Paciência

O leitor, essa espécie em extinção. Já toquei nesse ponto em vários outros posts e resolvi voltar ao tema após concluir a leitura de “Anjos Caídos”(editora Objetiva). Em seu último livro, Harold Bloom justifica a rarefação do que Ricardo Piglia chamou de “o último leitor” – o leitor visceral – por meio de Kafka. Diz ele: “Como Kafka profetizou, nosso único pecado autêntico é a impaciência: é por isso que estamos nos esquecendo de ler. A impaciência é cada vez mais uma obsessão visual; queremos ver uma coisa instantaneamente e depois esquecê-la. Leitura profunda não é assim; leitura exige paciência e memória”. Lembrei-me de um alerta feito por um amigo que vive nos Estados Unidos. Disse-me ele que há uma nova epidemia de ansiedade generalizada provocada pelas diferentes velocidades para o acesso a internet. No escritório a velocidade é “x” segundos; ao chegar em casa, a velocidade disponível é a metade de “x”. Assim, no “conforto do lar”, o indivíduo começa a sentir comichões, ficar extremamente irritado pelo atraso de alguns instantes para carregar suas páginas eletrônicas. Sobra para todo mundo: mulher, marido, filhos e quem quer que esteja por perto. A “síndrome da impaciência”, antecipada pelo mestre tcheco, acaba de inundar os consultórios psiquiátricos de Manhattan e corre o risco de suplantar o diagnóstico de depressão, o mais patente legado da chamada “sociedade pós-moderna”. Aguardo, impaciente, que Woody Allen se sensibilize e filme o tema.

Salieri e Bruckner, sim senhor!

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Bruckner, Sétima sinfonia, primeiro movimento, adágio

Dois grandes talentos não dividem o mesmo espaço. Não simultaneamente. Quem perde, quase sempre, somos nós. A música é pródiga em exemplos. Salieri e Mozart. A imagem equivocada que chegou até nós mostra um Salieri invejoso e músico medíocre. Sem a sombra de Mozart, a história poderia ter sido outra. Bruckner e Wagner. Há registros de críticas ferozes dirigidas por Brahms contra “a incompetência de Bruckner”. Aqui, em particular, é preciso conhecer o contexto da música erudita européia da segunda metade do século XIX, que contava com os defensores da “nova música” de Wagner e Liszt de um lado contra os “conservadores” liderados por Brahms de outro. Anton Bruckner deixou-se fascinar e influenciar pela polifonia de Tannhäuser. Wagner fez o elogio de seu “discípulo” publicamente. Brahms manteve seus ataques e, em virtude de sua enorme reputação, Bruckner caiu no esquecimento por um longo período. Felizmente, passado o curso inexorável da História, podemos desfrutar de Mozart, Salieri, Brahms e Bruckner. Fico curioso em saber quem serão os protagonistas do agora. Ou seriam protagonista e deuteragonista?

Carpeaux, segundo Pedro Maciel

O.M. Carpeaux com C.H. Cony

O escritor e amigo Pedro Maciel, autor do romance “A Hora dos Náufragos”, Ed. Bertrand Brasil, motivado pelo post anterior, enviou-me um excelente e “brevíssimo ensaio” de sua autoria sobre Carpeaux. Pedi autorização para a publicação neste espaço, que me foi prontamente concedida. Em suas próprias palavras ” ‘reprodução’ já prevista por Benjamin há mais de um século…”.

O historiador das idéias
Otto Maria Carpeaux, em “Ensaios Reunidos” graças à erudição, ao conhecimento de tantas literaturas, criou um jogo poético para descrever em ensaios breves a história da literatura universal. “Ensaios Reunidos” (Organização, Introdução e notas de Olavo de Carvalho), composto por “A Cinza do Purgatório” (1942), “Origens e Fins” (1942), “Respostas e Perguntas” (1953), “Retratos e Leituras” (1953), “Presenças” (1958) e “Livros na Mesa” (1960), é o primeiro volume de um intelectual universalista que tinha domínio da história das idéias e da arte da dialética. São textos críticos que falam sobre autores estrangeiros e nacionais, estudos de obras de alguns dos mais importantes nomes da literatura brasileira contemporânea.
Carpeaux, Sérgio Buarque de Holanda e Antonio Candido, formam a tríade exemplar da crítica literária brasileira. Segundo Alfredo Bosi, “Carpeaux atravessou a crítica positivista, a idealista, a psicanalítica, o new criticism, a estilística espanhola, o formalismo, o estruturalismo, a volta à crítica ideológica”. E prossegue: “Mas, educado junto aos culturalistas alemães e italianos do começo do século, ele sabia que nada se entende fora da História”.
É notável a naturalidade com que Carpeaux discorre sobre estética, filosofia, política, história. Doutor em ciências exatas, letras e filosofia, o autor da História da Literatura ocidental, era uma espécie de ensaísta literário que escrevia com clareza, numa linguagem corrente, de fácil entendimento para o leigo.
Criador de um estilo, segundo o crítico Álvaro Lins, “vivo, preciso e ardente. Às vezes enérgico e áspero. Nestas ocasiões, sobretudo, este estilo está confessando um temperamento de inconformista, de planfetário, de debater. O temperamento de um homem que, monologando ou dialogando, está sempre numa atitude de luta: ou a luta interior, consigo mesmo, ou a luta exterior, com os seus adversários”.
E o crítico teve muitos adversários literários e políticos. Nascido na Áustria, viveu uma desventura pessoal na época da Segunda Guerra. Carpeaux foge da Alemanha nazista para a Bélgica e, em 1939, muda-se para o Brasil. Em 1940 começa a escrever no jornal Correio da Manhã. Seus apontamentos literários e políticos geraram acusações por parte da esquerda e da direita.
Carpeaux desafiava as convenções históricas e literárias. Pode ter errado em algumas análises, como por exemplo, ao criticar Thomas Mann, “um pensador confuso, o maior dos escritores de segunda ordem (…) um grande estilista, na significação menos boa da palavra; ele estiliza tudo e ao seu estilo também. Estilista de primeira ordem, com as virtudes estilísticas da época burguesa: irônico, espirituoso, sentimental, psicológico, analítico. Um Nietzsche disfarçado de Flaubert”.
Ou quando critica Goethe, que “não compreendeu o maior acontecimento literário do seu tempo, o romantismo. Depois de ter experimentado, em vão cativar os seus contemporâneos com a fórmula classicista, ele trai a arte, para abraçar as ciências naturais e enriquecê-las com as suas descobertas duvidosas e as suas fantasias arbitrárias”.
Acertou em muitas leituras, principalmente quando discorre sobre a poesia brasileira. Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Augusto dos Anjos e Drummond, entre outros, foram contemplados com ensaios memoráveis; textos de um crítico que tinha cabeça de poeta.
Segundo o crítico-poeta, “das paisagens do espírito, a poesia é a mais misteriosa: porque é tão familiar e, ao mesmo tempo, muito remota. No território lírico sentimo-nos como em casa, uma paisagem povoada por nossas próprias emoções. Mas, embora percorrendo-a no ritmo das pancadas do coração, é permanente o perigo de perdermos o caminho…”
A leitura de Ensaios Reunidos oferece-nos muitas surpresas em relação a autores clássicos, como Homero, Shakespeare, James Joyce ou Albert Camus. Ítalo Calvino diz que “o clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro…” Muitos ensaios de Carpeaux revelaram pela primeira vez a importância de uma obra ou de um autor para a literatura contemporânea.
Dedicar algum tempo à leitura dos ensaios de Carpeaux é percorrer o infinito mapa da história da humanidade. Os ensaios, artigos e estudos nos fazem entender o tempo imemorial, apesar de estarmos condenados à atualidade. Carpeaux, um dos últimos humanistas, é um escritor de todos os tempos; marca o início do apogeu do ensaio literário brasileiro, que teve um começo tão exemplar.

Intelectual: procura-se

No primeiro aniversário da Diálogo, Otto Maria Carpeaux entre admiradores: atrás José Naegle, à direita, Chico Feitosa.

Acabo de ler a recém-lançada autobiografia de Leandro Konder, Memórias de um intelectual comunista. Leitura fácil, ainda que nada superficial. Konder foi – e continua a ser – um intelectual fiel a si mesmo. Acredito, firmemente, que ele seria capaz de um ato de grandeza como o que teve José Saramago ao romper com Cuba após a execução de três dissidentes do regime castrista. Não acredito em intelectual com vínculo partidário; essa denominação só se aplica a pensadores suprapartidários. Aqui, “partido” entendido muito além da legenda que se defende. Gabriel García Márquez, na direção oposta àquela adotada por Saramago, foi covarde. Preferiu trair a si mesmo e “preservar” a sua vinculação ideológica com a Cuba de Fidel. O escritor colombiano manchou indelevelmente o legado de Zola, do escritor-intelectual pronto a levantar a sua pena contra as arbitrariedades que se engendram na calada da noite. J’accuse!, e esse acusador é o verdadeiro intelectual – infelizmente, à mingua nos dias de hoje. Otto Maria Carpeaux faz falta, ele que teve a envergadura moral de colocar a obra de Ezra Pound em seu devido lugar: no limbo. Em setembro de 1948, Carpeaux publicou na imprensa nacional o artigo “O difícil caso Pound”, em que escreveu: “(…) mas esse ‘poeta máximo do nosso século’ é um fascista, um traidor, e está maluco. Contradição gravíssima! (…)Quando [o crítico Robert M.] Adams diz que ‘ninguém ousa negar à sua obra a enorme importância’ então eu gostaria de dizer: esse ninguém sou eu (…) Dizem que Dante escolheu o metro ao terceto para impedir que se tirasse sequer um único verso do seu poema tão solidamente integrado; quanto aos 84 Cantos de Pound, seria um alívio se tirassem mais e mais dos inúmeros versos, acumulados de propósito sem coerência lógica, mas sim conforme as associações literárias do poeta, todas elas livrescas”. Konder, estou certo, não me decepcionaria.

Portugal (II)

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“Os rouxinóis, entre as flores, procuram seus amores” (Lamartine Babo)

Portugal (I)

Caros, acabo de regressar. Dias ensolarados, temperatura agradavél, ar com boa mas não exagerada umidade. Os portugueses são bastante solícitos e simpáticos. Acredito que, em certa parte, a nossa tão famigerada “simpatia” é herança de nossos colonizadores. O carioca, com o seu sotaque, nada mais fez que imitar o “chiado” da prosódia lusitana, desde tempos imemoriais. Uma clara tentativa de se aproximar da Corte, da Europa “civilizada”. Descobri algumas curiosidades perambulando e proseando pela Terrinha. Os azulejos, por exemplo. O hábito de construir casas e edifícios com azulejos decorativos em seus interiores é invenção portuguesa, mas o que eu não sabia é que os azulejos nas fachadas foram idéia nossa, da colônia, exportada, mais tarde, para Portugal. A explicação que me foi dada é que a temperatura no interior das casas da costa brasileira era abrandada pelo azulejamento externo. A outra descoberta é que o bacalhau, carro-chefe da culinária lusa e com receitas tão diferentes quanto saborosas, não existe como iguaria autóctone. Os bacalhaus portugueses são importados da Inglaterra, principalmente, e dos países escandinavos. Esse fluxo existe desde o século XIII e era a base de trocas comerciais entre a potência britânica e a terra das grandes navegações ultramarinas.
Bom, entre outras coisas, comprei alguns muitos livros de escritores lusófonos (Pepetela, Miguel Torga, Eça, os últimos do Saramago e do Lobo Antunes, coletâneas de contos) e uma tradução para o português de uma palestra proferida por Günter Grass intitulada “Escrever depois de Auschwitz”. Mas isso são assuntos para os próximos posts.
(Comi um ótimo bacalhau na brasa com batatas coradas no restaurante Valbom, em Lisboa. Me disseram que é o restaurante em que os exigentes portugueses comem o seu bacalhau fora de casa. Fui conferir. Quase não há turistas. Vale a pena. Termine o jantar com o liquor de Ginja).

Última flor do Lácio


Caros e seletos amigos, em poucos dias embarco para Lisboa. A previsão do tempo não está lá muito a me animar. Dias nublados, chuva em potencial. Portugal não é só bacalhau. Há ótimos vinhos, o famoso queijo Serra da Estrela, as queijadinhas de Sintra, o licor Ginja. Pessoa, Camões e Gil Vicente. Lobo Antunes, Inês Pedrosa e Saramago. A deliciosa língua portuguesa. Museus, pois sim. Há o indescritível Calouste Gulbenkian e uma exposição temporária de escritores portugueses, que me aguarda. Mas, acima de tudo, há o Tejo. E isso fala por si. Quanto ao clima algo desanimador, disse Pessoa: “Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é”. 

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