Contra a nação

Los desastres de la guerra, Goya.

 

Este post poderia ser uma continuação do anterior. A leitura de “A invenção do povo judeu”, de Shlomo Sand (editora Benvirá, 573 páginas), só fez reiterar em mim a convicção de um absurdo chamado “nação”. O autor retoma tema antigo, já tratado com maestria por intelectuais do porte de Eric Hobsbawn e Ernest Gellner, para citar apenas dois. Sand, judeu, professor de história contemporânea na Universidade de Tel-Aviv, demonstra como a formação das unidades nacionais foi e ainda é feita de maneira quase mítica, apoiando-se em narrativas que carecem de qualquer verossimilhança histórica. Por exemplo, é a bíblia que legitima, a partir da descrição da primeira diáspora, a reivindicação do povo hebreu pelas terras da Palestina. É claro que não é esse o único “documento”, mas a passagem ilustra com rigor outras absurdas alegações que respaldam o direito àquela terra. O fenômeno não é exclusivo do “povo judeu”, embora o autor tenha escolhido o tema exatamente por sua isenção e credibilidade: um judeu austríaco, que passou parte da vida em um campo de refugiados na Alemanha e, depois, emigrou com os pais para Israel. Na época de maior beligerância entre franceses e alemães, cita Sand, a França assumiu a ancestralidade gaulesa, quando, na verdade, desse ponto de vista, Sarkozy e companhia são muito mais próximos dos teutões. Os exemplos são infinitos e, infelizmente, a irracionalidade da busca pela “identidade nacional” já resultou na morte de centenas de milhares de pessoas. As delimitações das fronteiras também se baseiam em características “étnicas”, compartilhamento dos “mesmos valores culturais”, de “crenças religiosas comuns”, dentre outras frágeis e equívocas argumentações. É nesse contexto que também estão inseridos os “herois nacionais”, figuras criadas pelo imaginário de uma nação em gestação, que alimenta mitos fundadores e injeta a semente do nacionalismo potencialmente radical. Como escreveu Karl W. Deutsch, citado por Sand, “uma nação é um grupo de pessoas unidas por um erro comum em relação a seus ancestrais e uma aversão comum em relação a seus vizinhos.” As diferenças entre mim e você, caro leitor, são ainda mais sutis do que imaginamos.

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