Publicado
28 de jul de 2008
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Fui ao cinema. Além do novo Batman, também assisti a Era uma vez…, novo filme de Breno Silveira, o mesmo diretor do maior sucesso de bilheteria nacional, “Dois filhos de Francisco”. O filme é bom e é ruim. Bom porque escancara toda a podridão da conivência das “autoridades” policiais com o tráfico de drogas dos morros cariocas. Ruim porque não é novidade. Bom porque, como disse Zuenir Ventura no Estadão de ontem, demonstra que “o carioca das classes médias persiste, intimamente, no sonho de ‘solução final’. Sonha com o Exército que sobe, a polícia que atira e o confronto que consumará o fim. Não é por maldade ou patologia. É por medo e insegurança”. Ruim porque o faz de maneira muito esquemática, didática ao extremo. Bom porque enxerga na cultura uma última – e talvez única – tentativa de unir dois mundos que estão tão distantes estando tão próximos. (A faxineira, o copeiro, o motorista, o balconista da padaria e do açougue, a manicure, o ascensorista, o zelador do prédio, todos empregados na zona sul, moram nos Morros invisíveis). Ruim porque Shakespeare já escreveu “A Tragédia de Romeu e Julieta” de forma original e definitiva, sem possibilitar qualquer condescendência com releituras tupiniquins previsíveis e, pior que o novo Batman, inverossímeis. (É característico, além de esperado e desejável, que os filmes de super-heróis sejam inverossímeis, pois eis a graça). Voltemos a Zuenir. Ele tocou no termo “solução final”, que causa arrepios a qualquer pessoa minimamente informada, mas, tal como boa parte da população alemã à epóca de Hitler, tenta justificar a conduta dos cariocas dizendo que o desejo por tal solução não é motivado por maldade, mas por medo. Respondo ao autor de Cidade Partida com os últimos dizeres de Sartre em “A Questão Judaica“: Nenhum francês estará em segurança enquanto um judeu, na França e no mundo inteiro, puder temer pela própria vida.
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20 de jul de 2008
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As quatro idades da vida, Edvard Munch, 1902
Dizem que há idade mínima para se escrever um romance. Os jovens, teoricamente, “não viveram o suficiente”, signifique isso o que quer que seja. Parece que somente após os 40 anos os bons romancistas afloram. Claro está que os poetas já nascem prontos, vividos, experimentados, como nos provam Rimbaud, Carpinejar e Plath, dentre muitos outros. Este final de semana, entre a tediosa leitura dos jornais e a audição de um pouco de chanson française, peguei-me pensando no oposto: há uma idade máxima, além da qual não deveria mais se escrever romances? Acredito que a motivação dessa indagação tenha sido alguma de minhas leituras recentes. Philip Roth, por exemplo. O seu último romance, “Fantasma sai de cena”, faz com que terminemos a última página do livro com a seguinte impressão: nós, homens, estamos fadados ao mesmo fim nada glorioso. Impotência e incontinência. Toda a sua vida será resumida e absorvida por essas duas condições. Feliz daquele que atingir idade suficiente para ter esses problemas? Acho que, talvez, Roth tenha passado da idade de escrever romances. Aceito argumentos contrários, pois não estou totalmente convencido disso. Quem sabe não seja a hora de migrar para os ensaios, Roth? Outro que anda dando sinais de “idade-limite” é o Coetzee, mas não me alongarei. Veja por você mesmo folheando o Diário de um ano ruim. Encerro apropriando-me de uma citação de Nietzsche que encontrei no ótimo livro de Eduardo Gianetti (O livro das citações, Cia. das Letras ): “Os jovens amam o que é interessante e peculiar, não importa até onde seja verdadeiro ou falso. Espíritos mais maduros amam na verdade aquilo que nela é interessante e peculiar. Por fim, cabeças totalmente amadurecidas amam a verdade também onde ela parece ingênua e simples e é enfadonha para o homem comum, porque notaram que a verdade costuma dizer com ar de simplicidade o que tem de mais alto no espírito”. Incontinência e impotência: será essa a verdade a ser dita?
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19 de jul de 2008
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Ainda sobre “O escafandro e a borboleta”. A trilha sonora é primorosa. Charles Trénet e “La Mer” sempre fazem bem.
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Bom final de semana.
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12 de jul de 2008
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Cedendo às solicitações de alguns frequentadores deste blog, optei por fazer uma curta lista dos cinco contos que, de alguma maneira, me pegaram pelas vísceras. Pois vamos a eles:
– “Hoje de madrugada”, de Raduan Nassar
– “Aí pelas três da tarde”, de Raduan Nassar
– “O ventre seco”, de Raduan Nassar
– “Os olhos dos pobres”, de Charles Baudelaire
– “A causa secreta”, de Machado de Assis
Para quem ainda não conhece Raduan Nassar, eis uma boa oportunidade. Eu, infelizmente, não terei o prazer de ler Raduan e os contos acima como se fosse a primeira vez.
P.S.: Obriguei-me a apenas cinco. É óbvio que a lista não é assim tão enxuta.
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7 de jul de 2008
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Fui ao cinema. O filme, “O Escafandro e a Borboleta”, de Julian Schnabel. Não discutirei o enredo, mas as críticas sobre a excelente película. Nenhuma delas tocou no ponto que, a meu ver, é crucial, o cerne de todo o desenrolar das cenas. A grande protagonista é a Memória, com maiúscula. O esforço descomunal para “escrever”, letra por letra, uma autobiografia a partir do piscamento, que é decodificado por uma jornalista, só encontra êxito porque há uma Memória capaz de evocar fatos e colorí-los adequadamente. O homem enclausurado em si mesmo após um derrame, incapaz de quaisquer movimentos exceto o piscar do olho esquerdo, consegue se libertar, voar como uma borboleta ao recordar de lugares previamente visitados, de situações prazerosas, de extravagâncias gastronômicas. Lembrei-me do conselho de Agostinho (descrito por Petrarca em Secretum meum): “Sempre que leres um livro e encontrares frases maravilhosas que te instiguem ou deleitem teu coração, não confies apenas no poder de tua inteligência, mas força-te a aprendê-las de cor e torná-las familiares meditando sobre elas, de tal forma que ao surgir um caso urgente de aflição terás sempre o remédio pronto, como se estivesse escrito em tua mente. Quando encontrares quaisquer trechos que te pareçam úteis, faz uma marca forte neles, que poderá servir de visco em tua memória, pois de outra forma eles poderão voar para longe”. Carpe diem.