Babel: a big mistake?

Na última sexta-feira, em meio a uma semana muito atribulada, tive a rara oportunidade de jantar com duas das maiores autoridades do mundo no que diz respeito às ciências cognitivas – leia-se, basicamente, linguagem e memória. Foi interessante notar as posições divergentes entre os dois “experts”. Um deles, do qual discordei e permaneço ainda irredutível, defendeu a tese de que “Babel was a big mistake”. De acordo com os seus argumentos, um planeta sem barreiras linguísticas seria mais justo, mais humano, uma vez que a língua seria o mais poderoso elemento aglutinador de pessoas – algo como a teoria da revolução permanente de Trotsky, o tal comunismo sem barreiras. Já o outro eminente pesquisador disse exatamente o contrário: as diferentes línguas aglutinam homens que compartilham uma cultura própria, com valores sociais, morais e humanos particulares, e, a partir dessa diversidade cultural, nós podemos aumentar o nosso repertório mental (cognitivo) quando entramos em contato com essas diferenças. Essa última visão é muito próxima do que defendeu Nietzsche, ainda que de maneira muito peculiar: declarando o seu ódio ao idioma alemão. A discussão não foi decidida, mas o colega que defendeu o fim de Babel – e que cuja língua pátria é o idioma de Shakespeare- , instantes antes de entrar na discussão aqui descrita, perguntou para mim como é que ele poderia dizer “métier” em inglês, pois não estava conseguindo achar palavra melhor…

Gosto não se discute, se lamenta

No último domingo, durante o semanário Manhattan Connection (GNT), o economista Ricardo Amorim disse que o maior pintor holandês de todos os tempos foi Van Gogh. O tema em pauta era uma grande exposição na Big Apple sobre Rembrandt. É ponto pacífico que gosto não se discute, principalmente em arte. Mas discordo de Amorim. Como já escrevi neste blog, para mim nenhum pintor se compara a Rembrandt. Curioso notar que, dentre os quadros mais caros vendidos no mundo para museus e colecionadores, há muitos Van Goghs e nenhum Rembrandt. Seria esse um argumento a favor do jovem economista? O preço é o melhor parâmetro para se classificar uma obra de arte como superior a outra?

Hobsbawn, um homem de extremos

Não sei se já disse, mas muito aprendi com Eric Hobsbawn. Acabo de ler artigo publicado originalmente no periódico inglês The Guardian e traduzido no Estadão de hoje. O texto cita a controvérsia que envolveu o historiador em 1994, que quando indagado pelo entrevistador da BBC2 se 20 milhões de mortes seriam justificadas para criar uma utopia comunista – uma pergunta sobre os gulags stalinistas – respondeu “sim”. Acredito, pessoalmente, que a resposta de Hobsbawn não teve a dimensão malévola que deixou transparecer ao público. Cabeça de historiador, comunista ou fascista. Por isso, prefiro não entrar nessa discussão. Mas o ponto interessante do artigo é a declaração de que o nonagenário comunista nunca usou calça jeans, um símbolo claro do “imperialismo” norte-americano. Por outro lado, a grande paixão do discípulo de Heródoto é o jazz, uma genuína criação do “império ianque” – aspas, aspas e mais aspas, antes que me mandem e-mails me chamando de “comunista enrustido”. “Convencido de não ser sexualmente atraente, eu deliberadamente reprimi a minha sensualidade física e meus impulsos sexuais. O jazz trouxe a dimensão da emoção física indizível, inquestionável, numa vida que não fosse isso seria quase monopolizada por palavras e os exercícios intelectuais.” Nós, seres paradoxais, contraditórios. Resta-nos ouvir Coltrane, em confortável poltrona, trajando jeans e tragando um puro scotch.Cheers!

Kant e o lenocínio

La maja desnuda, Goya, 1797-1800

Após o fechamento de algumas famosas casas de prostituição em São Paulo, não sem excessos cometidos tanto pela mídia quanto pela polícia, típicos de nossa “sociedade do espetáculo”, como diria Debord, voltei a questionar-me sobre a legitimidade da ocupação outrora exercida por Valéria Messalina. A lei brasileira não diz que a prostituição é crime, mas sim a sua exploração, que é chamada de lenocínio e está prevista nos artigos 227 a 230 do Código Penal. Portanto, o fechamento dos bordéis de luxo não foi nada além do cumprimento da lei, ainda que todos nós saibamos que existem outros milhares de lugares semelhantes que seguem funcionando sem maiores problemas. Immanuel Kant fez uma importante distinção entre o que ele conceitou de “próprio” e “de propriedade”. Segundo o filósofo alemão, o corpo é “próprio” do indivíduo, e, assim, ele pode fazer o que bem entender, até mesmo negociá-lo. Já o ato da prostituição, em que está explícita a presença de duas partes, o vendedor e o comprador, faz com que o corpo, até então “próprio” da moçoila, passe a ser, ainda que por poucos instantes, “de propriedade” do contratante. Eis que se estabelece o problema. O corpo, “próprio”, é inalienável, mas perde essa característica durante o ato da prostituição, pois agora torna-se “de propriedade” daquele que contratou os serviços e, assim, passível de ser submetido aos mais sádicos desejos e rituais do zé- mané, que, afinal de contas, “está pagando”. Do ponto de vista filósofico, parece a prostituição recriminável. Prefiro não me aventurar em praias psicanalíticas. De qualquer modo, lembre-se: “Ouça-me bem amor/Preste atenção o mundo é um moinho/Vai triturar teus sonhos tão mesquinho/Vai reduzir as ilusões à pó/Preste atenção querida/Em cada amor tu herdarás só o cinismo/Quando notares estás à beira do abismo/Abismo que cavastes com teus pés”. Só o cinismo…

“O mundo é um moinho”

Críticos da chamada era da superespecialização não faltam. É dito corrente “o especialista é alguém que sabe cada vez mais sobre cada vez menos”. Mas será tão deletéria assim a especialização, o estudo menos raso, mais abrangente de determinadas questões? Muitas vezes, durante as minhas aulas, sou indagado pelos jovens universitários a respeito da profundidade com que devem estudar a matéria que foi ministrada em sala. “Mas preciso saber esse detalhe?” “O senhor vai perguntar isso na prova, tão rodapé de livro?”. Serenamente, respondo com uma história verídica, acontecida com Ney Matogrosso. O artista gravou uma coletânea intitulada “Romântico”, que incluía a famosa – e a mais bela – canção de Cartola, “O mundo é um moinho”. Nesse CD, pode-se ouvir “(…)preste atenção/o mundo é um moinho/ vai triturar teus sonhos tão mesquinhos”. Pouco tempo depois, Ney gravou um CD exclusivamente com músicas do Cartola e, para tanto, estudou um pouco melhor a vida e a obra do genial artista. Produto desse estudo, no CD “Ney Matogrosso interpreta Cartola” ouve-se a mesma canção: “(…) o mundo é um moinho/ vai triturar teus sonhos tão mesquinho”. Note que, nessa última versão, Ney retirou o “s” e cantou mesquinho, e não mais “mesquinhos”. O estudo mais apurado fizera o intérprete entender que a intenção de Cartola era concordar “mundo” com “mesquinho”, e não “sonhos” com “mesquinhos”. Afinal, sonhos nunca são mesquinhos. Já o mundo, não deixa de nos dar provas de que é indiscutivelmente mesquinho. Caros alunos, estudar um pouco mais não vos fará mal e poderá torná-los mais generosos.

Essência e existência

Paul Cézanne, Retrato de Gustave Geffroy, 1895-6.

Husserl, pai da fenomenologia, durante sua carreira acadêmica em Freiburg tivera por aluno e protegido Martin Heidegger. O fenomenologista moravo, nascido judeu, converteu-se ao luteranismo praticante aos 27 anos de idade. No entanto, apesar de sua nova crença, foi expulso da Universidade de Freiburg am Breisgau por seu ingrato e anti-semita pupilo Heidegger, que se tornara reitor quando Husserl já estava aposentado e continuava realizando suas experiências na Universidade, em virtude de sua ascendência judaica. Entre as idéias mais interessantes da fenomenologia está aquela que diz ser a obra de arte uma mediadora entre a consciência do autor e o leitor. Sobre a pintura, Merleau-Ponty, fenomenologista husserliano, escreveu: “Essência e existência, imaginário e real, visível e invisível, a pintura confunde todas as nossas categorias ao desdobrar seu universo onírico de essências carnais, de semelhanças eficazes, de significações mudas”. Isso está em “O olhar e o espírito” (Cosac Naify), que me tomou boa parte deste domingo e me fez refletir sobre o papel da pintura, mais uma vez. Quem sabe, para o próximo post eu escreva algumas novas impressões. Deixo, acima, uma das muitas ilustrações que acompanha o livro.
P.S.: Husserl foi punido por sua essência judia, mas não foi poupado por sua existência luterana.

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