àquelas utilizadas para prospecção de petróleo, o que envolve um custo muito elevado. O estudo desses registros, principalmente utilizando estudos de conjuntos de microfósseis, como polens e esporos, mostraram a evolução da vegetação no local nos últimos 50.000 anos, que alternou de uma floresta com araucárias nos intervalos mais frios para a Mata Atlântica nos momentos de clima mais ameno como o de hoje, embora com diferentes espécies em cada um dos interglaciares identificados, sendo o último acontecido no Holoceno. Dessa forma, chegamos aos dias de hoje onde estão sendo incluídos dentro do registro sedimentar os restos de vida que virão nos próximos milhões de anos deverão tornar-se fósseis.

 

Vamos deixar o mamute extinto

Há poucos anos se vêm noticiando mundo a fora tentativas mirabolantes de trazer animais já extintos de volta à vida, como o grandioso mamute. Este grande animal pleistocênico é o maior alvo desta ideia por razões diferenciadas, dentre elas, a facilidade de encontrar seus corpos mumificados extremamente bem preservados devido ao aparecimento de diversos espécimes por conta do derretimento do gelo em regiões como a Sibéria. Não é de se estranhar que, vendo-os assim tão bem preservados, a ideia de “revivê-los” fica extremamente atraente, seja pelo fascínio que estes grandes animais despertam, seja pela ambição de ser dono de um grande feito como este.

Bebê mamute mumificado. Créditos: Martin Meissner
Bebê mamute mumificado. Créditos: Martin Meissner

Mas será que a interferência nos caminhos que foram traçados naturalmente pela história do nosso planeta seria realmente uma boa ideia? O que seria do pobre mamute, que fora adaptado para os períodos glaciais da Terra, a habitar grandes espaços, correr atrás de suas presas e se defender de seus predadores, bem ao modo da Era do Gelo? Os tempos eram outros, as características físicas e ambientais de nosso planeta eram outras.

O surgimento de novas tecnologias na área da biologia molecular tende a aguçar a mente dos pesquisadores mais ambiciosos, o que é excelente para novas descobertas, chances de desenvolvimento de cura e tratamento de doenças, e principalmente, um maior domínio e possibilidade de manipulação do genoma de inúmeras espécies, incluindo o ser humano. E por que não os mamutes?

Em meados de 2015, o geneticista George Church, de Harvard, e seus colaboradores, anunciaram que utilizaram uma técnica de “edição de genes chamada CRISPR (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) para inserir genes de mamute em elefantes. Estes genes inseridos seriam os responsáveis pela expressão de alguns caracteres dos mamutes, como tamanho das orelhas mais reduzido, cor e comprimento dos pelos e a presença de gordura subcutânea. É claro que pesquisadores como estes têm em mente que, apesar da ideia soar simples, há muitas questões em jogo, como a reação das células à expressão desses genes, se de fato conseguiriam dar origem à tecidos especializados, etc.

Pensando em um futuro não muito distante, e se por acaso um experimento como este tivesse sucesso? E se nascesse um mamute de um elefante vivo? Outra questão importante a se pensar é com relação aos efeitos do meio externo ao fenótipo (características físicas do organismo que têm origem da expressão dos genes). Seria um híbrido com características tão semelhantes assim aos mamutes pleistocênicos? São inúmeras questões a serem pensadas além do experimento em laboratório. Pensando em um sucesso ainda maior (que é com relação à sobrevivência desses híbridos), até quanto tempo viveriam? Ou seriam saudáveis por quanto tempo? E penando na manutenção desses animais, teriam eles, obviamente, que ficarem restritos à ambientes polares, com alimentação fornecida e especializada, etc.

Quero deixar claro que não estou querendo levantar somente os aspectos negativos deste tipo de pesquisa, até por que acho que a ousadia é um estímulo para mover a Ciência, e nela há espaço para qualquer experimento, desde que esteja de acordo com as questões éticas. Mas o objetivo deste post é levantar as implicações à longo prazo e gerar uma reflexão do quanto valeria a pena realizar tal façanha. Apenas sou mais adepta da ideia de se utilizar técnicas como esta, por enquanto, para tentar auxiliar na luta contra a extinção de espécies atuais devido às ações antrópicas, por exemplo.

Como diz a famosa expressão, a natureza sabe o que faz.  Os eventos de extinção que ocorreram ao longo da história da vida na Terra, sejam eles por causa da própria evolução da geosfera (por exemplo, o movimento das placas tectônicas e vulcanismo, que expeliram enormes quantidades de gases na atmosfera), ou por interações ecológicas (competição entre espécies, predação, etc), ou como obra do acaso (como os impactos de corpos celestes), apesar de terem sido catastróficos para os seres que viviam nestes períodos, foram responsáveis pela “reciclagem” da vida na Terra, ou seja, possibilitaram o surgimento de novos organismos, de novos nichos, até a vida se moldar ao que conhecemos hoje. Estamos aqui devido às extinções ocorridas? Provavelmente elas têm grande parte nisso.

A evolução da vida tende a acompanhar as mudanças que a Terra vai sofrendo com o passar do tempo geológico, mas o tempo sentido pelo homem é curto demais, tem uma escala muito, mas muito menor. Então tendemos a não enxergar os benefícios causados por eventos catastróficos ou mudanças naturais, quanto menos ainda perceber os efeitos que o ambiente causa, à longo prazo, no sucesso ou “fracasso” da sobrevivência de uma espécie. Pensando desta maneira, apesar de também sermos agentes causadores de mudanças, nossas ações estão causando um prejuízo à biodiversidade do planeta muito mais além da conta para a recuperação natural dessas extinções provocadas. Mas isto seria uma discussão para outro post.

Quanto aos mamutes? Por mim é melhor deixá-los extintos, para o bem deles, e para o bem do nosso planeta. Sim, a natureza sabe o que faz, e às vezes o acaso faz bem também!

Quanto tempo demora?

Quanto tempo demora um mês pra passar? A vida inteira de um inseto, um embrião pra virar feto, a folha do calendário, o trabalho pra ganhar um salário… mas daqui a um mês, quando você voltar, a lua vai estar cheia, e no mesmo lugar…

Biquini cavadão “Quanto tempo demora”

Independentemente de seu gosto pela banda, estilo musical ou por esta canção em específico a questão aqui é o tempo.

A quantidade de tempo percebida pelas pessoas é bem diferente daquela que geólogos e paleontólogos trabalham. Nesse meio é comum ouvir a expressão: “poucos milhares de anos…” Como assim, “poucos milhares?” você deve estar se perguntando; 100 anos já é muito, não?…

Vamos voltar um pouco: pense em sua infância. Um ano para cada aniversário, Natal, Páscoa entre outras festividades, não parecia muito tempo? Um mês sem aulas e você já não queria mais voltar… não é mesmo?

Bem, o que quero dizer é que mesmo ao longo de nossas vidas, a percepção de tempo muda. Já li em algum lugar que, pelo fato de aprendermos muitas coisas diferentes ao longo de um único dia, quando somos crianças, nossa noção de “dia” é expandida. Talvez por isso o ano levasse “mais tempo” para passar, apesar de contar os mesmos 365 dias. E, claro, para cada pessoa, que vive uma experiência diária diferente e percebe o mundo de forma diferente, a noção de tempo também muda.

Se para cada pessoa temos percepções diferentes de tempo, imagine agora o que acontece entre diferentes espécies. Um camundongo vive em torno de 2 anos. Acha pouco? Existe um inseto (efemérides) que, em sua fase adulta, vive somente um dia. Em 24 horas ele eclode de sua fase larval, tem sua adolescência pela manhã, torna-se um adulto a tarde, se reproduz e morre à noite.

Baseando–se no fato de que nós, mamíferos primatas, estamos acostumados com intervalos de tempo menores do que séculos, as amplitudes de tempo envolvidas, na concepção das outras espécies biológicas, são curtasquando envolvem segundos, minutos e dias –, “normais” – quando de duração semelhante a nossa expectativa de vida – e longas  algumas espécies vivem centenas de anos. Porém, para a escala cósmica… as coisas mudam. Como diz a música, a lua permanece em sua mesma posição, com a passagem de um mês. Assim como a Terra e os demais planetas do sistema solar, seguindo sua órbita e girando em torno de seu próprio eixo. Mas será que foi sempre assim? Nos últimos 100 anos, sim. Mas, e nos últimos 3 bilhões de anos? Em relação à lua sabemos que ela está se afastando do nosso planeta… há 4,5 bilhões de anos atrás ela e o sistema solar simplesmente ainda não haviam se formado.

Três espécies e três percepções de tempo diferentes
Três espécies e três percepções de tempo diferentes

O registro contido nas rochas representa eventos de duração diferenciada. Pode ter ocorrido em poucos segundos ou mesmo ter levado séculos para se formar. Cabe aos Geólogos e Paleontólogos analisar os diferentes vestígios e tentar descobrir de que forma foram produzidos, e também tentar investigar qual o tempo envolvido em sua criação. Olhar para as rochas, estrelas e planetas é olhar para o passado. Os processos envolvidos em suas formações são muito complexos e escapam de nossas noções cotidianas. E é isso que mais me fascina! E você? o que te fascina?

Mais próximo dos dias de hoje: como chegamos até aqui e quem ficou pelo caminho

Como os registros da Era Cenozoica, são bem mais novos, seus fósseis são abundantes e, em muitos casos, muito bem preservados. Antes de continuar vou fazer uma pausa para comentar que a Era Cenozoica é dividida em três períodos: Paleogeno, Neogeno e Quaternário. Estes períodos, por sua vez, são divididos em épocas, distribuídas da seguinte forma: Paleoceno, Eoceno e Oligoceno pertencem aos Paleogeno. O Neogeno, é formado pelo Mioceno e pelo Plioceno, e por último o Quaternário é dividido em Pleistoceno e Holoceno onde estamos há uns 10.000 anos.

Bacia de Taubaté, 1 e 2 são pólens de gimnospermas.
Figura 1- Bacia de Taubaté, 1 e 2 são pólens de gimnospermas.

Retomando o fio do registro fóssil no estado de São Paulo, como tinha adiantado no final do último texto, com a extinção em massa acontecida no final do Cretáceo e as mudanças na paleogeografia do nosso planeta, houve oportunidade para a renovação tanto da flora como da fauna ao redor do mundo. Estas mudanças foram influenciadas pela presença de regimes climáticos mais úmidos e quentes, que permitiram a distribuição de florestas, dominadas por angiospermas pelas regiões subtropicais (localizadas depois 23º de latitude norte e sul) e até no continente Antártico, que foi durante milhões de anos coberto por densas florestas até que, a partir do Mioceno, paulatinamente, o clima começou a mudar, ficando mais seco e frio, o que conduziria às grandes glaciações do Quaternário.

Os registros fósseis do Paleogeno e do início do Neogeno no estado apresentam florestas formadas por famílias de angiospermas (p.ex. leguminosas, gramíneas), de gimnospermas (Podocarpaceae) e samambaias, que existem ainda hoje, embora os gêneros e espécies possam ser diferentes dos atuais. As rochas sedimentares que contém os fósseis deste tempo foram depositadas dentro de um sistema de lagos distribuídas na margem atlântica que se estendia desde o sul do estado do Rio de Janeiro (Niterói) até o Paraná (Curitiba), e que hoje compreende, entre outras, as bacias de Taubaté (SP), Resende (RJ), Volta Redonda (RJ) e Itaboraí (RJ).

O conjunto e diversidade da vida preservada dentro da bacia de Taubaté (Oligoceno-Mioceno) é considerado como o mais rico desse tempo no Brasil. Os afloramentos onde os fósseis vêm sendo coletados desde mediados do século passado localizam-se, principalmente, nas pedreiras de argila da cidade de Taubaté. Na bacia são encontrados abundantes fósseis de folhas, sementes, polens (Figura 1), esporos, etc. A análise do conjunto dos vegetais preservados indica que no local estava presente uma mata subtropical úmida. Junto aos vegetais também encontramos registros de insetos, peixes (Figura 2), anfíbios, tartarugas, serpentes, jacarés, aves, mamíferos, além de evidências da sua atividade metabólica (icnofósseis) como excrementos, pegadas, galhas, etc. Os osteítes (peixes ósseos) são os vertebrados mais abundantes, contudo os mamíferos são de longe o grupo mais diversificado em espécies, entre os que deixaram registros fósseis. Dentre os mamíferos encontramos marsupiais identificados a partir de dentes e ossos das patas (tarsais), quirópteros (morcegos), além de dentes e mandíbulas de roedores.

Figura 2 - Osteite, Teleósteo muito abundante na Bacia de Taubaté. 1- Vista geral; 2, 3, 4, e 5 - microfotgorafias obtidas em Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV); 2- Costelas; 3- Pirita framboidal associada à preservação dos tecidos; 4 e 5- Escama.
Figura 2 – Osteite, Teleósteo muito abundante na Bacia de Taubaté. 1- Vista geral; 2, 3, 4, e 5 – microfotgorafias obtidas em Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV); 2- Costelas; 3- Pirita framboidal associada à preservação dos tecidos; 4 e 5- Escama.

Outros grupos de mamíferos que a partir deste momento se tornaram mais frequentes e que integraram a megafauna sul americana também foram coletados nas rochas sedimentares da bacia de Taubaté. Assim, por exemplo, encontramos os cingulata (tatus), com fósseis das suas características placas dérmicas que compõem a suas carapaças. Os Liptotermos formam parte desse grupo, embora hoje estejam extintos, e que reúnem um grupo de ungulados herbívoros que experimentaram uma extraordinária diversificação durante a Era Cenozoica. Além destes, temos também registros dos Astrapotheria, Nothoungulata e Pyrotheria, todos hoje extintos.

Por fim, os registros paulistas do Neogeno são representados por camadas sedimentares que contém conjuntos de microfósseis vegetais (polens) e que a partir deste momento (Mioceno) mostram evidências da deterioração climática relacionada ao início da glaciação no continente antártico. Esta tendência, que levará ao resfriamento geral do planeta, se manifesta nos conjuntos polínicos com o surgimento, diversificação e aumento da porcentagem de pólens de gimnospermas e algumas angiospermas (p.ex. Drimys).

No próximo capítulo, falarei acerca dos acontecimentos do Quaternário que merecem um texto à parte por causa da sua importância para a distribuição da vida como hoje a conhecemos.

 

Do gelo à biodiversidade – Snowball Earth

Os períodos de glaciações pelos quais a Terra passou que são mais famosos aos olhos da população, graças a filmes bem populares, são as que ocorreram durante o Quaternário, as chamadas “Eras do Gelo”. Neste cenário, podemos exemplificar a megafauna que reinava, como os mamutes e preguiças gigantes. Todo mundo deve imaginar que nesses períodos, onde a temperatura diminuía consideravelmente e o gelo cobria extensas áreas do globo, deveria ter efeitos devastadores para a vida no planeta. E de fato tinha, pois a oferta de alimentos e refúgios diminuía, assim como a luminosidade e calor nos oceanos e continentes. De um modo geral, a produtividade primária era consideravelmente prejudicada. Mas eventos como essas glaciações foram cruciais para grandes passos na evolução e diversificação da vida em um certo período da história da Terra. E este período foi há aproximadamente 540 milhões de anos atrás, que marca o fim do Pré-Cambriano, onde a vida era dominada por microrganismos e restrita aos oceanos.

Sabe-se que antes do período Cambriano (540 milhões de anos atrás), a vida surgiu de forma unicelular e permaneceu relativamente simples até ocorrer a chamada Explosão da Vida Cambriana, na qual houve uma verdadeira multiplicação e diversificação da vida multicelular, inclusive o surgimento de partes duras como exo e endoesqueletos. Mas o que poderia ter sido o gatilho para essa repentina (do ponto de vista do tempo geológico) diversidade da vida? E o que isso tem haver com as glaciações?

Figura 1: Snowball Earth (Terra Bola de Neve) – perspectiva artística de como a Terra ficou coberta por gelo no Pré-Cambriano. Fonte: desconhecido.
Figura 1: Snowball Earth (Terra Bola de Neve) – perspectiva artística de como a Terra ficou coberta por gelo no Pré-Cambriano. Fonte: desconhecido.

Bom, para responder a estas perguntas, precisamos primeiro nos atentar a duas evidências curiosas desse intervalo de tempo (Pré-Cambriano – Cambriano). A primeira delas são depósitos de tilitos encontrados em diversos locais do mundo. Essas rochas são relativas à deposição por ação de geleiras, e são datadas de 800 a 600 milhões de anos, ou seja, pertencem ao final do Pré-Cambriano. Seriam evidências de glaciações que ocorreram neste período. Há algumas teorias que apontam que as causas dessas glaciações no Pré-Cambriano teriam sido geradas pelo aumento do sequestro de carbono da atmosfera por maior fixação de CO2 pelo solo no supercontinente Rodínia, o que diminuiu o efeito estufa da Terra, tendo como consequência a diminuição da temperatura. Com isto, houve uma expansão das calotas polares e, consequentemente, um aumento no albedo (quando os raios solares refletem ao atingem a superfície da Terra). Esta intensificação do albedo teria aumentado mais ainda a expansão das calotas polares, que atingiram latitudes próximas ao Equador, dando o significado literal para a expressão Snowball Earth (Terra Bola de Neve).

A segunda evidência consiste de camadas de carbonatos (rochas que se formam a temperaturas mais quentes e muitas vezes são associadas à precipitação orgânica), encontradas depositadas logo acima das camadas de tilitos (depositadas em ambientes de geleiras). O fato curioso é que isto representaria uma mudança brusca de significados paleoambientais: de um ambiente glacial a um ambiente quente em um intervalo muito curto de tempo. O que poderia explicar essa sucessão de depósitos inusitada é que, por mais que a Terra estivesse coberta por gelo, o movimento dos continentes continuava. Sendo assim, o rifteamento do supercontinente Rodínia ocasionou intensa atividade vulcânica, o que aumentou as concentrações de CO2 na atmosfera, gerando novamente um efeito estufa, o qual auxiliou no derretimento das geleiras.

Figura 2: reconstituição paleoartística do que seria a Fauna de Ediacara. Vitrine do Smithsonian Museum, Washington, DC.
Figura 2: reconstituição paleoartística do que seria a Fauna de Ediacara. Vitrine do Smithsonian Museum, Washington, DC.

Entendendo esta história toda, podemos agora tratar da explosão da vida ocorrida no Cambriano. Como dito anteriormente, um período glacial não é tão favorável à manutenção da vida na Terra, ainda mais os tipos de vida reinantes nos mares do Pré-Cambriano, que eram menos complexas. Não só a temperatura diminuiu, mas também a luminosidade nos oceanos devido ao recobrimento pelo gelo. Com isto, a vida ficou restrita a porções de refúgio, como fontes hidrotermais, zonas de rifteamento e lugares onde a espessura do gelo que recobria as águas era menor. As formas de vida que não resistiram a esta mudança ambiental extrema morreram e acabaram enriquecendo as águas dos oceanos com matéria orgânica. Quando a temperatura da Terra voltou a subir, houve condições para a proliferação da vida novamente, de maneira mais intensa e muito mais diversificada. Hipóteses que defendem o aumento da oxigenação nos mares sustentam que isto pode ter sido um dos gatilhos para eventos evolutivos que deram origem a toda aquela diversidade.

Enfim, com tantas hipóteses e incertezas acerca da teoria do Snowball Earth, que até hoje é muito controversa, não se pode negar que houve benefícios para a vida na Terra após este período. Desta explosão de vida que ocorreu no Cambriano é que teve origem os ancestrais de diversos filos que conhecemos hoje, que fazem parte da grande biodiversidade do nosso planeta.

Figura 3: Explosão da vida cambriana. Fonte: Burgess Shale Fauna, de Carel Brest van Kempen, 1989.
Figura 3: Explosão da vida cambriana. Fonte: Burgess Shale Fauna, de Carel Brest van Kempen, 1989.

Morte, casualidade e explosões: ou como “fazer” um fóssil

Quando dois restos (fósseis) são encontrados lado-a-lado numa rocha, é possível afirmar com 100% de certeza que ambos viveram juntos e morreram juntos?

Ou ainda…

Quando se encontra um resto de um (ou mais) organismo(s) em determinado local, é possível afirmar de antemão que este(s) organismo(s) viveu(ram) ali?

Texto de Carl Sagan, cientista americano famoso por ser um grande divulgador de ciência.
Texto de Carl Sagan, cientista americano famoso por ser um grande divulgador de ciência.

Estas são algumas das perguntas que nós paleontólogos fazemos quando estudamos os fósseis de um determinado local. Já adianto que a resposta para ambas perguntas é negativa. Existem diversas situações envolvidas na preservação de um resto. É errôneo pensar que simplesmente por terem sido preservados lado-a-lado os organismos também conviviam (compartilhavam o mesmo ambiente), ou ainda, que morreram pelo mesmo motivo. Existem casos em que os organismos sequer viveram no mesmo momento, tendo milhares de anos de diferença entre si, mas são, por acaso, preservados na mesma camada, lado-a-lado.

Então se tivermos o seguinte registro: um dente de dinossauro (que viveu no Mesozoico) preservado ao lado da garra de uma preguiça gigante (do Cenozoico) nós temos em mãos um registro com mistura temporal. Estes dois organismos não compartilhavam o mesmo ambiente porque não viveram sequer na mesma era geológica (um é o Mesozoico e outro do Cenozoico). Mas como é que estes dois restos foram parar ali, juntos? Muitos são os eventos que podem levar à mistura temporal. Neste caso em específico podemos pensar que o dente de dinossauro já havia sido preservado e foi retrabalhado (carregado e depositado) com sedimentos mais novos que por um acaso continham restos do referido mamífero gigante… A mistura temporal é, portanto, uma das eventualidades que podem alterar/modificar o registro fossilífero, tornando-o um pouco mais difícil de ser compreendido.

Mas ainda antes de chegarmos à possibilidade da mistura temporal existe uma outra grande contingência: da preservação (ou não) do resto. É preciso que fique claro para você que nem todos os organismos produzem fósseis. Existe uma série de fatores que ocorrem deste o momento em que ele morre até o momento em que alguma pessoa o encontra.

Quais são, então, as chances de se produzir um fóssil? Em 99,9% das vezes em que um organismo morre, ele é destruído. Então (sendo otimista), em 0,1% dos casos a possibilidade existe, persiste. Pense, também, que quanto mais antigo este resto (ou vestígio) é, maiores são as chances de ele ser destruído, pois mais tempo a natureza tem para que ele seja “reciclado”. E ainda… mesmo que este fóssil persista até os dias atuais, quais são as chances de ele ser encontrado por alguém? Num planeta que atualmente possui 149,67 milhões de km2 de áreas emersas… as chances são pequenas (claro que do total dessa área, nem todas as rochas disponíveis são as sedimentares, mas mesmo assim, as possibilidades são baixas). Por isso escolhi a palavra: contingência, no sentido de acaso, eventualidade e/ou possibilidade (ou não) de algo acontecer.

Vou tentar ilustrar isso com o que vi e aprendi numa visita às cavernas de Sterkfontein, na área de Joanesburgo, África do Sul, e que, inclusive, está muito bem explicado neste vídeo. Vou contar a história da descoberta e das eventualidades envolvidas, voltando no tempo até o momento de “produção” deste registro do passado… me acompanhe!

Uma das cavernas abertas para visitação em Sterkfontein, no Berço da Humanidade, Johanesburgo, África do Sul
Uma das cavernas abertas para visitação em Sterkfontein, no Berço da Humanidade, Joanesburgo, África do Sul

Ali, numa área que é denominada “o berço da humanidade” os estudos paleoantropológicos ocorrem desde os anos 1935, na busca por fósseis de hominídeos. No entanto, a região foi imensamente explorada para a produção de calcário, antes de ser tombada como patrimônio da humanidade. Neste tipo de exploração, as cavernas são abertas por dinamites… sim, dinamites, explosões, destruição(!).

Mesmo tendo sido imensamente explorada, é bem plausível de se dizer que foram estas explosões que levaram às descobertas já feitas na região, uma vez que possibilitaram o acesso ao local e aos fósseis depositados dentro destas cavernas. Sim, é provável que muitos devem ter sido perdidos, explodidos, mas penso que, de outra forma, os cientistas não teriam conseguido chegar até ali;

…é ou não e muito acaso envolvido? Mas as eventualidades ainda não terminaram. As descobertas mais recentes, principalmente em cavernas que foram pouco exploradas pelos mineradores (ou seja, que sofreram menos implosões), são de hominídeos bastante completos, isto é, com muitos ossos de seus corpos preservados juntos, o que é extremamente raro na paleoantropologia. Segundo Lee Berger, um eminente paleontropólogo envolvido nas últimas descobertas dali, existem mais pesquisadores na área do que fósseis para se estudar. Então a descoberta de esqueletos de hominídeos com muitos ossos é excepcional.

Matthew Berger, o menino que encontrou um dos fósseis de hominídeos mais completo até o momento, o de Australopithecus sediba.
Matthew Berger, o menino que encontrou um dos fósseis de hominídeos mais completo até o momento, o de Australopithecus sediba.

Se voltarmos ainda mais no tempo e tentarmos imaginar os motivos que levaram a um hominídeo morrer ali, vamos perceber mais um “lance de dados” envolvido: as explicações científicas para estas descobertas apontam que as cavernas que possuem estes fósseis de hominídeos quase completos não eram seus locais de vida. Muito provavelmente, há cerca de 1,8 M.a., estes homens e mulheres do passado estavam caminhando na savana e inadvertidamente caíram para dentro das cavernas, onde pereceram, seus ossos fossilizaram, e foram descobertos após explosões dos mineradores da região os colocarem mais acessíveis aos cientistas que ali começaram a explorar o potencial fossilífero da região (anos 2000)…ufa…!

Quando alguém me pergunta se, durante minha vida profissional, já encontrei algum fóssil importante, a primeira coisa que vem em minha cabeça é… seria isso realmente essencial? Será que devo ir ao campo esperando encontrar um fóssil “importante”? e, afinal de contas, o que é um fóssil importante? Espero que o texto tenha conseguido mostrar que qualquer registro de vida do passado é importante e extremamente raro; e muitas são as casualidades envolvidas em sua preservação. Nada mais raro e especial que poder olhar para (um piscar de olhos) (d)o passado e compreendê-lo!

Até o próximo post!

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FÓSSEIS MAIS PRÓXIMOS DE NÓS, OU SEJA, DO ESTADO DE SÃO PAULO

Capítulo 2: Quem eram os paulistas da Era Mesozoica?

Como já havia comentado na minha estreia neste Blog, a minha intenção é fazer um resumo para expor relatos acerca da diversidade fóssil do nosso entorno. Assim, vou primeiro fazer um resumo bem geral acerca dos milhões de anos de diversidade que ocorrem ao nosso redor, para depois ir detalhando essas ocorrências. Então estou retomando para fechar o intervalo de tempo entre 252 e 65 milhões de anos da vida no estado de São Paulo (Figura 1).

Fósseis de SP
Fósseis da Formação Botucatu e do Grupo Bauru. 1 e 2 pegada de dinossauro carnívoro (Teropode) nas dunas da Fm Botucatu. 3 dente de Teropode; 4 Molusco bivalve; 5, 6 e 7 Fósseis de jacarés; 3 a 7 fósseis do Grupo Bauru.

Na Era Mesozoica, durante os períodos Triássico (252 a 201 milhões de anos) e Jurássico (201 a 145 milhões de anos), uma grande porção do estado estava coberta por um deserto formado por grandes dunas de areia e onde os registros fósseis são escassos. Contudo, já no final do Jurássico e no Cretáceo, essa condição se reverteu e extensos depósitos ricos em fósseis revelam uma variada fauna (p.ex. Araraquara, Monte Alto, Marília) com invertebrados moluscos, artrópodes, etc, além de peixes, raros anuros (sapos), cágados (tartarugas de água doce) e arcossauros (dinossauros, crocodilos e afins) e bem poucos vegetais (São Carlos). Todos esses animais habitaram à beira de um dos maiores desertos que existiram e cujas rochas hoje em dia formam um dos grandes reservatórios subterrâneos de água doce do planeta, o Aquífero Guarani. Nas dunas da Formação Botucatu, em Araraquara existe um verdadeiro paraíso de rastros e pegadas fósseis ou, como são conhecidos esse tipo de preservação na paleontologia, de icnofósseis (do grego icnos = marcas). Entre os icnofósseis já foram identificadas trilhas de invertebrados semelhantes a escorpiões. Dos vertebrados, a diversidade de pegadas indica que por lá transitavam dinossauros carnívoros ou Teropodes, herbívoros (Sauropodes) e também mamíferos, que andavam, possivelmente, pulando como os atuais cangurus, mas que foram bem menores. Com relação às evidências mais palpáveis de vertebrados (entre eles os dinossauros) nas rochas do Grupo Bauru, localizadas a seguir no tempo geológico e espacialmente na metade ocidental do estado, há uma grande quantidade de esqueletos preservados, como peixes pulmonados que teriam habitado rios ou lagoas pouco profundas e que durante os intervalos de seca mergulhavam na lama e ficavam enterrados até o retorno das chuvas. De anfíbios, ou seja, sapos que, embora com poucos fósseis provenientes da região de Marília, atestam para a presença de locais mais úmidos, embora o clima regional fosse predominantemente seco.
Com relação aos quelônios, ou neste caso os cágados, existem bastantes registros e ao todo foram descritas até agora quatro espécies. Entre as lagartixas, ou squamata, embora sejam fósseis raros, existem alguns descritos a partir dessas rochas. Agora, com relação aos jacarés, tanto aquáticos como terrestres, esses são os vertebrados mais diversificados e comuns do Grupo Bauru, e relacionados com eles foram encontrados até abundantes ninhos cheios de ovos.
Já de dinossauros sauropodes, frequentemente são desenterrados ossos de titanossaurideos de “pequeno” e “médio” porte (entre 8 e 20 metros). Ossos de dinossauros carnívoros, ou teropodes, são menos abundantes, embora seus dentes associados outros ossos sejam bem mais frequentes.
Outro evento, embora não da vida, mais relacionado com as mudanças na configuração dos continentes que aconteceu durante a Era Mesozoica, entre o final do Jurássico e o início do Cretáceo, foi a separação entre a África e a América do Sul e, por consequência, a abertura do oceano Atlântico do Sul. No estado esse evento foi o que depositou os extensos derrames de basalto, que deram origem à chamada “terra roxa” no interior do estado. Essa mudança na configuração dos continentes vai produzir também alterações nas biotas terrestres e, claro, no clima que vai se tornar mais úmido e paulatinamente mais frio no decorrer dos próximos 64 milhões de anos. Também o nosso planeta vai pouco a pouco adquirindo uma geografia similar àquela dos dias de hoje. Para a Era Cenozoica, o registro fóssil é bastante abundante tanto em fauna (p.ex. Taubaté) como em flora, e mostra o isolamento da América do Sul após a fragmentação do Gondwana. Por fim, para o Quaternário o registro é muito rico em florestas (p.ex. Taubaté) e mamíferos (p.ex. Iporanga) até o Holoceno. Mas desses registros comentarei mais no próximo texto.
Por fim, constatamos que o registro fóssil paulista abarca muitos dos principais eventos da vida, e seu estudo permite reconstruir a evolução biológica e geológica do planeta.