Aplauso para Eric Kandel

Eric R. Kandel ganhou o prêmio Nobel de Medicina em 2000. Psiquiatra por formação e neurocientista por vocação, Kandel revolucionou a maneira como enxergamos o cérebro hoje. Sua autobiografia – In search of memory: the emergency of a new science of mind (Norton, 2006) – é leitura obrigatória para qualquer interessado em neurociência. O livro tem pouco mais de 500 páginas, mas isso não é motivo para desânimo. A escrita é fluida, clara, técnica sem ser enfadonha. Dividido em seis partes com um total de 30 capítulos, o ápice da leitura é atingido no capítulo 28, Consciousness, em que Kandel traça uma linha do tempo da evolução do binômio consciência/inconsciência desde a Grécia Antiga – Hipócrates, Platão e Aristóteles – até os nossos dias – Freud, Popper e Eccles. Há uma crítica ao esquematismo reducionista freudiano dos processos mentais. Id, ego e superego. A segunda metade do século XX ficou presa a esse paradigma e, vítima da simplicidade, clareza e confiabilidade do modelo – eis a genialidade de Freud – atravancou o avanço da neurociência. Although psychoanalysis had historically been scientific in its ambitions – it had always wanted to develop an empirical, testable science of mind – it was rarely scientific in its methods.(…) As a result, psychoanalysis had not made the same progress as some other areas of psychology and medicine. Indeed, it seemed to me that psychoanalysis was losing its way. Não perca o seu rumo. Leia Kandel já. Kandel! Não Kardec.

Bruno Tolentino: “Quero saber quem seqüestrou a inteligência brasileira. Quero meu país de volta”

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Às vezes, caminhar sem método

Escola de Atenas, Rafael Sanzio, 1506-1510, Afresco (detalhe)

Alguns livros valem a sua leitura por uma ou algumas passagens memoráveis. F. Scott Fitzgerald, por exemplo. Se após a leitura do primeiro parágrafo do Grande Gatsby o leitor desistir de seguir adiante, valeu o pequeno esforço. Lá vai a prova:
In my younger and more vulnerable years my father gave me some advice that I’ve been turning over my mind ever since. “Whenever you feel like criticising any one,” he told me, “just remember that all the people in this world haven’t had the advantages that you’ve had”.
Agora, abra ao acaso qualquer página de qualquer obra de Dostoiévski. Os exemplos serão inesgotáveis. Crime e Castigo:
Aquele que tem consciência sofre reconhecendo o seu erro. É o castigo. (…) O sofrimento acompanha sempre uma inteligência elevada e um coração profundo.
Ainda:
Há no coração aquele vago sentimento de satisfação que ainda o homem mais compassivo não deixa de experimentar à vista da desgraça alheia.
Excertos sem fim. Caminhar, ainda que sem método, por uma livraria. Eis um de meus maiores prazeres.

O “divertimento giocoso” de Diogo Mainardi

Maurice Masques et bouffons
Recebi, na última semana, alguns e-mails pedindo a minha opinião sobre a coluna do Diogo Mainardi. Não li o tal texto aludido pelos missivistas eletrônicos, cujo teor parece ser uma crítica para lá de feroz ao recém-lançado livro Leite derramado, de Chico Buarque. Aprendi com Émile Faguet que, um crítico – Mainardi está mais para bufão do qualquer outra coisa, mas sigamos adiante – nunca deve ser lido antes da obra a que se refere. Caso contrário, nossos olhos são contaminados pelo olhar alheio; nossos julgamentos, medidos por parâmetros emprestados. Nossa sensibilidade é sequestrada e paralisada, engessada por uma razão que não é a nossa, não é genuína. No máximo, antes de nos entregarmos à nova leitura, devemos ler uma breve nota biográfica, histórica, sobre o autor. Serão os críticos irrelevantes? Não, definitivamente. Eles nos mostram idéias que não captamos, detalhes que esclarecem pontos até então obscuros. E, principalmente, incitam-nos à releitura. Mas lembre-se: só devem ser lidos depois de concluída a leitura. Li Leite derramado e encontrei qualidades. O lirismo de Chico, ainda que disfarçado por sua prosa, vale o tempo dispendido. Leiamos Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux, Wilson Martins, Roberto Schwarz, Bento Prado Júnior. Mainardi, só na falta de uma bula de remédio melhor.

Faguet e a arte de ler

O assassino de poesias. Acredita ser alfabetizado, mas basta a leitura de um único verso para que se vislumbre o criminoso em ação. Incapaz de perceber as nuances da pontuação, o ritmo, a musicalidade artesanalmente lapidada, tece acusmas torturantes. É caso de homícidio culposo, sem intenção de dolo, pois não se enxerga um apedeuta absoluto. Quem melhor caracterizou esse tipo aversivo foi Émile Faguet (1847-1916). Em seu livro “L’Art de Lire” (A arte de ler), no capítulo dedicado aos poetas, ele tenta reabilitar o leitor de poesias ao instruí-lo. “Os poetas propriamente ditos (…) devem ser lidos, primeiro, em voz baixa e, em seguida, em voz alta. Primeiro, em voz baixa, para que compreendamos seu pensamento, pois a maioria de nós, por força do hábito, não compreende mais do que a metade do que lê em voz alta. Depois, em voz alta, para que o ouvido se dê conta da cadência e da harmonia, sem que, dessa vez, o espírito deixe escapar o sentido, pois já o terá assimilado antecipadamente.” Não por acaso, Faguet termina sua obra dizendo que “a arte de ler é a arte de pensar com um pouco de ajuda”. E eu acrescentaria que a arte de bem ler poesia é a arte de pensar em sua máxima intensidade.

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