Canadá (1)
Caros amigos, acabo de aterrissar em território brasileiro. Foram pouco mais de quinze dias de ausência deste blog. Vamos aos destaques. Museu de Belas Artes de Montreal – além do ótimo acervo, tive a sorte de visitar os últimos dias da exposição “Love”, sobre a vida e a obra de Yves Saint Laurent. Confesso que não era dos mais entusiasmados, pois está longe de ser minha área de interesse a moda ou os seus ícones. Saí com a impressão de que YSL esgotou a moda, nada mais é novidade, nada mais é original e nada mais é mais elegante que um vestido noir de YSL. Talvez falte aos estilistas atuais o profundo contato e conhecimento que YSL tivera com a melhor literatura de todos os tempos, a sua formação humanista, ponto muitas vezes e intencionalmente deixado de lado em qualquer nota biográfica. YSL faz até Madonna parecer old-fashioned. Museu da Civilização de Ottawa – na capital canadense, o prédio do museu cheio de curvas e recortes já vale a visita. O ponto alto foi a exposição temporária sobre o pianista canadense Glenn Gould, o meu favorito intérprete de Bach. Havia vasto material multimídia. Dentre eles, o mais interessante era uma estação que convidava o visitante a ouvir cinco interpretações da variação Goldberg número 18, todas elas executadas em diferentes ocasiões por Gould, e tentar descobrir o que havia de diferente entre elas – como comentário, podia-se ler o seguinte depoimento do pianista: “Nunca toco a mesma música da mesma maneira. Para isso existem as gravações de concertos”. As diferenças estavam na velocidade e na intensidade da execução. Outros destaques – Museu da Civilização de Quebéc, a região de Charlevoix, a exposição “Passengers” sobre o aniversário de 400 anos da cidade de Quebéc (1608-2008), livrarias (comprei o último livro do Philip Roth, Indignation), restaurantes e bistrôs em geral e a cordialidade do povo canadense.
P.S.1: Estou devendo algum comentário sobre o livro do Alberto Manguel, “A cidade das palavras”, e o farei em breve. Coincidência ou não, Manguel, que é cidadão canadense, cita a seguinte passagem (página 74): “Reza uma lenda que o nome ‘Canadá’ foi dado ao país quando os primeiros exploradores espanhóis desembarcaram na Colúmbia Britânica e exclamaram’Acá nada!'”.
P.S.2: Tentarei responderei alguns dos muitos e-mails que recebi nesse período. Agradeço o carinho de todos.
Férias

Caros amigos, estou de malas prontas. Viajo hoje para Montreal, onde terei um compromisso científico de quatro dias e, depois, férias. Aproveitarei para conhecer Ottawa e a região de Quebéc. Na mochila, já está o novo e enxuto – pouco mais de 100 páginas – livro do Alberto Manguel, “A cidade das palavras”, além de “História universal da destruição dos livros”, de Fernando Báez. Em ambas as obras existe a oportunidade do leitor ser apresentado a Gilgamesh, considerada a mais antiga epopéia, a mais antiga história contada. É evento raro a sua citação, diferentemente da “Ilíada” e “Odisséia” e, até mesmo, da “Eneida”.
Espero, ao voltar, que a turbulência da Bolsa já tenha passado, que a Bolívia de Morales tenha se acertado pacificamente e que o técnico da seleção brasileira seja outro. Será que estou pedindo muito?
“Shall memory restore
The steps and the shore
The face and the meeting place;”
(W.H. Auden)
Cinco canções
Fazer “listas” é um prazer doído, uma vez que, invariavelmente, esquece-se de alguém. De qualquer modo, cito aqui cinco composições que julgo ser meu dever preservar-lhes a memória. Acrescento o “duo” de intérpretes favoritos para cada uma delas segundo o meu gosto.
1- Canção da manhã feliz, de Haroldo Barbosa e Luís Reis na interpretação de Nana Caymmi e Miltinho
2- Chão de estrelas, de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa na interpretação de Nelson Gonçalves e Raphael Rabello
3- Medo de amar, de Vinícius de Moraes na interpretação de Tom Jobim e Paula Morelenbaum
4- Que reste-t-il de nos amours, de Charles Trénet na interpretação magistral de Henri Salvador e Rosa Passos
5- Pedaço de mim, de Chico Buarque na interpretação do próprio Chico e de Zizi Possi.
Cinco.Só cinco. É uma pena.
Conceição
Encontrei Conceição hoje. Como sempre, estava bem arrumada, maquiada, cabelo preso. Assim que me viu, abriu o seu largo e gentil sorriso e me deu o seu cordial bom dia. Negra, não deixa evidente os seus mais de sessenta anos. É telefonista. Passa o dia a fazer ligações a pedido de gente graúda. Reza a história que não conhece o mau humor. É pá-pum, batata: vejo Conceição e lembro-me imediatamente de Ella Fitzgerald e de Manuel Bandeira. A alegria, a vitalidade, o alto astral de Ella. Isso é Conceição. Do tuberculoso escritor, invadem o meu pensamento os versos de “Irene no céu”: Irene preta/Irene boa /Irene sempre de bom humor./ Imagino Irene entrando no céu:/ — Licença, meu branco!/ E São Pedro bonachão:/ — Entra, Irene. Você não precisa pedir licença. Conceição também é isto: Irene adiada. Tenho fé em descobrir, além de toda sociologia, para lá de qualquer antropologia, o que faz, apesar de toda força em contrário, de algumas pessoas Conceição, Irene e Ella. Que não demore muito, Amigo de Montaigne! Tempus fugit.