Arquivo da tag: Tierra del Fuego

Como destruir vários ambientes com espécies invasoras

IMG_1848Duas ideias de jerico. Na realidade, três se formos falar sobre as ovelhas, mas esta fica para outro post. Quem visita o Parque Nacional da Terra do Fogo, em Ushuaia, Argentina, pode observar o trabalho de castores canadenses fazendo suas represas. Sim, esses bichos são geniais, derrubam árvores para conter água. Acontece que, como deve ter reparado, eles são canadenses! E o que fazem do lado oposto do continente? E por que as lebres-europeias, provenientes do outro lado do Atlântico, também podem ser vistas ao lado deles no Fim do Mundo?

Bem, resumindo a história que você pode saber mais aqui, os castores foram introduzidos na região em 1946 pela indústria da pele. Sem predadores naturais, os 25 pares se transformaram em 100 mil indivíduos! Um problema para a bicharada local, que tem que competir por espaço e comida com eles, e para as árvores. Estas são derrubadas sem tempo de recomporem bosques, agora, no chão. Quer dizer, na água.

Por sua vez, as lebres-europeias foram colocadas na Patagônia para serem caçadas pelos homens. Isso mesmo, como um instrumento esportivo. Mas elas foram longe… Atualmente, podem ser encontradas aqui no estado de São Paulo comendo plantações! O caso da lebre-europeia é tão sério, que ela está causando a extinção da lebre-da-patagônia. Esta é rara de ser observada. Agora, a outra, eu mesma vi do ônibus dentro do Parque Nacional Los Glaciares, onde está o famoso glaciar Perito Moreno (Argentina). Aliás, há alguns anos, creio que foi ela que observei no Paraná. Para você ver como a ação humana sobre os animais pode causar um estrago continental.

Turista: não alimente os animais silvestres

IMG_1813Quem nunca, não é mesmo? Quando a gente, Felícia da vida, vê aquele animalzinho bonitinho ou gracinha de tão feinho tem vontade de apertar, passar a mão ou de perguntar, “quer ser meu amigo”? Mas resista à tentação! Se você gosta mesmo dele, tem que deixá-lo livre em sua natureza. Caso contrário, pode prejudicar aquele que diz que ama. Um exemplo é o problema com as raposas (Pseudalopex culpeus) da Patagônia que eu pude ver com meus próprios olhos, graças a um brasileiro.

Chegando ao Parque Nacional da Terra do Fogo, no Ushuaia, um brasileiro bagunceiro – pleonasmo – ficou mais animado ainda ao ver uma raposa se aproximando da vã que parava. Quando descemos do veículo, todos soltamos ao mesmo tempo: “Que lindinha!”. Foi um alvoroço geral. Todos queriam tirar foto da raposa e vê-la de pertinho. Ela se aproximou de nós, menos de dois metros de distância. Nesse momento, o brasileiro não se conteve. Abaixou, esticou o braço e tentou passar a mão na cabeça do bicho. A raposa em um piscar de olhos deu uma mordida na mão dele. Fiquei preocupada, mas ele disse ao amigo: “não foi nada”. Passada mais de uma hora, ouvimos um amigo exclamar: “Nossa, ficou feio”.

IMG_1920Elas são muito, mas muuuito lindinhas – saiba mais sobre essa espécie aqui. Têm um olhar e andar de gato – aliás, li em algum lugar que as raposas em geral são parentes mais próximas de gato que de cachorro, alguém saberia dizer se a informação procede? As raposas ou zorro, como as chamam os hermanos, parecem dóceis. Além disso, é comum elas chegarem perto de pessoas nos parques, principalmente, da Argentina como aconteceu conosco. Por que será?

Simples, porque as pessoas as alimentam. Para que caçar se você pode ganhar? Ou roubar um churrasquinho suculento? Quando nós alimentamos os animais silvestres causamos uma série de problemas. Resumindo, eles “desaprendem” a caçar, podem passar mal com a nossa comida, desenvolver uma doença e infectar outros semelhantes. Também, essa ação pode causar um desequilíbrio no ecossistema local, afinal, as raposas deixarão de comer suas caças que, consequentemente, poderão se multiplicar. Para piorar, as lindas raposas podem ficar agressivas contra os humanos. Não duvide, vão morder para conseguir comida ou quando se sentirem ameaçadas.

IMG_1815Obs.: Outro problema semelhante ocorre na fronteira da também Argentina com o Brasil. Os quatis roubam a nossa comida no Parque Nacional do Iguaçu. Em uma ocasião, no parque do lado da Argentina, vi o animal subindo na mesa de uma gringa e tirando o lanche da mão dela. Atenção, os animais podem transmitir raiva. Se for mordido, vá a um pronto-socorro tomar vacina.
Dica de viagem: No inverno, algumas trilhas do Parque Nacional da Terra do Fogo, como a costeira, estão fechadas por causa do volume da neve – eu tentei fazer, andava com neve pelo joelho. Inviável, perigoso cair em um buraco. Por outro lado, a entrada é grátis. Em um dia é possível ver as principais atrações do parque. Se for no verão e curte natureza, reserve dois dias para fazer as principais trilhas. Em ambos os casos, leve lanche e água.

Pelados no Ushuaia

*Este post é uma participação especial, ele foi escrito pelo jornalista Gustavo Mendes Nascimento (@gustamn). 

Fonte da foto: Museo Mundo Yámana
Fonte da foto: Museo Mundo Yámana

Imagine andar peladão na região do Ushuaia, a cidade mais ao sul do planeta. E viver basicamente da pesca, em águas com temperaturas que variam entre 0 e 4 graus célsius, caçando em canoas rústicas, que afundam se não tirar a água de dentro! Detalhe: se cair na água, você morre em poucos minutos de hipotermia. Ah, e a pesca não é apenas de peixinho. É de lobo marinho e, algumas vezes, até de baleias! Sentiu o drama?

Pois é, parece mentira – ainda mais quando você está lá em carne e osso no Ushuaia, com três camadas de agasalhos ultratecnológicos pra fugir do frio e, ainda assim, batendo os dentes! Mas esse povo existiu. O nome dele é Yámana – ou Yaghan ou Tequenica, segundo a Wikipedia. Era um povo nômade que habitava as ilhas da Terra do Fogo. Eles têm uma cultura linda e, como muitos outros povos da América do Sul, uma história triste. Sua cultura e seu povo foram quase totalmente arrasados pela chegada dos europeus à região. Mas isso será assunto para um outro post. Neste, vamos entender como eles fugiam do frio, que foi o primeiro motivo que levou eu e a Isis a conhecermos o Museo Mundo Yámana, em Ushuaia, Argentina.

 

Canoa com fogueira

Os Yámanas não andavam pelados à toa. Eles podiam fazer roupas e algumas vezes andavam com um manto de pele para se proteger do vento. Mas andar pelado era o mais comum por um motivo simples. Se andassem vestidos, a umidade nas roupas – por conta do gelo e da atividade principal deles, a pesca – os deixaria com muito mais frio. Imagine uma roupa úmida com o vento batendo? Não dá! Melhor ficar pelado. Além disso, como eram nômades, não tinham uma moradia fixa onde pudessem guardar e proteger suas roupas.

Mas, claro, só isso não bastava para sobreviver naquela região. Eles tinham outras técnicas. Uma delas era se besuntar com gordura de animais marinhos e terra. Assim, formavam uma película protetora na pele. Também andavam com tochas ou faziam fogueiras sempre que podiam (já viram o post sobre o porquê da região se chamar Terra do Fogo?). E o mais curioso: faziam fogueiras até mesmo nas canoas! Na parte central, colocavam areia ou palha para proteger a madeira do fundo. Como as canoas não eram totalmente estanques, a areia ou palha ficavam úmidas e não deixavam a canoa virar um braseiro só. As crianças controlavam o fogo e retiravam a água da canoa, enquanto a mulher remava e o homem pescava – eles eram nômades e passavam boa parte do tempo nas canoas.

Outra técnica pra espantar o frio era ficar de cócoras, protegendo assim as partes vitais dos fortes ventos e frio da região. Mas não é que de vez em quando eles davam uma agachadinha. Eles ficavam MUITO de cócoras. Ficavam tanto, mas tanto, que tinham as pernas tortas e a pele da barriga flácida, deformados pela postura – veja essa foto aqui.

IMG_1954

Em tempo: o Museo Mundo Yamana é simples, pequeno e rústico. Mas tem muita informação sobre esse povo. Eu e a Isis saímos de lá, por um lado encantados, e por outro, tristes pela quase extinção desse povo. Sinal de que o museu cumpriu seu papel. E nós tentamos cumprir o nosso, que é espalhar a história.