Cabralinos e borgianos

Caro M.C.*,

após a nossa agradável conversa, fiquei pensando no que você me disse. João Cabral precisava dos outros para se realizar como poeta. Era a partir da opinião alheia que ele nutria o seu ego e encontrava o combustível necessário para continuar escrevendo. Isso ficou bastante nítido após o relato do seu encontro, à beira da piscina, com o diplomata pernambucano à epóca em que ele servia em Dacar. Entre várias doses de uísque e incontáveis comprimidos de aspirina (sim, aspirinas engolidas com scotch 12 anos, uma dessas excentricidades de poeta!), João Cabral tentava se inteirar de como os seus pares brasileiros enxergavam a sua obra, se ele continuava fazendo parte da elite de escritores nacionais. Muito oportuna a sua consideração sobre a vaidade do recifense e o peso insuportável que a cegueira representou ao final de sua vida. Tornou-se cabisbaixo, amargo, sem gosto por viver. A comparação com J.L. Borges foi a antítese perfeita, pois cego e feliz, o argentino continuava a se deleitar com a literatura, com os versos de Dante, Coleridge e Wordsworth e com o absurdo dos mitos nórdicos, o Beowulf. Será que existe, M.C., uma divisão entre escritores que escrevem para si e escritores que escrevem para os outros?
Com estima, Amigo de Montaigne.

*M.C.: grande poeta brasileiro e amigo.

Argh! É Carnaval…

Nada mais enfadonho do que o Carnaval. Que Toots Thielemans me salve…
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E do entendimento fez-se o silêncio

Hilda Hilst, Casa do Sol, 2004. Foto de Eder Chiodetto.

Desde o oráculo de Delfos, o “conhece-te a ti mesmo” foi dito e redito das mais poéticas e líricas maneiras. Gosto, especialmente, da forma que ouvi de Hilda Hilst: “Sou eu esta mulher que anda comigo…?”. Ainda que petulante, ousaria modificar a inscrição grega para “conhece a tua infância e conhecerá a ti mesmo”. Ora, dirão os mais atentos leitores, mas eis, justo aí, a sacada genial de Freud – nada de novo sob o sol. O recém-lançado – e primeiro – livro de contos de Milton Hatoum, “A Cidade Ilhada”, é a mais límpida síntese desse pretenso aforismo. É o cavoucar da infância, dissecada com os olhos do homem já maduro, que possibilita a catarse do menino crescido. E, se não produz a redenção, a compreensão da própria arquitetura psíquica está garantida. O bom escritor só escreve até atingir esse clímax catártico. Aqui, obrigatória se faz a lembrança de Raduan Nassar. E compreende-se, acredito, a atitude de reclusão do autor de Lavoura Arcaica – não há mais nada a dizer; André já disse tudo. Assim como a própria Hilda, que se refugia, calada, na Casa do Sol, em Campinas. Vítima de Apolonio de Almeida Prado Hilst, seu pai, Hilda encontra a si mesma por meio de seus versos. E cala-se. Será que continuaremos sem compreender a importância da infância até que ela nos exija maiores explicações ?

“Ab manu”

Cyro dos Anjos. Fotos do Acervo Museográfico de Escritores Mineiros da UFMG.

Cada vez que calha, a releitura de O amanuense Belmiro é um verdadeiro deleite. Obra do mineiro Cyro dos Anjos, poucos livros são tão bons e tão negligenciados pela crítica, exceção aqui feita ao mestre Antônio Cândido. Dele são as palavras “livro que lida com os problemas do homem num tom de tal modo penetrante que autor e leitor se identificam, num admirável movimento de afinação”. Não por acaso, são sempre pertinentes as citações de Montaigne feitas por Belmiro ao longo de sua espécie de diário. Nas páginas dessa deliciosa obra é que encontrei a explicação do fascínio exercido pelo romance em minha frágil, quase humana, arquitetura interior. “(…) Dentro do nosso espírito as recordações se transformam em romance, e os fatos, logo consumados, ganham outro contorno, são acrescidos de mil acessórios que lhes atribuímos, passam a desenrolar-se num plano especial, sempre que os evocamos, tornando-se, enfim, romance, cada vez mais romance. Romance trágico, romance cômico, romance disparatado, conforme cada um de nós, monstros imaginativos, é trágico, cômico ou absurdo.” Mas há ainda mais, além das linhas acima, que nada fica devendo a Machado ou a Gide. Enquanto bebe alguns muitos chopes com o amigo, diz Belmiro “entretanto, fiquei em boa forma e isso me fez pensar que a embriaguez depende, não da quantidade de álcool ingerida, mas do estado sob que a ingerimos”. Quais serão os estados mais propensos à embriaguez?

O primeiro post

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Destino cruel

Edward Hopper

Tive a dica de leitura no ótimo Cultural Amnesia, de Clive James. Há um verbete endereçado a Heda Margolius Kovály e uma espécie de resenha sobre a sua autobiografia Under a cruel star: a life in Prague 1941-1968. Fiz a encomenda pela Amazon. Nada mais oportuno que a sua leitura para aqueles que viram em Gaza “um novo Holocausto”. Nada mais absurdo que tal ingênua – ou mal-intencionada – comparação. Algumas passagens. No gueto de Lodz, um médico judeu tenta confortar pessoas doentes: “His mother, so thin that she herself looked like a child, was crying quietly in the corner. The doctor took out his stethoscope, listened for a while, patted the little boy’s head and sighed; he could do no more. At that moment, the child turned toward his mother and sternly, like a adult, said, ‘You see Mother? I told you all the time I was hungry but you give me anything to eat. And now I’m going to die.'” Mais adiante, durante um incêndio no gueto, Heda tenta remover o seu primo tuberculoso, fraco, então um menino com dezesseis anos de idade, que, apesar de sobreviver ao incêndio, morre três semanas depois: “My mother prayed, but I could not see the point of pleading with God for someone who had to die at the age of sixteen after so much suffering. There is nothing more senseless, more cruel, than dying before we have become guilty of sins that might justify death.” Seria possível seguir o conselho horaciano de manter a mente tranquila na adversidade*?

(*Aequam memento rebus in arduis servare mentem)

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