Filmar depois de Auschwitz

Max Horkheimer (na frente à esquerda), Theodor Adorno (frente à direita) e Jürgen Habermas ao fundo à direita em 1965 na cidade de Heidelberg.

Acabo de chegar do cinema. Fui assitir a Um homem bom (tradução do original “Good”), filme dirigido pelo brasileiro Vicente Amorim. A trama é baseada na vida de John Halder (Viggo Mortensen), um professor universitário alemão de literatura, ex-combatente da Primeira Grande Guerra, que se torna membro da SS em virtude de um romance que havia escrito defendendo a eutanásia e que atrai a atenção do Terceiro Reich. O filme mostra a antiga amizade entre Halder e o seu psicanalista judeu até o momento da separação deles por razões óbvias. Halder, que não acreditava no “plano alemão” de erradicação dos judeus, só percebe a máquina de destruição e genocídio que Hitler engendrara ao visitar um campo de extermínio na tentativa desesperada de salvar seu amigo. O filme é enfadonho e Mortensen não convence. A sua atuação é fraca e está longe de toda a benevolência que a crítica lhe rendeu. É mais um filme fruto da sociedade imediatista em que vivemos, que acaba por adensar toda a “mensagem” desejada em pouco mais de trinta segundos de película. Não existem mais Bergmans e Fellinis. Definitivamente. Por outro lado, o filme levanta algumas questões interessantes. Seria um romance, um material ficcional, capaz de conferir o status de “especialista” ao seu autor pelo simples fato de ter abordado um tema em particular de maneira aprofundada? Algo como nomear Machado de Assis doutor em psiquiatria pela autoria de “O alienista”. Outro aspecto, mote da obra de Amorim, é considerar a possibilidade ABSURDA que um alto oficial da SS desconhecesse o origem humana da nuvem negra exalada pelas chaminés de Auschwitz. Caro Amorim, que Adorno continue reverberando em nossos ouvidos “…Escrever um poema depois de Auschwitz é bárbaro…”, assim como é bárbaro que se façam filmes como esse. Pelo menos não agora. Não ainda.

Felicidade coletiva?

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Ella Fitzgerald, My happiness

Li no edge. Nicolas A. Christakis, médico e sociólogo, professor em Harvard, é um dos mais respeitados estudiosos de “social networks”. Resumidamente, Christakis e seus colaboradores defendem a idéia que a felicidade não é apenas uma função decorrente da experiência individual, mas uma propriedade de grupos, “as emoções são fenômenos coletivos”. Diz o pesquisador que “a felicidade de uma pessoa está relacionada à felicidade de seus amigos, dos amigos de seus amigos e dos amigos dos amigos de seus amigos”. Além disso, “cada amigo novo feliz que é inserido em sua “rede social” aumenta em 9% a probabilidade de você estar feliz”. Ou seja, “a chance de felicidade de uma pessoa está além de seu horizonte social”. Se isso for verdade – ou, de modo mais importante, você acreditar que é verdade – está aqui uma sugestão de plano para o ano que se aproxima: afastar-se de pessoas casmurras, sorumbáticas. Em tempos de crise, sei não. Mas 2010 tá logo aí…

Nossa mente ontológica

Hannah Arendt

Os psicólogos evolucionistas tentam explicar e justificar a existência de um “sentimento inato de religiosidade”. Segundo esses especialistas, possuir uma crença religiosa, acreditar em alguma divindade ou ser supremo teria uma função de preservação da espécie humana por encerrar respeito ao próximo e estimular a constituição de família. Ontem, após conversa com o amigo Karl (ecce medicus), passei a enxergar com certa cautela tal argumento evolucionista. O sábio amigo, um diletante bem sucedido no campo da filosofia, dissertou sobre a natureza metafísica da cognição humana, aqui entendida como a busca pelas causas primeiras do ser. O nosso raciocínio cognitivo, segundo Arendt, sempre desemboca em uma deidade, solução apaziguadora de nossos conflitos psíquicos, de nossa necessidade irrefreável de não deixar questão sem resposta. É bastante acertada a noção que o background cultural do indivíduo exerce papel preponderante na trajetória traçada desde o momento de formulação da indagação “metafísico-ontológica” até a solução redentora transcendental, divina. A quebra ponderada e refletida dessa maneira ancestral de raciocinar levaria ao ateísmo. Isso ficou claro durante a leitura da correspondência entre o judeu-ateu Philip Roth e a católica-atéia Mary McCarthy transcrita no livro Entre nós, citado no post anterior. Os dois escritores exemplificam como a cultura influencia e modifica a destruição da cognição metafísica que nos leva até um deus. Judeus e católicos necessitam de caminhos mentais diferentes para a resolução do problema levantado por Hannah Arendt. Será que nunca nos livraremos da herança judaico-cristã? Nietzsche está morto?

Roth encara o “Shoah”

Sobre Entre nós (Cia. das Letras), coletânea de entrevistas feitas por Philip Roth. O escritor vai ao cerne das questões essenciais com os seus entrevistados, sem perguntas retóricas ou que queiram demonstrar a superioridade intelectual do entrevistador. Há algumas passagens que mereceriam um pouco mais de dissecção, que dão ao leitor a impressão de uma edição talvez meio precoce demais. As entrevistas com os escritores judeus Primo Levi (1986), Aharon Appelfeld (1988) e Ivan Klíma (1990) dificilmente alcançariam o mesmo impacto caso o entrevistador não fosse também judeu. Poucos poderiam elaborar a indagação feita por Roth e dirigida a Appelfeld: “Afinal, o que fizeram os sobreviventes do Holocausto, e de que modo eles foram irremediavelmente modificados?” Diz Appelfeld: “O Holocausto é o tipo de experiência monstruosa que nos reduz ao silêncio. Qualquer procedimento, qualquer afirmação, qualquer ‘resposta’ é minúscula, sem sentido, por vezes rídicula. Até mesmo a maior das respostas parece mesquinha”. Resumidamente, Appelfeld diz que duas foram as consequências do Holocausto: o sionismo (há um lugar seguro, “o mundo inteiro não é mau”) e a postura religiosa (“paradoxalmente, como um gesto dirigido a seus pais assassinados, muitos dos sobreviventes adotaram a fé religiosa… Mas é uma posição sufocante, uma espécie de monasticismo judaico, de autopunição indireta”). “Nunca mais ser como carneiros levados ao abate”. Nunca mais.

Domingo

Caros leitores, estive ausente do blog por motivos profissionais. Cheguei há pouco de Belo Horizonte. Espero aproveitar o domingo para colocar meus frívolos prazeres em dia, mais especificamente:
1) Ler Entre nós (Cia. das Letras, 178 páginas), coletânea que reúne entrevistas feitas por Philip Roth com escritores como Primo Levi, Edna O’Brien e Saul Bellow, dentre outros;
2) Ler as revistas Píaui e Bravo!. Nessa última, já li a excelente entrevista com Millôr Fernandes, que relembrou uma de suas mais profundas e eternas frases: “Como são admiráveis as pessoas que não conhecemos muito bem”.
3) Ouvir Billie Holiday cantando April in Paris.

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