Oxímoro dominical

Ando sem tempo. Para os pragmáticos, nada mais que indisciplina. Para os místicos, inferno astral. Para mim, um pouco dos dois. Seja lá qual for a razão, passei o domingo sem nenhuma pausa livre para o blog. No rádio, por acaso, uma canção de Lenine chamou a minha atenção. Paciência. Vontade de parar tudo, fugir do caos de São Paulo meio a la Bouvard e Pécuchet ou a la Jack Kerouac. Entendi o que quis dizer Manoel de Barros com o verso “não aguento ser um sujeito que olha o relógio”. É isto – sou um escravo do relógio. Reificação absoluta; as coisas têm a mim e eu não as tenho. Será lúcida essa loucura imposta pelas coisas? Apenas um oxímoro, talvez. A ciência já comprovou: inferno astral tem fim. Ou será só mais um oxímoro?

Paciencia – Lenine

Carnaval: canto de paz?


Jovem defendendo-se de Eros
(Bouguereau, 1825-1905)

Acho que foi em alguma crônica do Mário Prata, não me lembro ao certo. Li a provável origem da palavra carnaval, uma corruptela da expressão latina “Currus navalis“. Nos idos da antiga Roma, após o período de construção de barcos que ocorria de abril a janeiro, no mês de fevereiro os “carros navais” eram levados até a água. A procissão era acompanhada pela cantoria de uma multidão de romanos enfeitados e embriagados – a perfeita comunhão de Eros e Baco. (Em se tratando de romanos, talvez o mais correto fosse dizer Cupido e Baco). Exceção feita aos barcos, o carnaval continua sendo a festa desses dois deuses. Mas não nos esqueçamos que Eros é filho de Caos e, como diz a sabedoria popular, quem sai aos seus não degenera. Para mim é isto: carnaval é a antropomorfização do caos. Nada mais prudente do que manter distância de tudo que se refira a ele. Não há sociologia nenhuma que me convença do contrário. Sou mais apolíneo que dionisíaco, ainda que consiga enxergar a beleza da “Marcha de quarta-feira de cinzas”, de Vinicius e C. Lyra. Oxalá se concretizem os seus últimos versos: “Quem me dera viver pra ver/ E brincar outros carnavais/ Com a beleza dos velhos carnavais/ Que marchas tão lindas/ E o povo cantando seu canto de paz/ Seu canto de paz.”              

A wikipédia informa outra origem para a palavra carnaval, embora não haja embasamento para a explicação nem a fonte. Fico com o Pratinha.        

Cony

A obra de Carlos Heitor Cony sempre me prendeu do começo ao fim. Um daqueles raros escritores que, como disse Nietzsche, não é preciso aprender a amar: ama-se desde a primeira página. Meus livros favoritos são dois: Antes, o verão (1964) e Pilatos (1974). Esses romances – como todos os demais – são ambientados no Rio de Janeiro, pois complexos, amargurados e irônicos sem nenhuma autoindulgência o cenário de seus personagens não poderia ser outro. Cony foi agraciado duas vezes (1957 e 1958) com o prêmio Manuel Antônio de Almeida, o que não deixa de ser curioso, uma vez que ambos são escritores cariocas que se notabilizaram pela criação de figuras picarescas, como o protagonista sem nome e “sem caralho” (sic) de Pilatos e o famigerado Leonardo Pataca de Memórias de um sargento de milícias (1854). A epígrafe que inaugura a terceira e derradeira parte de Pilatos revela muito da biografia atormentada do próprio Cony, que sempre se viu dividido entre a adoração ao ritual cristão (foi seminarista por quase dez anos) e a falta de fé (“…eu não tinha fé. Descobri que não tinha fé. Queria ser padre, mas sem fé. Achava muito bonita a profissão de padre, batina, missa em latim, eu gostava de tudo isso”): “Eis a verdade profunda,/mudá-la ninguém pode:/até o papa tem bunda,/até a nossa mãe fode.”                       

     Lembrei-me de Cony na última semana, quando flagrei dois jovens conversando entusiasmadamente sobre o último livro de Dan Brown. Segundo eles, “é impossível largar o livro; ele escreve muito bem e prende a atenção o tempo todo”. Pensei comigo mesmo se aqueles jovens já haviam lido Cony e tive uma comichão de indagá-los a respeito. Passou. Não disse nada.     

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