Vampiros

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Castelo de Bran, Transilvânia

A onda das sagas vampirescas parece não ter fim. Desde as prateleiras das livrarias até as salas de cinema, passando pelas vitrines de lojas de roupas para adolescentes e revistas de fofoca, há uma verdadeira invasão. Não assisti aos filmes e nem li os livros que tratam do tema, embora isso não invalide as minhas opiniões a respeito do fenômeno. Antes de mais nada, precisamos analisar a mítica figura do vampiro e a razão contextualizada de seu sucesso em pleno século XXI. Ora, os predicados encarnados pelo conde Drácula são irresistíveis: imortalidade e sex appeal. Temos, acesso
riamente, a forma esbelta, que, não nos esqueçamos, é moldada às custas de sangue humano, e o poder de encantamento de animais noturnos. Em uma sociedade que valoriza cada vez mais a juventude, o vigor sexual, o corpo sarado e as explicações místico-religiosas para os fenômenos naturais e evolutivos, nenhuma surpresa causa o triunfo da figura diabolicamente sedutora do vampiro. Li que há jovens que conhecem em detalhes inacreditáveis tudo o que diz respeito a tal série de Stephenie Meyer – Crepúsculo, Lua Nova, Eclipse e Amanhecer. Existem, até mesmo, relatos de pacto de sangue envolvendo adolescentes e a fidelidade a preceitos “vampirescos”. Lembrei-me destes versos do poeta maldito François Villon:

“Príncipe, eu sei, de tudo estou a par,
Conheço os de tez branca ou de carmim,
Sei que a Morte vem tudo consumar,
Tudo conheço, caso exclua a mim.”

Será assim? Esses jovens conhecem tudo, menos a eles próprios?                          
   

Ler

Acredito que o desfrute de certos autores, o mesmo valendo em relação a compositores, é um processo lento, sem fim, alinhavado pelas experiências de leituras sucessivas e, claro, pelas experiências de vida. Ninguém começa – pelo menos não deveria – por James Joyce ou J.L. Borges a deleitosa jornada da leitura. Passei por muito Monteiro Lobato e um pouco de Júlio Verne. Descobri, depois, a coleção “Para gostar de ler”, que reunia crônicas de três dos “quatro cavaleiros do apocalipse”, Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, além de outro ilustre mineiro, Carlos Drummond de Andrade. Lembro-me como se fosse hoje quando, ao voltar da escola, ainda dentro do ônibus, abri o livro na página de uma crônica de Drummond intitulada “Recalcitrante”. Como um foguete, assim que cheguei em casa, corri até a estante e abri o Aurélio:”adj.2g.s.2g. que ou aquele que recalcitra, que resiste obstinadamente”. A adolescência me trouxe Machado de Assis – por prazer e obrigação-, Eça de Queirós – por obrigação e prazer, inicialmente nessa ordem- , George Orwell e Guimarães Rosa – então um choque para os meus padrões conservadores de linguagem -, dentre outros. Atrevi-me a folhear livros de filosofia, sem muito entusiasmo. A exceção foi Platão, que me prendeu com os diálogos de “A República” que descobri num volume amarelado de meu pai. Minha vida de leitor se incrementou depois do contato com a professora de literatura Walquíria, no primeiro colegial. Alicerçadas as bases,  o caminho estava pronto para os livros. Descobrir, escolher, ler, apreender, reler e opinar. Certa passagem também ficou para sempre gravada em minha memória. Aos 11 anos, recebemos, na escola, a visita do escritor Ignácio de Loyola Brandão. Ele falou sobre a sua infância em Araraquara, sobre coisas de criança e, claro, sobre livros. A sua alegria e emoção ao falar me contagiaram. Naquele dia, cheguei em casa com uma decisão definitiva: a leitura sempre seria a minha companheira. Cara professora Walquíria, caro Ignácio, se este post chegar até vocês, recebam a minha perene e sempre insuficiente gratidão.       

P.S.: Estive na Argentina, sem tempo para o blog. Peço a compreensão dos fiéis leitores.
                    

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Desaparecer



Labirint
Labirint

O último livro do escritor catalão Enrique Vila-Matas acaba de ser publicado no Brasil. “Doutor Pasavento” (Cosac Naify, 410 páginas) trata do desaparecimento do sujeito e do ato de escrever como artifício para se ausentar de si mesmo. Recheado de eruditas e bem humoradas citações, Vila-Matas percorre o tema desde o imperador romano Tibério até Robert Walser e – claro – J.D. Salinger. Em seu ensaio-romance anterior, “Bartleby e companhia”, o assunto já havia sido abordado, ainda que com outro enfoque. Parece que, assim como os recorrentes tigres e labirintos de Borges, o  catalão é obcecado pela ideia de desaparecer e existir apenas na amorfa e anônima multidão, reflexão mais do que oportuna na atual era da celebrização a qualquer preço. Paradoxalmente, Vila-Matas assinala a perenidade da obra, que abrigaria a sombra quase esquecida do voluntário recluso autor. Citando o poeta sírio Adonis, o paradoxo está desfeito e esclarecido: “Todos esses mortos ao nosso redor,/ onde sepultá-los senão na linguagem?”. Ou, como diria o escritor brasileiro Pedro Maciel, “o leitor é mais importante do que o autor”.

Doutor Pasavento roubou minha voz. Parece que após algum tempo sem falar perdemos a vontade de assim o fazer. E percebemos que não há nada para dizer. Tudo já foi dito. Tudo é irrelevante. Calemo-nos.

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