“Monsieur” Da Vinci

Leonardo Da Vinci está na Oca. Faz exatamente um ano que vi exposição semelhante, acrescida de rico material visual eletrônico que simulava as obras do gênio em funcionamento, em Florença – acho que na Galleria dell’Academia. Acredito que as interpretações e significados de boa parte do trabalho de Da Vinci – pintor, inventor, cientista, arquiteto, engenheiro, filósofo e anatomista- ainda não foram esgotadas. Freud teceu longas considerações psicanalíticas baseadas em telas do mestre. Paul Valéry disse que “o homem só é homem na superfície. Levante a pele, disseque: aí começa o maquinismo. Depois, nos perdemos em uma substância insondável, alheia a tudo o que conhecemos e, todavia, crucial”. Pego emprestada as palavras de Monsieur Valéry para demonstrar o que nos pode revelar a obra de Da Vinci, se vista com olhos apropriados.

O fauvismo de Cartier-Bresson

O fauvismo, por muitos tido como “uma espécie de introdução ao cubismo”, nos dizeres de Sarah Whitfield, teve como principal representante Henri Matisse. Falar em cubismo, por sua vez, é visualizar Picasso e Les Demoiselles d’Avignon. A minha idéia inicial era postar a referida obra do espanhol irreverente e colocá-la ao lado de La Desserte, de Matisse, e tentar estabelecer um diálogo entre elas, já que estariam conceitualmente relacionadas. Mas, ainda contaminado pelas lembranças do ensaio de Susan Sontag, optei por colocar os duas fotos acima: Matisse (e suas pombas) fotografado por Cartier-Bresson; Picasso (e seu filho) pelas lentes de Robert Capa. As fotos dizem alguma coisa?

Diante da dor de Goya

Poucos intelectuais tiveram a integridade e a imparcialidade, o compromisso com a “verdade”, como Susan Sontag. Lembrei-me dela em virtude da exposição das gravuras de Goya, no MASP, que vai até o dia 20 de maio. A capa da edição brasileira de ” Diante da dor dos outros” (Cia. das Letras, 107 páginas) é ilustrada por uma gravura de Goya, “Tampoco”(água-forte), prancha 36 de Los desastres de la guerra-veja acima. Em seu excelente ensaio, Sontag descreve o produto da invenção de Daguerre como genuína fonte de alquimia – “As fotos objetificam: transformam um fato ou uma pessoa em algo que se pode possuir. E as fotos são uma espécie de alquimia, a despeito de serem tão elogiadas como registros transparentes da realidade”. Mais adiante, ela consegue a proeza de sintetizar a nossa era em poucas palavras, o que Carpeaux conseguira tempos antes em várias páginas, mas não sem menos brilho (“A época ótica”, 1966): “Lembrar, cada vez mais, não é recordar uma história, e sim ser capaz de evocar uma imagem”. Vá correndo ao MASP.

O espectador como ator

“A arte torna-se uma generalidade, um processo antes de mais nada existencial e, conseqüentemente, filosófico”. Vilém Flusser (Praga,1920-São Paulo,1992).

Poucas obras de arte exigem mais reflexão e são dotadas de tantos significados como Las Meninas, de Velásquez. Para quem quiser saber um pouco mais, recomendo “As palavras e as coisas “, de Michel Foucault. Só para instigar: divida o quadro a partir de uma linha diagonal que se inicie no canto superior direito; note que há um nítido predomínio de linha curvas na metade inferior direita, enquanto predominam as linhas retas na outra metade. Está iniciado o primeiro debate filosófico que a obra sugere…

Moacyr Scliar, ou…

Nunca viajem pela COPA Airlines. Esta foi a segunda vez que viajei pela tal companhia e, pela segunda vez também, tive problemas – atrasos, falta de tripulação, despreparo do pessoal de solo. Enquanto esperava, finalmente, pelo tão anunciado vôo, li uma entrevista de Moacyr Scliar, que falou sobre o seu novo livro, “O Texto, ou: a vida”, para a revista Cult. Gosto do jeito como Scliar escreve e acho “Saturno nos Trópicos” e “A paixão transformada” suas grandes obras. Como acabo de chegar da Colômbia, que se orgulha de ser mais lembrada por Gabo e a qualidade do café do que pelo narcotráfico e as FARC, com toda justiça, reproduzo aqui um fragmento de seu novo livro que fala do ofício de escritor: “Uma ocupação que não parece trabalho mobiliza arcaicos sentimentos de culpa; afinal, e ao menos no Ocidente, ainda vivemos sob a influência do bíblico ‘ganharás o pão com o suor do teu rosto’. Isso talvez explique um curioso ritual do Nobel Gabriel García Márquez. O escritor colombiano conta que, quando se senta para escrever, coloca sobre a mesa os mais variados objetos, lápis, tesoura, cola, borracha, grampeador – para se sentir como um operário”. Sim, um operário, que transpira para nos deleitar com a sua gran ópera.

Enfim, o cheesecake de uísque

La Cava Cocina e Vinoteca
Cartagena de Índias, Colômbia, 15/03/2007.

Borges e o cheesecake de uísque

Lembro-me de Alberto Manguel entrevistando o velho J.L. Borges. Lá pelas tantas, após várias considerações sobre a poesia de Coleridge e Wordsworth, a prosa de Proust e, claro, Martín Fierro e Beowulf, Manguel perguntou a Borges o que ele achava de James Joyce, eleito “o maior escritor do século XX”. De maneira bastante irônica, própria, disse: “Um escritor que obriga o seu leitor a ler duas vezes (ou mais) a mesma frase para entendê-la não pode ser considerado bom. Essa é a minha opinião”. Talvez, essa afirmativa seja a resposta para a existência de livros impossíveis de se passar das primeiras páginas…
P.S.: Continuo na Colômbia, em Cartagena. Há uma parte da cidade, chamada Cuasco Antiguo, que é toda murada: casas coloridas, ruas limpas – em sua maioria – e bons restaurantes. Experimentei um exótico cheesecake de uísque, que estava muito bom, acreditem. Os insistentes vendedores ambulantes, que te agarram pelo braço oferecendo os mais estapafúrdios “regalitos” são um ponto negativo. O maior orgulho local é Gabo, por supuesto.

Yes, nós temos Godiva!

Caros amigos, pelos próximos dias este blog estará sem novas postagens. Estou, neste exato momento, no aeroporto da Cidade do Panamá, onde aguardo conexão para Cartagena de Índias -obrigações acadêmicas, apenas. É digno de nota que, em toda a área de embarque deste aeroporto, que é repleta de lojas de perfumes, bebidas, bolsas, roupas de grife, chocolates (Godiva, aqui no Panamá!) e afins, não há uma “bookstore” sequer!

As camadas de Carpeaux

Philosopher in Meditation , byRembrandt van Rijn, 1632

Pode parecer uma heresia, mas eu poderia dedicar todo o tempo da minha vida a conhecer, estudar e redescobrir a obra de apenas dois pintores: Rembrandt e Velásquez. Escrevo isso porque hoje é sábado, raro dia de ócio contemplativo, em que aproveito o dolce far niente para apreciar, sem pressa, o insuperável mestre holandês. É curioso como nesses momentos sempre rememoro um ensaio de O.M. Carpeaux, que falava das três “camadas” da arte. A primeira camada é constituída pelo ambiente social do artista e, por isso mesmo, está sujeita à dialética histórica. Já a segunda, diz respeito ao talento individual, às qualidades pictóricas, ao gênio do pintor. E a última, para citar Georges Braque, “é a arte em si, a arte que apresenta o aspecto visível de mundos invisíveis”. Ave Carpeaux!

Ecos de Marx

A edição deste mês da revista EntreLivros traz um interessante ensaio assinado por Umberto Eco. O escritor e também professor de semiótica na Universidade de Bolonha descreve o papel do jornalista em tempos de revolução digital. A internet, com a sua capacidade de difundir informação de maneira rápida e ampla pelo mundo, está provocando o arrefecimento do jornalismo informativo, que passará a ser, em grande parte, pelo menos, substituído pelo jornalismo opinativo. A argumentação é bastante simples: imagine que o presidente da Somália seja assassinado às 2h00, horário de Brasília. Nesse horário, a maioria das redações de jornais já “rodou” os seus exemplares, que não incluirão a notícia sobre o soberano somali. É óbvio que, alguns minutos após o ocorrido, a notícia já circula por todos os “sites” noticiosos da rede. Assim, não há sentido algum em repetir a tal informação no próximo número do jornal impresso, exceto se houver o comentário, a opinião do jornalista. Fico curioso em saber qual seria a opinião do velho Marx, que ao definir a história disse: “ (…) podemos concluir que a história em processo é a história dos homens, o modo como eles produzem socialmente a sua vida, ligando-se ou opondo-se uns aos outros, de acordo com a sua posição nas relações de produção, na sociedade e no Estado, e gerando, assim, os eventos e processos históricos que evidenciam como a produção, a sociedade e o Estado se preservam ou se alteram ao longo do tempo”. Bem unidos façamos/Desta luta a final/De uma terra sem amos/A Internacional…

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