Fui ao Museu Kafka. Acho que fiz bem de só visitar o museu após perambular alguns dias por Praga e, especialmente, pelo bairro judeu, Josefov. É impossível dissociar Kafka de sua cidade natal e de sua ascendência judaica. E de Hermann Kafka, o pai, of course. Podia imaginar o perturbado e frágil escritor passeando pelas ruas da capital tcheca e gestando o seu Gregor Samsa. O ódio pelo pai. E o sentimento de culpa por odiá-lo. Ao cruzar a Naplavni, a metamorfose toma corpo: “Uma manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto”. O ponto alto da visita ao museu acontece quando se chega a uma sala cercada por fichários metálicos; há um som incessante de máquinas datilográficas. O espectador sente-se angustiado, oprimido por aquele ambiente burocrático e ceifador de tudo aquilo que possa significar criatividade. Compreende-se, então, Kafka. Não, não, Kafka não teria nascido na Bela Vista ou na Champs-Elysées…

Visitar Praga é rememorar a tragédia do holocausto. O bairro judeu, Josefov, é sombrio e opressor. Tudo parece tenso. As cores, opacas. Fato é que ninguém fica indiferente às impressões colhidas. Nada é mais chocante que visitar a Sinagoga Pinkas. Contruída em 1535, em seu andar térreo há, nas paredes, a inscrição dos nomes de 80.000 judeus tchecos e moravos mortos nos campos de concentração. Mas o pior ainda não chegou. No primeiro andar, ainda sem folêgo após a leitura de nomes como “Rosenthal”, “Schlesinger”, “Schindler”, há uma exposição de desenhos. Eu, mais ingênuo que os desenhos, não entendia as datações: 1937-1942-1944. Outra: 1934-1942-1944. Recorri às explicações de um informe. O primeiro ano, data de nascimento. O segundo, data de chegada ao gueto de Terezín. O terceiro, ano de falecimento. O que Ahmadinejad pensaria? Ah, é verdade. Ele não pensa!

Cheguei hoje. Fui recebido pelo calor, que já estava quase insuportável às 8h00. No trajeto do aeroporto de Cumbica até a minha casa, além das favelas e da névoa de poluição, o nauseabundo cheiro do Tietê me certificou que não me encontrava mais em Praga ou Budapeste – não terei a ousadia de incluir Viena nessa lista. O jetlag ainda me embaça as idéias. Até amanhã, espero, estarei melhor. Deixo vocês com o retrato de Arnold Schoenberg feito pelo pintor Richard Gerstl. Fui à exposição de obras de Gerstl na capital austríaca. Vejam a ironia. Gerstl apaixonou-se por Mathilde, mulher do compositor austríaco, que acabou abandonando o pai do dodecafonismo e seus dois filhos para entregar-se ao amor do jovem pintor. Depois de muitas ameaças de suícidio por parte do músico, Mathilde cedeu e voltou para casa. O jovem pintor, então com 25 anos de idade, é que acabou se suicidando. Inté!