Montaigne e Tasso

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Caros Amigos,

eis a primeira postagem na casa nova, o ScienceBlogs Brasil. Depois de muito trabalho e ajuda dos ScienceBlogueiros Atila, Hotta e Karl, estou escrevendo. Escolhi, como poderão notar à esquerda do banner “Amigo de Montaigne”, uma tinta a óleo de Fleury-Richard (1777-1852) para ilustrar o novo site. Intitulado “Montaigne e Tasso”, no óleo em questão é possível enxergar, em destaque, o filósofo francês – em pé, à esquerda – e o poeta italiano – sentado, à direita. A luz, trabalho digno dos grandes mestres, revela a face inquieta de Torquato Tasso. Com a pena na mão direita, ele parece ansioso por não perder o momento inspirador, como alerta-nos a sinistra. Por outro lado, Montaigne, com menos luz mas não menos iluminado, empresta à cena sua figura amável, pronta a amainar uma impensada e impulsiva quase atitude de Tasso. Sempre me intrigou a presença de uma terceira figura, que espreita, de soslaio, a tensão implícita dos protagonistas. Assim espero que seja o Amigo de Montaigne: que tenha a inquietude produtiva dos grandes poetas, a serenidade dos maiores pensadores e o olhar atento de seus frequentadores.         

O imponderável é o deus da certeza

Gela, Sicília.

Rio de Janeiro, 16 de novembro de 2009. Era para ser mais um dia de tantos iguais. Mulher, pouco mais de 40 anos. Arranjara um bico, copeira em festa de bacana em Botafogo. Com o dinheirinho, planos para um Natal mais gordo, com peru, farofa e brinquedo para o filho. Não que tivesse um só, mas aquele, tal qual fizera Deus com Abel, fora o escolhido da vez. Talvez sobrasse algum para ajudar o marido com o material de construção, ainda refletiu. Trabalho terminado. Início da madrugada. Subiu no ônibus. Poucos pensamentos e minutos depois, o estrondo. Uma pedra, pesando 20 quilos, certeira em sua cabeça, acabou com ela e com o sabor antecipado de peru recheado com farofa.

Gela, província de Caltanissetta, Sicília, 455 a.C.. O dia estava soberbo. A brisa do Mediterrâneo acariciava a face barbada e a calva do grande dramaturgo grego. Partira de Atenas incontáveis dias antes. A caminhada, antecipando o peripatético conterrâneo Aristóteles, sempre fora, desde Os persas, o artifício inspirador de suas Tragédias. Aquele dia não seria diferente. Caminhar, esboçar, mentalmente, os diálogos de Prometeu Acorrentado e arranjar algo para comer. Ledo engano. Muitos pensamentos e minutos depois, o estrondo. Desgarrada de uma águia, a carapaça de uma tartaruga fez da cabeça de Ésquilo o seu alvo acidental. Inerte, jazia o corpo no solo quando sicilianos o encontraram. Metatragédia?

O imponderável é o deus da certeza. Assim sintetizo a leitura do belíssimo livro “Como deixei de ser Deus”, do amigo Pedro Maciel ( Topbooks, 150 págs., R$ 29), e que inspirou o post acima.

De mudança

Caros Leitores,

este blog está de mudança. Apesar de não se tratar exatamente de um blog de ciências, o Amigo de Montaigne é um dos três mais novos integrantes do ScienceBlogs Brasil. Fundindo ciências biológicas e humanidades, o ScienceBlogs deixa clara a sua vocação para cadinho do conhecimento.

Devo especial agradecimento ao Karl, do Ecce Medicus, que insistiu na inscrição do Amigo de Montaigne na votação que selecionaria novos integrantes do ScienceBlogs Brasil. Obrigado!

Enquanto aguardo a migração do blog para o novo endereço, as postagens continuarão por aqui.

Espero encontrá-los, em breve, no http://scienceblogs.com.br/amigodemontaigne/.

“Paira, monstruosa, a sombra do ciúme”

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O filósofo Stanley Cavell sublinhou – não que seja novidade – a genialidade de Shakespeare em Otelo. A começar pelo nome dos protagonistas, Otelo e Desdêmona. Lidos no original, temos OtHELLo e DesDEMONa. A tragédia shakesperiana, desde a página inicial, por meio da simples listagem das personagens, já se anunciava. Mais que um simples anúncio, o leitor mais obsessivo poderia antecipar uma relação de complementaridade fatal entre o casal. Outros poderiam enxergar nos nomes uma alegoria ao ciúme como um dos demônios que habitam o inferno. O ciúme, plantado na cabeça do bom mouro pelo pérfido alferes Iago, nubla o julgamento de Otelo. Ferido em sua autoestima, envenenado em suas ideias, seu julgamento coloca em prática o mortal desfecho. Duas perguntas atormentam, desde Coleridge, os estudiosos da tragédia. Por que Iago fez o que fez? E, ainda de modo mais importante, a segunda pergunta: por que Otelo fez o que fez? As respostas poderiam ser, respectivamente, maldade e prosaísmo. A primeira não necessita de maiores explicações. A segunda, pelo ousadia petulante deste blogueiro, sim. Ninguém está imunizado contra o ciúme. Todos nós, seres prosaicos, estamos vulneráveis a ele. É o ciúme o mais potente fraturador de nosso narcisismo. Somos postos, sem aviso prévio, em segundo plano, preteridos por quem mais prezávamos – e, mais grave, que pensávamos que também mais nos prezava. E o estrago é ainda maior quando o ciúme é absolutamente nada mais que um falso constructo de nossa percepção – tal qual em Otelo. A impassibilidade não poderia ser uma resposta na tal tragédia shakesperiana? Conforme nos ensinou Montaigne, não. “E vemos que em suas paixões a alma prefere iludir a si mesma, construindo para si um motivo falso e fantasioso, até mesmo contra sua própria convicção, em vez de não agir contra coisa alguma.”

Domingo nublado

Claude Lévi-Strauss

Depois de alguns dias de intenso sol e calor, hoje amanheceu nublado. Menos pior. Fui convidado a participar de uma mesa redonda para discutir os limites de aferição da consciência. Independentemente da causa, após três semanas em coma, os indivíduos, quase sempre, abrem os olhos. Está restabelecido o ciclo sono-vigília. Durante o dia, olhos abertos; à noite, fechados. O dilema está, para quem avalia esses sujeitos, em determinar se há qualquer percepção de si próprio ou do ambiente. Caso não haja, trata-se de estado vegetativo, termo científico cunhado em 1972 por um grupo de neurocientistas. Caso contrário, quando é possível, objetivamente, detectar-se algum esboço de atividade mental – por exemplo: chorar quando o sujeito ouve a voz da filha, sorrir quando vê o neto, seguir o cãozinho com os olhos – estamos diante do diagnóstico de estado minimamente consciente. Será que existe alguma diferença prática entre esses dois estados, vegetativo e minimamente consciente? Sim, tanto do ponto de vista biológico – o metabolismo cerebral dos indivíduos em estado minimamente consciente é mais próximo dos indivíduos normais do que aqueles em estado vegetativo; não há percepção consciente de dor no estado vegetativo e há na outra situação – quanto do ponto de vista prognóstico – há relatos de recuperação total ou quase total da consciência após muitos anos em estado minimamente consciente, porém nenhuma possibilidade de recuperação quando em estado vegetativo persistente. Em 2006, pesquisadores ingleses relataram o caso de uma mulher de 23 anos de idade que, após um acidente automobilístico, encontrava-se há cinco meses em estado vegetativo. Submetida a avaliação por ressonância magnética funcional (fRM), ferramenta que permite observar as áreas cerebrais mais funcionantes sob a execução de determinada tarefa, foi notado que a mulher apresentava padrão de fRM idêntico àquele de indivíduos normais submetidos ao mesmo teste. Pedia-se que o indivíduo se imagina-se jogando tênis. Depois, que fizesse, mentalmente, o trajeto, a partir da entrada de sua residência, por todos os cômodos da casa. Assim, apesar de não exteriorizar qualquer vestígio de percepção, sua decisão de colaborar com os pesquisadores na realização de tarefas específicas tão sofisticadas pode ser interpretada como prova clara de que estava perceptiva de si própria e do meio ambiente. Como disse Claude Lévi-Strauss,”A ciência por si só é incapaz de responder todas as perguntas e, apesar de seu desenvolvimento, ela nunca vai”. Será?

Cocteau

“Quando uma obra parece avançada para a sua época, é simplesmente porque a sua época está atrasada em relação a ela”. De Jean Cocteau, essa é a frase que resume o meu feriado.

Depois de algumas idas e vindas, é engraçado como acabo caindo em Cocteau. Qual será a origem dessa estranha capacidade – ou será coincidência – que algumas pessoas possuem de falar, antes e melhor, aquilo que sublinha o nosso pensar e o nosso sentir em momentos tão singulares?

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