Somos todos bárbaros
Retomando o post anterior, ainda com Bertrand Russell e a internet. Já não é de agora que tenho discutido com amigos o papel da internet no sistema educacional mundial e, consequentemente, brasileiro. A visão arcaica do professor como detentor exclusivo do saber, postado à frente da sala de aula, monotonamente monologando na presença de alunos passivos, está com os seus dias contados. Mais do que nunca, informação não pode ser confundida com formação. A primeira está ao alcance de qualquer indivíduo com acesso à internet e minimamente familiarizado com o google e a wikipédia. A segunda é muito mais complexa e sofisticada em suas múltiplas facetas. Premonitoriamente, disse Russell em 1959: “(…) o ensino não é um processo de transmitir informação. Em parte, é claro, deve haver isso. Mas não é a única função do professor, nem a mais importante. Na verdade, isto é mais evidente hoje do que à época dos gregos, quando registros eram mais raros e mais difíceis de se obter do que agora. Atualmente, é razoável pensar que qualquer pessoa que saiba ler poderá recolher informações numa biblioteca. É cada vez menos necessário um professor para transmitir mera informação. E por isso tanto maior é o mérito dos filósofos gregos, por terem compreendido como se deveria realizar uma genuína educação. O papel do professor é de orientador, de levar o aluno a ver por si mesmo.(…) Educação, pois, é aprender a pensar sob a orientação de um professor” (in “História do pensamento ocidental“). Não será o verdadeiro paradoxo do progresso aquele relacionado às ideias? Pois já não conheciam os gregos antigos – pré-socráticos, pitagóricos e socráticos – a diferença abissal entre formação e informação? Será que, quando se fala em educação, a ninguém ocorre a epifania de um atraso de mais de 2500 anos? Somos todos bárbaros.
“Bárbaro”, etimologicamente, significa “não grego”.
Sexto sentido
Bertrand Russell (fonte: Enciclopédia Britânica)
Como faz todos os anos, o site EDGE – que alguém já disse se tratar de uma recriação em forma eletrônica dos antigos salon littéraire – lançou a pergunta de 2010: How is the internet changing the way you think? (literalmente, Como a internet está mudando a maneira como você pensa?). Opinião de consenso, seja qual for a mudança em nossa maneira de pensar, a internet é muito melhor que pior. Não fui (ainda) convidado pelo site para emitir a minha opinião, mas fiquei pensando em quanto tempo talvez eu tenha perdido durante minhas leituras pré-revolução digital. Neste exato momento estou relendo a “História do pensamento ocidental”, do Bertrand Russell. É inacreditável quantas vezes consultei o google e a wikipédia, e, por isso, tenho certeza de estar aproveitando a leitura muito mais que da primeira vez. E a Enciclopédia? Nada contra o trabalho de Diderot e D’Alembert, mas a acessibilidade – sem falar em portabilidade – a esse valioso instrumento ficava restrita a poucos lugares, tais como a minha própria casa ou bibliotecas. Enfim, caro EDGE, a internet está mudando a maneira como eu leio, pelo menos.
A profecia da amnésia global produzida pela internet ainda é difundida por alguns agourentos, que dizem ter certeza que é mera questão de tempo. Além de discordar dessa previsão, acredito que a internet possa ter nos legado o verdadeiro sexto sentido: o mouse de nossos computadores.
2010 e os arquétipos platônicos
Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias; dezenove séculos depois, no sul da província de Buenos Aires, um gaúcho é agredido por outros gaúchos e, ao cair, reconhece um afilhado seu e lhe diz com mansa reprovação e lenta surpresa (estas palavras devem ser ouvidas, não lidas): “Pero, che!“. Matam-no e ele não sabe que morre para que se repita uma cena.” (J.L. Borges, “A trama”, in O Fazedor)