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O que faz um asteroide ser previsível e outro objeto atingir a Terra

*Este post é uma participação especial do meu irmão Gabriel Nóbile Diniz, engenheiro químico e nerd – veja o canal dele no YouTube e leia o post dele sobre viagens pelo espaço.

Eu sei que este artigo está meio atrasado – eu tinha muita coisa para fazer. Porém, sempre é hora de falar de uma maneira mais fácil o porquê disso ter acontecido.

Por que um asteroide passa perto da Terra e um meteorito atinge a Rússia (leia entrevista com a astrofísica Tânia Dominici sobre meteoritos)?

Para começar, vamos ver por que chamamos um de asteroide e o outro de meteoro.

meteoro

Fonte da imagem: Universe Today.

Ignorem o peixe-espada.

Cometa: um pedaço de rocha e gelo oriundo da área externa do sistema solar, acompanhado de uma coma e de uma cauda.

Asteroide: um pedaço de rocha que “voa” entre Marte e Júpiter. Às vezes, pode ser atraído pela gravidade da Terra.

Meteoroide: uma rocha espacial maior que um grão de areia e menor que um asteroide. Se atingir a Terra, é considerado um meteorito.

Meteoro: o traço de luz de uma rocha espacial que queima pelo atrito com a atmosfera terrestre, também conhecido como “estrela cadente”.

Meteorito: quando o meteoro atinge o solo Terra, por não ser totalmente queimado durante o atrito com a atmosfera.

Então aquela coisa gigante que passou perto da Terra é um pedaço de rocha que veio entre Marte e Júpiter e aquele meteoro é uma rocha “voando” à toa, mas não tem nada a ver com o asteroide?

É sim! E não tem nada a ver um com o outro mesmo. O tempo entre o asteroide que passou perto da Terra e o meteoro que, realmente, atingiu a Rússia foi curto. Porém, nesse curto tempo, a Terra se deslocou no espaço (relativo ao Sol) por quase 500.000 quilômetros.

Por que eu disse relativo ao Sol? Porque eu sou detalhista e metódico! A gente sempre compara a distância percorrida a alguma coisa. Relatividade? Einstein? Lembram? Pois é.

E o que faz uma coisa ser previsível e a outra não?

Para começar, a informação divulgada: tamanho do objeto.

O asteroide nomeado 2012 DA 14 tinha 50 m de diâmetro e pesava 143.000 toneladas. É uma montanha inteira passando na órbita da Terra. E, aliás, passou entre a Terra e os satélites geoestacionários. Eu ainda escreverei sobre o que são os satélites geoestacionários, mas, resumindo, são satélites utilizados para tirar fotos aéreas e por GPS. Estão bem próximos da Terra.

Já o nosso meteoro russo chamado Chelyabinsk, nome da cidade mais afetada por seu impacto, tinha apenas 15 metros de diâmetro e apenas 10.000 toneladas. Estava numa velocidade superior a 50.000 km/h. E ainda por cima se desintegrou a uns 40 quilômetros acima do solo. Mesmo assim, sua energia foi 30 vezes maior que a bomba de Hiroshima.

E a pobre cidade de Chelyabinsk estava a 80 quilômetros da explosão. Muitos foram os feridos. E os vídeos da destruição. É possível checar no Youtube, há vários pontos de vista.

Enfim, quanto MAIOR a coisa, MAIS FÁCIL de ser localizado pelos nossos métodos visuais.

Porém, não é só por causa do tamanho que o meteoro não foi identificado.

Temos uma informação que nem sempre é divulgada: telescópios e radares.

O maior problema a se ver coisas no espaço é a quantidade de olhos. O espaço é gigantesco. Não é possível que nossos telescópios e satélites consigam imagem de todo o espaço sideral. Algumas vezes, dá sorte de descobrir algo novo ou perigoso. E o pior é que o brilho de um objeto é variável. Alguns refletem luz como se fossem espelhos, outros são muito escuros.

Então, para que não precisemos o tempo todo olhar para o céu, utilizamos radares para a mesma coisa. Os radares usam ondas eletromagnéticas para a localização de objetos. As ondas batem no objeto sideral e retornam ao radar. Simples, como o sonar de um submarino. A diferença é que o sonar usa o som e o radar feito para o espaço usa onda eletromagnética. Aliás, luz também é uma onda eletromagnética. Essa onda eletromagnética utilizada é de uma frequência diferente.

Porém, nem todos os objetos refletem a onda eletromagnética da mesma forma. Da mesma maneira que objetos diferentes brilham diferente, asteroides diferentes refletem de forma diferente. E o tamanho, assim como acontece com a observação visual, também afeta a detecção.

Resultado final: estamos cada vez mais preparados para objetos que caem do céu. Porém, objetos de 15 metros de tamanho ainda podem escapar, causando caos em algumas áreas.

Uma curiosidade: a maioria dos meteoritos cai na água. Por quê? Pois a água ocupa maior área da superfície terrestre. A maioria dos meteoritos que cai em terra vai parar na Sibéria. Por quê? Por que a área da Sibéria é uma das maiores áreas que existem na Terra!

Entrevista: astrofísica fala sobre meteoritos

Fiquei impressionada com o meteorito que caiu na região dos montes Urais, na Rússia, na sexta-feira (15). Filha de geólogo, cresci aprendendo sobre os diversos tipos de rochas, inclusive sobre essas que “caem do céu”. E, justamente por caírem do céu, sempre chamaram mais a minha atenção. É quando o mundo joga na nossa frente o fato de que há um universo (infinito?) em nossa volta e que somos menor que um grão de areia dentro desse gigante, relativamente, pouco conhecido. Por isso, exceto pelos feridos, fiquei em êxtase. Voltei ao meu tempo de criança em que viajava observando ora as rochas, ora o céu.

Para saber mais sobre esse meteorito e compartilhar com você essas incríveis informações, pedi para a Tânia Dominici, astrofísica e pesquisadora do Laboratório Nacional de Astrofísica (MCTI/LNA), responder algumas dúvidas. Atenciosa, Tânia topou na hora dedicando um pouquinho do seu precioso tempo para nos ajudar a entender o que aconteceu na sexta-feira. Leia a entrevista abaixo e levante seus olhos ao céu!

Primeiro de tudo: o que é um meteorito?

Os meteoritos são o material que sobrevive à entrada de um meteoro na atmosfera terrestre e chega até o solo. O meteoro, por sua vez, pode ser originado por pedaços de asteroides ou restos de cometas. São os eventos que, às vezes, observamos durante a noite e popularmente chamamos de “estrelas cadentes”.

Ou seja, o que se registrou na Rússia foi a queima de um meteoro na atmosfera durante o dia, sendo os meteoritos os restos que chegaram ao solo e estão sendo procurados e recolhidos desde então.

Recolher e estudar os meteoritos em laboratório é muito importante, porque eles são resquícios dos primórdios da formação do Sistema Solar. Assim, nos ajudam a entender como os planetas foram formados.

É comum meteoritos caírem na Terra?

Sim, ocorrem todos os dias (tanto meteoros quanto meteoritos). O que acontece é que a maior parte da superfície terrestre é coberta por oceanos ou áreas desabitadas. Assim, eventos como o da Rússia, que ocorreu em uma área urbana, raramente são registrados.

Os meteoros podem ser originados por pedaços de material extraterrestre tão pequenos quanto um grão de areia e, de fato, o evento russo parece ter sido causado pelo maior meteoro desde o Tunguska em 1908 que, estima-se, tinha cerca de 100 metros (contra 15 metros estimados do meteoro que queimou sobre os Montes Urais). Por este ponto de vista, o evento da última semana foi extremamente raro.

Existe algum lugar atingido por meteoritos com mais frequência, por quê?

Não. Eles podem cair em qualquer local. A probabilidade de um evento como o do dia 15 de fevereiro ocorrer na Rússia é a mesma de que seja em São Paulo ou Itajubá…

O que acontece quando um meteorito atinge a atmosfera e o solo terrestres? Ele sempre explode ao entrar em contato com ambos?

Na verdade, ele não explode. O material se queima pelo atrito com a atmosfera e contato com o oxigênio. O que vimos na Rússia, com os vidros estourando, portas e telhados sendo arrancados foram ocorrências causadas pela onda de choque provocada pelo deslocamento do ar durante a queima do meteoro na atmosfera, uma vez que ele entrou com velocidade superior a 50 mil km/h. Ou seja, as pessoas não foram feridas por meteoritos, mas sim pelos estilhaços provocados pela onda de choque.

Em quanto tempo, desde que avistado na atmosfera, um meteorito pode atingir o solo? Dá para termos uma ideia?

É bastante difícil prever. Depende do tamanho do meteoro, da velocidade de entrada, da altitude da atmosfera onde ocorre a queima… De qualquer modo, ao avistar um meteoro como o da última sexta, o máximo que as pessoas poderiam fazer seria rapidamente tentar se afastar das janelas e portas de vidro que poderiam se estilhaçar.

Seria possível identificar quando um meteoro desse tamanho vai atingir a Terra?

Neste momento, vários telescópios mundo afora estão dedicados à descoberta e acompanhamento de asteroides e cometas. Observatórios profissionais e astrônomos amadores trabalham de forma coordenada para isso. Praticamente todos aqueles asteroides muito grandes (centenas de metros a quilômetros) já são catalogados e possuem suas órbitas muito bem calculadas. Ou seja, a possibilidade de qualquer ocorrência potencialmente fatal para o planeta seria conhecida com muita antecedência.

Já objetos menores como o que atingiu a Rússia são os mais difíceis de serem descobertos e monitorados. Segundo os estudos iniciais, ele tinha cerca de 15 metros de comprimento e 10 toneladas. As observações desses corpos são feitas, principalmente, por meio da análise das suas variações de posição e brilho utilizando telescópios ou, ainda, por meio de medidas de radar.

De maneira geral, como se descobre um asteroide?

Em uma sequência de imagens de uma mesma região do céu, os astrônomos procuram por objetos que estejam se movimentando em relação ao campo de estrelas (“no olho”, comparando as imagens ou por programas de computador especialmente desenvolvidos). Uma vez encontrado um objeto potencialmente interessante e calculadas as suas efemérides, os dados são cruzados com as bases de dados mantidas pela comunidade astronômica internacional. Assim, verifica-se se o objeto celeste já era conhecido ou não. No caso de já ser conhecido, é possível que a órbita já seja bem determinada ou que ele tenha sido perdido e esteja sendo redescoberto. Cada nova observação vai sendo utilizada para refinar o cálculo da órbita de cada asteroide ou, mais raramente, de cometas.

Existem sistemas de alerta que avisam os observadores quando algum objeto novo é descoberto, para que eles direcionem os seus telescópios e ajudem a monitorá-lo. Inclusive, já temos telescópios robóticos que recebem os alertas automáticos e se posicionam imediatamente, sem precisar de interferência humana.

A observação da variação do brilho ao longo do tempo oferece outras informações além da trajetória desses corpos celestes como a forma, dimensões e pistas sobre a composição química. Então, se o objeto é muito pequeno, a luz (do Sol) que ele irá refletir será mais tênue e, por isso, mais difícil de ser detectada pelos nossos telescópios. Outro ponto em relação ao meteoro que atingiu a Rússia foi o fato de que o evento ocorreu durante o dia, portanto inacessível aos telescópios ópticos. Apenas radares poderiam registrar a aproximação.

No Brasil, o Observatório Nacional (MCTI/ON) está desenvolvendo o projeto IMPACTON. É um telescópio de operação remota, com espelho primário de um metro de diâmetro instalado em Itacuruba (PE) e totalmente dedicado à observação de pequenos corpos do Sistema Solar. Além disso, vários grandes projetos internacionais que ajudarão a suprir as lacunas para a detecção de objetos muito tênues estão em desenvolvimento como, por exemplo, a missão europeia Gaia ou o telescópio LSST de oito metros de diâmetro a ser instalado no Norte do Chile e que será dedicado a monitorar todo o céu com profundidade e detalhamento sem precedentes.

 

Obs.: A Tânia Dominici tem um blog sobre poluição luminosa – clique aqui para conhecer –, um problema que nos impede de vermos as estrelas no céu (e atrapalha as pesquisas).

Foto: El coleccionista de instantes.