Rosa

Só mesmo os 100 anos de João Guimarães Rosa para provocar uma breve pausa nos meus atribulados últimos dias. Mineiro de Cordisburgo, nasceu em 27 de junho de 1908. Minha vida passou por etapas diferentes em seu contato com a obra de Rosa. Para encurtar o papo, o meu encantamento aconteceu após a leitura de “A volta do marido pródigo”. A malandragem de Lalino Salãthiel, que a todos “leva no bico” com o seu falar bem, me viciou nas inventices e nos malabarismos linguísticos de Rosa. A começar pelo nome “Lalino”, que evoca “Eulálio” – aquele que fala bem. Sutilezas de que poucos são capazes. Como disse Francisco Quinteiro Pires no “Estadão” de hoje, “a literatura de Guimarães Rosa é indissociável do susto provocado pelo absurdo de que parece ser composto o labirinto da existência”. De certa forma, eu sinto não ter nascido nas tais Minas Gerais, pois por mais universalista que seja o regionalismo roseano, só mesmo um mineiro para entender as dobras e reentrâncias das palavras (es)cohidas por ele. “O mineiro não acredita que coisa alguma se resolva por um gesto ou um ato, mas aprendeu que as coisas voltam, que a vida dá muitas voltas, que tudo pode tornar a voltar. Até sem saber que o faz, o mineiro está sempre pegando com Deus” (Manchete, 24.08.1957). De todos os aspectos presentes no escritor, acho que o único que nunca entenderei é o seu misticismo. Oxalá alguém leia este post e possa me persuadir do contrário, pois ainda há tempo. Sempre há tempo.

Mais Cartier-Bresson

Um pouco mais de fotografia. Um pouco mais de Cartier-Bresson. O escritor Pedro Maciel , autor de “A Hora dos Náufragos” (Bertrand Brasil), enviou-me o belo ensaio que aqui compartilho com vocês. Fica claro, após a leitura, quem é Bresson. Boa leitura!

P.S.: Abro, aqui, uma merecida exceção aos meus enxutos posts.
ELOGIO DO OLHAR

Arte de Cartier-Bresson é um tributo ao ser humano

Qual a importância da fotografia na cultura contemporânea? A fotografia é um meio artístico capaz de revelar o inexprimível? Qual o mundo imagético é digno de duração? Hoje vemos a proliferação de imagens sem sentido. Imagens repetitivas que nascem com os mecanismos de simulação. A realidade se tornou hiperrealidade.
Será que estas imagens conseguem mostrar o interior das pessoas, das coisas, das paisagens? A fotografia contemporânea se propõe a ser testemunha do inexprimível. Mas como dizer o indizível? Talvez seja impossível para uma arte de representação que nasceu da vontade de revelar as aparências. A arte é um sistema de signos e sua função consiste em buscar o significado das coisas; materializar o mundo. A arte não comporta as aparências.
A fotografia (imagem) é um elogio do olhar. Narra a arte da ilusão. Cartier-Bresson, artesão da imagem, fundador de um estilo geométrico e humanista, ao capturar a imagem, repara o momento exato em que as pessoas ou coisas se mostram por inteiro, e nos faz ver algo que até então era desconhecido, ou que havíamos entrevisto com os olhos embaçados pela pura e simples realidade.
Bresson, último mito vivo da fotografia, diz que “o aparelho fotográfico é um caderno de croquis, instrumento da intuição e espontaneidade, o mestre do instante que, em termos visuais, questiona e decide ao mesmo tempo. Para revelar o mundo, é preciso sentir-se implicado no que se enquadra através do visor”. Para ele somente duas coisas o interessam: o instante e a eternidade. Talvez o maior segredo da obra de Bresson seja a idéia de colocar no mesmo ponto de mira, a cabeça, o olho e o coração. Para Bresson a emoção é fundadora da razão.
O fotógrafo fez de sua câmera Leica uma extensão do seu olho. Um olho que captou composições no breve intervalo do tempo e “apanhou a vida no laço”, expressando a emoção e não a visualidade banal do sentimentalismo ou do sensacionalismo. Bresson vivia “tocaiando seres humanos como um caçador tocaia animais”, escreveu John Berger. Nos seus instantâneos nota-se as regras básicas do fotógrafo: concentração, disciplina de espírito, sensibilidade e senso de geometria.
Bresson tem a noção exata do “momento decisivo” para capturar a imagem. No prefácio de seu ensaio sobre o momento decisivo, publicado em 1952, ele anota que “alguém entra repentinamente no seu campo de visão. Você começa a seguir essa pessoa através do visor da máquina. Você espera, espera, e finalmente aperta o disparador _ e sai com a sensação (embora não saiba exatamente por quê) de que realmente pegou alguma coisa”.
O momento decisivo é uma fração de segundos em que os personagens em movimento adquirem um equilíbrio geométrico. Ele considera “a atenção e a antecipação do momento decisivo”, o instante único quando a imagem pode ser roubada do tempo, como uma ocupação que o fotógrafo deve adquirir naturalmente, como a arte do arco-e-flecha de um mestre zen, que se transforma no alvo para poder atingi-lo.
Em “Tête à Tête; Retratos de Henri Cartier-Bresson; Ed. Companhia das Letras), o fotógrafo apresenta uma coletânea de retratos e desenhos a lápis que exploram a paisagem variada do rosto humano. Ele não recorre a artifícios de composição, mas busca nos retratados os traços expressivos. Revela o silêncio dos retratados; amplia o humor desconcertante de Saul Steinberg com o gatinho, a face existencial de Giacometti e Beckett, a alegria contagiante de Che, a sombra infinita de Erza Pound, a solidão de Sartre em Paris.
Bresson retrata a época em que viveu e, por isso, nos oferece uma profunda investigação da nossa permanência no mundo. Suas imagens, em estado de graça, dotadas de densidade e história, revelam as coisas vividas. Para ele, fotografar é olhar de verdade para o mundo. Sua arte é um tributo ao ser humano.
____________

O fotógrafo aventureiro

Henri Cartier-Bresson, francês, nascido em 1908 se autodenomina foto-jornalista. Mas poucas fotos de sua autoria tratam de fatos jornalísticos, num sentido convencional. Fotografou mais entre a década de 30 e os anos 70. Estudou pintura com o cubista André Lhote. Em seguida estuda cinema nos EUA com Paul Strand e depois trabalha como assistente de Jean Renoir, no filme “A Regra do Jogo”.
Bresson começa a fotografar em 1932, com fascínio tanto pelo Surrealismo _ “sua ética mais que sua estética” _ como pela ebulição política na França que acabou na Frente Popular contra o fascismo. “O aventureiro em mim sentiu-se obrigado a registrar com um instrumento mais rápido que um pincel as feridas do mundo”.
O fotógrafo foi preso em 1940 pelo exército alemão em Paris. Fugiu e continuou a fotografar a “resistência” para revistas como “Life”. No final da Segunda Guerra, fundou com Robert Capa, David Seymour-Chim e George Rodger a agência de fotografias Magnum e passou duas décadas seguintes em missão, testemunhando as revoluções que assolaram a China e a Índia. Suas fotos, tiradas com a lendária Leica 35mm, comentam os eventos e personagens mais singulares deste século.
Em 1954 tornou-se o primeiro fotógrafo ocidental a entrar na União Soviética após a distensão promovida por Nikita Kruschev. Em 1966 desliga-se da agência Magnum e passa a dedicar-se exclusivamente ao desenho e à pintura.
Bresson anotou em 1992 que “a fotografia é, para mim, um impulso espontâneo de uma atenção visual perpétua, que captura o instante e sua eternidade. Já o desenho elabora por sua grafologia o que nossa consciência captura desse instante. A foto é uma ação imediata; o desenho uma contemplação”. (Pedro Maciel)

Fotografia é arte?

Henri Cartier-Bresson, Hyères, 1932
Comecei a ler o delicioso “8 X fotografia”, livro de ensaios – não por acaso, oito – organizado por Lorenzo Mammì e Lilia Moritz Schwarcz. Trata-se de discussão travada entre 23 de setembro e 25 de novembro de 2004 por especialistas das mais diversas áreas de atuação, tais como críticos de arte, filósofos e antropólogos, dentre outros. O primeiro ensaio, escrito por Alberto Tassinari, é primoroso. A partir do “instantâneo” aqui postado, ele disseca os aspectos de colagem da obra de Cartier-Bresson. Diz Tassinari: “O que elas buscavam (as fotografias), e tantas vezes encontraram, era o feliz cruzamento no mundo de dois ou mais acontecimentos similares e independentes um do outro. É pela junção desses acontecimentos independentes que a fotografia se mostra e pode ser vista como uma colagem”. O livro não deve nada aos excelentes ensaios deixados por Susan Sontag, que, no além-túmulo, não poderá, infelizmente, apreciá-los.
P.S.: Discussões à parte, Bresson é arte.

O meu encantamento poético

Passei o sábado relendo poesia. Li até mesmo Wordsworth, que me foi apresentado por Borges. Mas, por mais mentiroso que possa parecer, encantei-me com o poema “Garça”, de Manoel de Barros.
A palavra garça em meu perceber é bela.
Não seja só pela elegância da ave.
Há também a beleza letral.
O corpo sônico da palavra
E o corpo níveo da ave
Se comungam.
Não sei se passo por tantã dizendo isso.
Olhando a garça-ave e a palavra garça
Sofro uma espécie de encantamento poético.
P.S.: Quando eu era criança, achava a palavra “jacaré” a mais bonita de todas. Não sei o motivo. Talvez porque ela seja pronunciada aberta como a boca do Alligator mississippiensis…

O Caderno Rosa de Madre Teresa

A edição deste mês da revista Piauí traz uma excelente matéria assinada por Rodrigo Naves. Trata-se de uma homenagem ao falecido escritor José Paulo Paes que, na minha opinião, foi quem melhor traduziu Kaváfis para o nosso idioma. Os pontos altos do texto são dois: o título – “Um homem como outro qualquer” – e a relação da figura do escritor com a sua obra, a decepção que muitas vezes é vivida pelo “fã” quando encontra o seu “ídolo”. Diz Naves: “Numa passagem comovente, falando de Cézanne, Merleau-Ponty diz que o melhor de um artista deve ser buscado na sua obra. É nela que as incapacidades pessoais de alguma forma se redimem, em que os nossos limites fazem vislumbrar algo do que se conseguiu ser, e por isso as obras precisam ganhar a luz do dia. Neuróticos renitentes deixaram trabalhos admiráveis. Cézanne, por exemplo. São os pecadores que entendem de salvação. Não os carolas.” Lembrei-me do primeiro e fortuito encontro que tive com Hilda Hilst poucos dias antes de sua morte. Estava serena. Era a expresão da paz, da castidade que nunca existira em sua obra genial. O choque de esperar Lori Lamby mas encontrá-la convertida em Madre Teresa.

Categorias

Sobre ScienceBlogs Brasil | Anuncie com ScienceBlogs Brasil | Política de Privacidade | Termos e Condições | Contato


ScienceBlogs por Seed Media Group. Group. ©2006-2011 Seed Media Group LLC. Todos direitos garantidos.


Páginas da Seed Media Group Seed Media Group | ScienceBlogs | SEEDMAGAZINE.COM