Gisele Bündchen, Stephen Jay Gould e Fernando Savater: juntos, pela primeira e última vez, somente no título deste post

Leio uma série de comentários de pessoas horrorizadas com a mais nova declaração da linda Gisele Bündchen. A modelo gaúcha não usa protetor solar; “não posso colocar esse veneno na minha pele”, disse a beldade. Gisele, o Brasil é o segundo país do mundo em número de pessoas mortas todos os anos em virtude de melanoma, agressivo câncer de pele que pode ter sua incidência significativamente diminuída com o uso do tal veneno por você aludido. O filtro solar pode ser incluído entre as 10 principais descobertas científicas das últimas décadas. Mas o motivo deste post é discutir o julgamento estético que, aprioristicamente, fazemos das pessoas. Ora, quem é Gisele Bündchen? Uma ex-menina pobre, nascida numa cidade de menos de 20.000 habitantes e que não completou o ensino médio.  Desde  modelo, viveu e ainda vive em meio a um mundo conhecido por sua futilidade e pelo cultivo de valores não intelectuais. Casou-se com um jogador de futebol americano, que, à parte o fato de falar inglês, compartilha da mesma envergadura cultural de Ronaldinho, Kaká e Washington. O problema é que a hipnótica beleza de Gisele faz com que os mais desavisados  esperem dela um discurso de teor beauvoiriano ou arendtiano, ou seja, que tenha a majestade de seus traços e de suas curvas. O meu guru Stephen Jay Gould escreveu um ensaio que, diante de situações como a que descrevo aqui, pode ser muito elucidativo. Em “A natureza humana do monstro” Gould discute que a maldade do monstro criado pelo Dr. Frankenstein não está determinada previamente, mas porque feio e esteticamente repugnante é enxergado como mau. No contraponto, temos Gisele, porque bela é enxergada como boa, inteligente, um modelo de conduta a ser seguido. O filósofo catalão Fernando Savater – outro de meus gurus – chama a atenção para o papel da família na educação dos futuros adultos, que devem aprender a “julgar” as pessoas  por métrica diferente daquela utilizada para a avaliação estética de seres inanimados e obras de arte. Espanto me causa não as declarações de Bündchen, mas o espanto causado por suas declarações.                               

Post walseriano

Dietario voluble de Enrique Vila-Matas


Domingo. Enrique Vila-Matas me prende com o seu Dietario voluble. O mês, junho de 2007. O escritor catalão registra uma nota que muito bem poderia ser minha. Na verdade, já a escrevi, não assim, há alguns bons anos, em meu Moleskine. “Hasta ahora el comienzo que más me había impresionado era de El extranjero. Lo leí en los días de mi extrema juventud y sin que nadie me advirtiera de lo que iba allí a encontrarme: ‘Hoy, mamá ha muerto. O tal vez ayer, no sé'”. Em português, diz Camus: “Hoje, minha mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem.” No original, “Aujourd’hui, maman est morte. Ou peut-être hier, je ne sais pas.” Não sei bem a razão, mas o final que, de súbito,  me vem à cabeça foi aquele assinalado por Canetti, em seu Auto-de fé, em que Peter Kien morre queimado em meio aos seus livros. Talvez a associação entre o início de Camus e o final de Canetti não tenha sido aleatória. Ambos, Meursault e Kien, são estrangeiros neste mundo. O primeiro porque carrega consigo o absurdo da vida. O segundo acredita que, tal qual um Borges caricato ou um Carpeaux decadente, a verdadeira vida é aquela dedicada aos clássicos, aos elevados valores literários. Enrique, a vida é absurda. Absurda é uma vida dedicada aos clássicos, Enrique. Mas mais absurda, Enrique, é a morte no dia de Natal, na neve, perto de um manicômio de Herisau.                   

Post kierkegaardllosiano

Don Quixote
Dom Quixote e Sancho Pança, por Gustave Dorè.

Começo o ano falando do último Nobel de literatura. Vargas Llosa, contrariando todas as minhas expectativas, levou o prêmio em 2010. E merecidamente. Digo que contrariou as minhas expectativas porque a Academia Sueca, há anos, mantém a sua postura etnocêntrica e de premiações de autores alinhados, politicamente,  mais à esquerda. Llosa, como todos sabemos, é latino-americano e de formação liberal. Sua obra, ainda que heterogênea em termos qualitativos, é digna de tal laurel. Gosto do Llosa romancista, mas admiro ainda mais o Llosa ensaísta. Poucos escriitores são capazes de incitar à leitura e declarar o amor aos clássicos como o peruano. Seu elogio do Quixote só é comparável àquele feito por outro gigante, J.L. Borges. Llosa deixa claro que “oficinas de escrita criativa”  são nada para quem nunca leu Flaubert e Faulkner. Se me perguntassem qual o melhor romance e qual o melhor ensaio de Llosa, sem direito a escolher mais do que um deles, a minha resposta seria: Conversa na Catedral e Breve discurso sobre a cultura, respectivamente. Em seu Breve discurso, pouca vezes encontrei alguém com a coragem necessária para  implodir, juntos, Foucault, Derrida e Paul de Man, acusados, acertadamente, “de propensão aos sofismas e ao artifício intelectual (…) não eram sérios, jogavam com as idéias e as teorias como os malabaristas de circo com argolas e peões que divertem e até maravilham, mas não convencem”. Kierkegaard dizia que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer. Para Llosa, é tudo aquilo que faz da vida algo digno de ser vivido. Diria eu que cultura é o caminho que o homem percorre para fazer da vida algo digno de ser vivido.                                       

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